Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
170/14.0TBCDR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ( PER )
PLANO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.17-A, 17 G CIRE
Sumário: Ocorrendo o encerramento do processo especial de revitalização na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor e permanecendo o mesmo em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1, do CIRE), e estando reunidos os demais requisitos legalmente previstos, nada obstará a que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE (aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação).
Decisão Texto Integral:            
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Em 15.7.2014, S (…), Lda. (melhor identificada nos autos) instaurou, no Tribunal Judicial de Castro Daire, o presente Processo Especial de Revitalização (PER), alegando para o efeito encontrar-se em situação económica difícil e a verificação dos demais requisitos previstos nos art.ºs 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4).

            Nomeado o administrador judicial provisório, iniciadas as negociações e publicitados os autos, o M.º Público veio invocar a excepção dilatória inominada prevista no art.º 17º-G, n.º 6, e requerer o não prosseguimento dos autos, referindo que “correu termos processo especial de revitalização da referida sociedade [proc. 148/12.9TBCDR] (…) declarado encerrado por despacho de 27.01.2014, transitado em julgado no passado dia 08.7.2014”.

            Observado o contraditório, a requerente opôs-se, referindo, nomeadamente:

            - No âmbito do processo 148/12.9TBCDR correu termos processo especial de revitalização da requerente, encerrado por despacho de 27/01/2014;

            - Desse despacho a requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto (RP), que confirmou tal decisão, transitando em julgado;

            - O artigo 17º-G, n.º 6, refere que “o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos”, ou seja, o impedimento de recorrer ao PER pelo prazo de dois anos existe no caso do processo especial de revitalização anterior (in casu, o 148/12.9TBCDR) ter sido efectuado de harmonia com os n.ºs 1; 2; 3; 4 e 5 do artigo 17º-G;

            - Pela simples análise da forma como decorreu o processo de revitalização anterior, verificamos que o procedimento que acabou por concluir no despacho de 27/01/2014, que ordenou o encerramento do processo, não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.ºs 1 a 5 do art.º 17º-G, mas sim nas situações previstas no art.º 17º-F;

            - Isto porque, em 06/5/2013, em assembleia de credores, foi votado e aprovado pela maioria dos credores o plano de revitalização apresentado nesses autos;

            - Por força dessa votação e aprovação, pelo Mm.º Juiz, em 04/6/2013, foi proferida sentença que homologou o aludido plano de revitalização da requerente;

            - O processo veio a ser encerrado e a referida sentença revogada pela RP, após interposição de recurso de dois credores, por questões legais e não por não ter sido obtido o acordo da maioria dos credores da requerente, acórdão que acabou por conduzir à prolação do despacho que ordenou o encerramento do processo e que foi confirmado pelo acórdão da RP que transitou em julgado em 08/7/2014;

            - O processo de revitalização anterior não decorreu em harmonia com os n.º 1 a 5 do art.º 17º-G, pelo que não se verifica qualquer excepção dilatória inominada prevista no n.º 6 do mesmo art.º, devendo estes autos prosseguir seus termos;

            - O processo de negociação decorreu de acordo com o previsto nos n.ºs 1 a 7 do art.º 17º-F e, por assim ter acontecido, nada impede que a requerente, seja no prazo de dois anos, ou de dois meses, apresente em juízo novo PER;

            - A requerente só estaria impedida de apresentar novo PER após decorridos dois anos do PER anterior, caso o processo negocial tivesse sido concluído sem a aprovação do plano de recuperação, o que não foi o caso;      

            - Devendo atender-se à data da instauração do processo n.º 148/12.9TBCDR (23/5/2012), também por esta razão (que, face ao demais invocado, não será por certo sequer considerada), não se verifica a alegada excepção dilatória - de 23/5/2012 até 15/7/2014 (data em que entrou em juízo o presente PER) decorreram mais de dois anos.

            Após[2],             a 05.8.2014, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

            “ (…)

            Estipula o artigo 17º G, n.º 6, do CIRE que ´o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos`.

            Ora, compulsados os presentes autos, denota-se que os mesmos deram entrada em juízo a 15.7.2014.

            Em vista do processo n.º 148/12.9TBCDR que correu termos neste tribunal (processo especial de revitalização da presente requerente), o mesmo foi declarado encerrado por despacho transitado em julgado a 8/7/2014, o qual, conforme se deixa referido a folhas 1155, ´Tendo em conta o teor do parecer apresentado pelo Sr. AI Provisório, conforme determinado no artigo 17º G, do CIRE, no sentido de que a devedora não se encontra em situação de insolvência, determino o encerramento do processo……ao abrigo do n.º 2, daquela disposição legal`.

            Pelo que sem necessidade de mais delongas e dado que o despacho supra referido transitou em julgado a 8/7/2014, conforme acórdão da RP de 17/6/2014 (cf. folhas 1248 a 1257, dos autos n.º 148/12.9TBCDR), os presentes autos deram entrada a 15/7/2014, facilmente se denota que dos dois anos referidos pela norma legal supra citada, ainda só decorreu pouco mais de uma semana.

            Pelos fatos e pelo direito supra exposto, decido conhecer a excepção dilatória inominada prevista no artigo 17º G, n.º 6, do CIRE e em consequência rejeita-se o presente processo especial de revitalização (…)”.

            Inconformada, pugnando pela revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos, a requerente interpôs a presente apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:  

            1ª - A sentença de que se recorre é nula por violação do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).

            2ª - Por requerimento de 30.7.2014, veio a requerente pronunciar-se pugnando pela não verificação da excepção dilatória, considerando que o procedimento que acabou por concluir no despacho de 27/01/2014 (que ordenou o encerramento do processo) não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.ºs 1 a 5 do art.º 17º-G, mas sim nas previstas no art.º 17º-F.

            3ª - A recorrente defendeu que não se encontravam verificados os pressupostos e requisitos que permitem a aplicação do disposto no n.º 6 do art.º 17º-G, precisamente porque o PER anterior não decorreu nos termos dos n. º 1 a 5 do art.º 17º-G, mas sim de acordo com o art.º 17º-F.

            4ª - O Mm.º Juiz não se pronunciou nem julgou os fundamentos de facto e de direito alegados, cingindo-se a julgar reconhecida a excepção dilatória por simples remissão ao normativo do art.º 17 º-G, n.º 6, pelo que a sentença é nula por violação do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC.

            5ª - Correu termos “processo especial de revitalização” da recorrente - processo 148/12.9TBCDR - encerrado por despacho de 27/01/2014.

            6ª - Desse despacho a requerente interpôs recurso para a RP, que o confirmou, transitando em julgado em 08/7/2014.

            7ª - O art.º 17º-G, n.º 6, refere que “o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos”.

            8ª - Em 06/5/2013, em assembleia de credores, foi votado e aprovado, pela maioria dos credores, o plano de recuperação apresentado naqueles autos.

            9ª - Pelo Mm.º Juiz, em 04/6/2013, foi proferida sentença que homologou o plano de recuperação aprovado na referida assembleia.

            10ª - O processo veio a ser encerrado e a referida sentença revogada pela RP, após interposição de recurso de dois credores.

            11ª - A referida sentença que homologou o plano de revitalização da requerente naqueles autos foi revogada por questões que nada têm que ver com a votação, aprovação e consequente homologação do plano de recuperação.

            12ª - Esse acórdão acabou por conduzir à prolação do despacho que ordenou o encerramento do processo e que foi confirmado por acórdão da RP.

            13ª - O plano de recuperação da requerente foi votado, aprovado por maioria e homologado, razão pela qual não se verifica nenhuma das situações elencadas nos n.ºs 1 a 5 do art.º 17º-G, condição sine qua non para que tenha aplicação o disposto no n.º 6 do mesmo normativo.

            14ª - O processo de negociação do PER anterior decorreu de acordo com o previsto nos n.ºs 1 a 7 do art.º 17º-F, nada impedindo que a requerente, seja no prazo de dois anos, ou de dois meses, apresente em juízo novo PER.

            15ª - O processo negocial foi concluído com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor (cf. acta de Assembleia de 06/5/2013 e a dita sentença homologatória) e por isso não se verifica o impedimento do n.º 6 do art.º 17º-G, uma vez que o processo negocial não foi concluído sem a aprovação de plano de recuperação.

            16ª - A requerente só estaria impedida de apresentar novo PER após decorridos dois anos do PER anterior, caso o processo negocial tivesse sido concluído sem a aprovação do plano de recuperação.

            17ª - O processo especial de revitalização que correu termos com o n.º 148/12.9TBCDR foi apresentado em juízo em 23/5/2012, pelo que, ainda que fosse de considerar o “impedimento” do n.º 6 do art.º 17 º-G, considerando que esse período de dois anos inicia-se desde a data da instauração do PER anterior e não desde a data do seu encerramento, em 15/7/2014 (data em que entrou em juízo o presente PER), já haviam decorrido mais de dois anos, não se verificando, assim, a alegada excepção dilatória inominada.

             O M.º Público respondeu à alegação da recorrente e concluiu pela procedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir: a) nulidade da decisão recorrida; b) se ocorre a situação prevista no n.º 6 do art.º 17º-G ou se devemos concluir por diferente enquadramento.

*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e ainda o seguinte[3]:

            a) No mencionado processo n.º 148/12.9TBCDR[4] foi realizada a assembleia de credores para aprovação do plano de revitalização apresentado pelo administrador judicial provisório.

            b) Esse plano de recuperação mereceu a aprovação de 67,55 % dos credores, tendo votado contra, entre outros, os credores Instituto de Segurança Social, IP e a Autoridade Tributária.

            c) Por sentença de 04/6/2013, foi homologado o referido plano de recuperação.

            d) Foi interposto recurso para a RP, que, por acórdão de 18/12/2013, revogou aquela sentença e não homologou o dito plano.

            e) Em 06/01/2014, a requerente pediu o prazo de 60 dias para proceder à reestruturação do plano de revitalização com vista a corrigir os erros que conduziram à sua não homologação.

            f) O administrador judicial pugnou pelo aperfeiçoamento do plano e requereu a notificação da Autoridade Tributária para proceder à restituição de valores indevidamente retidos.

            g) Sobre estes pedidos recaiu, no dia 27/01/2014, o seguinte despacho:

            “ (…) O processo especial de revitalização tem como finalidade permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil estabelecer negociações com os respectivos credores com vista a obter um acordo que conduza à revitalização.

            Da leitura atenta dos artigos 17º-A e seguintes do CIRE, facilmente se conclui que estamos perante um procedimento que se quer célere e simplificado, atentos os prazos curtos que são fixados pelo legislador, bem como a tramitação que lhe é estabelecida.

            Aliás, resulta da leitura do artigo 17º-G, n.º 1, em conjugação com o artigo 17º-D, n.º 5, do CIRE que esgotado o prazo de 2 meses, sem que seja alcançado acordo é encerrado o processo negocial, facto que demonstra que o legislador quis um processo rápido, no qual inexistem prorrogações.

            ln casu, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão de homologação do plano por considerar a mesma inadmissível, substituindo-a por outra que declara não homologado o plano.

            Salvo melhor opinião, tal situação obsta ao prosseguimento do presente processo, porquanto será de aplicar o disposto no artigo 17º-G, do CIRE.

            Ao contrário do que pretende a devedora, não quis o legislador nos casos de não homologação de plano dar a hipótese de se proceder à sua rectificação, eliminando ou limando os pontos que a determinaram.

            Tal facto resulta quer da leitura do artigo 17°-1, n.º 5, do CIRE, quer da própria natureza célere e simples do processo, que acima já explicitámos.

            Desta forma, não havendo homologação, não poderá existir reabertura do processo negocial, nada mais restando do que o encerramento do processo, que acarreta ou não, conforme o parecer do Sr. Administrador Judicial, a insolvência do devedor.
            Em face do exposto, concluo que a rectificação do plano não se mostra admissível à luz do regime acima explicitado, razão pela qual, sem necessidade de mais extensas considerações,
indefiro o requerido.

            Tendo em conta o teor do parecer apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, conforme determinado no artigo 17o-G do CIRE, no sentido de que a devedora não se encontra em situação de insolvência, determino o encerramento do processo especial de revitalização, o que acarreta a extinção de todos os seus efeitos, ao abrigo do disposto no n.º 2 daquela disposição legal.

            Em consequência resulta prejudicada a apreciação do pedido de notificação da Autoridade Tributária”.

            h) A requerente, inconformada, recorreu para a RP mas este Tribunal, por acórdão de 17.6.2014, confirmou o decidido concluindo que “No âmbito do processo de revitalização, sendo judicialmente recusada a homologação do plano de recuperação do devedor, não pode reabrir-se o processo negocial entre ele e os respectivos credores, com vista à correcção desse mesmo plano”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Afirma a recorrente que a decisão recorrida é nula, por violação do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, na medida em que o juiz “não se pronunciou nem julgou os fundamentos de facto e de direito alegados pela requerente”, efectuando, apenas, uma “simples remissão ao normativo do art.º 17 º-G, n.º 6”.

            Reza o referido normativo que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

            A referida estatuição relaciona-se com o dispositivo do art.° 608°, n.° 2, do CPC[5] e por ele se tem de integrar, sendo que, a primeira modalidade (omissão de pronúncia), tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras, e, a segunda (excesso de pronúncia), reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, devendo a palavra “questões” ser tomada em sentido amplo: compreenderá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

            A apontada nulidade, na dita primeira modalidade, só abrange a total omissão de alguma das questões levantadas (seja pelo autor como fundamento da acção, seja pelo réu como fundamento das excepções ou do pedido reconvencional) mas já não compreende a necessidade de apreciar todas as razões ou argumentos em que as partes fundamentam a sua posição perante cada uma das questões debatidas[6]; e é incorrecto inferir-se que a sentença (ou o despacho/art.º 613º, n.º 3, do CPC) deverá examinar toda a matéria controvertida, ainda que o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável – neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (art.º 608º, n.º 2, do CPC).

            No caso em análise, a (única) questão suscitada prende-se com a eventual verificação da excepção inominada prevista no n.º 6 do art.º 17º-G e o Mm.º Juiz a quo conheceu da matéria como se refere em I. supra, não se impondo a pronúncia sobre tudo quanto fora aduzido pela requerente/recorrente.

            O Mm.º Juiz a quo não deixou de conhecer da questão que lhe foi colocada e decidiu-a em conformidade com a fundamentação que teve por adequada.

            Ademais, é pacífico o entendimento de que o “vício” em causa (nulidade da decisão) não se confunde com o eventual erro de julgamento.

            Temos, pois, de concluir pela inexistência da invocada nulidade.

            3. Nos termos do n.º 1 do art.º 17º-A, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir (com estes) acordo conducente à sua revitalização.

            Preceitua o art.º 17º-F (sob a epígrafe conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”) que concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos (n.º 1); concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal (n.º 2); considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida (n.º 3); o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º (n.º 5).

            E prevê o art.º 17º-G (sob a epígrafe “conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”) que caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D[7], o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (n.º 1); nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos (n.º 2); estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1 (n.º 3); compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (n.º 4); o devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores (n.º 5); o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos (n.º 6); havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17º-D (n.º 7).

            4. Com o processo especial de revitalização pretende-se instituir um mecanismo gerador de consenso entre o devedor e os principais credores com vista ao estabelecimento de um plano de recuperação; a intervenção do juiz é reservada, por regra, apenas a três momentos essenciais: ao início do processo [art.º 17º-C, n.º 3, al. a)], à decisão das impugnações à lista provisória de créditos [art.º 17º-D, n.º 3] e, no final, à homologação, ou não, do acordo obtido, se for caso disso, ou à determinação dos efeitos derivados da falta desse mesmo acordo [art.ºs 17º-F, n.º 5 e 17º-G, n.ºs 1 a 3].

            Estamos perante um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, dirigido à obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência.

            O consenso negociado entre credores e devedor é a ferramenta privilegiada para o estabelecimento do plano de recuperação, mas não se trata de um consenso a qualquer custo - os intervenientes estão adstritos ao princípio da boa-fé, da cooperação e da confidencialidade, recaindo ainda sobre o devedor a obrigação de manter uma conduta transparente e de defender os seus credores [cf. o art.º 17º-D, n.ºs 6 a 11 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25.10], visando-se, com a observância da tramitação e das demais exigências legalmente previstas, a obtenção de um consenso válido, entre credores e devedor, sobre a recuperação económica deste e, reflexamente, a optimização da defesa de todos os interesses envolvidos.[8]

            5. E é precisamente no art.º 17º-F que se encontra estabelecido um iter negocial, com vista à elaboração do acordo, o qual deverá ser exaustivo e esclarecedor, de molde a permitir ao juiz efectuar sobre o mesmo o seu pronunciamento.

            6. Atendendo à factualidade aludida em I. e II. 1., supra, dúvidas não restam de que o processo n.º 148/12.9TBCDR, primeiramente instaurado, seguiu a tramitação prevista no art.º 17º-F e, concluídas as negociações, veio a ser aprovado plano de recuperação conducente à revitalização do devedor.

            Porém, rejeitada, pelo Tribunal da Relação do Porto, a homologação do plano aprovado na assembleia de credores e entendendo-se, por um lado, não haver suporte legal, no âmbito desses mesmos autos, para novas “negociações” entre os credores e a apelante/devedora/requerente, e, por outro lado, que a referida decisão de rejeição transitara em julgado (passando a ter força obrigatória dentro e fora do processo/art.º 619º, n.º 1, do CPC), o processo em causa veio a ser declarado encerrado, por despacho transitado em julgado a 08.7.2014; atendeu-se, ainda, ao parecer do administrador judicial provisório, no sentido de que a devedora não se encontraria em situação de insolvência [cf. I. e II. 1. g), supra].

            Ou seja, não é possível concluir que se tenham verificado as ocorrências/vicissitudes previstas no art.º 17º-G, inerentes a um processo negocial concluído sem a aprovação de um plano de recuperação.

            7. Ademais, o texto do art.º 17º-G contém e evidencia a razão de ser do encerramento do processo e do limite temporal estabelecido para o devedor recorrer a novo processo especial de revitalização, nas situações aí reguladas, na medida em que será o devedor ou determinada maioria dos credores que deverão concluir antecipadamente não ser possível alcançar acordo [a)], ou terá de ser ultrapassado o prazo legal das negociações - incluída a prorrogação que possa ter sido estabelecida em consonância com a parte final do n.º 5 do art.º 17º-D - sem que, dentro dele, se obtenha o consenso entre os credores e o devedor quanto ao plano de recuperação [n.º 1 do art.º 17º-G] [b)] ou, então, deverá ser o devedor, usando da faculdade que a lei lhe confere, a pôr termo às negociações [n.º 5, do art.º 17º-G] [c)].

            No descrito circunstancialismo - sem prejuízo de poder ter lugar a declaração do estado de insolvência do devedor [cf. os n.ºs 3 e 4 do referido art.º] - justifica-se, pois, que o termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com tais normativos impeça o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos [cf. n.º 6, cit./ponto II. 3, supra].

            8. O presente caso não se identifica com quaisquer das situações elencadas em II. 7., supra.

            9. E será de concluir, atento o descrito enquadramento normativo [cf., sobretudo, II. 3. e 7., supra], que, se, por vicissitudes várias, o processo especial de revitalização vier a ser encerrado na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor, permanecendo o devedor em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1) - e verificando-se os demais requisitos legalmente previstos -, tal estado de coisas, não obstará a que possa ter início, de imediato, novo processo especial de revitalização.

            A situação em apreço estará, pelo menos, bem próxima desta realidade.

            Por conseguinte, nenhum obstáculo se colocará à existência e ao prosseguimento dos presentes autos - nada impedirá que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE, aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação. 

            10. Dir-se-á, por último, que o “parecer” que, no processo n.º 148/12.9TBCDR, terá sido emitido pelo administrador judicial provisório acerca da situação económico-financeira da devedora/requerente (manifestando, assim, o seu entendimento “quanto ao que devia seguir-se”…) [cf. II. 1. g), supra], independentemente da sua admissibilidade e relevância, em nada poderá contender com aquele juízo, porquanto se destinaria a fornecer ao Tribunal elementos para um eventual novo processo especial (de insolvência)[9], actuação que, todavia, não será de identificar com o regime e a tramitação (especialmente) previstos no n.º 4 do art.º 17º-G (na sequência do malogro do processo de revitalização em razão da ocorrência de alguma das situações previstas nos n.ºs 1 e 5 do mesmo art.º).[10]

            11. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

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            III. Face ao exposto, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos.

            Sem custas.

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27.01.2015

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro


[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] E, parece-nos, depois de consultado “o processo indicado no requerimento do Ministério Público” [PER n.º 148/12.9TBCDR] (cf. despacho de fls. 51).
[3] Que é possível retirar do acórdão da RP de 17.6.2014-processo 148/12.9TBCDR.P2, publicado no “site” da dgsi.
[4] Instaurado, atentos os elementos disponíveis, em 23.5.2012 (cf., ainda, fls. 123).
[5] Preceitua-se no referido normativo: “ O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
[6] Vide, nomeadamente, Antunes Varela, in RLJ, 122º, pág. 247.
[7] Preceitua o referido normativo: “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”.
[8] Cf. o citado acórdão da RP de 17.6.2014-processo 148/12.9TBCDR.P2.
[9] Veja-se, por exemplo, que a declaração de insolvência de um devedor poderá ser requerida pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos factos previstos no n.º 1 do art.º 20º [cf., ainda, II. 1. b), supra].
[10] Vide, sobre esta problemática e em anotação ao art.º 17º-G, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2ª edição, Quid Juris-Sociedade Editora, pág. 181.