Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2427/08.0TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
PRAZO
RESOLUÇÃO
INSPECÇÃO JUDICIAL
CONTRADITÓRIO
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.236, 410, 777, 808 CC, 3, 201, 202, 517, 612, 613, 660, 668, 1456 CPC
Sumário: 1. A realização de inspecção pelo juiz que preside à audiência de discussão e julgamento ao imóvel em que se integra a fracção autónoma cuja compra e venda foi prometida, sem que seja dada oportunidade às partes e seus mandatários de nela participarem constitui a prática de acto processual nulo, por violação do princípio do contraditório.

2. O conhecimento da nulidade da inspecção realizada com violação do princípio do contraditório depende de atempada reclamação da parte dirigida ao juiz que praticou o referido acto viciado, não sendo passível de ser conhecida em via de recurso, salvo se o prazo para a arguição da nulidade expirar depois da expedição do processo em recurso.

3. A previsão de que uma escritura pública de compra e venda prometida será celebrada durante o primeiro semestre de certo ano, estando em causa a promessa de compra e venda de fracção autónoma de prédio urbano a construir, não constitui a fixação de um prazo para cumprimento da obrigação de contratar.

4. A divergência entre a causa de pedir invocada como fundamento do pedido reconvencional e aquela que foi relevada na sentença final para firmar a procedência da pretensão reconvencional constitui o conhecimento de uma questão de que se não podia tomar conhecimento, afectando aquela sentença de nulidade de conhecimento não oficioso.

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 16 de Julho de 2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, C (…) instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra A (…) pedindo que se declare válida a resolução do contrato-promessa de compra e venda efectuada pelo autor ao réu e por culpa exclusiva deste e que o réu seja condenado a pagar ao autor a quantia de € 38.000,00 e juros de mora contados à taxa legal, a partir da citação.

            Em síntese, para fundamentar as suas pretensões, o autor alega que, a 13 de Junho de 2003, por documento escrito, prometeu comprar ao réu, que prometeu vender, uma fracção autónoma, sita na freguesia de ..., pelo preço de € 77.350,00, tendo logo entregue a título de sinal a quantia de € 19.000,00, acordando ambos que a escritura pública de compra e venda seria celebrada durante o primeiro semestre de 2005, devendo o alçado traseiro do edifício em que se insere a fracção autónoma ser protegido e dotado de um gradeamento, sendo o promitente vendedor informado que o autor pretendia adquirir a fracção apenas para efeito de investimento.

Alega que só em Dezembro de 2007 foi comunicada ao autor a possibilidade de realização da escritura de compra e venda prometida, tendo o autor comunicado a falta de interesse na celebração do contrato prometido por não ter sido cumprido o prazo acordado para a sua celebração e porque tal atraso inviabilizou a expectativa de lucro que o motivou a outorgar o contrato-promessa, além de que não foi colocado o gradeamento decorativo e de protecção no alçado posterior do prédio, pelo que pretendia a resolução do contrato-promessa, salvo se fosse colocado o gradeamento na fachada traseira do prédio e fosse reduzido o preço da prometida compra e venda.

A 16 de Maio de 2008, o autor recebeu uma carta do réu em que lhe dava o prazo de dez dias para manifestar por escrito a intenção de formalizar o contrato por escrito, sob pena de considerar o incumprimento definitivo e resolvido o contrato-promessa, tendo o autor respondido a 20 de Maio de 2008, também por carta, declarando que o contrato prometido só lhe interessaria se o réu aceitasse a redução do preço em quinze mil euros e mandasse colocar na fachada o gradeamento de protecção e estético em falta, concedendo ao réu dez dias para a aceitação, sob pena de se considerar de imediato resolvido o contrato-promessa por perda de interesse do autor, não tendo o réu dado qualquer resposta a esta última carta.

Efectuada a citação do réu para, querendo, contestar, o mesmo veio impugnar parte da factualidade articulada pelo autor e deduziu reconvenção pedindo que se declare válida a resolução do contrato-promessa, por culpa exclusiva do autor, declarando-se perdido a favor do réu o valor entregue pelo autor a título de sinal, porquanto o contrato prometido apenas se não celebrou em virtude do autor, invocando indisponibilidade de meios financeiros, não se ter disponibilizado para o efeito.

O autor replicou impugnando parte dos factos articulados pelo réu na contestação-reconvenção.

Findos os articulados fixou-se o valor da causa, dispensou-se a realização de audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes a integrar a base instrutória.

Após isso, ambas as partes ofereceram os seus meios de prova, requerendo a gravação da audiência.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova pessoal aí produzida, respondendo-se, de seguida, à matéria incluída na base instrutória.

A 16 de Agosto de 2010 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção, declarando-se válida a resolução do contrato-promessa por incumprimento definitivo do autor, sendo o autor condenado à perda a favor do réu da quantia entregue a título de sinal.

Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões:

“i. Não foi decidida de conformidade com a prova produzida a matéria de facto constante dos nºs. 1,,2.,3, e 5, que deveriam aqueles ser julgados totalmente provados e o último não provado;

ii. Do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre tais pontos, incluindo a prova gravada, impondo,. Salvo melhor entendimento, decisão diversa da que foi produzida, pelo que deve a mesma ser alterada de conformidade, ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 1, al. a) e b) do C.P.C.

iii. A visita ao local, a solo, pelo Mmo. Juiz do processo, desacompanhado das partes ou dos seus mandatário, sem prévia notificação aos mesmos, constitui inspecção judicial nula, por contrária à lei e, como assim, não tem validade.

iv. No contrato em causa, foi estabelecido um prazo para a realização de escritura, dentro do 1º semestre de 2005 e em função do fim para que o contrato foi celebrado, a mora verificada na realização da escritura, por culpa do Réu, que só a marcaram e puderam marcar para o início do ano de 2008, fundamenta a perda de interesse no contrato pelo Autor, e o seu incumprimento definitivo por parte do Réu, nos termos do artº 808º, nº 1, 1ª parte, do C. Civil, dando causa à sua resolução;

v. Além disso, essa perda de interesse no contrato, incumprimento definitivo e resolução é também fundada na divergência do respectivo objecto, traduzida em que a fracção construída e a entregar não correspondia à prometida, pela falta de gradeamento metálico, como se espera ver provado, no alçado do prédio, ou apenas ripado de madeira, e o Autor não poderia ser forçado a comprar aquilo que não contratou;

vi. A interpelação admonitória efectuada pelo reconvinte ao Autor não tinha os elementos e conteúdoi previstos na 2ª parte do nº 1 do artº 808º do C.Civil e, assim sendo, não foi efectuada de forma válida e eficaz, pelo que não poderia ser declarada, com esse fundamento, válida a resolução do contrato por culpa do Autor.

vii. Foram erradamente interpretadas e aplicadas as normas constantes dos artºs. 236º, nº 1, e 808º, nº 1 do C. Civil.”

            O recorrente pede que no provimento do recurso por si interposto seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção procedente e a reconvenção improcedente ou, se assim não for entendido, que a acção e a reconvenção sejam julgadas improcedentes.

            O réu ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso interposto pelo autor.

            O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da inspecção judicial realizada fora da audiência de discussão e julgamento sem intervenção das partes e dos seus mandatários;

2.2 Da impugnação das respostas aos artigos 1º a 3º e 7º[1] da base instrutória;

2.3 Da fixação de prazo para celebração do contrato prometido, da existência de perda objectiva de interesse por parte do autor na celebração do contrato prometido por causa da mora do réu, da divergência do objecto cuja compra foi prometida com o que foi construído e da ineficácia da interpelação admonitória do réu ao autor.

3. Fundamentos

3.1 Da nulidade da inspecção judicial realizada fora da audiência de discussão e julgamento sem intervenção das partes e dos seus mandatários

Nas conclusões das alegações, o recorrente arguiu a nulidade da visita ao local efectuada a solo pelo Sr. Juiz a quo, sem ter sido acompanhado pelas partes ou pelos seus mandatários.

Apesar da invocação desta nulidade, no petitório final, o recorrente não extrai consequências jurídicas congruentes com o vício invocado. Na verdade, a verificar-se a apontada nulidade, tal vício deveria afectar pelo menos a decisão da matéria de facto em que tal acto foi relevado, bem como os actos subsequentes. Certo é que o recorrente não pugna pela anulação da decisão da matéria de facto e dos actos subsequentes, pelo que a arguição da nulidade parece traduzir-se num mero protesto contra o concreto acto praticado, sem quaisquer outras consequências jurídicas.

Apreciemos.

O juiz deve observar ao longo de todo o processo o princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil) e apenas nos casos excepcionais[2] previstos na lei serão admitidas ou produzidas provas, sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas (artigo 517º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A inspecção judicial é uma diligência probatória em que o tribunal visa percepcionar directamente factos que interessem à decisão da causa (artigos 390º do Código Civil e 612º, nº 1, este do Código de Processo Civil).

Trata-se de uma prova constituenda, pelo que as partes, que não sejam revéis, devem ser notificadas para todos os actos de preparação e produção da prova, sendo admitidas a intervir nesse acto nos termos da lei (artigos 517º, nº 2, 1ª parte e 613º, ambos do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, o Sr. Juiz a quo exarou na motivação da decisão da matéria de facto:

“Dá-se a circunstância de nós conhecermos bem o local há muito tempo e, por isso, para verificar se o registo da nossa memória estava certo quanto à correspondência do que lá está com o que se observa neste desenho, decidimos ir lá, de novo, pessoalmente antes de proferir esta decisão. E o que lá se observa é pura e simplesmente que as tais peças rectangulares são em vidro fosco, eventualmente temperado, com aspecto esverdeado, encontrando-se colocadas nos locais assinalados no desenho de folhas 92. As janelas e sacadas possuem estores em lâminas de um material que aparenta ser alumínio.

Por outras palavras, o desenho de folhas 92 corresponde à obra que se encontra executada e é diferente do revestimento de ripado em madeira que constava dos primeiros desenhos do projecto.”

Este extracto da motivação da decisão da matéria de facto permite concluir que efectivamente o Sr. Juiz a quo procurou percepcionar factos que considerou relevantes para a boa decisão da causa, o que fez fora da audiência de discussão e julgamento, acto durante o qual, em regra, são produzidas as provas (artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil), sem a participação das partes e dos seus mandatários. Em boa verdade, o Sr. Juiz a quo realizou uma inspecção judicial informal fora das condições legalmente previstas e como forma de aferir a ciência privada[3] que tinha do local dos autos. Procedendo desse modo, o Sr. Juiz a quo violou o princípio do contraditório, praticando uma diligência de instrução fora das condições legais, cometendo uma nulidade processual, porquanto omitiu uma formalidade prescrita na lei, vedando às partes a possibilidade de participarem nessa diligência instrutória e de alertarem o tribunal para factos que reputem de interesse para a resolução da causa. Nesta medida, dada a importância matricial do princípio do contraditório na configuração do processo como processo justo e equitativo (vejam-se os artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa), há que concluir que a violação do contraditório na diligência instrutória informal realizada pode influir no exame e na decisão da causa, configurando-se o acto praticado como um acto afectado de nulidade (artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil).

O vício em causa não é de conhecimento oficioso e depende de reclamação do interessado (artigo 202º do Código de Processo Civil), reclamação endereçada, em regra, ao tribunal que praticou o vício (vejam-se os artigos 206º, nº 3 e 205º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, porque o acto viciado não foi praticado na presença das partes, a reclamação deve ser deduzida no prazo de dez dias a contar da data em que se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (artigos 205º, nº 1, 2ª parte e 153º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil). Ora, o recorrente foi notificado para a leitura da decisão da matéria de facto e faltou à mesma sem apresentar qualquer justificação. Deste modo, se acaso tem comparecido, teria a oportunidade, de nesse acto se aperceber da diligência instrutória informal realizada pelo Sr. Juiz a quo. Neste circunstancialismo, afigura-se-nos que o recorrente deveria ter deduzido a reclamação perante o Sr. juiz a quo, no prazo de dez dias a contar da data em que teve lugar a decisão da matéria de facto, ou seja, até 06 de Setembro de 2010, sem pagamento de multa ou mediante tal pagamento até 09 de Setembro de 2010.

Assim, no caso em apreço, a arguição de nulidade em via de recurso constitui o uso de um meio processual inadequado, porquanto não está preenchida a previsão do nº 3, do artigo 205º do Código de Processo Civil e, por outro lado, sempre se apresenta fora de prazo, o que inviabiliza a possibilidade de ser aproveitado com aplicação analógica das regras relativas ao erro na forma de processo (artigo 199º do Código de Processo Civil).

A nulidade arguida careceria de ter sido oportunamente reclamada e só da decisão que viesse a recair sobre essa arguição é que caberia recurso, nos termos gerais.

Pelos fundamentos expostos não se conhece da nulidade da inspecção judicial informal realizada pelo Sr. Juiz a quo.

3.2 Da impugnação das respostas aos artigos 1º a 3º e 7º da base instrutória

(…)

Em conclusão, improcede integralmente a impugnação deduzida pelo recorrente relativamente às respostas aos artigos 1º a 3º e 7º, todos da base instrutória.

3.3 Fundamentos de facto resultantes da decisão desta matéria proferida pela primeira instância que este tribunal decidiu manter, pelas razões que precedem e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil)


3.3.1

Com data de 13 de Junho de 2003, o réu celebrou com o autor o contrato intitulado “contrato promessa de compra e venda” cuja cópia está junta a folhas 11 e 12 dos autos (alínea A dos factos assentes).

3.3.2

Estabeleceram as partes o seguinte na cláusula “PRIMEIRA - O Primeiro Outorgante [o aqui réu] é dono e legitimo possuidor de um terreno para construção de um edifício, sito no .., na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e ... da freguesia de .. e inscrito na matriz urbana sob o n.º ... e ..., com o processo de obras .../00 da Câmara Municipal de ... (alínea B dos factos assentes).

3.3.3

Estabeleceram as partes o seguinte na cláusula “SEGUNDA - O Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante [o aqui autor], ou a quem este indicar, uma fracção autónoma do tipo T1 no rés do chão designada pelo n.º 003, com lugar de garagem e arrecadação na cave, sito no prédio descrito e identificado na Primeira cláusula supra, pelo valor de € 77.350,00 a pagar da seguinte forma: a) Como sinal e princípio de pagamento o Segundo Outorgante entrega ao primeiro, na assinatura do presente contrato, a quantia de € 19.000,00 (Dezanove mil euros); b) A restante verba, no valor de € 58.350,00 (Cinquenta e oito mil trezentos e cinquenta euros) que perfaz o montante do preço da venda, será paga no acto da Escritura Pública de Compra e Venda, prevista para o primeiro semestre do ano de 2005” (alínea C dos factos assentes).

3.3.4

Estabeleceram as partes o seguinte na cláusula “QUARTA - O Primeiro Outorgante avisará o segundo com antecedência de 15 dias sobre o local e hora, através de carta registada com aviso de recepção, para celebração da respectiva escritura” (alínea D dos factos assentes).

3.3.5

Estabeleceram as partes o seguinte na cláusula “SÉTIMA – No caso de incumprimento com culpa por parte do Segundo Outorgante perderá este a favor do primeiro todas as importâncias entregues. Se o incumprimento com culpa for imputável ao Primeiro Outorgante, obriga-se este a devolver em dobro as importâncias recebidas. Fica ainda este contrato sujeito ao regime de execução específica, prevista no artigo 830º do Código Civil” (alínea E dos factos assentes).

3.3.6

Estabeleceram as partes o seguinte na cláusula “OITAVA – Ambos os Outorgantes declaram prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas deste contrato e, bem assim renunciar ao direito de invocar a sua nulidade por omissão deste requisito” (alínea F dos factos assentes).

3.3.7

O autor entregou ao réu, a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato, a quantia de € 19.000,00 (alínea G dos factos assentes).

3.3.8

O prédio onde se integra a fracção prometida só foi sujeito ao regime de propriedade horizontal em 18/9/2007 (alínea H dos factos assentes).

3.3.9

Em 16 de Outubro de 2007 o réu comunicou ao autor que nos 15 dias seguintes iria marcar a escritura da prometida compra e venda (alínea I dos factos assentes).

3.3.10

Em 27 de Dezembro de 2007 o réu notificou o autor por carta registada para comparecer no Cartório Notarial no dia 18.01.2008 pelas 17:30 horas para celebrar a escritura da prometida compra e venda (alínea J dos factos assentes).

3.3.11

Em 18 de Janeiro de 2008 o autor e o réu compareceram no Cartório Notarial mas, contra a vontade do réu, a escritura não se realizou (alínea K dos factos assentes).

3.3.12

Em 17 de Janeiro de 2008 o mandatário do autor enviou ao mandatário do réu a comunicação cuja cópia está junta a folhas 15, do seguinte teor:

A pedido de C (…), respondo à S/carta datada de 27 de Dezembro, a ele dirigida para comunicar a marcação da escritura de compra e venda prevista no contrato promessa de compra e venda de 13 de Dezembro de 2003.

O meu cliente, ao contrário da realização da compra e venda, pretende agora é a resolução do contrato, fundado no seguinte:

- A finalidade da compra e venda foi a de investimento de algum capital, tencionando após a comprar efectuar a sua revenda ou mesmo, antes da concretização da aquisição, ceder a sua posição a eventual interessado. Nesse sentido, logo contactou agências imobiliárias para promoção dessa venda, inclusivamente a própria que intercedeu no seu contrato, agora em causa, com um ganho de € 10.000,00.

- Tais propósitos do meu cliente sempre foram do conhecimento do Sr. A (…), que com eles concordou;

- No contrato ficou estabelecido que a concretização da venda seria no primeiro semestre de 2005, de que decorre que o prédio estaria pronto nessa altura;

- Se assim tivesse acontecido, ou seja, se o prédio estivesse pronto no primeiro semestre de 2005, seria fácil a venda da fracção relativa ao meu cliente; agora, pela depressão do mercado, não é, ou se surgir algum interessado, a venda será por preço muito mais baixo, dado o enorme crescimento da oferta e a enormíssima redução da procura.

- Independentemente disso, também estava previsto que o prédio tivesse uma protecção e decoração, em gradeamento de ferro, em todo o seu alçado traseiro e lateral, conforme cópia dessa parte do projecto que lhe foi entregue, na ocasião em que foi celebrado o contrato promessa em causa. A falta de protecção desvaloriza a fracção, por situada no rés do chão.

- Atento o exposto, o meu cliente deixou de ter interesse na compra, como qualquer pessoa de mediano entendimento e comportamento, nas condições expostas, o teria perdido.

- Pretende, pois, que o sinal entregue lhe seja restituído em dobro.


***

- Não enjeita, porém, a possibilidade, mediante acordo recíproco, de concretizar ainda as escritura, desde que seja colocado no prédio o gradeamento referido e haja um abatimento do preço da venda:

Para esse efeito, propõe o abaixamento do preço da venda para a quantia de € 62.350,00, que é aliás aquele que corre para fracções idênticas, no local do prédio ou equivalente.

Fico, pois, a aguardar o que se digne comunicar-me sobre este caso e, designadamente sobre a aceitação ou não da proposta ora veiculada” (alínea L dos factos assentes).


3.3.13

Em 16 de Maio de 2008, o réu enviou ao autor a carta junta a folhas 16, nela dizendo, além do mais, que “se nos próximos 10 dias após a recepção desta carta não me manifestar, por escrito, vontade em formalizar o contrato prometido, considerarei o incumprimento em curso definitivo e, em consequência, resolvido o aludido contrato-promessa” (alínea M dos factos assentes).

3.3.14

Em 20 de Maio de 2008, o autor respondeu com a carta de folhas 17, dizendo que o contrato prometido só lhe interessaria se o réu aceitasse reduzir o preço em € 15.000,00 e mandasse colocar na fachada o gradeamento de protecção e estético em falta, circunstâncias cuja aceitação lhe deveria ser comunicada no prazo de 10 dias sob pena de considerar o contrato resolvido por perda do interesse no mesmo (alínea N dos factos assentes).

3.3.15

O réu não respondeu a esta comunicação do autor (alínea O dos factos assentes).

3.3.16

Aquando da negociação do contrato foi afirmado ao autor por quem representou o réu na negociação que parte do alçado traseiro do edifício seria dotado de uma estrutura de ripado de madeira, por opção arquitectónica (respostas aos artigos 1º e 2º da base instrutória).

3.3.17

O autor pretendia a fracção apenas para obter lucro com a sua revenda a terceiros, o que era do conhecimento do réu (respostas aos artigos 4º e 5º da base instrutória).

3.3.18

O autor teria mais dificuldade em revender a fracção a terceiros no início de 2008 do que no primeiro semestre de 2005 (resposta ao artigo 6º da base instrutória).

3.3.19

Em 15 de Janeiro de 2008 o autor, através de advogado em sua representação, comunicou ao réu que não dispunha dos meios financeiros para liquidar o restante preço e que só os teria no prazo de 60 dias, mas que mantinha todo o interesse na aquisição da fracção (resposta ao artigo 7º da base instrutória).

4. Fundamentos de direito

4.1 Da fixação de prazo para celebração do contrato prometido (I), da existência de perda objectiva de interesse por parte do autor na celebração do contrato prometido por causa da mora do réu (II), da divergência do objecto cuja compra foi prometida com o que foi construído (III) e da ineficácia da interpelação admonitória do réu ao autor (IV)

 I. O recorrente afirma que de acordo com o que contaria um normal declaratário deve entender-se que foi fixado como prazo para a celebração do contrato prometido o primeiro semestre de 2005.

A questão da existência ou não de prazo fixado no contrato-promessa controvertido nos autos foi objecto de proficiente análise na sentença sob censura e sob os dois pontos de vista dogmaticamente sustentáveis: de acordo com o primeiro, o contrato ajuizado não teria qualquer prazo para a celebração da escritura prometida, mas uma simples previsão, carecendo de ser fixado prazo para o seu cumprimento mediante acção especial para fixação de prazo, enquanto de acordo com o segundo prisma, teria sido fixado como prazo para a celebração da escritura o primeiro semestre de 2005, prazo que não seria absoluto mas simplesmente relativo.

Apreciemos.

A factualidade provada permite-nos concluir, com toda a segurança, em consonância com aquilo que as partes sustentam, que autor e réu celebraram um contrato-promessa de compra e venda bilateral (artigo 410º do Código Civil), porquanto reciprocamente se obrigaram a comprar e a vender uma fracção autónoma.

Na cláusula segunda do contrato estabeleceu-se que a escritura pública referente ao contrato prometido de compra e venda estava prevista para o segundo semestre de 2005 (vejam-se os fundamentos de facto em 3.3.2).

Uma previsão, como é da experiência comum, é um juízo dirigido ao futuro, um vaticínio, uma antecipação daquilo que virá a acontecer, antecipação que se pode vir a revelar certa ou errada. O caso mais comum e típico de previsão é o que se refere às condições meteorológicas. Dada a antecipação do futuro inerente à previsão e porque ninguém é dono do futuro, o juízo preditivo não tem ínsito, em regra, uma vinculação à antecipação prevista.

A natureza não vinculante da previsão acordada pelas partes ressalta no caso dos autos do próprio prazo alargado em que se previu a possível celebração da escritura pública, aludindo-se a todo um semestre, em vez de se fixar um termo final, como sucede quando se pretende fixar um prazo limite para o cumprimento da obrigação.

Essa natureza não vinculante da previsão constante da cláusula segunda do contrato é também a que melhor se ajusta aos termos em que se processou a celebração do contrato-promessa, pois resulta claro do mesmo que o objecto cuja compra e venda foi prometida ainda não existia, apenas existindo um processo de obras (veja-se a cláusula primeira do contrato).

Assim, por tudo quanto precede, tendo em conta o horizonte cognitivo de um normal declaratário em face do conteúdo da cláusula segunda do contrato (artigo 236º, nº 1, do Código Civil), conclui-se que no caso dos autos não estava fixado prazo para a celebração do contrato prometido[4] e, dada a natureza da obrigação em causa, aliada às características concretas do negócio objecto dos autos, referido a fracção autónoma de prédio urbano a construir, inexistindo acordo das partes quanto à fixação do prazo, impunha-se o recurso ao processo especial de fixação judicial de prazo (artigos 777º, nº 2, do Código Civil e 1456º, este do Código de Processo Civil)[5].

 Porém, no caso dos autos, acabou por se formar um acordo entre as partes quanto ao prazo de cumprimento do contrato-promessa e ao vencimento desse prazo, já que o réu, estribado no conteúdo da cláusula quarta do contrato-promessa notificou o autor para a celebração da escritura pública de compra e venda no dia 18 de Janeiro de 2008 (pontos 3.3.9 e 3.3.10 dos fundamentos de facto) e o autor, num primeiro momento, pediu uma prorrogação do prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda (ponto 3.3.19 dos fundamentos de facto), assim aceitando o vencimento da obrigação, vindo depois, em atitude totalmente contraditória com a que havia assumido dois dias antes, comunicar a falta de interesse na celebração do contrato prometido e a falta de correspondência da fracção construída àquilo que havia sido ajustado, declarando pretender a restituição do sinal prestado em dobro, propondo também uma renegociação do contrato (ponto 3.3.12 dos fundamentos de facto).

A atitude adoptada pelo autor na sua missiva de 17 de Janeiro de 2008 (ponto 3.3.12 dos fundamentos de facto), como bem se salienta na sentença sob censura, constitui um patente venire contra factum proprium e, por essa circunstância, por ofender clamorosamente as exigências da boa fé negocial, traduzindo-se num inadmissível comportamento contraditório com o que havia anteriormente assumido, não tem a virtualidade de ilidir o acordo das partes no contrato-promessa quanto ao vencimento da obrigação recíproca de contratar nos termos ajustados naquele contrato preliminar.

Assim, face ao que ficou exposto, pode concluir-se que, ao invés do sustentado pelo recorrente, não existia mora do réu no cumprimento do contrato-promessa desde 30 de Junho de 2005 e que a obrigação recíproca de contratar apenas se venceu a 18 de Janeiro de 2008.

II. O recorrente alega ter ocorrido da sua parte perda de interesse na celebração do contrato prometido decorrente da mora do réu desde o fim do semestre de 2005.

A perda de interesse do credor na prestação acordada decorrente da mora do outro contraente é legalmente equiparada ao não cumprimento da obrigação (artigo 808º, nº 1, do Código Civil).

A perda do interesse é apreciada objectivamente (artigo 808º, nº 2, do Código Civil), não sendo por isso bastante para a integrar a declaração do interessado de que essa situação se verifica. Por outro lado, a perda do interesse tem que decorrer da mora da contraparte, não relevando a perda do interesse na prestação quando não haja atraso da contraparte na realização da prestação.

No caso dos autos, como já se viu anteriormente, não havia prazo fixado para a celebração do contrato prometido e, não obstante isso, o autor não diligenciou por que fosse suprida essa omissão, conformando-se com a marcação da escritura pública de compra e venda para 18 de Janeiro de 2008, pedindo apenas uma prorrogação do prazo para celebração do contrato definitivo.

Deste modo, o tempo decorrido desde o termo da data prevista para a celebração da escritura pública de compra e venda e a efectiva marcação dessa escritura não é um tempo em que o réu se achasse em mora e, após essa marcação, o réu também não incorreu em mora, porquanto sempre se aprontou para a celebração do contrato definitivo.

As maiores dificuldades de concretização do propósito especulativo do autor que o levou a celebrar o contrato-promessa objecto destes autos (vejam-se os fundamentos de facto exarados em 3.3.17 e 3.3.18), só ao autor se ficam a dever, porquanto deixou passar o tempo e nada fez para que o réu oferecesse mais cedo a sua prestação. As maiores dificuldades de concretização do aludido propósito especulativo entram assim na esfera do risco do próprio autor.

Não se verificando mora do réu, falece um pressuposto imprescindível para que se possa verificar a perda do interesse na prestação por parte do autor com os efeitos do não cumprimento da obrigação.

Por isso, se conclui que não há por parte do autor perda objectiva do interesse na prestação prometida decorrente de mora do réu porque nunca houve mora deste.

III. O recorrente funda ainda a sua perda de interesse na prestação na divergência do objecto cuja compra prometeu com o que foi construído pelo réu.

A matéria fáctica relevante para integrar este fundamento da acção integrou os artigos 1º a 3º, da base instrutória. Produzida a prova em audiência de discussão e julgamento, apenas se provou que “aquando da negociação do contrato foi afirmado ao autor por quem representou o réu na negociação que parte do alçado traseiro do edifício seria dotado de uma estrutura de ripado de madeira, por opção arquitectónica” (respostas aos artigos 1º e 2º da base instrutória), tendo o artigo 3º da base instrutória recebido resposta negativa.

Ora, face a esta factualidade é patente que não se demonstra qualquer divergência do objecto cuja compra e venda foi prometida relativamente àquele que foi construído pelo réu, não se provando sequer que o autor tivesse negociado com uma qualquer determinação quanto à configuração do alçado traseiro do imóvel.

Neste contexto, não existe qualquer incumprimento contratual do réu por divergência do objecto cuja compra e venda foi prometida com aquele que foi construído e que podia ser efectivamente objecto da compra e venda prometida, nem muito menos existe qualquer perda de interesse do autor decorrente desse putativo incumprimento.

Saliente-se que se acaso se verificasse a divergência indicada pelo autor, sempre seria necessário que o réu fosse interpelado para num prazo razoável cumprir o que havia sido ajustado[6] e só após o decurso desse prazo é que se produziriam os efeitos do não cumprimento da obrigação (artigo 808º, nº 1, do Código Civil).

Pode assim concluir-se que não assistia ao autor o direito potestativo de resolução do contrato-promessa celebrado a 13 de Junho de 2003, com fundamento na sua perda objectiva de interesse na prestação ou com base na divergência das características do objecto cuja venda lhe foi prometida relativamente ao objecto que foi construído pelo réu.

IV. Finalmente, o recorrente suscita a ineficácia da interpelação admonitória que lhe foi efectuada pelo réu, por não conter os elementos e o conteúdo previstos na 2ª parte do nº 1, do artigo 808º, do Código Civil.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que nesta questão há um equívoco do recorrente, na medida em que na sentença sob censura se considerou eficaz a resolução do contrato-promessa não por força do incumprimento decorrente da interpelação efectuada pelo réu na sua carta de 16 de Maio de 2008, mas antes porque por força da declaração do autor contida na sua carta de 17 de Janeiro de 2008 se verificava um incumprimento definitivo por parte do autor, na modalidade de recusa definitiva de cumprimento (vejam-se folhas 130 e 131 destes autos).

Esta configuração do fundamento para a resolução do contrato-promessa não se contém na causa de pedir que o réu invocou para justificar a resolução contratual[7], constituindo, na nossa perspectiva, o atendimento de uma causa de pedir diversa daquela que foi invocada em sede reconvencional.

A divergência entre a causa de pedir invocada como fundamento do pedido reconvencional e aquela que foi relevada para firmar a procedência da pretensão reconvencional constitui o conhecimento de uma questão de que não podia tomar conhecimento (artigos 668º, nº 1, 2ª parte da alínea d), 660º, nº 2 e 264º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil). Na verdade, o tribunal está vinculado à causa de pedir invocada pelo autor ou reconvinte como fundamento dos pedidos deduzidos e, sempre que tal determinação legal é violada, verifica-se a nulidade da sentença com o fundamento acima indicado.

Porém, o vício da nulidade da sentença, ressalvado o caso da falta de assinatura (artigo 668º, nº 2, do Código de Processo Civil), não é de conhecimento oficioso, dependendo de arguição da parte (artigo 668º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Ora, o recorrente não suscitou a nulidade da sentença sob censura em virtude de ter relevado para a procedência do pedido reconvencional causa de pedir que não foi invocada pelo reconvinte, pelo que queda fora da cognição deste tribunal a verificação desse vício da sentença.

Sendo o fundamento da procedência da pretensão reconvencional do réu a existência de uma recusa firme e definitiva do autor em celebrar o contrato prometido, desde 17 de Janeiro de 2008, é despicienda a análise do preenchimento dos requisitos da interpelação admonitória efectuada pelo réu a 16 de Maio de 2008, na medida em que nessa altura já se verificava uma situação de incumprimento definitivo.

O sentido dessa interpelação, no referido contexto, era apenas o de dar uma última oportunidade ao autor de rever a sua posição e de poder aprestar-se a cumprir o contrato prometido.

No aludido circunstancialismo considerado pelo tribunal a quo, era alheia à aludida interpelação a finalidade de conversão de uma hipotética mora do autor em incumprimento definitivo, pelo que é espúria a verificação da observância nessa interpelação dos requisitos da interpelação admonitória prevista na 2ª parte do nº 1, do artigo 808º do Código Civil.

Pelo exposto, não se verifica a ineficácia da resolução do contrato-promessa declarada pelo réu por inobservância na interpelação efectuada a 16 de Maio de 2008 dos requisitos da interpelação admonitória prevista na 2ª parte do nº 1, do artigo 808º do Código Civil.

Por tudo quanto antecede, improcede integralmente o recurso de apelação interposto por C(…), devendo a sentença sob censura ser integralmente confirmada.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por C (…) e, em consequência, em confirmar a sentença sob censura datada de 16 de Agosto de 2010. Custas do recurso de apelação a cargo do apelante.


***

Carlos Gil ( Relator )
Fonte Ramos
Carlos Querido


[1] Nas conclusões vem mencionado o artigo 5º da base instrutória. Porém, a análise do corpo das alegações permite concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que a referência ao artigo 5º da base instrutória deriva de lapso, ostensivo, e que por isso, oficiosamente, se corrige.
[2] Assim sucede, por exemplo, no caso da restituição provisória da posse e do arresto (artigos 394º e 408º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).
[3] A possibilidade de utilização da ciência privada do julgador para aferição crítica da prova não é uma tarefa isenta de dificuldades. De facto, pode entender-se que a utilização desses conhecimentos colide com o dever de imparcialidade do julgador, gerando a confusão entre o seu estatuto de julgador e de meio de prova. Contudo, o horizonte cognitivo de cada julgador é variável, não sendo possível proceder a uma sua uniformização. Por outro lado, o perigo para a imparcialidade do julgador só existirá quanto a factos de que tenha conhecimento acidental, quando o julgador seja chamado a efectuar valorações relativamente às suas próprias percepções. Tal sucede quando o julgador presencia um facto que depois é chamado a julgar (daí o regime previsto no artigo 122º, nº 1, alínea h), do Código de Processo Civil). No que tange os conhecimentos especiais de que o julgador seja possuidor, tal perigo não existe já que tais conhecimentos são utilizados na análise crítica da prova e desde que o julgador expresse de forma clara com que bases efectua essa análise. Sobre esta questão, no domínio da prova pericial, veja-se, Libre Apreciación de la Prueba, Temis Libreria, Bogotá – Colombia, 1985, Gerhard Walter, páginas 290 a 314.
[4] Em sentido similar, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Fevereiro de 2004, proferido no processo nº 0326658, acessível no site da DGSI.
[5] Na doutrina, sobre esta questão veja-se, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina 1995, Ana Prata, páginas 553 a 560 e 633; na jurisprudência veja-se o recente acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Setembro de 2010, proferido no processo nº 3106/08.4TBAVR.C1, acessível no site da DGSI.
[6] Nas suas alegações, o recorrente sustenta que o prédio estava pronto e que não era viável a sua alteração, esquecendo-se que na sua missiva de 20 de Maio de 2008 aludia à possibilidade de ainda ser suprida a falta de gradeamento, entrando uma vez mais em contradição consigo próprio, denotando a sua falta de coerência.
[7] Atente-se no que foi alegado nos artigos 14º a 23º da contestação-reconvenção onde é omitida qualquer referência à carta do autor de 17 de Janeiro de 2008 e ao sentido de recusa firme e definitiva por parte do autor na celebração do contrato prometido que o tribunal a quo lhe atribuiu. Por outro lado, também na carta do réu de 16 de Maio de 2008 não é feita qualquer referência à recusa emergente da carta do autor de 17 de Janeiro de 2008, apenas se aludindo à recusa do autor em outorgar a escritura pública no dia 18 de Janeiro de 2008, sem indicação das razões invocadas, atitude que, sem mais, traduz uma simples mora no cumprimento da obrigação de contratar por parte do autor.