Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
894/09.4TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
INÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 06/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - 2º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ART.ºS 27º E 32º, DO DL N.º 433/82, DE 27/10 E 119º, DO C. PENAL
Sumário: O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, é omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Por isso, nos termos do art.º 32º, daquele Diploma Legal, aplica-se, no que a tal respeita, o disposto no art.º 119º, do C. Penal, nomeadamente, o que este estabelece no caso dos ilícitos permanentes.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

WWW... –, SA veio interpor recurso da decisão que julgando a impugnação judicial da decisão administrativa (da Câmara Municipal de D...) parcialmente procedente:

a) reduziu para 750,00 € o valor da coima única, pela prática de duas contra-ordenações   p. e p. nos termos do n.º 1 do artigo 4º e n.º 1 do artigo 53º do Regulamento Municipal de Publicidade;  e,

b) manteve, no mais, a decisão administrativa.


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A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde refere que:

1- A sentença carece de fundamentação e motivação, já que não se entende o que permitiu ao Tribunal recorrido a sua convicção e sem sequer conter qualquer análise crítica da prova e nem sequer faz qualquer alusão à prova produzida em audiência de julgamento;

2- Por outro lado, foram suscitadas questões pela parte expropriada que importava relevar, sendo que o Tribunal recorrido não conheceu nenhuma destas questões;

3- Pela verificação destes vícios, falta de fundamentação e motivação e não resolução das questões suscitadas pelas partes, a sentença enferma de nulidade, nos termos do arts 58° do Dec-Lei 433/82, art. 369° do C.P.P., art. 653º, n.º 2 e art. 668º, n.º 1 do C.P.C.;

4- Por outro lado, o presente procedimento contra-ordenacional encontra-se prescrito porquanto se trata de uma contra ordenação, cuja moldura da coima aplicável é de € 300,00 a € 3.000,00, nos termos do artigo 53°, n.º 1, do Regulamento Municipal de Publicidade de D...;

5- Ora, já decorreram mais de quatro anos e meio desde a prática dos factos;

6- Assim, nos termos do artigo 27°, al. b) e 28°, n.º 3, do Dec-Lei 433/82, o prazo de prescrição é de três anos, pelo que não pode deixar de declarar-se prescrito o presente procedimento;

7- Ademais, a sentença recorrida não conheceu do recurso da Recorrente, na parte em que reclamava da nulidade da decisão administrativa, por violação dos arts. 58º, 41º e 18º do Dec-Lei 433/82 e art. 374º do C.P.P., já que não se encontra devidamente fundamentada nos termos do art. 58° do Dec-Lei 433/82, o que não poderia deixar de fazer;

8- É que, não foram ainda ponderados em concreto e do modo como o legislador impõe os critérios impostos para a determinação da medida da coima, que são essenciais, já que só assim, através da ponderação destes elementos se consegue assegurar eficazmente a função de prevenção deste regime, exigindo a proporcionalidade entre a culpa e a gravidade da conduta com a sanção, como impõe o art. 18° (Dec-Lei 433/82);

9- Violadas foram, entre outras, as disposições do art. 27°, do art. 58° do Dec-Lei 433/82, art. 379° do C.P.P.;

10- Revogando, assim, a sentença recorrida e declarando a mesma nula e/ou prescrito o procedimento contra-ordenacional, ou pelo menos declarando nula e de nenhum efeito a decisão administrativa que se impugnou, farão V.Exªs a costumada justiça.


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Respondeu a Magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido, defendendo improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, concordando com a resposta do MP, emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida manteve os fundamentos invocados na motivação do recurso.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da decisão recorrida (por transcrição):

Factos

Os descritos na decisão da Autoridade Administrativa de 14.08.2009, alíneas a) a p), que aqui se dão integralmente por reproduzidos.

Não se provou que a recorrente tenha requerido licenciamento para a tabuleta com 0,70m x 0.40m, com a inscrição “WWW…” que foi colocada na estrutura metálica que suporta a cobertura existente na fachada do estabelecimento em causa.

E, os factos dados como provados na decisão administrativa, dados por reproduzidos, são:

a) WWW... -, S.A. é sociedade comercial e pessoa colectiva n.º …, com sede em …, na freguesia e concelho da Batalha (cfr. fls. 81);

b) No exercício do objecto social inerente ao comércio de material e equipamento de escritório, escolar e doméstico, a referida sociedade, aqui arguida, explora um posto de venda no Parque …,  no concelho de D..., desde 15/03/2003. (cfr. fls. 2, 50. 53, 57);

c) Em 25/03/2003, a arguida apresentou o requerimento registado sob o n.º 15770, no qual solicitou o licenciamento de um painel luminoso de publicidade, por um ano e seguintes (cfr. fls. 35);

d) Em 18/12/2003, foi remetido à arguida o ofício n.º 42608, mediante o qual foram solicitados documentos necessários ao processo de legalização do reclamo luminoso (cfr. fls. 30, 99 e 100);

e) Em 19/01/2004, a arguida entregou junto da Câmara Municipal de D... documentação para instruir o processo de licenciamento de publicidade n.º 669/03, designadamente, cópia de alvará de autorização de utilização n.º 222/2003 (a f1s. 31), cópia do requerimento de licença de publicidade de suporte de publicidade registado sob o n.º 15770, de 25/03/2003 (a fls. 35) e respectivos registo fotográfico (de fls. 34), memória descritiva (de f1s. 36 e 37), planta topográfica (de f1s. 38), certidão da escritura de constituição de sociedade e documento complementar com os respectivos estatutos da sociedade, emitida pelo 1.° Cartório Notarial de Competência Especializada de Leiria, em 30/0]/2003 (a fls. 39 a 49), cópia de contrato de utilização de loja (de fls. 50 a 72);

f) No dia 01/11/2005, pelas llhl0m, a Sr.ª RD.., Técnica Superior de Polícia Municipal, verificou que a arguida mantinha colocados na fachada do estabelecimento um painel com cerca de 3,00m x 2.00m e uma tabuleta com cerca de 0.70m x 0.40m, ambos com a inscrição "Office P AK", sem possuir licenciamento de publicidade (cfr. fls. 2);

g) O primeiro dos referidos suportes publicitários que a arguida colocou na fachada do estabelecimento é um painel (reclamo) luminoso, com iluminação interior por meio de lâmpadas fluorescentes, com uma dimensão de 4,00m de comprimento e 2,00m de altura e com a inscrição da mensagem "Office PAK" (cfr. fls. 2, 3. 6. 36);

h) O segundo dos referidos suportes publicitários que a arguida colocou no exterior do estabelecimento consiste numa tabuleta com cerca de 0,70m x 0,40m, com a inscrição da mensagem "Office PAK". que foi colocado na estrutura metálica que suporta a cobertura existente na fachada do prédio (cfr. fls. 2 e 3);

i) Em 01/11/2005, a arguida não era titular de licença camarária (cfr. fls. 2 e 88);

j) Nessa mesma data, a arguida não ignorava a obrigação legal de obter licença municipal antes de proceder à fixação de suportes publicitários no exterior do estabelecimento em apreço (cfr. fls. 6, 26 e 35);

k) Em 16/06/2006, foi emitido o alvará de licença de instalação de suportes publicitários n.º 144/2006, que titula a afixação de um anúncio luminoso, com as dimensões 4.00m x 2,00m, caixilharia em perfil de alumínio pintado a amarelo e vermelho. pantones 109 U e 1795 U respectivamente, fundo em chapa e frente em tela tensa com aplicação de imagem em película adesiva, com a inscrição "WWW…, no estabelecimento da arguida (cfr. fls. 29 e 76);

l) A arguida solicitou apenas uma licença respeitante ao anúncio luminoso (cfr. fls. 88);

m) Em 22/06/2006, foi remetido à arguida, pela Câmara Municipal de D..., o ofício n.º 29129, mediante o qual se deu conhecimento que a pretensão publicitária foi deferida por despacho de 14/06/2006 exarado pelo Exmo. Sr. Vereador, Eng. MN..., de acordo com o teor da informação n.º 18/2006, tendo sido concedido um prazo de 20 dias, para a requerente (arguida) proceder ao levantamento do alvará de licença mediante o pagamento da importância de € 972.00 e condicionando o levantamento do alvará à entrega de cópia do contrato de seguro de responsabilidade civil inerente à instalação e manutenção do suporte reclamo luminoso - cfr. fls. 94 e 95;

n) Em 18/07/2006, a arguida procedeu ao pagamento das Guias de Recebimento n.ºs 169, 168, 167 e 166, respeitantes às taxas devidas pelo licenciamento do anúncio luminoso (€ 240,00/ano), acrescidas de imposto de selo (€ 3,00/ano), no montante global de € 972.00, referentes respectivamente aos anos de 2006, 2005, 2004 e 2003 - cfr. fls. 76, 90 a 93;

o) Em 18/07/2006, a arguida obteve a licença n.º 201981 para colocação do reclamo luminoso com a inscrição "WWW…", titulada pelo alvará de licença de instalação de suporte publicitário n.º 144/2006, válido da data de pagamento das taxas (18/07/2006) até 31/12/2006 (cfr. fls. 29 e 90);

p) Não se conhece que a arguida tenha praticado outros ilícitos de mera ordenação social no Município de D.... (cfr. fls. 27).


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APRECIANDO

Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 75º do DL n.º 433/82 este tribunal conhece apenas da matéria de direito, isto sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios indicados no artigo 410º, n.º 2 do CPP, conforme acórdão do STJ para fixação de jurisprudência de 19-10-1995, publicado no DR, I-A Série de 28-12-95.

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, são as seguintes as questões suscitadas:

- a prescrição do procedimento contra-ordenacional;

- a nulidade da decisão administrativa (por a entidade administrativa não ter ponderado sobre os critérios impostos para a determinação da medida da coima, como impõe o artigo 18º do DL n.º 433/82);

- a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação e motivação e, por omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas em sede de recurso de impugnação judicial.


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A)-

Foi a arguida/recorrente condenada pela prática de conduta contra-ordenacional prevista nos artigos 4º, n.º 1 e 53º, n.º 1 do Regulamento Municipal de Publicidade, e punível, em abstracto, com coima de € 300 a € 3.000.

Sustenta a recorrente que já ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional, porquanto o facto foi praticado em 1-11-2005, sendo de 3 anos o prazo da prescrição, nos termos da alínea c) do artigo 27º do D.L. 433/82 e, de 4 anos e 6 meses o prazo máximo de prescrição, nos termos do artigo 28º, n.º 3 do mesmo diploma.

Como sabemos a prescrição consiste na extinção de um direito em virtude do decurso de certo período de tempo e a verificar-se essa excepção, a mesma tem por efeito a extinção do procedimento contra-ordenacional.

Passemos então à apreciação desta questão.

O regime legal das contra-ordenações encontra-se definido no DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, o qual tem vindo a sofrer algumas alterações, designadamente a introduzida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, aos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º, relativa à prescrição.

Ditam tais normas:

Artigo 27º(Prescrição do procedimento)

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27º-A (Suspensão da prescrição)

1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso;

2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.


    Artigo 28º - (Interrupção da prescrição)

1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2. (...).

3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Segundo o artigo 27º, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido determinados prazos.

Como resulta da factualidade provada, no dia 01/11/2005, a arguida mantinha colocados na fachada do estabelecimento um painel e uma tabuleta, ambos com a inscrição "WWW…", sem possuir licenciamento de publicidade, como lhe era exigido pelo Regulamento Municipal de Publicidade (publicado no DR, II Série, Apêndice n.º 172, de 23-7-2004, como Edital 481/2004). E, em 18/07/2006 a arguida obteve a licença para colocação de um dos reclamos luminosos (do painel).

Segundo o artigo 5º do DL n.º 433/82, de 27 Out., “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”.

Importa agora fazer referência aos ilícitos permanentes, aqueles em que há a criação de um estado antijurídico, mantido e querido no tempo pelo agente, até à cessação do facto censurável.

Nos crimes permanentes a infracção renova-se constantemente com todos os seus elementos constitutivos ([1]).

Nos ilícitos permanentes o estado antijurídico é mantido pelo agente e a sua permanência gera a realização ininterrupta do tipo, renovada por acção da vontade do agente, o que distingue estes ilícitos das infracções instantâneas, mas de efeitos duradouros ou permanentes, em que o agente se liberta da acção inicial sucedendo-se os efeitos mas à margem de qualquer resolução criminosa ([2]).

Diz Eduardo Correia ([3]) que “Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de característico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que corresponde à permanência, ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compreensão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz”.

“Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento, isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a que corresponde, o protrair-se da consumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa”. 

O regime geral das contra-ordenações não indica qual o início do prazo da prescrição, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 32º do DL 433/82, teremos de recorrer ao estabelecido no artigo 119º do Código Penal. Nos crimes permanentes, o prazo de prescrição só corre desde o dia em que cessar a consumação - n.º 2, al. a).

Atendendo à moldura abstracta da coima aplicável à infracção praticada pela arguida, é de 3 anos o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional – artigo 27º, al. b) do DL 433/82.

Na situação em apreço, a arguida obteve a licença camarária em 18-7-2006, sendo, portanto, esta a data a atender como início do prazo de prescrição.

Por outro lado, há que atender às sucessivas interrupções da prescrição (artigo 28º, n.º 1 do DL 433/82) - para além da notificação para o exercício do direito de audição, a notificação da decisão administrativa, em 27-5-2009 - pois, a interrupção anula todo o prazo prescricional que já havia decorrido, implicando novo início de contagem (artigo 121º, n.º 2 do CP).

Acresce que, por período não superior a 6 meses, se suspendeu a prescrição do procedimento contra-ordenacional, com a admissão do recurso da decisão administrativa (artigo 27º-A, n.º 1, al. c) e n.º 2 do DL 433/82), em 9-7-2009.

Nos termos expostos, o procedimento contra-ordenacional não de encontra prescrito, pelo que improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.


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B)-

Sustenta a recorrente que a decisão administrativa condenatória é nula porquanto a entidade administrativa não ponderou sobre os critérios impostos para a determinação da medida da coima, como impõe o artigo 18º do DL n.º 433/82.

Estatui o artigo 32º, n.º 10 da CRP que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa”.

Também o direito de defesa do arguido se encontra previsto no artigo 61º, n.º 1, al. g) do CPP – quando lhe é conferido o direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias -, aplicável ao processo contra-ordenacional ex vi do artigo 41º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) – DL n.º 433/82, de 27 Out..

E, preceitua o artigo 50º do RGCO que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

Como sabemos, o processo de contra-ordenação tem duas fases; a fase da investigação e da instrução, da competência da entidade administrativa, e a fase judicial que se inicia com o recurso de impugnação judicial.

Como referem Oliveira Mendes e Santos Cabral ([4]) “O arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa. Igualmente não se vislumbra motivo para se negar naquela fase a possibilidade de o arguido requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em sede de inquérito relativamente à autoridade judiciária.

Questão diversa será a de saber se a autoridade administrativa está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido e aí entendemos que a resposta terá de ser negativa. Na verdade, se aquela entidade preside à investigação e instrução apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos.”

Afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.

Com efeito,

No âmbito do processo contra-ordenacional que deu origem aos presentes autos, foi a ora recorrente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º do RGCO.

A “WWW...” respondeu referindo que a placa publicitária já havia sido colocada há vários anos, e que tendo efectuado o respectivo pedido de licenciamento “não se apercebeu de que na verdade haviam sido solicitados mais documentos para instruir o seu pedido”.

Foi então proferida a decisão administrativa, a qual veio a ser impugnada.

Conforme o preceituado no n.º 1 do artigo 58º (sob a epígrafe Decisão Condenatória) do DL n.º 433/82, de 27 de Out.:

A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas,

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) A coima e as sanções acessórias.

Como verificamos a decisão administrativa proferida em processo contra-ordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal – cfr. artigo 374º do CPP – embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo ([5]).

“Colocada a necessidade da fundamentação, e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões do sancionamento, é evidente que o mesmo é comum aos dois tipos de processo e, consequentemente, entende-se que o incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 implica a existência de uma nulidade nos termos cominados no artigo 379º do Código de Processo Penal.

Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada” ([6]).

Tendo em conta as contra-ordenações imputadas à “WWW...” e a moldura abstracta da sanção aplicável, a autoridade administrativa condenou-a nas coimas de € 400,00 e € 700,00 (e na coima única de € 900,00)

A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da contra-ordenação – artigo 18º, n.º 1 do DL n.º 433/82.

Ora, contrariamente ao entendido pela recorrente, considera este tribunal que a decisão administrativa apresenta suficiente fundamentação sobre os critérios de graduação das coimas aplicadas, como se pode verificar a fls. 120vº a 123 dos autos, designadamente, explicando em que consistiu o comportamento culposo da arguida, e qual a razão por que relativamente a uma das contra-ordenações foi punida com coima mais elevada.

Por conseguinte, improcede também nesta parte a argumentação da recorrente.


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C)-

Invoca a recorrente a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação e motivação e, por omissão de pronúncia quanto à questão suscitada em sede de recurso de impugnação judicial.

Conforme o preceituado no artigo 64º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 433/82, de 27 de Out. (RGCO), em processo contra-ordenacional, interposto recurso da decisão da entidade administrativa, o juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho; mas, só decidirá por despacho se não considerar necessária a audiência de julgamento e o arguido e o MP não se oponham.

As situações de decisão por despacho serão aquelas em que a decisão não depende da realização de diligências de prova ([7]).

Ou, como salientam Oliveira Mendes e Santos Cabral ([8]) “se o juiz entende que deve decidir através de despacho está a implicitamente a afirmar que a prova produzida em sede administrativa é a necessária e a suficiente para poder decidir e que, portanto, não relevam outros factos que não aqueles que resultam dos meios de prova pré-existentes. Consequentemente os seus poderes de cognição, derivados da aplicação do acusatório, estão limitados pelos factos resultantes da prova já produzida”.

Vejamos os autos.

- após a impugnação judicial da decisão administrativa, foram os autos remetidos ao tribunal recorrido,

- conforme despacho de fls. 141, entendeu a Sr.ª Juiz que a questão suscitada era essencialmente de direito, tendo ordenado a notificação da arguida/recorrente e do MP para se pronunciarem sobre a possibilidade do recurso ser decidido por despacho, ao abrigo do disposto no citado art. 64º, n.º 2,

- não houve oposição por banda do MP, mas a recorrente opôs-se, por considerar “pertinente e necessária à boa decisão da causa a produção de prova por si arrolada”,

- designada a audiência de discussão e julgamento, foi a mesma dada sem efeito, como resulta da Acta de fls. 167; porquanto,

- declarada aberta a audiência «pela ilustre mandatária da recorrente foi dito que, compulsados os autos e sendo certo que os factos essenciais se mostram assentes e resultam da prova documental junto ao processo, não se opõe a que a decisão seja proferida por simples despacho»,

- a que a Magistrada do MP e a representante da recorrida não se opuseram,

- pelo que o recurso de impugnação foi decidido por despacho.

Refere a recorrente na motivação:

- “a sentença carece de todo de fundamentação e motivação, já que da página em que consta a sentença, apenas se refere o que se provou ou não se provou, sem que minimamente se entenda o que permitiu ao Tribunal fundar a sua convicção sobre tais pontos. Veja-se que nem sequer são apreciadas as questões colocadas em sede de recurso e nem existe um só considerando ou alusão quanto à prova produzida, quer documental, quer testemunhal, ignorando-se por completo qualquer uma destas. Pela leitura da sentença não se percebe tão pouco o que relevou da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, já que nenhuma alusão se faz à mesma”.

Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças (ou acórdãos) e de despachos – artigo 97º, n.ºs 1 e 2 do CPP.

Contrariamente ao alegado pela recorrente, a decisão recorrida trata-se de simples despacho e não de sentença; acresce que, não podia tal despacho fazer alusão a qualquer prova testemunhal produzida em audiência, já que a mesma não teve lugar, até por iniciativa da recorrente. Com efeito, a não realização da audiência esteve na livre disponibilidade da arguida/recorrente.

De acordo com o n.º 3 do art. 64º do RGCOC “O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação”.

Logo, não se tendo a arguida oposto à decisão por despacho, não deveria ignorar que, não sendo ouvidas em audiência as testemunhas que arrolara, a Srª. Juiz iria decidir com base nos elementos que já constavam no processo; o que efectivamente veio a acontecer, dando por integralmente reproduzidos os factos dados como assentes na decisão administrativa, tendo por base a prova documental junto ao processo, como reconheceu a arguida quando usou da palavra para requerer/declarar que não se opunha a que o recurso fosse decidido por mero despacho.

Quanto à questão colocada em sede de recurso de impugnação (de que a entidade administrativa não ponderou sobre os critérios impostos para a determinação da medida da coima), que a arguida refere não ter sido apreciada na decisão recorrida – questão já apreciada no ponto B) deste acórdão – verifica-se que o despacho recorrido alude à mesma, de forma sumária, mas ainda assim suficiente, tendo salientado o “reduzido grau da culpa da recorrente”, e o facto de quanto a um dos ilícitos (ainda que o mesmo se mantenha) ter efectuado (em momento anterior à acção inspectiva) o pedido de licenciamento, razão que permitiu a redução da coima aplicada e, bem assim, da coima única.

Não se verifica pois, a invocada nulidade da decisão recorrida.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça.

                                                                 *****                                                                         

                                                       Coimbra,


[1] - Ac. RP, de 18-10-2000, in CJ, Tomo IV, pág. 233.
[2] - Jescheck, Tratado, II, pág. 999.
[3] - Direito Criminal, I, pág. 310.
[4] - in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2ª Ed., pág. 139.
[5] - cfr. Oliveira Mendes e Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, pág. 157.
[6] - obra citada, pág. 159.    
 Cfr. ainda Ac. RC de 4-6-2003, CJ, Tomo 3, pág. 40.
[7] - Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, pág. 359.
[8] - in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2ª ed., pág. 176.