Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
600/14.1TBPBL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITO
ACÇÃO AUTÓNOMA
PRAZO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - 1ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.128, 146 CIRE, 298, 303, 333 CC
Sumário: 1. A verificação ulterior de crédito, em processo de insolvência, reveste a natureza de acção autónoma.

2. Em matéria de verificação ulterior de créditos, no processo de insolvência, não existe norma expressa ou implícita da qual se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de instaurar a acção.

3. Estando em causa um mero direito de crédito, por mútuo incumprido, estamos em domínio não excluído da disponibilidade das partes, pelo que a caducidade não é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A (…), residente em Coimbra, intentou, em Abril de 2015, acção para verificação ulterior de créditos contra os insolventes A (…) e C (…) a massa insolvente de A (…) e C (…) e todos os credores da massa insolvente, pedindo que seja reconhecido o seu crédito no montante de 12.150 €, mais juros a partir de Março de 2015 até integral pagamento, bem como seja graduado no lugar que lhe competir.

Alegou a existência de um mútuo não cumprido.

*

Foi proferido despacho de indeferimento liminar, por se ter considerado a acção extemporânea.

*

2. O A. interpôs recurso, concluindo como segue (em 12 conclusões, número superior aos 10 pontos do corpo das alegações !!, que só não foi objecto de despacho de aperfeiçoamento, dada a simplicidade da questão e o tempo que se perderia):

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos a considerar são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º do NCPC).

Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

- Não existência de fundamento legal para o despacho de indeferimento liminar.

 

2. No despacho recorrido escreveu-se o seguinte:  

“Uma vez findo o prazo das reclamações de créditos, fixado na sentença declaratória da insolvência, o reconhecimento de créditos faz-se através de acção proposta contra a massa insolvente (artigo 146º, nº 1 do CIRE).

Não podem reclamar os seus créditos através desta via os credores que, tendo reclamado os seus créditos, não os viram reconhecidos pelo administrador, os credores reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação e os credores reconhecidos embora não tenham apresentado reclamação.

Nos termos do nº 2 do artigo 146º do mesmo diploma legal, a verificação ulterior de créditos também não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior, o que não é o caso vertente.

No que concerne ao prazo, a alínea b) do nº 2 do artigo 146º do CIRE refere que a acção só pode ser proposta nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente.

Para o efeito releva que a sentença de declaração de insolvência foi proferida em 30.06.14, tendo transitado em julgado em 16.07.14 e a presente acção foi proposta em 19.04.15.

Deste modo, quando a presente acção foi instaurada, em 16.04.15, há muito que terminara o prazo de 6 meses de que o autor dispunha para o efeito.”.

Não podemos acolher este entendimento.

Como advertem L. Carvalho Fernandes e J. Labareda (CIRE Anotado, 2ª Ed., 2008, em anotação 5. ao artigo 146º, pág. 485, e 3. ao artigo 148º, págs. 489/490) a acção de verificação ulterior de créditos não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria. Reveste, realmente, a natureza de uma acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus. Assim, a particularidade da situação decorrente deste tipo de acção, relativamente à que ocorre nas reclamações de créditos, propriamente ditas (art. 128º do CIRE) ou à restituição e separação de bens (art. 141º do mesmo diploma legal), reflecte-se na diversidade de tramitação processual a que aquelas estão sujeitas.  

Correspondendo a uma acção autónoma em que existe um autor e réus, fica sujeita a citação e ao correspondente despacho liminar (art. 146º, nº 1, do CIRE). 

Como assim, nos termos do art. 590º, nº 1, do NCPC, a petição inicial só pode ser indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.

No nosso caso, não pode formular-se qualquer juízo de manifesta improcedência face ao alegado na p.i.

Por outro lado, é sabido que os prazos para a proposição de acções são prazos sujeitos a caducidade, salvo referência expressa à prescrição (art. 298º, nº 2, do CC). O que quer dizer que o prazo fixado no referido art. 146º, nº 2, b), do CIRE é um prazo de caducidade. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no art. 333º do CC, segundo o qual - seu nº1 - a caducidade só é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, pois não o sendo - seu nº 2 - é aplicável à caducidade o disposto no art. 303º, ou seja, dependerá da respectiva invocação por aquele a quem aproveita.

Por isso, é que Antunes Varela (em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao artigo 333º, pág. 296) ensina que o juiz só pode indeferir liminarmente a petição, baseado no facto de a acção ter sido proposta fora de tempo, se a caducidade for do conhecimento oficioso.

Em matéria de verificação ulterior de créditos, no processo de insolvência, não existe norma expressa ou implícita da qual se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso, pelo que, naturalmente, tratando-se, o nosso caso, de matéria na disponibilidade das partes, é de aplicar a regra formulada na lei, acabada de mencionar, de que tal caducidade não é do conhecimento oficioso (vide neste sentido o Ac. da Rel. Porto de 21.10.2008, Proc. 0822995, em www.dgsi.pt, invocado pelo recorrente). Estando, por conseguinte, vedado ao juiz indeferir liminarmente a respectiva petição inicial.

Ou dito de outra maneira, a caducidade não é uma excepção dilatória capaz de gerar indeferimento liminar (citado 590º, nº 1, e 576º, nº 2, e 577º do NCPC), é antes uma excepção peremptória, cuja invocação a lei torna dependente da vontade do interessado, e, por isso, não cognoscível oficiosamente (art. 579º do NCPC). 

A apelação tem, consequentemente, de proceder.

2. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Em matéria de verificação ulterior de créditos, no processo de insolvência, não existe norma expressa ou implícita da qual se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de instaurar a acção;
ii) Estando em causa um mero direito de crédito, por mútuo incumprido, estamos em domínio não excluído da disponibilidade das partes, pelo que a caducidade não é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

   

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, ordenando-se, em consequência o prosseguimento dos autos.

*

Sem custas.

*

  Coimbra, 25.10.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias   ( voto de vencido)

                                                                             Proc. 600/14.1TBPBL-E.C1

Voto de vencido:

Na pendência do processo de insolvência os credores da insolvência só podem exercer os seus direitos em conformidade com o disposto no CIRE (art. 90º CIRE):

i) os créditos terão de ser reclamados no prazo fixado na sentença que declara a insolvência do devedor;

ii) findo o prazo das reclamações é reconhecer possível ainda outros créditos, “de modo a serem atendidos no processo de insolvência”, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor (nº1, art. 146º), reclamação de créditos que “só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente” (art. 146º, nº2, al. b)).

Os créditos sobre a insolvência só podem ser pagos se estiverem verificados no processo de insolvência por sentença transitada em julgado (art. 173º).

Ainda que efetivada através de uma ação autónoma, o prazo previsto no artigo 146º, nº2, al. b), CIRE, é um prazo para reclamação de créditos no processo de insolvência.

Ainda que a reclamação e verificação de créditos prevista no art. 146º, se processe através de uma ação autónoma, processada por apenso, apensa, esta não deixa de constituir parte integrante do processo de insolvência, de tal modo que a procedência da mesma, com o reconhecimento total ou parcial do crédito em causa, implicará o reformular da sentença geral de verificação e graduação (se já tiver sido proferida) de modo a englobar tb. este crédito. Esta ação tem igualmente caracter urgente e se tiver havido protesto, ainda que a ação não esteja ainda decidida, os montantes reclamados são atendidos no rateio ficando depositadas as quantias a eles respeitantes (art. 180º).

Os prazos para reclamação de créditos – seja o prazo geral de reclamação de créditos, seja o prazo suplementar atribuído pelo art. 146º independentemente das circunstâncias que ocasionaram a falta de reclamação no prazo geral – são prazos de natureza semelhante, estabelecidos em sede processual, não podendo ficar na disponibilidade das partes.

Enquanto mero prazo para reclamação de créditos no processo de insolvência, constitui um prazo processual e não de caducidade: o prazo não se repercute na substancia ou não do direito a conhecer da ação mas sim na admissibilidade de o mesmo ser reconhecido na insolvência.

Assim sendo, encontra-se sujeito, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, às regras do Código de Processo Civil – prazo perentório e de conhecimento oficioso, cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (no processo de insolvência) e cuja violação importará a rejeição liminar da reclamação[1].

Em consequência, confirmaria a decisão recorrida.

                                                                 

   Maria João Areias



           


[1] Neste sentido, entre outros, Acórdãos do TRL de 28.04.2015, relatado por Roque Nogueira, e de 07-06-2016, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, do TRP de 27-03-2014, relatado por Judite Pires, e de 10.04.2014, relatado por José Manuel de Araújo Barros.