Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/15.0PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: AMEAÇA;
MAL FUTURO
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE POMBAL, SECÇÃO CRIMINAL, JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 153.º, N.º 1, E 155.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário:
I – O que distingue a ameaça do cometimento de um crime e a prática desse mesmo ilícito penal são as próprias circunstâncias da acção reveladoras da intenção que lhes está subjacente.
II – No caso, como o dos autos, em que apenas se provou que o arguido disse à assistente “fodo-te”, sem imediato seguimento da tentativa de perpetração do crime correspondente, sendo a descrita actuação idónea a causar medo na visada, está preenchido o tipo de crime de ameaça.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
No processo comum singular 169/15.0PAPBL da Comarca de Leiria, Instância Local de Pombal, Secção Criminal, Juiz 1, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nos termos e com os fundamentos expostos,
I - Julgo improcedente, por não provada, a pronúncia, e, em consequência absolvo o arguido A, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Sem custas.
II - Julgo procedente, por provada a pronúncia deduzida e, em consequência, condeno o arguido B, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros).
III - Julgo parcialmente procedente, por provada, a acusação particular deduzida pelo assistente C e acompanhada pelo Ministério Público, e, em consequência,
3.1. Absolvo o arguido da prática do crime de injúria na sua forma agravada, p. e p. pelo artigo 183°, n. 1, alínea a) do C.P.
3.2. Condeno o arguido B pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, em concurso real, efectivo, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n. 1 do C.P., na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (sete euros), no valor global de 360,00 € (trezentos euros).
Custas do decaimento parcial da acusação particular pela assistente que se fixam em 1 UC - artigo 515° do C.P.P.
IV - Operando o cúmulo jurídico das penas de multa parcelares aplicadas em II e 3.2., condeno o arguido B na pena única de 190 dias de multa à taxa diária de 6,00 €, no valor global de 1.140,00 € (mil cento e quarenta euros).
V - Condeno ainda o arguido B no pagamento das custas e respectivo encargos, nos termos dos artigos 513° e 514° do Código de Processo Penal e artigo 8°, 16.° e 24.° do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.
VI - Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente C contra o arguido/demandado B, e, em consequência, condeno o demandado no pagamento da quantia de € 750.00 (setecentos e cinquenta euros). a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a conduta do arguido/demandado. acrescida de juros de mora a contar do trânsito em julgado da presente sentença. até integral e efectivo pagamento, computados às taxas legais sucessivamente em vigor. absolvendo-se o demandado no demais peticionado.
Fixo ao pedido de indemnização civil o valor de 2000,00 € (dois mil euros) - artigo 306° do C.P.C ..
Sem custas atenta a isenção prevista na alínea n) do artigo 4° do RCP.

Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido B, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
I - o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros) e pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, em concurso real, efectivo, de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), no valor global de 360,00 € (trezentos e sessenta euros).
II - Operando o cúmulo jurídico das penas de multa parcelares, na pena única de 190 dias de multa à taxa diária de 6,00 €, o que perfaz a quantia global de 1.140,00 € (mil cento e quarenta euros;
III - Os factos que são imputados, ao ora recorrente, pela assistente C na acusação particular de fls.117 verso a 120 dos autos não foram alvo de queixa, pelo que quanto aos mesmos, o ora recorrente não deveria ser julgado, mostrando-se extinto o direito de queixa (artigo 115º 180º, 181 e 188º do C.P.).
IV - Faltando o pressuposto essencial, a queixa, todos os actos posteriores são nulos, nomeadamente a acusação particular deduzida pela assistente.
V - Não podia o “tribunal a quo”, conhecer dos factos constantes da acusação particular deduzida pela assistente C, por falta de legitimidade desta em deduzir tal acusação, não podendo, deste modo dar como provados os factos constantes dos pontos 4 e 15 da matéria de facto considerada provada;
VI - No que concerne aos factos dados como provados, considera o recorrente, com a devida vénia, que o Tribunal a quo, não andou bem, ao ter dado como provado a matéria constante dos pontos 6, 13, 14, 16, 18, 19, 20 e 23 dos factos provados, por errada apreciação da prova;
VII - Quanto a estes pontos, ora impugnados, da matéria de facto considerada provada, formou o Tribunal a quo a sua convicção, nas declarações a esse respeito prestadas pelos arguidos B, pelo arguido A e nas declarações prestadas pela assistente C, na parte que se mostraram coincidentes com as declarações prestadas pelos arguidos e com o declarado pela testemunha (…), proprietário do estabelecimento comercial e (…), cliente do estabelecimento, analisados à luz das regras da experiência comum e conjugadas entre si.
VIII - Da conjugação destes elementos de prova, efectivamente resulta que a assistente e o arguido, ora recorrente estabeleceram um diálogo em (…), apesar do referido pela assistente, que refere que o arguido, a ameaçava em português, o que é fortemente contrariado pelos outros depoimentos, aqui levados em conta.
IX – Nenhuma das pessoas ouvidas, domina a língua russa;
X - Para o Tribunal a quo, elemento fundamental para considerar que o arguido, ora recorrente, proferiu as alegadas ameaças, nos precisos termos em que foi condenado, foi os gestos e a agressividade com que falava com a assistente.
XI - Não resultam da decisão em crise, quaisquer descrições dos gestos imputados ao arguido.
XII – O arguido, ora recorrente, nega que tenha ameaçado a assistente com as expressões “vou esperar que acabes o trabalho, vou-te matar e ninguém encontrará o teu corpo” e “vou-te matar”.
XIII – Existem duas versões, dois blocos, versões diferentes dos factos, nomeadamente no que tange às exactas expressões que o arguido, ora recorrente, dirigiu à assistente, inexistindo qualquer outro meio de prova que corrobore a versão, apresentada pela assistente.
XIV - Em obediência ao principio “in dubio pro reo”, previsto no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, não devia, o Tribunal a quo, dar como provados os factos constantes dos pontos 6, 13, 14, 16, 18, 19, 20 e 23 dos factos provados, passando estes a constar da matéria não provada.
XV – A expressão que o arguido, ora recorrente, afirmou que talvez tivesse dito ao arguido A, que “ia fodê-la não só a ela, referindo-se à assistente mas também a ele (A) e à mãe dele”, não configura uma ameaça agravada, por ausência do elemento “mal futuro”.
XVI – Deve passar para a matéria não provada, os factos constantes do ponto 10 dos factos provados.
XVII - Encontram-se violadas as normas contidas nos artigos 50.º, 127.º, 188.º do Código de Processo Penal, 32.º da Constituição da República Portuguesa e 153.º e 155.º do Código Penal.

Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso interposto,
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que:
Deverá ser mantida a douta sentença recorrida, devendo ser julgado improcedente o recurso ora interposto pelo recorrente, considerando que
- existe queixa válida quanto ao crime de injúria,
- não se verifica qualquer violação do artigo 127°, do Código de Processo Penal, nem do princípio do "in dubio pro reo" e
- encontram-se preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito do crime de ameaça agravada, uma vez que a expressão dada como provada constitui anúncio de um mal futuro, tendo o Tribunal a quo apreciado correctamente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e subsumido a mesma ao direito aplicável, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!

A assistente não exerceu o direito de resposta.

Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanha a resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluindo que o recurso não merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
No que concerne a questão prévia suscitada de falta de queixa por crime de injúria, a decisão recorrida contém os seguintes fundamentos:
2. Da Falta de legitimidade da assistente C por ausência de queixa
A fls.322 a 324 dos autos veio o arguido B invocar que os factos que lhe são imputados pela assistente C na acusação particular de fls.117 verso a 120 dos autos não foram alvo de queixa, pelo que quanto aos mesmos o requerente não poderá ser julgado, mostrando-se extinto o direito de queixa (artigo 115°, 180°, 181º e 188° do C.P.).
Para além disso, aduz o arguido que a acusação pública, para a qual a pronúncia remete também extravasa a queixa apresentada pela assistente no âmbito do Inquérito n.º 186115.0PAPBL, designadamente no parágrafo 3.°, pelo que, considerando o teor do artigo 153°, n.º 2 do C.P. (crime de ameaça), o Tribunal não poderá deixar de conhecer dos mesmos.
Os demais sujeitos processuais opuseram-se à procedência do requerido, conforme de fls.330 a 333 se extrai.
Ora, a respeito dos factos susceptíveis de integrar, a prática, em abstracto, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153°, n.º 1 e 155°, n.º 1, alínea a) por referência ao artigo 131° do Código Penal (C.P.) pelo qual o arguido B foi pronunciado tendo por ofendida a pessoa da assistente, atenta a natureza pública do crime em questão, conforme supra sobejamente demonstrado, que aqui se dá por integralmente reproduzido, em face do exposto pela assistente a fls.42, não assiste razão ao arguido no por si propugnado, assim se indeferindo, sem delongas a extinção do procedimento criminal requerido.
No que tange à alegada falta de queixa da assistente relativamente aos factos constantes da acusação particular susceptíveis de se reconduzir à prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181°, n.º l do C.P., cumpre analisar.
Com efeito, o arguido tem razão quando refere que nos presentes autos a assistente começou apenas por ser ouvida na qualidade de testemunha a fls.42 e que foi perante o aí vertido que o Ministério Público proferiu o despacho de fls.46 dos autos, datado de 18.09.2015. Neste despacho o Ministério Publico faz verter que decorre do depoimento de C que terá sido vítima de injúrias, pelo que atenta a natureza particular do crime em questão, determinou a notificação da ofendida para que informasse se pretendia procedimento criminal contra o denunciado e para no prazo de dez dias requerer a sua constituição como assistente, com as legais advertências (artigos 68°, n.º 2 e 246°, n.º 4 do C.P.P.).
Perante o despacho proferido, veio C, por requerimento remetido, via fax, em 02.10.2015 - cfr. fls.63, identificando-se como ofendida nos autos à margem referenciados e também já aí melhor identificada requerer a junção de procuração forense a favor do seu mandatário, requerer a sua constituição como assistente, terminando "assim, por estar em tempo, ter legitimidade e ter mandatário constituído, digne-se V. Exa admitir a ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente o que, aliás, é obrigado atenta a natureza do crime denunciado".
Note-se que, nesta data, o Inquérito n.º 186/115.0PAPBL, no qual a ora assistente apresentou auto de denúncia contra o arguido B, datado de 13.09.2015, ainda não havia sido apenso aos presentes autos (o que sucedeu apenas em 08.10.2015).
A ofendida, conforme supra exposto, foi admitida a intervir nos autos como assistente a fls.74.
Por despacho de 01.02.2016, foi ordenada a notificação da assistente para, nos termos do artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, deduzir acusação particular contra o arguido B pelo crime de injúria - fls.112.
A assistente deduziu acusação particular em 18.02.2016, a qual foi acompanhada em termos factuais pelo Ministério Público, que entendeu haver indícios da prática do crime em apreço, já acompanhando apenas parcialmente a imputação subjectiva - cfr. fls. 121 e 122.
O princípio da oficialidade da promoção do processo penal, vertido no artigo 48.° do Código de Processo Penal sofre as restrições que decorrem dos artigos 49.° e 50.° do mesmo diploma, em função da natureza, respectivamente, semi-pública ou particular dos crimes.
Ou seja, quando o procedimento criminal depender de acusação particular do ofendido, é necessário que o ofendido se queixe, se constitua assistente e deduza acusação particular (artigo 50.0 do CPP).
A queixa é a manifestação, por parte do titular do direito respectivo, da vontade de que se verifique o procedimento criminal pelo crime. Sem ela, o Ministério Público não pode dar início ao procedimento pelo crime.
Todavia, a queixa pode manifestar-se por qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular que tenha lugar procedimento criminal por um determinado facto - neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, pág. 146 em anotação ao artigo 49. o do Código de Processo Penal.
Com efeito, é este o entendimento que tem vindo a se sufragado pela Jurisprudência dos Tribunais superiores, designadamente nos Acórdãos da Relação de Évora de 29.04.2014, Acórdão da Relação do Porto de 13.10.2004, Acórdão da Relação de Coimbra datado de 06.03.2013, disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste último, a propósito dos crimes de natureza semi-pública, aí se inscreve que "A denúncia, queixa ou participação por crimes semi-públicos não está sujeita a formalidades especiais e, muito menos, a fórmulas sacramentais, bastando que exista uma manifestação inequívoca de vontade de que seja exercida a ação penal. Isto é, o que é necessário e essencial é que dos termos da queixa ou dos que se lhe seguirem se conclua que exista uma inequívoca vontade do ofendido de que seja exercida ação penal.".
No caso dos crimes de natureza particular, essa manifestação inequívoca é ainda acrescida pelo facto de o ofendido se constituir assistente nos autos.
Com efeito, nos autos, não obstante C ter inicialmente sido inquirida pelo órgão de polícia criminal na qualidade de testemunha, a verdade e que, perante o despacho proferido pelo Ministério Público, quando a ofendida veio, na sequência dessa expressa advertência, constituir-se assistente, juntar procuração forense e requerer a admissão da ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente o que, aliás, é obrigado atenta a natureza do crime denunciado", estava claramente a transmitir ao Ministério Público a sua vontade de que o processo não fosse arquivado quanto ao crime particular mas, antes, de que também prosseguisse em relação a ele, expressão de vontade que confirmou com a dedução de acusação particular por ele.
Neste sentido, veja-se as conclusões do Acórdão da Relação do Porto de 16.10.2013 segundo o qual "A queixa pode considerar-se uma forma de denúncia, da qual, no entanto, se distingue porque enquanto esta é uma mera declaração de ciência (simples transmissão do facto com eventual relevância criminal a quem tem legitimidade para promover o processo penal), a queixa exige, também, uma manifestação de vontade (por parte do respectivo titular, normalmente o ofendido) especificamente dirigida a que o agente seja perseguido criminalmente.
v - Essa manifestação de vontade tem que dar a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto, podendo considerar-se como tal o pedido de intervenção no processo como assistente por parte do titular do direito de queixa formulado em momento imediatamente subsequente à verificação do facto".
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal entende que há nos autos, no requerimento de fls.63, manifestação inequívoca do exercício do direito de queixa por parte de C, pelo que, em consequência, julga improcedente, por não provada, a arguida falta de legitimidade da assistente por ausência de queixa.

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
A-FACTOS PROVADOS
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos:
1 - No dia 10.08.2015, pelas 19hOOm, B dirigiu-se ao Bar K…, sito na (…), acompanhado de (…).
2 - Naquele estabelecimento, na altura descrita em 1), trabalhava ali a assistente C.
3 - Em determinada altura, assistente e arguido B encetaram conversa, em (…), relacionada com o facto da casa de banho do estabelecimento ter aparecido suja (vomitada) após ida do arguido à casa de banho, o que aquela limpou, recusando o arguido que tivesse sido o autor da sujidade.
4 - Nessas circunstâncias, o arguido começou a insultar a assistente em (…), apelidando-a de "filha da puta" e "parva" e tentou mesmo agredi-la, batendo com uma garrafa em cima do balcão e atirou-lhe um copo, acertando-lhe apenas com a cerveja.
5 - Para evitar a escalada de violência e a recomendação do patrão, a assistente recolheu-se na arrecadação, mantendo o arguido a atitude agressiva, aos berros no estabelecimento, sendo que assistente só dali saiu quando deixou de ouvir o arguido.
6 - Por volta das 20h30/21h00, o arguido B voltou ao estabelecimento. Em tom calmo, pediu um café à assistente que acedeu. Porém, enquanto tirava o café o arguido começou a ameaça-la dizendo em (…) que "vou esperar que acabes o trabalho, vou-te matar e ninguém encontrará o teu corpo" e "vou-te matar".
7 - Em face do descrito em 6), a assistente voltou a esconder-se na arrecadação tendo sido chamada a PSP pelas 21h28m.
8 - Aproximando-se a hora de sair do trabalho, e por ter medo do arguido, a assistente telefonou ao arguido A, contou-lhe o sucedido e pediu-lhe ajuda, pedindo-lhe que a viesse buscar.
9 - Entretanto, estando presente a PSP, a assistente estava já ao balcão, a hora não concretamente apurada mas situada após as 21h28.
10 - O arguido abandonou o local na presença da PSP, porém, voltou a aparecer junto do estabelecimento, entre as 22h15m e as 22h30m, acompanhado pela esposa, olhando para dentro do mesmo e dando voltas no exterior. Voltou uns minutos depois, desta feita sozinho, a mais uma vez ficou a olhar para dentro do estabelecimento. Entretanto chegou A…
A… que àquele se dirigiu, sendo que a determinada altura, o arguido B disse-lhe que "ia fodê-la não só a ela, referindo-se à assistente mas também a ele (A) e à mãe dele".
11 - A determinada altura, B voltou a entrar no estabelecimento e dirigiu-se à assistente com intenção da agredir, obrigando-a a saltar o balcão para fugir dele, sendo que, posteriormente, a procurou atingir com os porta-guardanapos que estavam em cima das mesas.
12 - Entretanto chegou novamente a PSP, cerca das 00h10m, e conseguiram que o arguido B abandonasse o local.
13 - As palavras descritas em 4) e 6) foram proferidas em tom alto, aos gritos.
14 - Ao dizer a C em (…) "vou esperar que acabes o trabalho, vou-te matar e ninguém encontrará o teu corpo", dizendo a A que a (ela assistente) "ia foder", proferindo tais ameaças de forma séria e agressiva, agiu o arguido B de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de fazer crer à assistente que a iria molestar fisicamente e mesmo matar, de forma a incutir-lhe, como incutiu, receio pela sua segurança e bem-estar e a afectar a sua tranquilidade, paz individual, autonomia, decisão e que a inibiram de se movimentar livremente, resultados estes que representou, procurou e logrou alcançar.
15 - O arguido, com o descrito em 4) quis afectar e humilhar a assistente, o que conseguiu, atingindo-a profundamente na sua honra e consideração social, tanto mais que é conhecida por todos, como sendo pessoa digna, séria e honesta, reportada como tal por todos quantos a conhecem, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
16 - O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punida por lei.
17 - No dia 12.08.2015, por volta das 17h45m, junto à residência de B e a pedido da mulher deste, compareceram o arguido A, acompanhado de um outro homem e da assistente, no sentido de esclarecerem o desentendimento ocorrido entre esta e B, ocorrido no dia 10.08.2015, no estabelecimento comercial (…), em (…).
18 - Em virtude do descrito em 1) a 16), a assistente sentiu medo em inquietação, temendo nesse dia e nos dias que se seguiram pela sua integridade física, receando que o arguido concretizasse as ameaças proferidas contra a sua vida, uma vez que o arguido B por várias vezes regressou ao local de trabalho da assistente procurando o confronto, atormentando-a, arremessando contra a mesma vários objecto indo mesmo ao seu encalço, perseguindo-a para lá do balcão que a separava dos clientes.
19 - Em face do descrito em 18), a assistente alterou a sua rotina diária, passando a andar com mais cuidado quando circulava na rua, perto da sua habitação e local de trabalho temendo que o arguido concretizasse as ameaças.
20 - Em virtude do descrito em 1) a 16), a assistente sentiu-se abalada emocional e psicologicamente, triste, angustiada, envergonhada por tudo se ter passado no seu local de trabalho, sobressaltada.
21 - O descrito em 1) a 16) ocorreu numa segunda-feira, dia de feira semanal em (…) e de muito movimento no estabelecimento descrito em 1), local que o arguido B sabia ser o local de trabalho da assistente.
22 - A assistente trabalhou no estabelecimento descrito em 1) durante aproximadamente um ano.
23 - Em virtude do descrito em 1) a 16) dos Factos provados, a arguida deslocou-se ao órgão de polícia criminal para apresentar queixa, à audiência de discussão e julgamento.
(….)

B-FACTOS NÃO PROVADOS
(….)

C - MOTIVAÇÃO
(…)
***
III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:
- Se os factos da acusação particular não foram objecto de queixa, não podendo os factos constantes desta ser objecto de conhecimento;
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser alterada no sentido indicado pelo recorrente;
- Se os factos provados não integram a prática do imputado crime de ameaça.

Apreciando:
Da alegada inexistência de queixa quanto ao imputado crime de natureza particular
Alega o recorrente que que os factos constantes da acusação particular, integradores de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, não foram objecto de queixa pelo que não podia ser julgado pelos mesmos. Trata-se de alegação em primeiro lugar constante de requerimento anterior ao julgamento, pretendendo a extinção do procedimento criminal, sobre a qual se pronunciou a decisão recorrida nos termos acima consignados.
Não se detém o recorrente na análise da decisão recorrida, limitando-se a repetir os argumentos que constavam do requerimento em que pela primeira vez suscitou a questão.
Da decisão recorrida respigamos o seu argumento essencial que não pode deixar de merecer concordância, no sentido de que a denúncia, queixa ou participação não está sujeita a formalidades especiais e, muito menos, a fórmulas sacramentais, bastando que exista uma manifestação inequívoca de vontade de que seja exercida a acção penal. Isto é, o que é necessário e essencial é que dos termos da queixa ou dos que se lhe seguirem se conclua que exista uma inequívoca vontade do ofendido de que seja exercida ação penal. No caso dos crimes de natureza particular, essa manifestação inequívoca é ainda acrescida pelo facto de o ofendido se constituir assistente nos autos.
Ora, estamos perante factos ocorridos em 10.8.2015 cujo direito de queixa se extinguiria em 10.2.2016.
A queixa inicialmente apresentada em 10.8.2015 era omissa quanto a factos integradores de crime de injúria que a ofendida apenas relatou quando em 9.9.2015 foi inquirida como testemunha.
Perante essa circunstância, por despacho de 18.9.2015, o Ministério Público ordenou a notificação da ofendida para informar se pretendia procedimento criminal por tais factos e para se constituir assistente, sob pena de não o fazendo serem os autos arquivados.
Em 2.10.2015, na sequência da realização da ordenada notificação, a ofendida veio requerer a fls. 63 a sua constituição como assistente juntando procuração e referindo expressamente “digne-­se V. Exa admitir a ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente o que, aliás, é obrigado atenta a natureza do crime denunciado.
Não oferece qualquer dúvida que se trata de uma declaração, não só implícita como expressa, de que a ofendida pretendia procedimento criminal pelo crime de injúria que havia relatado, sendo certo que a queixa não é mais do que do que a expressão dessa vontade que pode ocorrer não só na denúncia inicial perante a entidade policial, como também no decurso de declarações ou requerimentos posteriores.
Tendo ocorrido queixa e tendo sido apresentada tempestivamente, a acusação particular deduzida não padece de qualquer vício, tendo sido deduzida por ofendida com legitimidade para o efeito, e podia ser conhecida, como foi em julgamento.

Da impugnação da matéria de facto – erro de julgamento
O recorrente invoca a existência de erro de julgamento da matéria de facto no que concerne aos pontos 6, 13, 14, 16, 18, 19, 20 e 23 dos factos provados da decisão recorrida.
Quando o recorrente pretenda impugnar a decisão sobre matéria de facto, fundamentando o recurso no aludido erro de julgamento, deve observar o disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas (sendo o caso).
Acrescenta o nº 4 desse preceito que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do artigo 364º, nº 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
E preceituando o nº 1 do citado artigo 412º que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões em que o recorrente resume as razões do pedido, tal significa que a motivação se compõe de duas partes distintas a que poderemos chamar corpo da motivação ou motivação propriamente dita e conclusões, utilizando a terminologia de Simas Santos e Leal-Henriques, em Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 105.
No corpo da motivação deve o recorrente enunciar os fundamentos do recurso que se traduzem na indicação do que se decidiu mal, porque se decidiu mal e como deve em alternativa ser decidido.
Já as conclusões destinam-se exclusivamente a sintetizar os fundamentos do recurso de tal modo que estas não podem alargar o objecto do recurso a matérias não tratadas na motivação propriamente dita, como delimitam, por outro lado o seu objecto.
A exigência da especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados corresponde à indicação por um lado do que se decidiu mal e por outro do que deve ser decidido em alternativa com a indicação da redacção que o recorrente propõe para cada facto mal julgado (passagem de facto provado a não provado um vice-versa, indicação de novo facto que deva constar como provado ou ainda indicação de nova redacção para factos que constem do elenco dos provados por adição ou subtracção de texto).
Por seu turno, a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida corresponde à alegação das razões porque se decidiu mal, o que necessariamente deverá ser concretizado em relação a cada um dos pontos de facto que se alega ter sido mal decidido, sendo certo que a pertinência e eficácia da impugnação factual passará pela indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida em contraponto com os meios de prova valorados e considerados na decisão de que se recorre.
Resulta claramente do disposto no artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal, aplicável quer ao recurso de facto quer ao recurso de direito, que a motivação deve enunciar especificadamente os fundamentos do recurso, cabendo às conclusões resumir esses fundamentos (razões do pedido) o que no que concerne ao recurso de facto impõe que o recorrente especifique em relação a cada ponto mal julgado a prova que no seu entender impõe decisão diversa da recorrida, como também a razão de ser dessa pretensão (porque o tribunal considerou meio de prova que não devia ser considerado e porque razão não o devia ser, interpretou mal o meio de prova e em que sentido devia ser interpretado).
Note-se que as exigências em causa têm também uma finalidade claramente ordenadora. É que o recurso da matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas tão só a encontrar remédio jurídico para corrigir erros específicos que o recorrente expressamente indique (cfr. o Ac. desta Relação proferido no processo 185/05.0GAOFR.C1 de 25.6.2008 publicado em www.dgsi.pt) e, desse ponto de vista, tendo em consideração, aliás, o dever de colaboração das partes, bem se compreende a exigência legal mencionada.
É dentro destes parâmetros que deve ser analisada a motivação em sentido lato do recorrente.
Verificamos que no corpo da motivação, embora o recorrente elenque os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados não especifica que segmentos dos mesmos se encontram mal julgados, se devem ser considerados na totalidade não provados ou apenas parcialmente, como não indica os concretos conteúdos probatórios que impõem decisão diversa da recorrida em relação a cada facto impugnado, limitando-se a referir genericamente a sua diferente valoração da prova. Omite, pois, a parte nobre de qualquer motivação de recurso, qual seja a indicação das razões concretas do pedido.
Por via da apontada deficiência, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 431 º do Código de Processo Penal). E não se argumente que o caso justifica a prolação de despacho dirigido ao recorrente no sentido de aperfeiçoar a motivação de recurso.
Como advertia o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 140/2004 de 10.3.2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt em relação à redacção anterior do artigo 412º “não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.
Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.
Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, existido sequer qualquer esboço dessa referência”.
O despacho de aperfeiçoamento neste caso “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso” ainda parafraseando o mencionado acórdão.
Do que se extrai que o Tribunal Constitucional colocado perante a questão da eventual inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4 do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências, decidiu não julgar inconstitucional tal norma com o citado conteúdo interpretativo.
E foi, aliás, na senda dessa jurisprudência constitucional que a Lei nº 48/2007 introduziu disposição, nº 3 do artigo 417º, no sentido de consagrar expressamente a possibilidade de convite à correcção da motivação de recurso, mas apenas se esta não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas no artigo 412º, nºs 2 a 5, já não sendo tal possível quando estão em causa vícios do corpo da motivação. E tanto assim, que no nº 4 do mesmo preceito se menciona expressamente que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.
Do exposto resulta, como já antes se afirmou, que este Tribunal está impedido de alterar a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto por via da impugnação substancialmente viciada que o recorrente apresentou e que não é passível de convite à correcção por parte deste Tribunal.
Na impossibilidade de conhecimento da impugnação da matéria de facto realizada, a sentença apenas poderia ser objecto de alteração fáctica pela via mitigada do reconhecimento de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nos termos prescritos no artigo 426º do mesmo diploma legal, não alegados, mas do conhecimento oficioso.

Preceitua o artigo 410º, nº 2, a) e b) do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Imediatamente importa reter que estamos perante vícios que se evidenciam através do texto da própria decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência, sem apelo a elementos a ela externos como o conteúdo da prova produzida.
O erro notório na apreciação da prova, é aquele que é de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum e pode traduzir-se na violação do princípio contido no artigo 127º do Código de Processo Penal (o tribunal dá como provado facto que afronta ostensivamente as regras da experiência) como na violação do princípio in dubio pro reo (quando o tribunal expressa juízo de dúvida sobre determinado facto desfavorável ao arguido e, não obstante, considera-o provado).
Na definição de M. Simas Santos e M. Leal Henriques em Código de Processo Penal Anotado, Volume II, 2ª edição, pag. 740, existe erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão. Mais existe esse erro quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (cfr. também Ac. do S.T.J. de 13.10.99 in C.J., Ano VII, Tomo III, pag. 184 entre outra jurisprudência abundante).
Sendo certo que o recorrente não alega a existência deste vício, a sua argumentação no sentido de que a prova produzida não consentia a convicção alcançada poderia quadrar no mesmo se a sentença recorrida o evidenciasse.
Refere o recorrente que para o Tribunal a quo foi elemento fundamental para considerar que o arguido proferiu as alegadas ameaças os gestos e a agressividade com que falava com a assistente mas não resulta qualquer descrição dos gestos imputados ao arguido, existindo apenas duas versões e nada que corrobore a apresentada pela assistente, devendo prevalecer o princípio in dubio pro reo.
Ao contrário do que refere o recorrente, o Tribunal a quo especifica em que gestos se exteriorizou a agressividade do recorrente “mandando-lhe cerveja para cima, quer objectos” o que foi presenciado pela testemunha (…) e interpretado por esta como actuação ameaçatória porque além do que visualizou da actuação do recorrente verificou também a reacção da ofendida.
Elementos de corroboração da versão da ofendida são o referido depoimento com o conteúdo assinalado e também o depoimento da testemunha (…) chamado pela ofendida por ter medo de ir para casa sozinha.
A convicção positiva do Tribunal resulta essencialmente da conjugação destes dois depoimentos e das declarações da assistente à luz das regras da experiência, não resultando da decisão recorrida qualquer violação do princípio de livre apreciação de prova contido no artigo 127º do Código de Processo Penal, antes resultando a exposição de uma convicção positiva devidamente sustentada e fundamentada com base em tal princípio.
Por outro lado e tendo o recorrente inviabilizado a análise do conteúdo concreto da prova, também inviabilizou eventual reconhecimento de violação do princípio in dubio pro reo em face da prova concreta produzida. O seu reconhecimento através do teor da decisão recorrida suporia que o Tribunal a quo tivesse expressado algum juízo de dúvida resolvido em desfavor do arguido o que manifestamente não ocorre.
Assim, encontra-se exposto na decisão recorrida um juízo de certeza sobre a ocorrência dos factos, sendo certo que as razões de valoração positiva das declarações da assistente assentam na sua análise segundo as regras da experiência, com observância do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Em suma, do texto da decisão recorrida não se extrai a existência de violação do princípio in dubio pro reo com assento constitucional no artigo 32º invocado ou de qualquer outro princípio probatório.
Concluindo, a sentença recorrida não padece de erro notório na apreciação da prova, como não padece de qualquer dos outros citados vícios.
Estando a decisão recorrida isenta de qualquer vício e perante a improfícua impugnação de facto realizada, importa considerar assente a matéria de facto que dela consta.

Da qualificação jurídica
Entende o recorrente que a conduta dada como provada “ia fodê-la não só a ela, referindo-se à assistente mas também a ele (….) e à mãe dele” não se subsume ao tipo legal de crime de ameaça por ausência do elemento mal futuro.
A distinção entre mal actual e mal futuro não assenta directamente no texto legal que é do seguinte teor:
"Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido …"
Quando o tipo legal se refere a ameaça não exige expressa ou implicitamente que o mal anunciado seja expresso numa forma verbal futura (embora no caso o tenha sido, o que desde logo torna o alegado de difícil compreensão). E tendo presente o outro elemento típico de adequação do mal anunciado a causar medo ou inquietação, tanto uma forma verbal presente, como uma forma verbal futura é adequada a causar medo. Tanto causa medo ao visado dizer-se vou-te matar ou irei matar-te e nem as expressões proferidas indicam a realização de uma acção imediata, podendo também significar acção a realizar num futuro próximo.
E se é verdade que a doutrina e a jurisprudência referem que o mal anunciado tem de ser futuro (porque ameaçar significa anunciar um mal que não se quer concretizar no momento do anúncio) essa referência apenas é feita para afastar as situações de ocorrência de um mal iminente ou imediato que se quer efectivamente causar, porque o crime de ameaça não supõe sequer que o agente queira, ainda que no futuro, causar o mal anunciado. Nas palavras de Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 343 "isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal."
Assim, a confusão que poderá estabelecer-se a esse propósito diz respeito a outra realidade, a distinção que há que fazer entre o crime correspondente ao mal anunciado e o crime de ameaça e haverá situações em que a distinção é difícil. Assim, cometerá crime de homicídio na forma consumada ou tentada quem diz eu mato-te e dispara de imediato uma arma, já cometerá o crime de ameaça quem o mesmo diz e apenas exibe uma arma.
Ou seja, o que distingue a ameaça do cometimento de um crime e o cometimento desse mesmo crime são as próprias circunstâncias da acção que revelam a intenção que lhe preside.
No caso apenas se provou que o arguido disse à assistente que ia fodê-la sem que a tal afirmação se tenha seguido a tentativa de cometer o crime correspondente. São estas circunstâncias da acção de mera verbalização de uma hipotética vontade de ofensa sexual, não acompanhada de qualquer acto demonstrativo da vontade de concretizar de imediato esse mal, que indicam a intenção que presidiu ao agente, qual seja a de causar medo, sendo certo que essa actuação é idónea a causar medo e, efectivamente causou-o, como vem provado.
Estando, pois presentes na factualidade provada quer os elementos objectivos, quer os subjectivos do crime de ameaça imputado que aliás não se resumia à expressão em causa, e não ocorrendo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, constituiu-se efectivamente o recorrente como autor de um crime dessa natureza, como foi considerado na decisão recorrida, acrescendo que se encontram provadas outras expressões igualmente integradoras da prática do mesmo crime.
Por consequência importa manter a condenação do arguido nos termos constantes da decisão recorrida, improcedendo o recurso.
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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Pelo seu decaimento em recurso condenam o arguido em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).
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Coimbra, 12 de Setembro de 2018
Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

José Eduardo Martins (adjunto)