Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1365/11.4TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
DEPÓSITO
EXECUÇÃO
PENHORA
VENDA
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: J1 DA SECÇÃO DE EXECUÇÃO DA INSTÂNCIA CENTRAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 88, Nº 1, E 149, NºS 1 E 2 DO CIRE
Sumário: 1. Declarada a insolvência do executado, o dinheiro que porventura se ache depositado em execução contra este movida, constituindo produto de penhora aí efectuada ou da venda de bens aí penhorados, é pertença da massa insolvente e para ela deve ser apreendido.

2. Apenas obsta à integração desse bem na dita massa insolvente a circunstância de já ter ocorrido pagamento do exequente ou dos credores executivos, nos termos dos art.ºs 88, nº 1, e 149, nºs 1 e 2 do CIRE.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Na execução comum que no J1 da Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Coimbra A..., LDA, move a B... , S.A., foi penhorado um crédito da Executada sobre a Junta de Freguesia de C... (Porto) no montante de € 25.000,00.

Tendo aquela devedora requerido a liquidação do aludido valor em duas prestações iguais, com vencimentos em Janeiro e Abril de 2013, em 14 de Janeiro de 2013 veio a Exequente dizer nada ter a opor a esse pagamento fraccionado.

Em 13.02.2013 foi declarada a insolvência da Executada.

Pela devedora C... foi entretanto depositada a primeira prestação de € 12.500,00, em cumprimento da penhora do crédito da Executada e do acordado fraccionamento do seu pagamento.

Em 11.11.2013 notificou a Sr.ª agente de execução a Exequente da sua nota de honorários e despesas, no qual indicava um saldo a favor da massa insolvente de B... , S.A. de € 11.257,05.

Deduziu então a Exequente reclamação em que pugnou pela intempestividade daquela nota e, bem assim, pela falta de fundamento para a afectação do valor penhorado à insolvência.

Sobre esta reclamação recaiu o despacho de 35-36, no qual se decidiu indeferir a reclamação deduzida e manter “ a transferência para a massa insolvente dos valores em causa”.

Inconformada, deste despacho interpôs a Exequente A... recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Os pressupostos de facto a ter em consideração são apenas os que decorrem do relatório que antecede.

                                                                                  *

A apelação.

O vertente recurso incide sobre duas questões:

A intempestividade da apresentação da nota discriminativa de honorários e despesas pela Sr.ª agente de execução;

A afectação da quantia depositada na execução à massa insolvente da executada B... .

Não há contra-alegações.

Quanto à intempestividade da junção da nota discriminativa de honorários e despesas pelo Sr.ª agente de execução.

Entende a recorrente que a Sr.ª agente de execução apresentou a nota discriminativa a que se reporta o art.º 25 do Reg. das Custas Processuais sem que a execução se encontrasse extinta mas meramente suspensa nos termos do nº 1 do art.º 88 do CIRE.

No entanto, a decisão recorrida divergiu deste posicionamento, pois que apesar ter optado por manter a suspensão, também considerou que o caso devia ser tratado “como se o processo terminasse” implicando a elaboração conta final e definitiva.

Cremos que com razão.

Se não vejamos.

Estabelece o nº 1 do art.º 25 do R.C.P. que “Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa”.

Esta norma diz respeito “às partes que tenham direito a custas de parte”.

O nº 3 do art.º 26 do RCP identifica como custas de parte, além do mais:

“ (…)

b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;

(…)

d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

Decorre daqui que os honorários e despesas do agente de execução a este pagos pela parte vencedora entram em regra de custas como custas de parte.

Esta natureza de custas de parte das ditas despesas e honorários do agente de execução é ainda confirmada pelo art.º 541 do NCPC que se refere às custas da execução “incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução”.

Por sua vez, o preceito que rege o pagamento das quantias devidas ao agente de execução é o art.º 721 do NCPC onde se dispõe:

“1. Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas, bem como os débitos a terceiros a que as venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art.º 541.

2. (…)

3. (…)

4. O agente de execução informa o exequente e o executado sobre as operações contabilísticas por si realizadas com a finalidade de assegurar o cumprimento do disposto no nº 1, devendo tal informação encontrar-se espelhada na conta-corrente relativa ao processo.

5. (…)

Do nº 1 deste artigo infere-se que quando as despesas e honorários do agente de execução que hajam sido suportadas pelo exequente não possam ser reclamadas pelas custas do processo, pode o mesmo exequente reclamá-las autonomamente.

Da harmonização destas disposições tem de concluir-se que as despesas e honorários do agente de execução, como custas de parte que são, hão-de reflectir a actividade por ele desenvolvida durante o processo num momento em que relativamente a esse agente já não se preveja qualquer outra intervenção.

Esse momento será, em princípio, o da decisão final.

Mas no processo executivo é a lei que no citado nº 1 do art.º 25 manda que a parte com direito às custas de parte remeta a respectiva nota discriminativa e justificativa até cinco dias após a notificação de que foram pagas as quantias exequendas ou o produto da penhora, precisamente porque a partir destas ocorrências já não é previsível qualquer subsequente desenvolvimento com utilidade processual, nem, por conseguinte, a necessidade de novas diligências por banda do agente de execução.

Ora, neste aspecto equiparável ao efeito de uma decisão final, é também o efeito automático da declaração de insolvência do executado sobre a execução. É, aliás, isso mesmo que deriva do art.º 88, nº 1, do CIRE, inciso no qual se estatui que “A declaração de insolvência (…) obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (…)”.

É certo que a lei não alude à extinção da execução. Usando a expressão “obsta” também não afasta a extinção da lide. Apenas com aquele termo sinaliza que, cautelarmente, a execução não avança. O que se compreende pelo propósito de pôr o processo a aguardar a evolução normal da insolvência, permitindo a verificação, graduação e pagamento dos créditos respectivos, entre os quais o do exequente. Atingindo-se os fins da insolvência, a execução extingue-se então necessariamente.

Daí que, com a declaração de insolvência, a Sr.ª agente de execução pudesse – e até devesse – proceder à notificação da exequente ora apelante para os fins do mencionado art.º 721 do NCPC.

Sobre a transferência dos montantes depositados para a massa insolvente da Executada B... .

Dissente a apelante do segmento do despacho recorrido em que se mantém a transferência do saldo de € 11.257,05 dos valores depositados para a massa insolvente da Executada B... porquanto esse saldo “constituía sua propriedade aquando da sua aceitação do seu pagamento por terceiro”.

Também aqui – salvo o respeito devido – lhe falece razão.

É que não houve pagamento ou adjudicação à Exequente, pelo quem também esta não detém qualquer título translativo de bens penhorados ou de dinheiro depositado à ordem da execução.

Os valores a transferir resultam somente do depósito à ordem da execução (o que é o mesmo que à ordem do agente de execução) de uma quantia correspondente a uma parte do crédito penhorado.

Este depósito não pertence ao Executado mas à execução.

Destinou-se a satisfazer não só o crédito do Exequente mas outros eventuais créditos admitidos a concurso, créditos que por virtude de privilégio ou de garantia anteriormente constituída, poderiam mesmo inviabilizar a integral liquidação daquele.

Na verdade, só depois pago, em dinheiro ou mediante adjudicação de bens, com ou sem graduação do seu crédito, pode o exequente afirmar que recebeu ou adquiriu algo no processo executivo.

Neste mesmo sentido, cita-se aqui o que numa situação análoga se escreveu no Ac. desta Relação de 15.02.2011, no P. 1349/09.1TBCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. : 

“Penhorado um crédito, nos termos do art.º 856º do CPC, cumpre ao devedor que o não conteste, de harmonia com o disposto no art.º 860º, n.º 1, a), do mesmo código, depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução (ou à ordem da secretaria, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça).

Este depósito “à ordem do agente de execução”, embora desonere o devedor do executado, não equivale ao pagamento executivo - ou seja, à satisfação do crédito exequendo por força da entrega de dinheiro ou do produto da venda dos bens penhorados, designadamente -, falta de equivalência esta que mais é evidenciada pela circunstância de, tendo lugar a fase da reclamação de créditos, não só as diligências necessárias para a realização do pagamento apenas poderem ocorrer depois de findo o prazo para a reclamação (873, nº 1), como, também, pelo facto de a satisfação do crédito do exequente, pelo montante que se encontre depositado, só poder efectuada na medida em que ele não seja preterido por outro credor (874 n.º 1).

De tudo o exposto resulta que, penhorado um direito de crédito e tendo sido efectuado o depósito correspondente, nos termos do art.º 860, nº 1, do CPC, este depósito não equivale ao pagamento ao exequente, não havendo qualquer transmissão do montante depositado para o património deste, deixando, em face da declaração da insolvência do executado, de se poder efectuar através desse depósito e no âmbito da execução, o pagamento do exequente (art.ºs 88º, nº 1 e 149º do CIRE)”.

Como se nos afigura resultar indiscutivelmente da leitura dos nºs 1, al.ª a), e 2 do art.º 149 do CIRE, existindo produto de uma venda executiva, só o seu pagamento é impeditivo da sua apreensão para massa insolvente. E não poderia ser de outro modo, atento o princípio da conversão de todas as execuções singulares em execução única ou universal que decorre da própria finalidade do processo de insolvência inscrita no art.º 1º do CIRE: o de que este visa a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. Os bens penhorados ou o dinheiro depositado à ordem do agente de execução ou da secretaria servem para garantir a dívida do exequente e dos credores aí eventualmente reconhecidos e graduados, dispondo aquele, em princípio e apenas, da preferência de pagamento inerente à penhora, nos termos do art.º 822 do Código Civil.

Só uma vez pago o credor, com dinheiro ou com bens do executado ou de terceiro responsável, é que a propriedade desse dinheiro ou desses bens se transfere (tal como o crédito e a garantia se extinguem).  

Em suma, o recurso improcede.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins