Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
696/15.9T9CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PROVAS PRODUZIDAS E EXAMINADAS EM AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (J L CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 355 DO CPP
Sumário:
I – Existem provas que têm que ser produzidas em audiência e outras, chamadas pré-constituídas, de natureza material, documental, pericial, prova produzida por carta rogatória ou precatória que, uma vez obtidas, são incorporadas nos autos, em regra antes da acusação onde são arroladas como meio de prova da matéria da acusação, ali sendo examinadas e discutidas, de acordo com a sua natureza.
II - Constitui jurisprudência sedimentada que as provas pré-constituídas não têm que ser lidas ou reproduzidas, enquanto tal, na audiência, naturalmente desde que submetidos á discussão e exercício do contraditório.
III – Como meio de prova pré-constituído, [um vídeo] arrolado na acusação que reproduz as expressões ali reportadas pelo arguido, objeto de discussão exaustiva em audiência, com amplíssimo exercício do contraditório, não carecia ser reproduzido, porque ninguém teve como necessária a reprodução de um conteúdo de todos conhecido e indiscutível.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, tribunal singular, em referência, após realização da audiência de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença com o seguinte DISPOSITIVO:

- Decide-se julgar a acusação parcialmente procedente, condenando o arguido, A, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de difamação, publicidade e calúnia, agravado, p. e p. pelos artigos 180º, n.º 1, 183º, n.º 1, al. a), 184º, 132º, n.º 2, al. l), todos do Cód. Penal, na pena parcelar de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, e de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º, n.º 1, e 183º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal, na pena parcelar de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, tudo, após cúmulo jurídico, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), no total de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros);

- Decide-se julgar os pedidos de indemnização cível parcialmente procedentes, condenando o arguido/demandado a pagar ao demandante civil B a quantia de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data em que o aqui demandado se considerou notificado para contestar o pedido em causa até efetivo e integral pagamento; e – a pagar ao demandante civil C a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data em que o aqui demandado se considerou notificado para contestar o pedido em causa até efetivo e integral pagamento.


*

Inconformado com a aludida sentença, dela recorre o arguido.

Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES:

1 e 2 – (…) – reprodução do dispositivo da sentença recorrida;

3 – O Tribunal fundamentou a sentença recorrida a quanto à matéria dada como provada constante da aliena C), nos depoimentos do assistente e da testemunha …;

4 – Dos depoimentos do assistente e da testemunha, …, não resulta que o arguido tenha dirigido diretamente ao …, as expressões “vigaristas” e “gatunos”;

5 - O depoimento do assistente, encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00.00.00 a 00:46:48, ao minuto 20 refere que, o arguido não chamou “… vigarista”;

6 - O depoimento do assistente, encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00.00.00 a 00:46:48, ao minuto 20, refere que, o arguido não chamou “... vigarista”.

7 - O tribunal com estes depoimentos não poderia ter dado como provada a factualidade da aliena c) por terem afirmado que as expressões vigaristas e gatunos não foram dirigidas diretamente para o …;

8 – A factualidade da alínea c) terá necessariamente que ser dada como não provada;

9 – A frase proferida pelo arguido “regreto as palavras que disse e não tenho mais nada a dizer” não configura uma confissão do arguido, nem configura o seu arrependimento;

10 – Esta frase proferida pelo arguido é inócua para dar como provado a matéria constante da alínea C) da factualidade provada;

11 - logo, o tribunal não poderia ter dado como provada essa matéria,

12 – Estas expressões terão sido produzidas no dia 4 de abril de 2013 e, configuram a prática de um crime de difamação, publicidade e calunia agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº1, aliena a) e 184º ambos do Código Penal, crime que é punido com apena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias, pena agravada de metade no seu limite mínimo e máximo;

13 – O prazo de prescrição é de dois anos, nos termos da alínea d), do nº 1 do artigo 118º do Código Penal e tendo a queixa sido apresentada no dia 15 de julho de 2015, depois de decorrido o prazo de prescrição, tribunal não os poderia ter valorado por estarem prescritos;

14 – O tribunal a quo deu como provado que foi o arguido ou alguém a seu mando que carregou o vídeo no “Youtube” tendo-se ancorado no depoimento do assistente e das testemunhas, … para dar como provada esta factualidade, pese embora, tal factualidade não resultar destes depoimentos;

15 – O depoimento do assistente, encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00.00.00 a 00:46:48, ao minuto 41 refere que não sabe quem publicou o vídeo;

16 – A testemunha …, no seu depoimento que se encontra registado em ficheiro áudio 20180110160727_868784_2870900, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00:00:00 a 00:18:08, não faz qualquer alusão a esta afctualidade.

17- A testemunha …, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro áudio 20180110163546_868784_2870900, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00:00:00 a 00:18:02, refere ao minuto 16 refere que não sabem quem carregou o vídeo no yutube;

18 – A testemunha …, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro áudio 20180110165508_868784_2870900, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00:00:00 a 00:11:25., não faz qualquer referência ao autor da publicitação do vídeo no youtube.

19 – A testemunha, …, cujo depoimento que se encontra registado em ficheiro áudio 20180110170710_868784_2870900, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 10.01.2018, de 00:00:00 a 00:11:08, nada refere quanto a entidade ou pessoa que carregou o vídeo no youtube.

20 – Os depoimentos do assistente e da testemunha … que tribunal credibilizou não decorre que foi a arguido ou alguém a seu mando que carregou o vídeo no youtube, dado terem declara da forma inequívoca que não sabiam quem o fez.

21 – O entendimento do tribunal a quo que foi o arguido ou alguém a seu mando que publicitou o vídeo por ser o único interessado em o fazer, não foi extraído da prova produzida e também não foi extraído da prova documental junta aos autos, informação prestada pela policia judiciária a folhas 234, refere que a entidade criadora tem a designação de “…”;

22 – Não existe qualquer prova que ligue esta entidade ao arguido;

23 – O tribunal a quo não poderia ter dado como provado que foi o arguido ou alguém a seu mando que carregou o vídeo no youtube e, por conseguinte, a factualidade da aliena D) da matéria provada;

24 – A factualidade da alínea D) terá que ser dada como não provada, por ausência total de prova para ser dado como provada;

25 – A factualidade provada aliena N) “O arguido e demandado intencionalmente divulgou o vídeo anteriormente referido na plataforma “Youtube”, de forma a facilitar e expandir a sua divulgação, o que conseguiu”, terá que ser dada como não provada, ao ser dada como não provada a factualidade da aliena D) da matéria provada;

26 – Atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento e a prova documental junta aos autos, nomeadamente a informação da policia judiciaria de folhas 234, a fundamentação da sentença o ter necessariamente que ser no sentido de dar como não provada a matéria das alienas D) e N) da factualidade provada.

27 - A prova produzida leva a uma decisão diferente da dos autos e o arguido terá que ser absolvido dos crimes que lhe são imputados e dos pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes cíveis.

28 – A quantia de € 2000,00 a que o arguido foi condenado a pagar ao demandante civil, C é manifestamente exagerada;

29 – A prova produzida reduziu-se unicamente ao depoimento de parte de demandante cível, o que é manifestamente pouco, o tribunal a quo fixar a quantia de € 2000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

30 – A quantia justa e adequada a pagar, de acordo, com a prova produzida não deverá ser superior a € 700,00;

31 – O demandante cível, B, não fez qualquer prova dos prejuízos efetivamente sofridos, como decorre, do seu depoimento e dos depoimentos das testemunhas acima identificadas;

32 – O demandante cível é um comerciante que explora um … e se decida à produção e venda de … e, por isso, tem contabilidade organizada e não juntou um único documento contabilístico para prova dos alegados prejuízos, porque para prova destes prejuízos não é suficiente a prova feita por testemunhas que “ouviram dizer”;

33 – Face à prova produzida não deve ser atribuída ao demandante, B, qualquer quantia a título de danos patrimoniais e quanto aos danos não patrimoniais a quantia a atribuir não deve ser superior a € 1000,00, por se mostrar adequada e justa para ressarcir estes danos.

34 – Não foi produzida prova testemunhal e documental que sustente a condenação do arguido;

35 - A fixação da matéria de facto constante das alíneas C), D) e N da factualidade provada não tomou na devida conta a prova produzida, quer testemunhal, quer documental e, por isso, terão que ser dadas como não provadas;

36 – A douta sentença violou o disposto na aliena d), do nº1 do artigo 118º do Código Penal;

35 – Não foi produzida prova testemunhal e documental que sustente a condenação do arguido, tendo o tribunal para formação da sua convicção recorrido a prova não examinada em audiência;

36 – O tribunal a quo deu como provada factualidade constante do vídeo que não foi exibido em audiência, formando, assim, a sua convicção com base no teor do vídeo e, por isso, a matéria de facto dada como provada referida nas alienas F), G, H), I, J), L, M), N) e P) deve ser dada como não provada;

37 – A falta de exibição do vídeo em audiência de julgamento é violadora do princípio da imediação e da oralidade de que o nº 1 do artigo 355º do Código de Processo Penal é emanação;

38 – A sentença recorrida violou os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório;

39 - Ao decidir como decidiu – formando a sua convicção com base no vídeo – fundamentou a douta decisão ora recorrida, em prova proibida, o que acarreta a nulidade da sentença;

40 - Verificada a nulidade de valoração de prova não produzida em audiência, relativamente a aspetos cruciais do julgamento (a matéria de facto onde se narravam os elementos constitutivos dos crimes imputados ao arguido e que foi condenado, o julgamento deverá ser repetido;

41 – A douta sentença recorrida é nula, por valoração de prova não produzida em audiência, matéria que o tribunal utilizou para fundamentar a sua convicção, consequentemente para considerar como provada a matéria constante das alienas F), G, H), I, J), L, M), N) e P) da factualidade provada;

42 - A sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do nº2 do artigo 410º do CPP;

43 – Não existe nos autos prova testemunhal ou documental que sustente a condenação do arguido e, consequentemente, deve a sentença ser revogada e o arguido absolvido dos crimes que lhe são imputados e dos pedidos de indemnização civil contra si formulados.

44 - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do nº1 do artigo 118º do Código Penal, o nº 1 do artigo 355º e a alínea c), do nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal,

45 – A douta sentença recorrida deve ser revogada.

Termos em que, atento o douto suprimento de V.Exas, deve ser concedido provimento ao recurso e a sentença recorrida revogada. Se assim for decidido, far-se-á Justiça.


*

Notificado da admissão do recurso, respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando, em síntese conclusiva:

1- Face à matéria de facto dada com provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso;

2 - Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados;

3 - A decisão ora posta em crise apreciou convenientemente todos os pontos postos em crise pelo recorrente, tendo feito correcta apreciação da prova e concluído de forma lógica e plausível.

4 - O tribunal "a quo" não baseou a sua convicção quanto à matéria de facto provada da aI. C), apenas nos depoimentos do assistente e da testemunha …;

5 - Mas também na restante prova produzida, designadamente no vídeo "…", transcrito na acusação;

6 - Vídeo donde resulta que o recorrente dirigiu, indirectamente, ao …, as expressões: "vigarista e gatuno":

7 - A frase proferida pelo arguido: "regreto as palavras que disse e não tenho mais nada a dizer" não configura uma confissão, nem o seu arrependimento, sendo, pois inócua para dar como provada a matéria da aI. C), como na verdade foi;

8 - A matéria respeitante ao decurso do prazo prescricional relativamente aos factos ocorridos no dia 04-04-2013, à saída do tribunal de …, foi apreciada na decisão em apreço;

9 - A matéria relativa ao facto do tribunal “a quo” ter dado como provado que foi o arguido ou alguém a seu mando que carregou o vídeo no "youtube", foi apreciada na decisão, estando nós do lado da decisão, nesta parte;

10 - Não se acompanha a tese da defesa quando refere que não foi feita prova documental ou testemunhal que sustente a condenação do arguido, tendo o tribunal recorrido a prova não examinada em audiência para formar a sua convicção;

11 - Não se acompanha a tese da defesa quando refere que foram violados os princípios da imediação, oralidade e contraditório, pois que a acusação retrata fielmente o teor, difamatório, do vídeo;

12 - Tal não pode conduzir, cremos, quer à anulação do julgamento quer à sua repetição;

13 - A sentença recorrida não padece do vício da al. c) do nº 2 do art° 410º do CPPenal, nem de qualquer outro que seja mister conhecer e declarar;

14 - Razão porque se entende que deve ser mantida a condenação do arguido;

15 - Não se aceita que seja entendido que foi violado o disposto nos artigos 118º nº 1-d) do C. Penal e 355° n° 1 e 410° º 2-c), estes do C. P. Penal

16 – Pois que não foi produzida qualquer outra prova em audiência que conduzisse a decisão diferente da alcançada;

17 – Não foi, cremos, violado o disposto nos arts. 118° nº 1-d) do C. Penal e 355° n° 1 e 410° nº 2-c), estes do C. P. Penal.

Termos em que, deve ser mantida, nos seus precisos, a decisão ora recorrida.


*

Notificado da admissão do recurso, respondeu-lhe também o assistente B, fazendo-o com base em identidade substancial de argumentos com a resposta apresentada pelo MºPº, dispensando-se, por isso, a sua reprodução.

*

No visto a que se reporta o art. 417º, nº1 do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual, secundando a argumentação da resposta apresentada pelo MºPº no tribunal de 1ª instância, pondera designadamente:

- o recorrente confunde reapreciação da prova com o vício de erro notório de apreciação da mesma;

- a decisão recorrida procede a uma análise aprofundada da prova e explicita as razões que levaram a concluir no sentido em que o fez, com base em critérios lógicos, objectivos e em obediência às regras da experiência. Em contrapartida o recorrente, embora identifique os factos tidos por incorrectamente julgados e transcreva excertos da gravação de depoimentos que entende porem em causa a decisão, não demonstra que esses concretos excertos de depoimentos sejam adequados a impor a decisão pretendida;

- a decisão recorrida equacionou e apreciou devidamente a questão da prescrição em relação aos factos descritos sob a al. c) da matéria dada como provada. Como resulta do ponto B1. da sentença, concretamente do ultimo parágrafo de fls. 386 e nos 3 primeiros parágrafos de fls. 387. Assim a factualidade integradora dos dois crimes de difamação agravada é apenas a que resulta do vídeo colocado no “Youtube” a 08 de maio.

- a circunstância de o vídeo não ter sido visionado durante a audiência não invalida que tenha constituído, como constituiu, o centro da produção da prova. Faz parte do processo e quer as testemunhas quer os declarantes foram ouvidos sobre o seu conteúdo (inclusivamente pelo mandatário do arguido), sendo de todos conhecido e sobre o qual não recaía qualquer dúvida, razão pela qual nenhum sujeito processual, designadamente o arguido, sentiu necessidade de o rever.

Corridos vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas no recurso, definidas nas respectivas conclusões.

II. APRECIAÇÃO

Tendo por referência a natureza do recurso (impugnação de uma decisão – fundamentada - tomada pelo tribunal recorrido, que não a prolação de uma nova decisão ou de um julgamento, ex novo, como se não existisse a decisão recorrida) e o dever de motivação, especificada, que incide sobre o recorrente, nos termos previstos no art. 412º do CPP, constitui entendimento pacífico que, sem prejuízo daqueles casos em que a lei imponha o dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, o âmbito do recurso é definido pelas respectivas conclusões – cfr., designadamente, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335; Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74; Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196.

As questões suscitadas são analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma.

Assim, tendo em vista as conclusões, constituem objecto de apreciação, por ordem de precedência lógica, as seguintes questões:

- nulidade da sentença por valoração de prova não produzida em audiência - conclusões 35 a 41;

- prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos (expressões) de 04.04.2013 - conclusões 12-13;

- vício de erro notório na apreciação da prova – c. 43 e 44;

- errada apreciação da prova – c. 3 a 27 e 34-35;

- valor das indemnizações arbitradas – c. 28 a 33.

Incidindo o recurso nuclearmente sobre a decisão da matéria de facto, por facilidade de compreensão e exposição, proceder-se-á à apreciação de todas as depois de vista a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a apreciação crítica da prova em que repousa, a fim de apurar o fundamento das críticas que lhe são dirigidas.

2. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte:

FACTUALIDADE PROVADA

Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

(…)

2. F ACTUALIDADE NÃO PROVADA

Da audiência de discussão e julgamento resultou como não provado que:

(…)

MOTIVAÇÃO / APRECIAÇÃO CRÍTICA PROVA

(…)

3. Nulidade da sentença - conclusões 35 a 4

O fundamento da nulidade invocada é o de que “o vídeo …”, valorado como meio de prova, não foi exibido em audiência.

Estabelece o art. 355º, nº 1 do CPP: Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiveram sido produzidas ou examinadas em audiência.

Existem provas que têm que ser produzidas em audiência. Mas existem outras, chamadas pré-constituídas, de natureza material, documental, pericial, prova produzida por carta rogatória ou precatória que, uma vez obtidas, são incorporadas nos autos, em regra antes da acusação onde são arroladas como meio de prova da matéria da acusação. Estas não são produzidas em audiência pela evidência de que foram produzidas e incorporadas nos autos antes do início da audiência de discussão, apenas ali sendo examinadas e discutidas, de acordo com a sua natureza.

A este respeito observa com propriedade Maia Gonçalves (CPP Anotado, Ed. Almedina, 16ª, em anotação ao art. 355º): “há que esclarecer, pois tem reinado alguma confusão sobre este ponto, que os documentos constantes do processo se consideram produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, visualização ou audição”.

Nesta linha constitui jurisprudência sedimentada que as provas pré-constituídas não têm que ser lidas ou reproduzidas, enquanto tal, na audiência, naturalmente desde que submetidos á discussão e exercício do contraditório – neste sentido, cfr., entre muitos outros: Ac. STJ de 10.11.1993, CJ/STJ, tomo 3, 233; Ac. STJ de 25.02.1993, BMJ 424, p. 535; Ac. STJ de 23.05.1994, p. 46218/3ª; Ac. STJ de 10.07.1996, CJ/STJ, tomo 2, 229; Ac. STJ de 27.01.1999, SASTJ, nº 27, p 83. Este entendimento foi sujeito ao escrutínio do TC que reconheceu a sua conformidade à Lei Fundamental – cfr. designadamente AC.T.C. nº 87/99 de 10.02, DR IIS de 01.07.1999.

Ora, no caso, a circunstância de o vídeo em questão (vídeo “…”) não ter sido (re)visionado durante a audiência de julgamento não invalida que tenha constituído, como constituiu, o centro da discussão da prova, como meio de prova nuclear do processo – aliás acusação relaciona-o como meio de prova, reproduzindo o seu conteúdo, por se encontrar junto aos autos desde a primeira hora. E, quer as testemunhas quer os declarantes foram ouvidos exaustivamente sobre o mesmo, como não podia deixar de ser, tal como evidencia toda a gravação da audiência, na presença do recorrente e seu mandatário que exerceu o contraditório, a par e passo, da forma o mais ampla possível. Sendo a cópia do vídeo junta aos autos conhecido de todos, que debateram à exaustão o seu conteúdo, a reprodução nem foi pedida nem se revelou, por qualquer forma, necessária. Como meio pré-constituído, arrolado na acusação que reproduz as expressões ali reportadas pelo arguido, objeto de discussão exaustiva em audiência, com amplíssimo exercício do contraditório, não carecia ser reproduzido, porque ninguém teve como necessária a reprodução de um conteúdo de todos conhecido e indiscutível.

Improcede, pois, a invocada nulidade.

4. Questão da prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos (expressões) de 04.04.2013 (conclusões 12-13) - matéria descrita sob a al. c) da matéria provada

A questão da prescrição suscitada pelo recorrente constitui, salvo o devido respeito, uma “não questão”. Porquanto, como bem salienta o douto parecer, a decisão recorrida apreciou especificamente essa questão (no sentido pretendido pelo recorrente), deixando claramente explícito que não valorou (como já sucedera na acusação!) tal matéria como pressuposto de qualquer dos crimes por que condenou o arguido.

Tal resulta cristalino do ponto B1. (enquadramento jurídico-pena) da sentença. Mais concretamente do último parágrafo de fls. 386 e nos 3 primeiros parágrafos de fls. 387 dos autos. Com efeito, ali se distingue, claramente, entre a ocorrência de 04 de abril de 3013 – em relação à qual concluiu “o arguido nunca poderá ser aqui punido criminalmente com base nesta ocorrência, uma vez que, como o próprio MºPº refere no despacho de arquivamento parcial que deduziu previamente à acusação (..) por isso o prazo de prescrição seria de 2 anos (..) os presentes autos foram instaurados em 15 de julho de 2015 (…) o referido prazo já se havia esgotado, e daí se ter verificado a prescrição do procedimento criminal nesta parte”.

Tal matéria apenas é descrita na sentença para contextualizar o surgimento do vídeo. Sendo manifesto que a sentença recorrida (tal como tinha sucedido já na acusação) não valorou a ocorrência de 04.04.2013, em relação à qual declarou o procedimento prescrito.

A matéria de facto que integra os dois crimes de difamação agravada pelos quais o recorrente vem condenado é constituída, exclusivamente, pelas expressões gravadas no “Vídeo …” colocado no “Youtube” no dia 08 de maio de 2015. Matéria em relação à qual nem o recorrente sustenta a prescrição do procedimento criminal - iniciado em 15.06.2015 e com múltiplas causas de suspensão e de interrupção.

Assim, tendo a prescrição invocada sido apreciada na acusação e na sentença no sentido pretendido pelo recorrente, não tendo a matéria em causa sido valorada como suporte da condenação, improcede a invocada nulidade.

5. Recurso da matéria de facto – vício de erro notório; erro de apreciação

Sobre a motivação do recurso em matéria de facto, postula o art. 412º do CPP (redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08):

1. A motivação (do recurso) enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

(…)

3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

No caso sob apreciação, a multiplicidade de fundamentos invocados sucessivamente sobre o mesmo ponto nuclear da prova dos factos (nulidade por não reprodução do vídeo, vício de erro notório, errada apreciação dos meios de prova) denota hesitação por parte do recorrente.

O vício de erro notório na apreciação da prova, tal como os restantes vícios previstos no art. 410º, n.º2, incide sobre a decisão da matéria de facto, como resulta não só da letra da lei [“matéria de facto”, “apreciação da prova” constantes das alíneas a) e c)], como ainda do espírito ou ratio originária do mencionado preceito, permitindo a chamada revista alargada, em que o tribunal de recurso, embora conhecendo exclusivamente de direito [““Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal à matéria de direito” - cfr. corpo do citado n.º2], podia sindicar a matéria de facto naquelas três situações, reenviando, se necessário, o processo para novo julgamento da matéria de facto correspondente, nos termos do art. 426º, n.º1.

Trata-se de vícios relativos à estrutura lógica da sentença que há-de emergir do texto da decisão propriamente dito e/ou do mero confronto da decisão com as regras da experiência comum. Repercutindo os seus efeitos ao nível da decisão de mérito, uma vez que a sua consequência típica é o reenvio para novo julgamento - cfr. art. 426º do CPP.

O vício de erro notório na apreciação da prova constitui “um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio” – cfr. Ac. STJ de 03.06.1998, processo n.º 272/98, citado por SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 68. Verificando-se, por ex., quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos – cfr. Ac. STJ 10-03.99, SASTJ n.º 29, p. 73. Ou quando se dão como provados factos que face às regras da experiência comum e à lógica corrente não se podiam ter verificado - Ac. STJ 02.06.99, proc. 354/99, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art. 410º do seu C. Penal Anotado, 13ª edição.

Ora, no caso, o fundamento do vício invocado pelo recorrente radica (cfr. sequência das conclusões 41 e 42) em que a sentença é nula por valoração de prova não produzida em audiência – questão já apreciada supra.

Alega ainda o recorrente, na mesma sequência, que “não existe prova documental ou testemunhal que sustente a condenação”. Asserção que tem por fundamento as críticas á apreciação da prova. Confundindo o vício com a reapreciação da prova.

Assim, sem prejuízo da reapreciação da prova a realizar infra, é manifesto que não se verifica o invocado vício de erro notório.

Reapreciação da prova

Nos termos do art. 127º do CPP «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente».

Consagra o chamando critério da livre convicção que nada tem a ver com convicção não fundamentada nem arbitrária.

Está sujeita, antes de mais, à prova produzida ou examinada em audiência – art. 355º do CPP.

Está ainda subordinada às disposições legais sobre produção e validade dos meios de prova – métodos proibidos de prova e correspondentes nulidades de valoração (cfr. artigos 128º a 189º do CPP, em especial os artigo 126º, nº 1 e nº3 e art. 190º do CPP).

Está ainda vinculada aos critérios legais de apreciação vinculada de determinados meios de prova – vg. prova por confissão, prova documental, prova pericial.

Mesmo relativamente aos meios de prova não sujeitos a critérios legais de apreciação, a convicção do juiz não é “livre” no sentido de sem critério ou fundamentação. Ainda aqui a apreciação deve ser efectuada “segundo as regras da experiência comum (…)”. E limitada pelo princípio in dubio pro reo decorrente do princípio da presunção de inocência do arguido.

Acresce, tendo em vista o dever específico de fundamentação da sentença, a convicção está sujeita ao dever de apreciação crítica da prova (consagrado no art. 374º, nº2 do CPP, sob a cominação das correspondentes nulidade previstas no art. 379º do mesmo CPP). Como tal vinculada à necessária objectivação, na motivação da decisão, do exame crítico que sustenta a convicção alcançada, para lá da dúvida razoável.

Encontrando-se a sentença fundamentada em termos probatórios [não estando é nula, nos termos do art. 374º, nº2 e 379º, nº1, al. a) do CPP], impõe o legislador a quem pretende vê-la revogada, o ónus de motivar o recurso (cfr. art. 411º, nºs 1 e 2 do CPP), especificando não só os concretos pontos de facto tidos por incorretamente julgados [art. 412º, nº3, al. a)], bem como “as concretas provas que impõem decisão diversa” [art. 412º, nº3, b)]. E ainda, quando estão em causa provas gravadas, “as passagens (da gravação) em que se funda a impugnação” - [art. 412º, nº4 do CPP].

A decisão da matéria de facto não constitui uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..

No que toca à prova produzida oralmente em audiência, assume a maior relevância o princípio da oralidade e imediação com os meios de prova, no julgamento efectuado em primeira instância. Princípio que enfatiza a constatação de que o tribunal de recurso não procede a um novo julgamento mas apenas procede à sindicância de um julgamento previamente realizado, na plenitude da audiência, da discussão cruzada levada a cabo perante os sujeitos processuais. Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, apenas poderão afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convição não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias.

Se o princípio da livre apreciação exige a formação, objectivada e motivada, de uma convicção para lá da dúvida razoável, o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável - também objectivada e motivada. Assim o princípio da livre convicção e o princípio in dubio pro reo são a face e verso da mesma realidade, constituindo “o fio da navalha” sobre o qual se move a decisão judicial sobre a prova do facto. Em ambos os casos, é a razoabilidade da apreciação que constitui o critério que orienta a decisão.

Por outro lado, a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

E a dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável – neste sentido, cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (1966), p. 25.

No caso, sustenta o recorrente que não poderia ter sido dada como não provada a matéria da alínea C) – ocorrência do dia 4 de Abril de 2013, pelas 14:30 horas, quando o arguido saía do edifício do tribunal

Alega para tanto (cf. Síntese na conclusão 4) que “Dos depoimentos do assistente e da testemunha …, não resulta que o arguido tenha dirigido diretamente ao …”.

Ora, para além de as expressões em causa não terem sido valoradas – vista a prescrição do procedimento criminal em relação às mesmas, nos termos supra referidos - a decisão recorrida não dá como provado que o arguido “tenha dirigido diretamente ao …”. Mas apenas que proferiu as expressões “referindo-se” ao ….

Por outro lado é óbvio que as expressões em causa não foram “dirigidas diretamente” ao … - que não estava presente no local, à saída do tribunal, de forma a poder ouvi-las. Foram dirigidas, como é manifesto e de elementar senso comum, a quem estava presente e pudesse ouvi-las.

E, pelo seu teor e contexto do seu proferimento, é manifesto que a pessoa visada era o … que tinha tido a intervenção no processo em questão, à saída da diligência acabada de efectuar, de cujo resultado o recorrente se revelava inconformado. Sendo que o proferimento das expressões foi confirmado com toda a clareza pela assistente e pela testemunha referenciada. Aliás no vídeo “…” já referenciado, subsequentemente editado, o autor “gaba-se” desse feito.

A alegação do recorrente poderia relevar para efeito de distinção entre crime de injúria ou crime de difamação. O que não é o caso, visto não sofrer dúvida a qualificação como difamação.

Inexiste assim fundamento para alteração da decisão recorrida com este fundamento.

Mais sustenta o recorrente que a frase proferida “regreto as palavras que disse e não tenho mais nada a dizer” não configura uma confissão do arguido, nem configura o seu arrependimento.

Ora tal frase, proferida pelo arguido, não foi valorada nem como confissão nem como suporte de arrependimento, nem como fundamento probatório relevante da matéria constante da alínea C) da factualidade provada. É referenciada para justificar que o próprio arguido, tendo prestado declarações voluntariamente, não apresentou qualquer outra versão alternativa, muito menos plausível, sendo perfeitamente lógica e razoável a asserção, a este respeito, contida na motivação da sentença.

Tal asserção não constitui pois, manifestamente, fundamento para que pudesse ser modificada a decisão recorrida.

O recorrente questiona a matéria dada como provada relativa à autoria do vídeo (conclusões 14 a 24) e sua divulgação intencional no Youtube (conclusões 25-27).

Argumenta para o efeito que “ninguém viu” carregar o vídeo no Youtube.

No pressuposto de que a única prova válida é alguém ter visto.

Ora é conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99.

Enquanto aquela incide directamente sobre o facto probando, esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.

Aliás a associação que a prova indiciária entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermayer Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.

Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, como acima se disse, terá que ser sempre objectivada e motivada. Não deixando de ser surpreendente que outros tipos de prova de maior solidez e fiabilidade se encontrem detalhadas e reguladas na lei processual penal e não esta prova de resultados mais inseguros que a prova directa. Tanto mais que a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 100/1001.

Focado na nulidade de valoração do vídeo e em que “ninguém viu” editá-lo, o recorrente passa em claro o conteúdo desse vídeo – som e imagem – cujo suporte, gravado, se encontra junto aos autos, arrolado como meio de prova na acusação, objecto de ampla discussão em audiência, nos termos supra referenciados.

Ora o vídeo reproduz a reportagem, filmada com os locais que vão sendo referenciados em fundo, perfeitamente visíveis e identificáveis, reportagem apresentada pelo seu autor/comentador, cuja figura física aparece destacada em primeiro plano, como repórter assumido do vídeo “…” que apresenta, de viva voz. O seu autor, com efectivo domínio sobre o facto, não pode deixar de ser a pessoa que ali se vê fazendo a apresentação como repórter, com os locais referenciados em fundo, explanando as suas razões, que tem por insofismáveis. Basta ver a imagem da pessoa que aparece, os conhecimentos que invoca, os locais onde enquadra a sua figura, as certezas evidenciadas na pose de repórter e comentador experimentado, os ressentimentos apresentados. Pode ter tido a colaboração de um operador de máquina mas é manifesto que é ele o titular do “domínio” da criação e subsequente divulgação do vídeo no Youtube, criado com essa finalidade que se adequa ao respetivo conteúdo, vontade e interesse do seu autor, efectivamente editado no Youtube. Não tendo sido aventada, muito menos discutida em audiência, qualquer outra possibilidade, muito menos razoável, que não fosse por vontade e ação do seu autor que ali foi editado.

Por outro lado, resultando da gravação (voz e imagem do repórter) todas as expressões dadas como provadas em relação do dito vídeo - cujo suporte audiovisual, arrolado como meio de prova na acusação, junto aos autos a que o recorrente teve e tem amplíssimo acesso, tal como o tribunal de recurso teve - a mesma atesta, inapelavelmente, o conteúdo que a acusação se limita a reproduzir.

Impõe-se assim a improcedência do recurso da matéria de facto.

6. Em matéria de direito, o recorrente questiona o valor das indemnizações arbitradas – €3.000,00 a favor do demandante B e €2.000,00 a favor do demandante civil C.

Em relação à condenação a favor do demandante civil C, o recurso é inadmissível, visto o valor da condenação, e o valor da alçada do tribunal recorrido (art. 24º da Lei 3/99, alterada pelo D.L. 303/07 de 24/8), nos termos do disposto no art 400 nº 2 do Código Processo Penal, uma vez que a decisão impugnada não é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada.

No que concerne ao pedido cível deduzido por B, os fundamentos do recurso são ancorados no pressuposto de que não ficou provada a matéria de facto correspondente [cfr. conclusão 33 – Face à prova produzida não deve ser atribuída (…)]. Pressuposto esse que por não verificado arrasta a improcedência da pretensão que nele repousa. Acresce, no que toca à quantia arbitrada por danos não patrimoniais, que o recorrente não rebate a fundamentação da decisão recorrida com base em qualquer critério, minimamente persuasivo, dentro do quadro definido pelos artigos 496º e 494º do C. Civil, ex vi do art. 128º do CPP, capaz de impor decisão diversa da recorrida. Mostrando-se a quantia arbitrada, outrossim, proporcionada ao grau das ofensas e efeitos psicológicos causados pela divulgação do vídeo “…” através do Youtube.

Impõe-se assim, também nesta parte, a improcedência do recurso.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção, integral, da decisão recorrida.----

Custas pelo recorrente, nos termos do art. 513º do CPP, nº1 do CPP, fixando-se a taxa de justiça, nos termos da Tabela III anexa ao RCP (recurso com reapreciação da prova) em 5 (cinco) UC.

Coimbra, 12 de Setembro de 2018

Belmiro Andrade (relator)

Abílio Ramalho (adjunto)