Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1423/09.5TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
BOA FÉ
DECLARAÇÃO INEXACTA
OMISSÃO
DOENÇA
ANULABILIDADE
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 429º Nº 1 DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: I – Aquando da celebração de um contrato de seguro, o tomador do seguro tem o dever – sob pena de ver anulado o contrato – de responder com verdade às questões que expressamente lhe são colocadas pela seguradora, devendo ainda declarar – como decorrência do dever de proceder de boa fé – todo e qualquer facto ou circunstância que, apesar de não lhe ter sido perguntado expressamente, seja relevante para que a seguradora possa formar a sua decisão de contratar.

II – Estando em causa um contrato de seguro em que o risco se relaciona com o estado de saúde da pessoa segura, o desconhecimento da exacta doença ou patologia de que padece – por falta de diagnóstico médico – não dispensa o tomador do seguro do dever de declarar à seguradora a existência de um problema de saúde que sabe existir (ainda que desconhecendo a concreta doença ou patologia) e os sintomas que já se manifestam com alguma gravidade, como sejam as dores sistemáticas que vem sentindo, a perda de força muscular e a circunstância de se sentir, por força desses factos, incapaz de trabalhar.

III – Se, não obstante a verificação desse problema e a manifestação desses sintomas, o tomador do seguro não lhes faz qualquer referência aquando da celebração do contrato e responde às questões que lhe são colocadas de forma inexacta e como se tal problema não existisse, o contrato é anulável por efeito dessas declarações inexactas e por efeito da omissão de informação desses factos que, dada a sua relevância para efeitos de avaliação do risco, eram susceptíveis de influir na existência ou nas condições do contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente na (...), Vieira de Leiria, intentou acção, com processo ordinário, contra B... Companhia de Seguros, S.A., com sede na (...), Lisboa, alegando, em suma, que: celebrou com a Ré, em 07/04/2008 e em 21/04/2008, dois contratos de seguro do ramo vida, por via dos quais a Ré garantia o pagamento de uma indemnização em caso de morte ou invalidez absoluta e permanente; tal indemnização seria paga ao Banco C... e ao D... até ao valor máximo de 75.000,00€, sendo pago à pessoa segura o valor remanescente; em 09/11/2008, o Autor foi vítima de doença, tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 80%, tendo ficado totalmente incapacitado para o trabalho em geral; não obstante esse facto, a Ré recusa-se a cumprir as obrigações resultantes dos contratos de seguro que celebrou com o Autor.

Com estes fundamentos, pede que a Ré seja condenada a:

a) Reconhecer que o Autor está afectado de uma incapacidade permanente geral de 80%;

b) Reconhecer que o Autor está afectado de uma invalidez total e permanente para o trabalho, em consequência da doença;

c) A pagar ao Autor a importância igual ao capital em risco, constante nos contratos de seguro celebrados, o valor de 150.000,00€ acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré contestou, sustentando que o Autor é parte ilegítima, dada a circunstância de os primeiros beneficiários daqueles contratos serem os Bancos C...e D..., não podendo o Autor reclamar para si o pagamento de quantias que constituem créditos das referidas instituições bancárias. Mais alega que, à data da celebração dos contratos, o Autor já padecia de hipertensão arterial e de alterações degenerativas graves na coluna, tendo omitido esses factos no questionário que lhe foi apresentado previamente à celebração dos contratos, omitindo informação que permitiria à Ré tomar conhecimento da real situação clínica do Autor, sendo que a Ré não teria celebrado o contrato nas condições em que o fez, caso tivesse conhecimento daquelas patologias que constituem doenças incuráveis e evolutivas que acabam por se tornar incapacitantes com o decurso do tempo; por outro lado, sabe agora a Ré que o Autor já havia contratado pelo menos mais um seguro de vida, antes da celebração dos contratos de seguro aqui em causa (facto que o Autor também omitiu aquando do preenchimento do questionário), ao abrigo do qual também invocou a sua invalidez com vista ao pagamento do capital seguro, correndo termos uma outra acção onde o Autor exige o pagamento desse capital à E...., Companhia de Seguros, S.A.; acresce ainda que o Autor nunca fez prova de que se encontrava numa situação de invalidez total e permanente, nos termos definidos no contrato, ou seja, que se encontrava numa situação de total incapacidade para exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões e também nunca demonstrou – conforme se exigia no contrato – que fique com uma perda de ganho de, pelo menos 66%, relativamente à situação existente antes do sinistro.

Com estes fundamentos e invocando a anulabilidade dos contratos de seguro, conclui pela improcedência da acção.

O Autor respondeu, sustentando a sua legitimidade, alegando que apenas teve conhecimento do seu estado de saúde depois da celebração do contrato de seguro e alegando estar impossibilitado de auferir quaisquer rendimentos, necessitando de assistência permanente de terceira pessoa.

Conclui pela improcedência das excepções invocadas.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Autor. Foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré dos pedidos.

Inconformado com essa decisão, o Autor veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

 1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não apreciou devidamente as provas produzidas em sede de julgamento, verificando-se erro na apreciação das provas;

2. Os concretos meios probatórios, nomeadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunham decisão diversa da recorrida;

3. Com o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, entendem os Apelantes que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a testemunhal, não foi devidamente valorada, impondo-se, por isso, a sua reapreciação, quanto aos pontos o), t), u), v), y) e aa) da douta sentença.

4. Vejamos, quanto aos pontos o), t), u), v), y) e aa) da douta sentença, os mesmos nunca poderiam ser dados como provados, na nossa modesta opinião.

5. Isto porque, tendo em conta os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o relatório da perícia médico legal, conjugado com o depoimentos dos médicos Dr.º F... e Dr.º G..., que efetivamente acompanharam o Apelante, resulta claramente que este apenas teve conhecimento da doença, que levou posteriormente à sua incapacidade, depois da celebração do contrato de seguro.

6. Aliás, só em data posterior a 12 de Abril de 2008 teve conhecimento da mesma, depois da primeira consulta com o Dr.º G... e assinou o contrato em 7 de Abril de 2008.

7. Isto porque os dois médicos foram unânimes em afirmar que o Apelante é portador de uma doença degenerativa.

8. Doença, essa, que se pode manifestar de um instante para o outro, e este esclarecimento foi devidamente prestado por ambos os médicos identificados.

9. Ora o Dr.º F..., cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius, na sessão de 18-10-2013 de 16:27:25 a 17:15:42 e o Dr.º G..., cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius, na mesma sessão de 17:16:53 a 17:54:28.

10. O Dr.º F..., que foi sempre o médico de família do Apelante, referiu que, por ter surgido uma situação nova, encaminhou para o seu colega Dr.º G....

11. Sucede que tudo isto ocorreu após a celebração do contrato de seguro, ou seja, o Autor apenas tomou conhecimento do que padecia, após os exames complementares efetuados pelo Dr.º G... e não antes.

12. Isto porque, apenas seriam uma dor de costas, resultante da profissão que exercia.

13. Ou seja, face ao teor de tais depoimentos, os mesmos foram unânimes ao afirmar que o Apelante apenas tomou conhecimento da doença que padecia, após a realização dos exames complementares, cujos resultados apenas teve conhecimento em finais de Abril.

14. Aliás, de tais depoimento resulta que o Apelante não tinha, em momento anterior à realização dos referidos exames, informação que padece-se de qualquer doença ou anomalia relevante, para informar no contrato de seguro (muito menos degenerativa).

15. Aliás, não resulta de qualquer modo da prova produzida, que o Apelante tenha tido conhecimento das mesma em momento anterior aos exames complementares realizados pelo Dr.º G....

16. Ou seja, se o médico não lhe explicou, também não podia o Apelante fazer menção a elas.

17. Tendo sido dado como provado que o Apelante era vigiado pelo médico de família, também é verdade que nenhuma doença lhe fora detetada.

18. Pelo que a resposta a estes factos apenas deveria ser de não provados.

19. Com o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, entendem ainda os Apelantes que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi devidamente valorada, impondo-se, por isso, a sua reapreciação.

20. O Meret.º Juiz do tribunal a quo, decidiu por anular o contrato de seguro, perante a falta de verdade do Apelante.

21. Com o devido respeito, não podem os Apelantes concordar com a douta decisão.

22. Como já se referiu, e dado como provado, o Apelante não tinha conhecimento, à data da celebração do contrato de seguro, que fosse portador de qualquer doença.

23. No âmbito do contrato de seguro de saúde releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham as propostas, como documentos através dos quais a seguradora fica a saber as circunstâncias concretas do risco que assume, inteirando-se assim, do estado de saúde do segurado, e daí que este, ao prestar as declarações correspondentes, com vista à celebração do contrato, o deva fazer de forma verdadeira e exata.

24. A verificação da presença de doença pré-existente deve assentar em critérios objetivos, que se prendem com o respetivo diagnóstico médico, e como tal reconhecida, independentemente da maior ou menor morosidade do respetivo desenvolvimento.

25. A alegação e prova da presença de doença pré-existente, por impeditiva do efeito pretendido pelo segurado, sempre caberá à parte que dela aproveita, isto é, à seguradora.

26. A referência a prováveis dores que o segurado possa ter sentido, ou a possíveis restrições de mobilidade de dimensão imprecisa, são insuficientes para, na falta de prova efetiva sobre a existência do diagnóstico da doença e o respetivo conhecimento por aquele, permitir presumir tal conhecimento, com base em juízos de experiência comum, presente até as especificidades do saber exigido para a formulação desse tipo de conclusões.

27. Sucede que nenhuma prova foi feita pela Apelada, de que o Apelante já era portador de doença, ou que dela já tivesse conhecimento.

28. Pelo que não se verificou qualquer causa de anulabilidade do contrato de seguro.

29. Pelo que não se verificou qualquer causa de anulabilidade do contrato de seguro.

30. Pelo que, não restava outra alternativa ao Meret.º Juiz do tribunal a quo, como no nosso entender não resta aos Venerandos Desembargadores, senão condenar a Apelada nos termos requeridos na petição inicial.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença, com as legais consequências.

 

A Apelada apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. As respostas dadas pelo Tribunal “a quo”, constantes dos pontos o), t), u), v), y) e aa) da sentença, não merecem qualquer reparo, correspondendo exactamente à prova produzida nos autos, concretamente à prova documental, à prova testemunhal e à prova pericial;

2. Efectivamente, as testemunhas Dr. F... (depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio de 17:16:52 a 17:54:28), Dr. G... (depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio de 16:27:25 a 17:15:42) e Dr. H... (depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio de 15:39:22 a 16:04:30) responderam à matéria dos pontos t), u), v), y) e aa) da sentença de forma perfeitamente esclarecedora, afirmando claramente o teor dos mesmos.

3 – Os relatórios médicos correspondentes aos documentos nºs 9 e 10 juntos com a contestação, situam em data anterior a 7 de abril de 2008 a patologia da coluna e as queixas do A. nesse sentido.

4 – E o relatório pericial responde afirmativamente à questão de que se trata de patologia que vai evoluindo e agravando ao longo dos anos.

5 – Pelo que, jamais poderão ser dados como não provados os referidos factos.

6 – Por outro lado, o ponto o) da sentença, corresponde a factualidade que já estava assente em sede de despacho saneador e que não foi objecto de reclamação em tempo próprio por parte dos AA.

7 – Pelo que não pode agora ser reapreciada.

8 – Face à prova produzida e à factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo” que manifestamente, não merece qualquer censura, dúvidas não restam que o enquadramento jurídico constante da sentença é o único que poderá ser feito, ou seja, tem de se concluir pela anulabilidade do contrato de seguro por falsas declarações ou declarações inexactas, nos termos previstos no artigo 429º do Cod. Comercial, aplicável ao caso.

9 - Finalmente, ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, a consequência também não seria no sentido da condenação da Ré nos pedidos como pretendem os AA nas suas alegações.

10 - É que foi dado como provado e os AA nem questionam, que o A. A... não está numa situação de invalidez, tal como a mesma foi contratualmente estipulada.

11 - Pelo que nunca a situação estaria coberta pelo contrato de seguro dos AA., jamais tendo estes direito a receber o capital seguro.

12 –Termos em que, deve o recurso interposto improceder na totalidade, mantendo-se a sentença recorrida tal como foi proferida.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto;

• Saber, perante a matéria de facto – eventualmente alterada na sequência da apreciação da questão anterior –, se, aquando da celebração dos contratos de seguro aqui em causa, o Apelante prestou declarações inexactas ou omitiu informações relevantes e se, em consequência, tais contratos são anuláveis.


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III.

Matéria de facto

O Apelante começa por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto no que toca aos pontos o), t), u) v), y) e aa) enunciados na sentença recorrida.

Não obstante afirmar, em termos genéricos, que essa matéria não poderia ser considerada provada, a discordância que manifesta, nas suas alegações, relativamente à decisão da matéria de facto, prende-se apenas com o facto de apenas ter tomado conhecimento da doença de que padecia em data posterior a 12 de Abril de 2008 e, portanto, depois de ter assinado o contrato em 07/04/2008, sendo que, em momento anterior, não tinha a informação de que padecesse de qualquer doença ou anomalia relevante (muito menos degenerativa) que devesse informar quando celebrou o contrato de seguro e, para tanto, apoia-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas, Dr. F... e Dr. G....

O ponto o) da matéria de facto tem a seguinte redacção:

Na sequência dessa participação, foi solicitado ao A., que fosse preenchido pelos médicos que o assistiram, um impresso próprio da Ré, sobre as causas da alegada invalidez e evolução da doença, bem assim como que fosse enviado um atestado de incapacidade multiusos onde constasse o grau de invalidez. Recebidos pela Ré os relatórios médicos, feitos em impressos por esta fornecido e preenchido pelos médicos que acompanharam o A., bem assim como relatório de avaliação do dano corporal elaborado pelo Instituto de Medicina Legal, constatou-se que: a) O A. sofre, pelo menos, desde 2006 de hipertensão arterial que controla com medicação diária: b) O A. padece de alterações degenerativas graves da coluna que se arrastam há vários anos e que dão queixas, pelo menos desde 2006.; c) Desde 2006 o A. tem queixas de dores musculares, cervicalgias com irradiação aos ombros e parestesias das mãos, bem assim como lombalgias irradiadas às nádegas e membros inferiores, de agravamento progressivo, com diminuição da força muscular; d) Tem acompanhamento médico desde essa altura, padecendo de alterações degenerativas graves da coluna cervical com deformação do canal raquidiano e compressão radicular; e) Padece de poliradiculopatia cervical mais evidente em C5, C6 e C7 à direita; f) Na coluna lombar apresenta discopatia de L4-L5 e L5-S1 a condicionar acentuado compromisso radicular e sacroileite bilateral com pontes osteofitárias anteriores; g) O A. havia sido, inclusivamente, encaminhado para Neurocirurgia pelo seu médico, Dr. F...; h) Nessa altura estava marcada consulta com o Neurocirurgião Dr. G..., que o acompanha desde 12.04.2008”.

Não obstante impugnar todo o ponto o), dizendo que essa matéria não deveria ser considerada provada, a verdade é que nada diz em concreto no sentido de indicar e justificar qual é a sua concreta discordância relativamente a esta matéria.

Na realidade, o Apelante não manifesta qualquer discordância relativamente aos factos aí enunciados; a sua discordância apenas se relaciona com o facto de, na sua perspectiva, a prova produzida impor a conclusão de que apenas teve conhecimento da doença de que padecia em momento posterior a 12/04/2008 e a verdade é que o ponto o) não se reporta à data em que o Apelante teve esse conhecimento.

De qualquer forma, os factos enunciados no ponto o) – que, aliás, nem sequer foram inseridos na base instrutória, tendo sido considerados assentes por acordo das partes – são confirmados pelas testemunhas citadas pelo Apelante, pelos documentos e relatórios juntos aos autos e pelo relatório do exame pericial efectuado pelo IML, não se impondo qualquer alteração a essa matéria de facto.

O Apelante também não aponta qualquer discordância concreta relativamente ao ponto t) da matéria de facto (onde se diz que “as alterações degenerativas de que padece o A. constituem problemas da coluna que vão evoluindo e agravando ao longo dos anos”), sendo certo, por outro lado, que esse facto resulta claramente dos depoimentos das testemunhas supra referidas e do relatório do exame pericial.

O mesmo acontece relativamente ao ponto v) (onde se diz que “o A. já em 7-4-2008 se submetia a anti-inflamatórios e analgésicos para aliviar as dores que sentia da coluna”). Tal facto foi expressamente confirmado pelo Dr. F.... Além do mais, nem sequer se poderia admitir como provável que assim não fosse. Com efeito e como resulta do depoimento do Dr. G..., o Autor compareceu à sua consulta – já enviado por outro médico – em 12/04/2008, queixando-se de dores, dizendo que não se sentia com capacidade para trabalhar e pretendendo obter a reforma por incapacidade e, na sequência dessa consulta e dos exames complementares efectuados, veio a ser constatado que o Autor sofria, de facto, de uma patologia da coluna com base na qual veio a ser considerado incapaz. Assim sendo, não poderemos admitir como provável que escassos dias antes desse consulta o Autor não sofresse dores que necessitasse de aliviar com medicação.

Mantém-se, portanto, o citado facto.

O Apelante também não manifesta qualquer discordância concreta relativamente ao ponto aa) da matéria de facto (onde se diz que “antes de acordar com a R. os termos aludidos em a), o A. padecia de depressão e medicava-se atento esse facto”). De qualquer forma – e como se refere na fundamentação da decisão recorrida – esse facto resultou do depoimento do Dr. F..., quando refere que o Autor sofre de depressão desde o falecimento do filho (que, como decorre de documento junto aos autos, ocorreu em 1998), tomando medicação para o efeito.

Mantém-se, portanto, o aludido facto.

A discordância do Apelante já é clara e expressa no que respeita aos pontos u) e y), porquanto são estes os pontos de facto que se relacionam com a circunstância de o mesmo ter ou não conhecimento da doença de que padecia à data em que celebrou o contrato de seguro (em 07/04/2008).

Os citados pontos têm a seguinte redacção:

u) À data de 7 de Abril de 2008, quando subscreveu a proposta de seguro e quando respondeu ao questionário sobre o seu estado de saúde, o A. já sabia que padecia de hipertensão arterial e que sofria alterações degenerativas da coluna que se iam agravando com o tempo tornando-o a médio prazo incapaz para o exercício da sua profissão.

y) O A. aquando do preenchimento da proposta de seguro omitiu de forma consciente informações para a avaliação do risco.

Considera o Apelante que essa matéria de facto não poderia ter sido considerada provada, porquanto teria resultado dos depoimentos das testemunhas supra referidas que apenas tomou conhecimento da doença de que padecia em data posterior a 12 de Abril de 2008.

No que toca à hipertensão, resulta claramente do depoimento do Dr. F... que tal situação já existia há cerca de dez anos, tomando o Autor medicação para o efeito e, portanto, é indiscutível que, em 07/04/2008, quando subscreveu a proposta de seguro, o Autor sabia – não podia deixar de saber – que sofria de hipertensão arterial.

No que toca às alterações degenerativas da coluna, a situação já não é tão evidente.

É indiscutível que, naquela data, o Autor sabia que tinha algum problema grave na coluna – problema que, aliás, era evidenciado pelas dores que sentia – por força do qual se sentia incapaz para trabalhar. Foi isso mesmo que relatou ao Dr. G..., quando o consultou em 12/04/2008 com o objectivo de saber se essa situação lhe permitiria obter a reforma por incapacidade. Aliás, o Dr. F... (como declara no seu depoimento) já lhe havia comunicado, em momento anterior, que tinha um problema na coluna que teria que ser examinado por um especialista. Admitimos, no entanto, que, nessa data, o Autor não soubesse qual a concreta doença ou patologia de que padecia – situação que apenas mais tarde lhe foi comunicada pelo Dr. G..., na sequência de exames que, na consulta de 12/04/2008, lhe mandou efectuar. Ou seja, o Autor, em 07/04/2008, sabia que tinha dores, sabia que tinha problemas na coluna, sentia-se incapaz de trabalhar (tanto é assim que queria a reforma por incapacidade) mas não saberia exactamente qual a concreta patologia que o afectava e, mais concretamente, não saberia que sofria de alterações degenerativas da coluna. Segundo declara o Dr. G..., apenas em 03/05/2008 – depois de ver os exames – deu conhecimento ao Autor do seu quadro clínico; até esse momento, pensa que ele não saberia exactamente o que tinha, sabia os sintomas que tinha, sabia que tinha dores nos braços, nas pernas e no corpo, apresentou-lhe um exame que o Dr. F... havia mandado efectuar e queria saber se, perante essas queixas, era possível obter a reforma por incapacidade. Por outro lado, do depoimento do Dr. F... também não colhemos a informação segura de que o Autor soubesse àquela data que tinha alterações degenerativas da coluna, tanto mais que o referido médico nem sequer confirma ter visto o TAC de Março de 2008 que havia mandado efectuar, declarando que, ao que se recorda, não chegou a ver esse exame antes de o Autor ir ao especialista. Deste depoimento, apenas poderemos colher a informação de que o Autor foi informado de que a coluna não estava bem, havia ali um problema e que, como tal, deveria consultar um especialista.

Parece-nos, pois, em face do exposto, que não existirão elementos suficientes para dar como provado que o Autor soubesse, em 07/04/2008, que sofria de alterações degenerativas da coluna que, a médio prazo, o tornariam incapaz para o exercício da sua profissão. Mas, ao contrário do que sustenta o Apelante, também não é verdade que, naquela data, não soubesse da existência de algum problema ou anomalia relevante que devesse informar no contrato de seguro. O Apelante sabia que tinha dores e perda de força e sabia que esses sintomas eram relevantes e incapacitantes e tanto é assim que, como declarou ao Dr. G..., em 12/04/2008, sentia-se incapaz para trabalhar, incapacidade que se veio a confirmar. E se essas dores existiam, com tal relevância, em 12/04/2008 é evidente que também já existiam escassos dias antes, aquando da celebração do contrato de seguro, resultando, como se referiu, do depoimento do Dr. F..., que o Apelante já havia sido informado, em momento anterior, da existência de um problema na coluna.

Assim, altera-se o ponto u) que passará a ter a seguinte redacção:

À data de 7 de Abril de 2008, quando subscreveu a proposta de seguro e quando respondeu ao questionário sobre o seu estado de saúde, o A. já sabia que padecia de hipertensão arterial e que sofria de um problema na coluna que lhe causava dores e perda de força e por força do qual se sentia incapaz para trabalhar.

Não se justifica, porém, qualquer alteração ao ponto y), porquanto, em face do que já se referiu, é incontroverso que o Apelante, aquando do preenchimento da proposta de seguro, omitiu, conscientemente, informações relevantes para a avaliação do risco.

De facto, aquilo que resulta do questionário preenchido pelo Apelante é que estaria em causa uma pessoa saudável, sem qualquer problema de saúde e relativamente à qual não seria expectável que, a curto prazo, viesse a tornar-se incapaz para o trabalho, quando é certo que cinco dias depois o Apelante foi consultar um especialista a quem referiu que, por força das dores e falta de força, se sentia incapaz de trabalhar, pretendendo obter a reforma por incapacidade.

No aludido questionário, o Apelante declarou que a última consulta médica efectuada foi um consulta de rotina e que estava tudo bem, quando é certo que – como declara o Dr. F... – tal consulta foi motivada pelos problemas na coluna que já se manifestavam, pelas dores e perda de força que sentia, sendo que, nessa consulta, o aludido médico o informou da existência de um problema na coluna, mandou fazer exames e encaminhou-o para um especialista. Portanto, ao contrário do que o Apelante declarou naquele questionário, não estava tudo bem.

Apesar de saber que sofria de hipertensão arterial, respondeu de forma negativa à questão em que tal lhe era perguntado de forma expressa e, apesar de já saber – como decorre do que dissemos supra – que sofria de problemas na coluna, respondeu de forma negativa à questão onde se perguntava se sofria de doença da coluna vertebral, respondendo também de forma negativa à questão onde se perguntava se tomava medicamentos, apesar de saber que tal não era verdade. À questão onde se perguntava se se sentia doente respondeu de forma negativa, quando é certo que, cinco dias depois, disse ao Dr. G... que se sentia incapaz para trabalhar (portanto, sentia-se doente ao ponto de não conseguir trabalhar).

Ou seja, o Apelante foi à consulta do Dr. F... queixando-se – como decorre do depoimento deste médico – de perda de força muscular, dores cervicais e dores dos membros superiores e inferiores; o aludido médico informou-o da existência de um problema na coluna, mandou fazer um exame (TAC) e encaminhou-o para um especialista; depois da realização deste exame, o Apelante foi celebrar o contrato de seguro e omitiu todas aquelas informações e problemas de saúde, pretendendo agora fazer crer que as queixas que havia apresentado ao referido médico não eram, na sua perspectiva, relevantes para efeitos de celebração do contrato; no entanto, apesar de entender que essa situação não era relevante para o contrato de seguro, entendeu, cinco depois, que ela já era relevante (como foi efectivamente) para efeitos de obter a sua reforma por incapacidade – sendo que foi com essa finalidade que foi à consulta do Dr. G... – e para fazer actuar o seguro com base nessa incapacidade.

É certo, portanto, que o Autor omitiu informações relevantes, pelo que nenhuma alteração se impõe efectuar ao ponto y.

 

A matéria de facto provada (com a alteração que efectuámos) é a seguinte:

a) Em 7 de Abril de 2008, o A. outorgou um seguro de ramo vida com a seguradora “ B...-Companhia de Seguros S.A. titulado pela apólice 0420-50029014-000 pelo capital de 75.000 €, tendo início em 1 de Abril de 2008, com vencimento em 1 de Abril de 2013, existindo ainda documento datado de 21 de Abril de 2008 com o seguinte teor: “acta n.º 1, assunto: aumento prazo 5 para 23 anos. Exmº Sr.: A presente acta modifica o que sobre este assunto está expresso tanto nas condições particulares como nas actas já emitidas e com início em 1-4-2008 certifica ainda o que se segue. Feito ao abrigo das condições contratuais. Condições particulares (apólice 0420-500-29014-000 início a 1-4-2008, vencimento a 1-4-2031 (…) Tomador de seguro: A...; Pessoa Segura: A.... Da apólice n.º 0420-500-29014-000 consta que é “tomador do seguro” e “pessoa segura” o A., sendo “beneficiários”, em caso de morte, benefício irrevogável a favor do - Banco C...SA até ao valor máximo de 75.000€ e o remanescente a pagar aos herdeiros legais, e em caso de invalidez, - benefício irrevogável a favor do - Banco C...SA, até ao valor máximo de 75.000 € e o remanescente a pagar à pessoa segura (als. a), b) e c) dos factos assentes).

b) Em 21 de Abril de 2008, A... outorgou contrato de seguro do ramo vida com a R., este titulado pela apólice n.º 0420-50029105-000 pelo capital de 75.000 € com início em 1 de Abril de 2008 e vencimento a 1 de Abril de 2016. Desta apólice n,º 0420-50029105-000 consta que é “tomador de seguro” e “pessoa segura” A..., sendo “beneficiários” em caso de morte, benefício irrevogável a favor de D... até ao valor máximo de 75.000 € e o remanescente a pagar à pessoa segura (als. d) e e) dos factos assentes).

c) De ambas as apólices consta a garantia de pagamento de uma indemnização, em caso de invalidez absoluta e permanente da pessoa segura resultando de doença ou acidente (al. f) dos factos assentes).

d) A R. fixou as condições que entendeu necessárias, e estipulou o preço que entendeu por conveniente, tendo emitido as apólices n.º 0420-5002914-000 e 0420-50029105-000 (al. g) dos factos assentes).

e) Das condições especiais referentes às apólices referidas, consta a seguinte cláusula “invalidez total - é a perda da pessoa segura da sua capacidade funcional e da sua capacidade profissional. Mais concretamente, considera-se uma pessoa no estado de invalidez total quando, por consequência de doença ou acidente, fique totalmente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer actividade lucrativa compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões e ainda, quando esse estado resultar uma perda de ganho de pelo menos 66% (al. h) dos factos assentes).

f) As condições fixadas para os contratos de seguro objecto dos presentes autos tiveram por base uma proposta de seguro preenchida e assinada pelo A. para cada um dos contratos, onde designadamente, o mesmo respondeu a um questionário sobre o seu estado de saúde (al. i) dos factos assentes).

g) Previamente à celebração dos contratos de seguro, o A. leu, preencheu e assinou duas propostas de seguro que foram submetidas à apreciação da R. (al. j) dos factos assentes).

h) Tais propostas de seguro são compostas por um questionário que foi respondido pela pessoa segura, constando no final do mesmo, imediatamente antes da assinatura do A.: DECLARAÇÕES E AUTORIZAÇÕES DO TOMADOR E DA(S) PESSOA(S) (…) As omissões, inexactidões ou falsidades no que respeita a dados de fornecimento, quer obrigatório, quer facultativo, são da responsabilidade do cliente (…). O tomador de seguro e a pessoa segura declaram que as respostas contidas nestes questionários são verdadeiras, exactas e completas e que não foi ocultada qualquer informação que possa influir sobre a decisão que a companhia venha a tomar sobre o seguro proposto”, constando nas Condições Gerais que “2.1. as declarações prestadas pelo Tomador e pela Pessoa Segura, tanto na proposta como nos questionários exigidos, servem de base ao presente contrato (…) 2.2. as declarações inexactas ou incompletas que alterem a apreciação desse risco tornam o contrato nulo” (als. l) e m) dos factos assentes, doc. de fls. 77).

i) À pergunta sobre se tem um médico assistente ou de família, especificando quando e porque motivo o consultou no último ano, a Pessoa Segura identificou o médico, esclarecendo “Consulta de rotina e estava tudo bem”. À pergunta sobre se fez ou foi aconselhado a fazer exames para despiste das seguintes patologias: ( ... ) hipertensão ( …) doenças nervosas ou mentais, a Pessoa Segura respondeu “Não”. À pergunta sobre se sofre ou sofreu ( ... ) de hipertensão arterial ( ... ).a Pessoa Segura respondeu “Não”. À pergunta sobre se sofre ou sofreu de doença óssea, articular ou da coluna vertebral, neurológica ou psiquiátrica (epilepsia, paralisia, depressão, acidente vascular cerebral. etc.), ginecológica e/ou do aparelho genito-urinário, dos olhos (glaucoma, doenças da retina, miopia de grau igualou superior a 3 dioptrias), da tiróide, distúrbio hormonal. tumor (maligno ou benigno), obesidade, dislipidémia, diabetes, gota e outras doenças ou distúrbios não referidos, a Pessoa Segura respondeu “Não”. À pergunta sobre se se sente doente ou prevê alguma situação da sua saúde que necessite de tratamento ou intervenção cirúrgica, a Pessoa Segura respondeu “Não”. À pergunta sobre se toma medicamentos, a Pessoa Segura respondeu “Não” (als. n), o), p), q), r) e s) dos factos assentes).

j) Quando no questionário é pedido que a pessoa segura especifique as respostas afirmativas que, porventura tenha dado, a pessoa segura nada especificou (al. t) dos factos assentes).

k) À pergunta sobre se tem seguros de vida com capitais de risco noutra seguradora, a pessoa segura respondeu “Não” (al. u) dos factos assentes).

l) Nos contratos em que o risco de funcionamento das coberturas contratadas tem por base o estado de saúde da Pessoa Segura, é fundamental para a Ré, conhecer em pormenor o seu historial clínico, por isso, neste tipo de contratos existe um questionário tão exaustivo quanto genérico, para que cada Pessoa Segura, possa esclarecer a seguradora do seu estado de saúde. Só em certas situações, como quando é assinalada a existência de alguma patologia, quando a idade da pessoa segura é já bastante avançada ou quando os capitais contratados são de montante elevado, é que as seguradoras, habitualmente, sujeitam o interessado a exames. Porquanto é com base em tais respostas que a seguradora, avalia o risco de cada contrato em concreto e fixa o valor dos respectivos prémios, podendo inclusivamente, decidir não contratar, de todo (als. v), x) e z) dos factos assentes).

m) Por carta de 20 de Novembro de 2008, o A., por intermédio do seu mandatário, informou a R. que estava afectado de uma invalidez absoluta e definitiva com uma incapacidade permanente geral de 80% (al. aa) dos factos assentes).

n) Foi diagnosticado a 9 de Novembro de 2008 a A... “poliradiculopatia cervical mais evidente em C5, C6 e C7 à direita, alterações degenerativas graves com deformação do canal raquidiano e compressão radicular, discopatia de L4-L5 e L5-S1 a condicionar acentuado compromisso radicular, sacroileite bilateral com pontes osteofitárias anteriores, processo degenerativo das mãos, joelhos e pés e que sofre de cervicalgias permanentes sinais de compressão medular cervical com défice global da força muscular, reflexos vivos e hipostesia abaixo da C6 e C7: cervicobraquialgias bilaterais e radiculopatia de L5 bilateralmente e limitação funcional marcada da coluna cervical grave e radiculopatia lombar respectivamente, por estenose canalar e foraminal cervical e alterações degenerativas da coluna lombar. O quadro clínico bem como a absoluta limitação funcional determinam completa incapacidade. A mielopatia espondilótica cervical tem indicação para tratamento cirúrgico, todavia mesmo que efectuado não garante qualquer capacidade funcional para o exercício da profissão” (al. bb) dos factos assentes, e data constante no doc. emitido pelo IML).

o) Na sequência dessa participação, foi solicitado ao A., que fosse preenchido pelos médicos que o assistiram, um impresso próprio da Ré, sobre as causas da alegada invalidez e evolução da doença, bem assim como que fosse enviado um atestado de incapacidade multiusos onde constasse o grau de invalidez. Recebidos pela Ré os relatórios médicos, feitos em impressos por esta fornecido e preenchido pelos médicos que acompanharam o A., bem assim como relatório de avaliação do dano corporal elaborado pelo Instituto de Medicina Legal, constatou-se que: a) O A. sofre, pelo menos, desde 2006 de hipertensão arterial que controla com medicação diária: b) O A. padece de alterações degenerativas graves da coluna que se arrastam há vários anos e que dão queixas, pelo menos desde 2006.; c) Desde 2006 o A. tem queixas de dores musculares, cervicalgias com irradiação aos ombros e parestesias das mãos, bem assim como lombalgias irradiadas às nádegas e membros inferiores, de agravamento progressivo, com diminuição da força muscular; d) Tem acompanhamento médico desde essa altura, padecendo de alterações degenerativas graves da coluna cervical com deformação do canal raquidiano e compressão radicular; e) Padece de poliradiculopatia cervical mais evidente em C5, C6 e C7 à direita; f) Na coluna lombar apresenta discopatia de L4-L5 e L5-S1 a condicionar acentuado compromisso radicular e sacroileite bilateral com pontes osteofitárias anteriores; g) O A. havia sido, inclusivamente, encaminhado para Neurocirurgia pelo seu médico, Dr. F...; h) Nessa altura estava marcada consulta com o Neurocirurgião Dr. G..., que o acompanha desde 12.04.2008 (als. cc) e dd) dos factos assentes).

p) Para a avaliação do risco e decisão de aceitação ou não de um determinado contrato de seguro do ramo vida, a R. socorre-se de tabelas, com classificação das doenças, suas características e suas consequências, denominadas bases técnicas de aceitação, assim como critérios de subscrição clínica, que são utilizadas pelo seu ressegurador, estando aliás obrigada a fazê-lo ao abrigo do contrato de resseguro (al. ee) dos factos assentes).

q) Por cartas de 29 de Janeiro de 2009, a R. informou o A. que tinham existido falsas declarações aquando da elaboração das propostas em ambos os contratos de seguro e que, como tal, a situação apresentada estava excluída das coberturas dos contratos, os quais se consideravam por tal motivo anulados (al. ff) dos factos assentes).

r) O A. foi vítima entre outras de discopatia L4-L5, alterações degenerativas dos espaços discais mielopatia e radiculupatia espondilotica cervical grave e a 9 de Novembro de 2008 sofria de incapacidade permanente geral fixável em 66 pontos, incompatível com o seu trabalho habitual (resposta aos pontos 1º e 2º da base instrutória).

s) O A. participou a situação à ora R. (resposta ao ponto 3º da base instrutória).

t) As alterações degenerativas de que padece o A. constituem problemas da coluna que vão evoluindo e agravando ao longo dos anos (resposta ao ponto 5º da base instrutória).

u) À data de 7 de Abril de 2008, quando subscreveu a proposta de seguro e quando respondeu ao questionário sobre o seu estado de saúde, o A. já sabia que padecia de hipertensão arterial e que sofria de um problema na coluna que lhe causava dores e perda de força e por força do qual se sentia incapaz para trabalhar (resposta aos pontos 6º e 7º da base instrutória).

v) O A. já em 7-4-2008 se submetia a anti-inflamatórios e analgésicos para aliviar as dores que sentia da coluna (resposta ao ponto 8º da base instrutória).

w) Antes da celebração do negócio aludido em a), o A. havia já celebrado outro negócio de seguro de vida (resposta ao ponto 21º da base instrutória).

x) O A. não exerce actividade profissional, sendo o seu estado de saúde estacionário, não susceptível de grandes melhorias (resposta aos pontos 22º e 23º da base instrutória).

y) O A. aquando do preenchimento da proposta de seguro omitiu de forma consciente informações para a avaliação do risco (resposta ao ponto 25º da base instrutória).

z) O A. é beneficiário de pensão de invalidez (resposta ao ponto 26º da base instrutória).

aa) Antes de acordar com a R. os termos aludidos em a), o A. padecia de depressão e medicava-se atento esse facto.


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IV.

Direito

A sentença recorrida julgou a acção improcedente – absolvendo a Ré do pedido contra ela formulado – por ter julgado procedente a excepção de anulabilidade dos contratos de seguro que havia sido invocada pela Ré. Tal anulabilidade fundamentava-se, segundo a sentença recorrida, no disposto no art. 429º do Código Comercial e na circunstância de o Apelante ter omitido informações e prestado declarações inexactas aquando da celebração desses contratos.

O Apelante discorda dessa decisão – razão pela qual vem submeter à nossa apreciação a aludida questão – sustentando que apenas tomou conhecimento da doença de que padecia depois da celebração dos contratos, não tendo, por isso, omitido qualquer informação relevante ou prestado qualquer declaração inexacta que possa determinar a anulabilidade dos contratos.

Analisemos, então, essa questão.

Dispõe o art. 429º do Código Comercial[1], que “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”. E, dispõe o parágrafo único, “se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio”.
Não obstante a norma em causa aludir a nulidade, tem sido considerado que o que está aqui em causa é uma anulabilidade – cfr. Ac. do STJ de 02/12/2008, processo nº 08A3737[2], bem como a doutrina e jurisprudência aí citadas – e, portanto, o contrato de seguro será anulável se quem faz o seguro prestar declarações inexactas ou omitir factos ou circunstâncias que sejam do seu conhecimento e que poderiam ter influência sobre a existência ou as condições do contrato. Refira-se que, ao contrário do que sucede com o actual regime (onde se prevê um regime diferenciado para os casos em que essa situação resulta de dolo de quem faz o seguro ou de mera negligência), no regime decorrente do citado art. 429º, a anulabilidade do contrato tanto ocorre em caso de dolo ou má fé de quem faz o seguro como em caso de mera negligência.

Mas, como decorre da norma citada, para que o contrato seja anulável é necessário que os factos ou circunstâncias omitidos (seja porque se declarou, de forma inexacta, a sua inexistência, seja porque, pura e simplesmente, não foram declarados) pudessem influir na existência do seguro ou nas respectivas condições.

A este propósito, escreve José Vasques[3] o seguinte:

É necessário ainda que as referidas declarações tivessem podido influir sobre a existência ou condições do contrato. O alcance das declarações deve ser também definido, sendo incontestável que reúnem as referidas condições as alterações que necessariamente tivessem conduzido a uma alteração do prémio, mas devem ser consideradas outras situações que, não se reflectindo directamente sobre o prémio, podiam ter influído sobre a aceitação do seguro, designadamente a omissão da recusa anterior de aceitação do risco por outra seguradora, a existência de outros seguros sobre o mesmo risco, antecedentes judicias do tomador ou do segurado ou outras.

Cabe, naturalmente, ao segurador o ónus da prova de que o contrato não se teria realizado ou que, a realizar-se, teria tido outras condições – no mínimo, deverão ser consideradas como influenciando a avaliação do risco as questões relativamente às quais existiam na proposta de seguro perguntas específicas”.

Quem celebra um contrato de seguro tem, portanto, o dever de responder com verdade às questões que lhe são colocadas e tem o dever de informar a seguradora de todos os factos ou circunstâncias que possam influenciar a sua decisão, seja no que respeita à celebração do contrato, seja no que respeita à determinação das respectivas condições, e é o incumprimento desse dever que determina a invalidade do contrato, nos termos acima mencionados.

Em rigor, o cumprimento desse dever só é possível se quem celebra o seguro tem conhecimento dos factos ou circunstâncias que omitiu e cujo conhecimento era relevante para a seguradora, pelo que, em princípio, a omissão de factos ou circunstâncias relevantes apenas poderão determinar a invalidade do contrato se forem conhecidas do segurado ou de quem fez o seguro, tal como decorre expressamente do disposto no citado art. 429º, nº 1. Afigura-se-nos, no entanto, que quem celebra um contrato de seguro tem o dever de agir, de forma diligente, no cumprimento da obrigação que sobre ele recai de prestar declarações verdadeiras e exactas e de nelas incluir todos os factos e circunstâncias que sejam relevantes para a seguradora, admitindo-se, por isso, que, para efeitos de invalidade do contrato, nos termos da citada disposição legal, não relevem apenas os factos ou circunstâncias que eram do conhecimento efectivo da pessoa que faz o seguro, mas também os factos e circunstâncias relevantes que deveriam ser do seu conhecimento, caso tivesse actuado com a diligência devida.

Como decorre expressamente da matéria de facto e é do conhecimento geral, nos contratos de seguro em que o risco se relaciona com o estado de saúde da pessoa segura, a avaliação do risco – com base no qual a Seguradora aceita ou não contratar e em que condições – baseia-se, naturalmente, no estado de saúde da pessoa segura no momento da celebração do contrato e nas previsões de concretização do risco que são efectuadas com base na história clínica da pessoa a segurar. E para avaliação do concreto risco que estão a assumir, as seguradoras utilizam, normalmente, um questionário com vista a recolher tais elementos que são essenciais à sua decisão de contratar e à determinação dos termos e condições em que o decidem fazer.

Ora, tal como se refere na sentença recorrida – citando dois Acórdãos do STJ de 17/10/2006 e 08/07/2011 –, é através desse questionário que a seguradora indica as questões que para ela são relevantes e decisivas para a sua decisão de contratar e que podem influenciar os termos e as condições em que decide fazê-lo e, portanto, o mínimo que é exigível ao tomador do seguro é responder com verdade às questões que expressamente lhe são colocadas, sem prejuízo de dever ainda declarar – como decorrência do dever de proceder de boa fé a que está sujeito todo aquele que negoceia com outrem para conclusão do contrato (art. 227º do C.C.) – todo e qualquer facto ou circunstância que, apesar de não lhe ter sido perguntado expressamente, possa e deva considerar importante para que a seguradora possa formar, sem qualquer erro relevante, a sua decisão de contratar.

Vejamos o que acontece no caso sub judice.

Sabemos que, em Novembro de 2008, foram diagnosticadas ao Apelante uma série de patologias (discriminadas na matéria de facto) que, em resumo, se traduzem em graves alterações degenerativas da coluna e com base nas quais se veio a concluir que padecia de uma incapacidade permanente geral de 66 pontos incompatível com o seu trabalho habitual. Sabemos também, perante a matéria de facto provada, que tais patologias já existiam à data em que foram celebrados os contratos de seguro (07/04/2008 e 21/04/2008), sendo que tais alterações da coluna já se arrastavam e davam queixas desde 2006 (aliás, estando em causa – como decorre da matéria de facto – um problema que vai evoluindo e agravando ao longo dos anos, não seria sequer de admitir que tal problema não existisse – ainda que em menor grau – poucos meses antes de o Apelante ser declarado incapaz com base nesse facto).

É indiscutível que o conhecimento dessa doença ou patologia (que já afectava o Apelante à data da celebração dos contratos) era de extrema relevância para a Ré/seguradora, já que a sua existência implicava uma forte probabilidade de o risco assumido no contrato se vir a concretizar dentro de pouco tempo (como veio a suceder poucos meses depois) e, portanto, não teria, seguramente, celebrado os contratos nos termos em que o fez.

Diz, todavia, o Apelante que tal doença ou patologia ainda não lhe havia sido diagnosticada à data da celebração dos contratos e que, não tendo conhecimento da sua existência, nada podia declarar a esse propósito.

Não resulta, efectivamente, da matéria de facto provada, que, à data da celebração dos contratos, tal patologia já tivesse sido diagnosticada ao Apelante e, portanto, teremos que admitir que não sabia exactamente qual a concreta doença de que padecia.

Mas, apesar de não saber qual era o concreto problema ou doença de que padecia, o Apelante sabia que sofria de um problema na coluna; sabia que esse problema lhe causava dores e perda de força; sabia que já se submetia a anti-inflamatórios e analgésicos para aliviar as dores e sabia que se sentia incapaz para trabalhar. Assim, e ao contrário do que afirma nas suas alegações, não estava em causa uma mera e vulgar dor de costas que pudesse ser considerada como irrelevante ou desprezível para efeitos de celebração do contrato de seguro.  Além do mais, o Apelante, desconhecendo – como diz – a concreta doença de que padecia, mas conhecendo os sintomas (graves) que sentia e tendo já sido encaminhado para um especialista, sempre poderia ter aguardado mais alguns dias (até à consulta no especialista que se realizou uns dias depois) a fim de recolher elementos concretos que lhe permitissem informar a seguradora da sua situação clínica. Portanto, ainda que desconhecesse a exacta doença de que padecia, a verdade é que poderia ter tido esse conhecimento antes de celebrar esse seguro, caso aguardasse mais alguns dias até à realização daquela consulta.

De qualquer forma, o certo é que, não obstante ter conhecimento dos sintomas que apresentava e da existência de um problema na coluna e não obstante saber que o risco que estava em causa no contrato que estava a celebrar respeitava, precisamente, à sua eventual incapacidade (incapacidade que – reafirma-se – já sentia), o Apelante omitiu totalmente essa informação. Importa notar que, caso tivesse conhecimento desses factos, a Ré, ainda que não dispusesse de qualquer diagnóstico da doença ou patologia que afectava o Apelante, não deixaria de solicitar a realização de exames que lhe permitissem avaliar o risco que estava a assumir.

O Apelante começou por declarar, falsamente, que não sofria de hipertensão arterial (quando é certo que sofre que sofre de hipertensão desde, pelo menos, 2006); o Apelante respondeu de forma negativa à questão onde lhe era perguntado se tomava medicamentos, apesar de tomar medicação para a hipertensão e para as dores que sentia na coluna e membros; o Apelante respondeu de forma negativa à questão onde lhe era perguntado se sofria de doença óssea ou da coluna vertebral, apesar de saber que tinha um problema na coluna que, além das dores, o faziam sentir-se incapaz para trabalhar; o Apelante respondeu de forma negativa à questão onde lhe perguntado se se sentia doente, não obstante o facto de se sentir doente ao ponto de se sentir incapaz para trabalhar e, quando questionado sobre o momento e as razões pelas quais havia consultado o médico no último ano, respondeu que havia sido uma consulta de rotina e que estava tudo bem, quando é certo que tinha acompanhamento médico desde 2006 por força das graves queixas que apresentava relacionadas com a coluna e apesar de já ter sido encaminhado pelo seu médico para um neurocirurgião.

Como parece evidente, as respostas dadas pelo Apelante ao aludido questionário não poderiam fazer supor ou admitir alguma probabilidade de, escassos meses depois, vir a ser declarado incapaz com base numa doença ou patologia que já estava em evolução há vários anos. De acordo com tais respostas, o Apelante era uma pessoa saudável, não tinha qualquer problema de saúde, não tomava medicação e sentia-se bem e sem qualquer dificuldade no seu quotidiano e na sua profissão, quando é certo que a situação real era bem diversa.

Parece-nos, portanto, inquestionável que o Apelante prestou declarações que não correspondiam à realidade, omitindo a informação respeitante ao seu real estado de saúde.

Tais informações – omitidas pelo Apelante aquando da celebração do contrato – eram susceptíveis de influir na existência ou nas condições do contrato, porquanto a seguradora não teria contratado nos termos em que contratou (pelo menos sem a realização de exames médicos) se o Apelante lhe tivesse disponibilizado toda a informação referente à sua situação clínica e às queixas e sintomas que apresentava. Ainda que caiba à seguradora o ónus de provar que o contrato não se teria realizado ou que apenas se teria realizado noutras condições, a verdade é que, como acima se assinalou, os factos ou informações que são objecto de questões expressas no questionário submetido ao tomador do seguro deverão, por regra, ser considerados como influenciando a avaliação do risco, a decisão de contratar e as condições do contrato. A inclusão de determinadas questões nesse questionário evidencia claramente que a matéria em causa é relevante e decisiva para que a seguradora possa formar a sua decisão de contratar e para estabelecer os termos em que decide contratar e, portanto, a resposta falsa ou inexacta a essas questões vicia a formação da vontade da seguradora, designadamente quando, como acontece no caso sub judice, estão em causa informações referentes ao estado de saúde da pessoa segura com base nas quais se poderia concluir pela existência de uma grande probabilidade de o risco contratado se vir a verificar a breve ou curto prazo, como, de facto, aconteceu.

É certo, portanto, que os contratos de seguro aqui em causa são anuláveis, por força do disposto no citado art. 429º, conforme se decidiu na sentença recorrida.

Confirma-se, portanto, tal sentença.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Aquando da celebração de um contrato de seguro, o tomador do seguro tem o dever – sob pena de ver anulado o contrato – de responder com verdade às questões que expressamente lhe são colocadas pela seguradora, devendo ainda declarar – como decorrência do dever de proceder de boa fé – todo e qualquer facto ou circunstância que, apesar de não lhe ter sido perguntado expressamente, seja relevante para que a seguradora possa formar a sua decisão de contratar.

II – Estando em causa um contrato de seguro em que o risco se relaciona com o estado de saúde da pessoa segura, o desconhecimento da exacta doença ou patologia de que padece – por falta de diagnóstico médico – não dispensa o tomador do seguro do dever de declarar à seguradora a existência de um problema de saúde que sabe existir (ainda que desconhecendo a concreta doença ou patologia) e os sintomas que já se manifestam com alguma gravidade, como sejam as dores sistemáticas que vem sentindo, a perda de força muscular e a circunstância de se sentir, por força desses factos, incapaz de trabalhar.

III – Se, não obstante a verificação desse problema e a manifestação desses sintomas, o tomador do seguro não lhes faz qualquer referência aquando da celebração do contrato e responde às questões que lhe são colocadas de forma inexacta e como se tal problema não existisse, o contrato é anulável por efeito dessas declarações inexactas e por efeito da omissão de informação desses factos que, dada a sua relevância para efeitos de avaliação do risco, eram susceptíveis de influir na existência ou nas condições do contrato.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Que, apesar de ter sido revogado pelo Dec. Lei nº 72/2008 de 16/04, é aplicável à situação dos autos, atendendo à data da celebração do contrato, à data do sinistro e à data da entrada em vigor deste diploma.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 225.