Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/10.8TASEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ACTO SEXUAL DE RELEVO
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ARTIGO 171.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - É acto sexual de relevo todo o que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas.

II - Manifestamente, circunscrevem-se nesse domínio os casos traduzidos em acariciar/apalpar nádegas e a parte interior das coxas, actos preliminares do acto sexual final que conduz ao orgasmo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 204/10.8TASEI do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, após realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 8 de Dezembro de 2012 com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, decidem os juízes que constituem este Tribunal Colectivo do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia:
1. - Absolver o arguido A... da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes, na forma continuada, na pessoa de E..., p. e p. pelos arts. 172º, n.ºs 1 e 2, 171º, n.º 3, al. b), e 30º, todos do Código Penal, de que vinha acusado.
2. Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na forma continuada, p. e p. pelos arts. 172º, n.º 3, al. b), e 30º, n.º 2, do C. Penal (menor B...), na pena de dois (2) anos de prisão;
3. Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na forma continuada, p. e p. pelos arts. 172º, n.º 3, al. b), e 30º, n.º 2, do C. Penal (menor C...), na pena de um ano e quatro meses de prisão;
4. Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, n.º 1, do C. Penal (menor B...), na pena de dois (2) anos de prisão.
5. Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, sujeita a regime de prova;
6. Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição do exercício da profissão de professor, ou de função ou actividade, públicas ou privadas, que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, pelo período de 10 (dez) anos – art. 179º, al. b), do Código Penal.
7. - Condenar o arguido no pagamento de 4 UC’s de taxa de justiça, e nos legais acréscimos.

Inconformado, recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1º- O Tribunal " a quo" deu como provados um conjunto de factos, mais concretamente os elencados sob os nºs 8, 13, 14, 15, 16 e 22 da decisão recorrida, sem que dos mesmos tivesse sido feita qualquer prova, devendo por isso ser dados como não provados.

2°-Ocorreu pois, quanto a nos um erro de julgamento, impondo-se assim a reapreciação, não só da prova gravada na audiência realizada na 1 a instância, mas também da prova documentada nos autos referente a transcrição das declarações para memória futura, prestadas pelas ofendidas, a que de seguida se fará referência.

3°- Nestes termos, não foi provado que:

3.1. O Arguido tratava a B... reiteradamente de uma forma íntima, entre outros termos desadequados (ponto n° 8 dos factos dados como provados);

3.2. O Arguido passou a olhar de forma directa e descarada para o peito e nádegas da B..., sempre que se cruzava com ela ou estava junto dela, fazendo-o em plena sala de aulas (ponto 13° dos factos dados como provados);

3.3 Que o Arguido, durante as aulas que leccionava à turma da B..., tivesse encostado, como era seu desejo, uma das suas mãos ao corpo daquela, nomeadamente às partes íntimas e concretamente a parte interior das coxas e às suas nádegas, assim lhe tocando e apalpando-a como era seu propósito (ponto 14° dos factos dados como provados);

3.4. Que o Arguido, durante as aulas que leccionava á turma da B..., tivesse encostado, como era seu desejo, uma das suas mãos às nádegas daquela, por cima da roupa que ela trazia vestida, apalpando-as, bem assim como também encostou, pelo menos em três ocasiões distintas uma mão á parte interior das coxas daquela jovem, por cima da roupa que ela trazia vestida, acariciando-as (ponto 15° dos factos dados como provados).

3.5. Que o Arguido a tivesse convidado, pelo menos em duas ocasiões distintas, para que mantivesse relações sexuais com ele e que se fizesse acompanhar da sua colega e amiga C... ponto n° 16 dos factos dados como provados);

3.6. Que o Arguido tivesse pedido á C... que quando a B... regressasse levantassem as camisolas para fins de excitação sexual (ponto n.º 22 dos factos dados como provados;

4º- Tais factos deverão ser dados como não provados, atentas as declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas e documentadas de fls 354 a474 dos autos e do depoimento da testemunha D... (gravação 2012011151024_37004, a partir do 2° minuto e 22 segundos).

5º- Mais concretamente, as declarações para memória futura de B..., constantes de fls. 413, 422, 425, 426 e 437 não merecem a credibilidade que lhes foi atribuída pelo Colectivo de Juízes, pois são declarações que entram em contradição, em momentos diferentes, com outras declarações previamente prestadas que contrariam o depoimento, igualmente, de memória futura de C...;

6°- As declarações de B... revelam, em momentos importantes do relato dos factos, insegurança, incerteza, dúvida e falta de espontaneidade; do registo do mesmo são evidentes imprecisões, contradições, omissões e inconsistências que não só o fragilizam, mas que o descredibilizam por completo.

7°-Obtendo acolhimento, tal como se espera, as considerações precedentes, o arguido terá de ser inevitavelmente absolvido da prática do crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 171° n.º 1 do Código Penal, na pessoa da menor B... e em consequência efectuado novo cúmulo jurídico em relação às duas penas parcelares encontradas para os restantes crimes.

8°- A discordância do arguido abrange, igualmente, o erro que o Tribunal cometeu na aplicação do artigo 171 n.º 1 do Código Penal, (quem pratica acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos) ao fazer a respectiva subsunção à matéria de facto dada como provada e ao condená-lo na pena de dois anos de prisão.

9°- A questão fulcral que aqui se coloca é efectivamente saber, o que é um acto sexual de relevo. A doutrina alerta-nos desde logo para o facto de não ser possível, estabelecer em parâmetros exactos, o que se deve entender por condutas ou actos sexuais. Tem sido pois, a jurisprudência que ao longo do tempo tem vindo, mais ou menos, a delinear os limites do dito conceito.

10º- Veja-se os acórdãos da Relação de Coimbra datados de 25-01­-2012, 02-02-2011, 18-01-2009 e 09-07-2008, e bem assim os acórdãos do STJ de 07-01-2010 e 09-12-2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.onde são identificados actos sexuais de relevo, que podemos usar como bitola e de cuja leitura podemos retirar o que são verdadeiramente actos sexuais de relevo.

11º- Um determinado acto, para que possa ser qualificado como acto sexual de relevo, tem de, por um lado, ter uma relação com o sexo (relação objectiva) e em que, além disso haja por parte do seu autor a intenção de satisfazer apetites sexuais, e por outro lado constituir um entrave importante à determinação sexual da vítima.

12º- Apalpar ou encostar a mão não é considerado acto sexual e muito menos de relevo.

13º- O Tribunal, ao enquadrar a matéria de facto que deu como provada relativa à menor B..., aplicou, indevidamente, o artigo 171 n.º 1 do Código Penal, pois tal não consubstancia nenhum acto sexual de relevo, pelo que deve o Arguido ser absolvido da prática desse crime e em consequência ser efectuado novo cúmulo jurídico das penas correspondentes aos restantes dois crimes.

14º- Foi ainda ao Arguido aplicada a pena acessória de proibição do exercício da profissão de professor, ou de função ou actividade, públicas ao privadas que impliquem ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância pelo período de 10 anos, nos termos do disposto no artigo Penal.

15° - A aplicação de uma pena acessória, e concretamente a prevista no artigo 179° alínea b) do Código Penal, não pode ser feita de forma automática, pois há um conjunto de pressupostos de ordem material a comprovar, e uma ponderação sobre a necessidade da sua aplicação a fazer.

16°- Nos autos em apreço, nem a acusação alegou factos integradores dos pressupostos da previsão legal da pena acessória, limitando-se a requerer a final a sua aplicação, nem foi feita qualquer prova ou dado como provado, pelo Tribunal, qualquer facto que permita a aplicação da dita pena.

17° - O Tribunal "a quo" não só não deu como provada qualquer matéria factual que permita concluir pela necessidade e adequação da aplicação da pena acessória em causa, como se limitou a remeter para a matéria de facto e fundamentação, que efectuou para os crimes pelos quais condenou o Arguido.

18°- O Arguido não poderá pois ser condenado na pena acessória.

19º- Todavia e sem prescindir:

20°- O Tribunal ao decidir como decidiu, com o devido respeito por opinião contrária, desrespeitou e violou as disposições legais aplicáveis, bem como todos os princípios orientadores em matéria de determinação da medida da pena, abstendo-se de fazer o juízo intelectual a que está vinculado.

21º- Uma pena acessória, tal como uma pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 710 do Código Penal, ou seja em função da culpa do agente, das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

22º- Ora, o que o Tribunal fez, mais não foi do que, condenar duas vezes o arguido pelos mesmos crimes, com várias penas distintas;

23º- Há uma grave desproporção entre a concreta pena acessória e a obtida no âmbito da pena principal.

24º- Por um "deslize" na vida em 54 anos, o Arguido foi severamente punido.

25°- A severidade não é Justiça.

26º- Tendo ficado provado que, o Arguido não tem antecedentes criminais; possui o curso complementar de mecânica técnica; aos 19 anos começou a dar aulas, casou com 22 anos e tem três filhos; vive com a mulher e a filha mais nova; tem casa que comprou há 20 anos com recurso ao crédito; o Arguido passa a maioria do tempo em casa, saindo com a família com quem mantém uma relação estável e adequada; é referenciado como pessoa tímida, introvertida, correcta e educada; está inserido socialmente e que os factos não ocorreram na Escola;

27º- O Arguido não se conforma com a aplicação de uma pena acessória de 10 anos próxima do seu limite máximo, que é de 15 anos.

28°- Tal decisão compromete de forma irremediável, o seu futuro, a estabilidade emocional e económica da sua família que dele depende, e sobretudo a sua ressocialização.

29° - Esta pena acessória implica, para o Arguido a sua morte cívica e profissional.

30° - Atenta a ampla divulgação e publicidade dos factos, objecto do processo, e bem assim, a pena de prisão aplicada suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, estamos em crer que o Arguido não voltará a praticar tal tipo de factos, pelo que quando muito deverá ser aplicada uma proibição próxima do seu limite mínimo legal.

31º- Proibição esta que deverá também ser referenciada quanto a menores de 14 anos e não quanto a todos os menores.

32° - Foram violadas as seguintes disposições legais: 340°, 365°, 368° e 369° do CPP, 171° n° 1 CP, 30° n° 4 da CRP, 65° n.º 1 e 179° do CP.

Termos em que deverá obter provimento o presente recurso, sendo feita JUSTIÇA.

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência com excepção do que se refere à pena acessória que admite seja restrita a menores de 14 anos e fixada entre sete e oito anos.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com excepção do que se refere à pena acessória que deve ter duração igual à do período de suspensão da execução da pena; quatro anos e seis meses.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da decisão recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

             - FACTOS PROVADOS:

1. A... (nascido a 26/4/1957) foi, pelo menos, durante os anos lectivos de 2009/2010 e 2010/2011, professor na Escola Básica do 2º e 3º Ciclo (...), sita em (...), leccionando, entre outras matérias, K (...).

2. Além disso, e em função dos seus vastos conhecimentos no domínio da Informática o arguido foi, pelo menos durante tais anos lectivos, responsável pela gestão/manutenção do “parque informático” daquela escola, sendo que, por tal motivo, por vezes colaborava nas aulas de Informática.

3. O arguido era nessa altura titular, pelo menos, dos seguintes endereços electrónicos: A...@msn.com e A...@hotmail.com, os quais se encontravam associados ao programa de conversação instantânea Messenger e que apenas o arguido usava para aceder a tal programa, manter conversações instantâneas, ou para enviar ou receber correio electrónico, etc..

4. E... (nascida a 10/6/1993), C... (nascida a 17/6/1999) e B... (nascida a 7/4/1997) frequentaram, pelo menos naqueles períodos lectivos, o mencionado estabelecimento de ensino.

5. Aproveitando o facto de ser o responsável pela parte informática daquele estabelecimento de ensino e de sentir atracção física por aquelas três jovens, o arguido decidiu servir-se daquelas suas funções e, recorrendo ao site “hotmail”, e mais concretamente ao programa de conversação instantânea denominado “Messenger”, vulgo “msn”, criar contas/perfis e endereços electrónicos para aquelas jovens e/ou adicionar um seu endereço electrónico às contas das mesmas em tal programa, de modo a poder contactá-las frequentemente, via internet, e criar uma maior aproximação com elas, de modo a, rapidamente poder cativá-las e aliciá-las a manter consigo conversações ou troca de ficheiros de índole sexual, assim visando excitar-se e excitá-las sexualmente.

I)

6. Com efeito, pelo menos nos anos lectivos 2009/2010 e 2010/2011, o arguido foi professor de B... - pelo menos nas disciplinas de Educação Visual e Tecnológica e da área de Projecto - tendo, em data não concretamente apurada mas sita entre finais de Setembro de 2009 e 6 de Abril de 2010, criado a conta, perfil e e-mail daquela jovem no Hotmail, de modo a que esta pudesse utilizar/aceder ao programa de conversação instantânea (“Messenger”) e, assim, contactar e ser contactada via internet e enviar ou receber ficheiros instantaneamente, ou enviar e/ou receber e-mails.

7. Assim, o arguido criou para aquela jovem a conta/endereço electrónico – B...97@hotmail.com –, tendo, desde logo, ali adicionado um dos seus endereços electrónicos para que, de imediato, pudesse passar a conversar com aquela através de tal programa e remeter-lhe directamente ou via e-mail ficheiros de diverso tipo.

8. Cerca de uma semana depois de ter criado tal conta a B..., o arguido passou, reiteradamente, a tratá-la de uma forma íntima, chamando-a de “sexy, jeitosa, gata, lindinha e fofinha”, entre outros termos desadequados atendendo à idade de ambos, designadamente ao facto de B... ter, à data, 12 anos de idade e ao facto do arguido ser professor dela, tendo-lhe ainda remetido por tal programa pelo menos um dos seus números de telemóvel (mais concretamente, e pelo menos, o número 964439166).

9. Além disso, o arguido passou, desde essa altura, a enviar regularmente para B..., através da internet, diversos ficheiros (vídeos/fotos/powerpoints/etc.) de sexo explícito entre adultos, e ainda a remeter-lhe vários links para acesso a sites com conteúdos pornográficos (imagens/vídeos/slides e/ou fotos) - ou seja, nos ficheiros ou links que o arguido remetia surgiam homens e mulheres despidos a praticarem, de modo explícito, diversos actos de natureza sexual -, de modo a excitar-se sexualmente e visando que aquela também ficasse excitada.

10. Actuando desta forma, o arguido, além de outro tipo de ficheiros, remeteu, por diversas vezes, para a citada jovem diversos filmes de sexo explícito entre adultos, em número global nunca inferior a sessenta (60).

11. Após remeter alguns desses ficheiros para aquela menor, o arguido disse-lhe, via Messenger, para ela ter cuidado para que os mesmos não fossem detectados por terceiros, nomeadamente os seus familiares, sugerindo-lhe que os apagasse, os escondesse ou instalasse um programa para evitar a sua visualização por outrem.

12. Não obstante tais recomendações do arguido, a citada jovem manteve na memória do seu computador vários filmes/imagens/slides de sexo explícito entre adultos que o arguido lhe enviou, bem assim como guardou conversações que manteve com aquele via Messenger, em que o arguido a tratou da forma íntima que atrás se descreveu, e em que lhe fez os pedidos de ocultação/eliminação dos ficheiros de sexo que lhe tinha enviado, tendo tais dados sido devidamente apreendidos, copiados e juntos a estes autos.

13. Acresce que o arguido, valendo-se da proximidade que tinha com B..., por força de esta ser sua aluna e do relacionamento que com ela fortaleceu através dos contactos que com ela mantinha através da internet, em datas que não foi possível apurar com precisão, mas situadas durante o ano lectivo de 2009/2010 - ou seja entre Setembro de 2009 e Julho de 2010 - o arguido passou a olhar de forma directa e descarada para o peito e nádegas da citada jovem sempre que se cruzava com ela ou que estava junto dela, fazendo-o, inclusive, em plena sala de aulas.

14. Além disso, e ainda durante esse ano lectivo, por diversas vezes, o arguido abeirou-se de B... e, contra a vontade desta, encostou pelo menos uma das suas mãos ao corpo daquela, nomeadamente a partes íntimas da mesma, mais concretamente à parte interior das suas coxas e às suas nádegas, assim lhe tocando e apalpando-a, como era seu propósito.

15. Com efeito, o arguido naquele ano lectivo (2009/2010), e durante aulas que leccionava à turma da jovem B... no mencionado estabelecimento de ensino, abeirou-se daquela e, tal como era seu desejo, encostou uma das suas mãos às nádegas daquela, por cima da roupa que ela trazia vestida, apalpando-as, bem assim como também encostou, pelo menos em três ocasiões distintas, uma mão à parte interior das coxas daquela jovem, por cima da roupa que ela trazia vestida, acariciando-as.

16. Acresce que, em datas não concretamente apuradas mas situadas no ano lectivo 2010/2011, mais concretamente no último trimestre de 2010, o arguido contactou a jovem B... - na altura com 13 anos de idade, como o arguido bem sabia - para o telemóvel desta e convidou-a, pelo menos, em duas ocasiões distintas, para que ela mantivesse relações sexuais com ele, sugerindo numa dessas conversas que aquela se fizesse acompanhar da sua colega e amiga C..., tendo aquela jovem recusado tais convites.

II)

17. Em data não concretamente apurada do ano lectivo de 2009/2010, mas sita entre Setembro de 2009 e Abril de 2010, o arguido depois de ter logrado adicionar  pelo menos um dos seus supra citados endereços electrónicos, à conta hotmail que C... possuía – e que correspondia a C...@hotmail.com -  passou a comunicar,  por diversas vezes e em diferentes dias, com a mesma recorrendo a tal programa de conversação instantânea.

18. Além disso, o arguido passou a enviar regularmente para aquela jovem, através da internet, diversos ficheiros (imagens/slides/vídeos e/ou fotos) de sexo explícito entre adultos, bem assim como a remeter-lhe vários links para acesso a sites com conteúdos pornográficos, de igual formato/forma de apresentação - ou seja nos ficheiros ou links que o arguido remetia surgiam homens e mulheres despidos a praticarem, de modo explícito, diversos actos de natureza sexual - de modo a excitar-se sexualmente e visando que aquela também ficasse excitada.

19. Acresce que, em data não concretamente apurada do ano lectivo de 2009/2010, mas sita entre Setembro de 2009 e 6 de Abril de 2010, C... (na altura com 10 anos de idade) encontrava-se na residência da sua amiga e colega B... (com 12 anos de idade à época), sita em (...) (Rua Cândido dos Reis, lote 4 A, 3 A), sendo que esta, na ocasião, se encontrava a utilizar o seu computador portátil, tendo acedido à internet e estando com o programa de conversação “Messenger” ligado - através da sua conta B...97@hotmail.com -, o mesmo sucedendo com a respectiva “webcam”, tendo B..., com recurso a tal programa, passado a trocar mensagens instantâneas com o arguido, que, também, usava uma das suas contas de Hotmail, sendo que aquela jovem, a dada altura, disponibilizou a visualização das imagens da sua “webcam”.

20. Dessa forma, o arguido passou a visualizar aquelas duas jovens (através da “webcam”) e a encetar conversação, via computador, com as mesmas, sendo que, a dada altura, e por forma a excitar-se sexualmente, solicitou-lhes que levantassem as suas camisolas, ao que aquelas não acederam.

21. Passado pouco tempo, B... abandonou, por momentos, o seu portátil para ir à casa de banho, tendo o arguido passado a enviar mensagens instantâneas à jovem C..., a qual continuava a ver através da “webcam” daquele equipamento.

22. Nessa ocasião, o arguido voltou a insistir com o pedido anteriormente feito e disse à jovem C... para que quando a B... regressasse levantassem ambas as respectivas camisolas.

23. Porém, e face à insistência em tão inusitado pedido, a jovem C... desligou, de imediato, o programa em causa (“messenger”), terminando, assim, a conversação com o arguido e a visualização por parte deste das imagens da “webcam” associada ao portátil de B..., a qual, por força de tal reacção da sua amiga não chegou a ser confrontada com esta nova solicitação, pese embora o arguido quisesse que a mesma dela tivesse conhecimento e que elas acedessem ao seu pedido para ter maior satisfação sexual.

24. Pretendia o arguido, por forma a obter um maior prazer sexual, que aquelas duas jovens ( C... e B...) levantassem a roupa que vestiam, de modo a que, assim, ele lograsse ver os corpos delas, mais concretamente, e pelo menos, os seus peitos, de modo a satisfazer os seus instintos libidinosos, e assim agiu, convencido de que seria bem sucedido por força do facto de ser professor no estabelecimento de ensino que elas frequentavam e saber que elas eram menores e que, deste modo, teria natural ascendente sobre as mesmas e que, por tais motivos, seria fácil aproveitar-se de tal ascendente e da imaturidade e inexperiência daquelas jovens para atingir tais intentos.

III)

25. O arguido, pelo menos durante o ano lectivo de 2009/2010, colaborava nas aulas de Informática que eram dadas à turma de que fazia parte a jovem E... no supra citado estabelecimento de ensino, onde esta se encontrava matriculada e aquele leccionava, tendo-lhe ministrado algumas aulas daquela área – em coadjuvação ou em substituição da respectiva docente titular -, o que ocorreu, algumas vezes, e, pelo menos, entre Novembro de 2009 e Março de 2010.

26. Sucede que, em data não concretamente apurada, mas naquele lapso temporal (Novembro de 2009 e Março de 2010), quando E... (na altura com 16 anos de idade) se encontrava a utilizar o computador, mais concretamente o programa de conversação instantânea “Messenger”, recebeu um pedido para adicionar à sua conta – E...@hotmail.com – um dos endereços electrónico pertencente ao arguido, o qual aceitou por saber que o mesmo lhe pertencia.

27. Desde essa altura o arguido e a jovem E... passaram a trocar mensagens instantâneas com recurso a tal programa, sendo que, aquele, por diversas vezes, a tratou de uma forma íntima, chamando-a de “linda e fofinha”, entre outros termos desadequados atendendo à idade de ambos, designadamente ao facto de E... ter, à data, 16 anos de idade e ao facto do arguido ser docente no estabelecimento de ensino que aquela frequentava.

28. Sucede que, a dada altura, em data que se ignora mas situada no final do ano de 2009, o arguido perguntou à jovem E... se ela conhecia a versão “hardcore” do filme “Alice no País das Maravilhas”, ao que aquela respondeu negativamente, tendo-lhe, de seguida, o arguido enviado um link de um site da internet, ao qual aquela jovem, de imediato, acedeu, constatando que se tratava de um site com conteúdo pornográfico, onde, além de diversas imagens e alusões nítidas a sexo, se encontrava alojado um filme com aquele título, tratando-se de um filme com cenas de sexo explícito.

29. O arguido pretendia que aquela jovem acedesse a tal ficheiro e o visualizasse, de modo a obter prazer sexual e a excitar aquela jovem.

30. No dia 11 de Maio de 2011, foram efectuadas buscas, devidamente ordenadas, à residência do arguido, sita na (...), em (...), e no seu local de trabalho, tendo-lhe sido apreendidos:

a) na sua residência

- um CPU (computador de secretária), da marca “BEEP”, modelo “BEEP” e nº. de série 86900944;

-  um disco externo de armazenamento de dados, com capacidade indicada de 500 GB, de marca “WD”, com o nº. de série: WX21A3036934, acondicionado numa bolsa de marca “ELGYDIUM” e

- três pens drives; todas sem marca visível, uma prateada, outra escura e uma transparente, que se encontravam no interior de uma sua pasta pessoal;

todos estes bens pertenciam ao arguido que os utilizava em exclusivo.

b) no Agrupamento de Escolas (...), (...), sito na Rua (...):

-  um computador portátil de marca “DELL”, modelo “LATITUDE –D520”, pertencente ao estabelecimento escolar mas utilizado em exclusivo pelo arguido.

31. Na sequência dessas buscas e, também, do consentimento expresso prestado pelo arguido, foi efectuado o competente exame pericial aqueles equipamentos informáticos, no âmbito do qual se veio a constatar, entre outros aspectos relevantes, que:

- nos mesmos foram detectados inúmeros filmes/imagens pornográficos de sexo explícito entre adultos, sendo alguns deles  iguais àqueles que foram encontrados nos computadores das jovens aqui em causa, designadamente da jovem B...;

- existem vários links  nos excertos de conversação MSN/Messenger para conteúdos de filmes pornográficos e

- foi detectada informação que confirma a relação/ligação aos contactos de e-mail: B...97@hotmail.com, C...@hotmail.com e E...@hotmail.com.

32. Estes factos vieram a ser amplamente divulgados na comunicação social em Julho de 2011, e na sequência dessa revelação, viria o arguido a ser confrontado pelo Director daquele Estabelecimento de ensino sobre os mesmos, acabando o arguido por admitir que tinha mantido conversações com aquelas jovens via internet e que lhes tinha remetido links de cariz sexual, pelo que, nessa sequência, lhe foi instaurado processo disciplinar tendo-lhe, desde logo, sido aplicada uma medida de suspensão de noventa (90) dias e foi aquele notificado para entregar todo o equipamento informático da Escola que ainda tivesse em seu poder, respectivo software e palavras passe, tendo o mesmo ficado impedido de, isoladamente, aceder a todo e qualquer equipamento informático.

33. O arguido actuou em todas as situações supra descritas de modo voluntário, livre e consciente, valendo-se do facto de ser professor no estabelecimento escolar onde as três jovens aqui em causa estudavam e por ser responsável pela parte informática da respectiva escola para estabelecer um relacionamento directo com elas, adicionando o seu endereço electrónico aos endereços daquelas, de modo a poder, nomeadamente, e além de outros propósitos que tinham apenas em vista satisfazer o seu prazer sexual:

- manter, como manteve, frequentemente, conversações com aquelas três  jovens onde empregava termos íntimos, com conotação física/sexual e a remeter-lhes, como remeteu,   ficheiros (imagens/vídeos/fotos/powerpoints e/ou slides) contendo imagens de sexo explícito entre adultos e/ou links de sites de internet onde se encontravam alojados tais tipos de ficheiros - onde surgiam homens e mulheres despidos a praticarem, de modo explícito, diversos actos de natureza sexual - e, ainda, a

- solicitar-lhes, como solicitou, que exibissem o seu corpo, como fez com  C... e B....

34. O arguido sabia que todas essas condutas eram contrárias aos interesses e prejudiciais ao normal desenvolvimento daquelas três jovens, assim como se valeu do envolvimento conseguido com elas e do facto de ser professor na escola que elas frequentavam para as levar a tomar contacto com o material de teor pornográfico que lhes enviou e que sabia respeitar a sexo explícito entre adultos e, ainda, para ter contacto de natureza sexual com a jovem B..., bem assim como de tentar convencer esta a manter relacionamento de cariz sexual consigo sozinha e/ou na companhia de C....

35. O arguido actuou com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e querendo facultar às três jovens material pornográfico e, ainda, de tocar em partes íntimas do corpo de B... e/ou manter com esta e com C... contactos, escritos, falados e físicos de cariz sexual, visando obter prazer sexual e causar excitação nas mesmas, assim importunando aquelas.

36. O arguido sabia que as três jovens eram menores de idade e que, designadamente B... e C... eram, à data dos factos, menores de 14 anos de idade, bem sabendo que todas elas (as três), em razão das suas idades, não tinham a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco capacidade para entenderem a gravidade e natureza do material que lhes foi disponibilizado pelo arguido e das propostas que este lhes efectuava.

37. Sabia ainda o arguido que aquelas três jovens eram alunas no estabelecimento de ensino em que ele era professor, tendo o mesmo leccionado aulas a B... e a E..., e que, como tal, tinha relativamente a todas elas um especial dever de as formar correctamente, já que as mesmas estavam naquele estabelecimento de ensino a fim de desenvolverem correctamente os seus padrões educacionais, através da apreensão de regras e conhecimentos pedagógicos que formem convenientemente o seu global conhecimento e maneira de ser, em termos físicos e psíquicos.

38. O arguido pôs em causa o sentimento de vergonha e pudor sexual, bem como a liberdade e autodeterminação sexual das três jovens, prejudicando deste modo o livre e harmonioso desenvolvimento das suas personalidades, nomeadamente na esfera sexual.

39. Após os primeiros contactos e conversações mantidas com as jovens, o arguido convenceu-se de que estas não iriam revelar o conteúdo das mesmas, o que o motivou a continuar com a mesma conduta.

40. O arguido sabia que as suas supras descritas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal, todavia, e ainda, assim não se absteve de as levar a cabo.

- Mais se provou:

41. Não consta que o arguido tenha antecedentes criminais.

42. O arguido concluiu o curso complementar de mecanotecnia com 17 anos de idade.

43. Trabalhou como electricista durante um ano, e aos 19 anos começou a dar aulas, em (...), (...), (...), e nos últimos anos em (...).

44. Casou com 22 anos de idade, e tem 3 filhos, actualmente com 18, 27 e 29 anos de idade, sendo os 2 mais novos estudantes, e a mais velha com formação superior.

45. A mulher do arguido, com quem ainda vive, juntamente com a filha mais nova, trabalhou como empregada de balcão e auxiliar de acção médica.

46. Há cerca de 20 anos o casal comprou uma casa em (...) com recurso ao crédito bancário, onde vive.

47. O arguido auferia um salário mensal, como professor, de € 1840, recebendo desde que foi suspenso, em Julho de 2011, a quantia de € 1780 por mês, em virtude de não lhe ser pago subsídio de alimentação. A mulher aufere o salário mínimo nacional, mantendo o agregado familiar uma situação económica equilibrada.

48. O arguido passa a maioria do tempo em casa, saindo em família, com a qual mantém uma relação estável e adequada.

49. Quando os factos dos autos foram publicitados, verificou-se alguma rejeição por parte da comunidade, que foi sendo esquecida.

50. O arguido é referenciado como pessoa introvertida, correcta, educada e tímida.

51. Relativamente aos factos em causa nos autos, o arguido desculpabiliza-se, referindo uma “empatia mútua” com a menor B..., minimizando a situação de abuso sexual.

52. O arguido conta com o apoio da cônjuge e restante família, e está inserido socialmente.

            Não ficaram por provar quaisquer factos, designadamente os constantes da acusação.

- Fundamentação:

Resulta a prova dos factos dados como provados, invocados na acusação, da ponderação e conjugação crítica dos seguintes meios de prova:

Declarações prestadas pelo arguido, que confessou grande parte dos factos dados como provados, negando, porém, tê-la “apalpado”, e convidado a manter consigo relações sexuais. Porém, e conjugada esta negação do arguido com o depoimento da vítima B..., que se encontra transcrito nos autos, mas foi ainda por nós ouvido, de forma a melhor apurar a sua credibilidade, logrou esta convencer o tribunal colectivo da sua veracidade, desde logo pelo modo como depôs (sendo certo que a relação sexual poderá existir sem penetração, tendo o arguido utilizado termos e expressões comummente conotados com relações sexuais, o que foi entendido pela menor B...), e pela confirmação que mereceram as generalidade das suas declarações por parte de outras testemunhas, designadamente as duas outras vítimas – E...e C.... Por outro lado, perante os meios de prova (documental e pericial) constante dos autos, admitiu o arguido a prática dos factos indiciados por tais meios de prova, negando a prática dos factos cujo meio de prova era essencialmente testemunhal.

Os referidos depoimentos, tomados para memória futura, e as declarações do arguido foram conjugadas com a totalidade dos documentos juntos aos autos, designadamente a fls. 3 a 11, 21 a 27, 30, 31, 47, 48, 53 a 60 (e respectivo cd de onde constam parte dos ficheiros e conversações remetidas pelo arguido para a jovem B... e ainda mantidos no computador desta), 85, 86, 88, 89, 153, 154;  159, 160; 170, 171; 203; 217 a 222; 254, 255; 257 a 259; 261 a 264; 290 a 296; 314 a 318; 344, 345; 494 a 497; 503; 509 a 511; 513, 514, e todo o material apreendido e anexos constituídos, que foram individualmente analisados. Relevou ainda o exame pericial constante de fls. 320 a 338, bem como os dvd’s e cd’s que se encontram anexos aos autos.

Desta análise resultaram confirmadas as declarações prestadas pelas vítimas, nada havendo, assim, a opor à sua credibilidade – tanto mais que nem sequer deduziram pedido indemnizatório contra o arguido, não tendo assim qualquer interesse directo em alterar a veracidade dos factos com vista à obtenção de uma qualquer vantagem (podendo inclusive afirmar-se que, caso pretendessem obter uma vantagem faltando à verdade, sempre poderiam ter colocado o comportamento do arguido a um nível comummente considerado mais grave).

A restante prova testemunhal logrou, aliás, confirmar a veracidade do depoimento prestado pelas vítimas, abalando as declarações do arguido, na parte tocante aos factos cuja prática não admite:

- F...., mãe da E...e avó da C..., que referiu ter tido conhecimento dos factos relativos à sua filha E...por lhe terem sido por esta relatados, e que esta, apesar de ter desligado a comunicação com o arguido, se não apercebeu da gravidade dos factos, tendo-lhe a testemunha dito que não fosse mais a aulas onde o arguido estivesse, pedindo-lhe ainda que averiguasse se se passava alguma coisa com a C.... Afirmou ainda que a sua filha falou com a C..., e que esta tinha muita vergonha dos factos. Localizou esta conversa em data anterior a Abril de 2010.

- G.... , mãe da menor C..., e irmã da E..., que teve conhecimento dos factos através da sua mãe, afirmando que a sua filha estava muito envergonhada, tendo sido muito difícil obter informação da menor, tendo-lhe a testemunha sugerido que contasse por escrito, e a menor escrito pelo seu punho o que consta de fls. 6 – tendo posteriormente confirmado o que está aí escrito, e ainda que tudo se passou no computador da B..., que na altura era a sua melhor amiga. A testemunha viu no computador os links para cenas pornográficas, que a chocaram, e que as menores confirmaram ter visionado. Referiu ainda esta testemunha ter sido difícil convencer a B... e a mãe desta a falarem sobre o assunto, uma vez que receavam consequências ao nível da imagem social e das notas da menor na escola.

- H... , técnica de serviço social na altura destacada na (...), que recebeu um telefonema anónimo denunciando o arguido, onde identificaram a menor C..., com quem falou, tendo a menor escrito um relato do que se passara. A (...) decidiu avançar com o processo, e a testemunha ficou convencida que os restantes membros não foram surpreendidos, por terem de imediato identificado o arguido como suspeito, e por outras observações proferidas – tendo esta reunião ocorrido em Junho de 2010.

- I... , professora, que foi Presidente do Conselho Geral Transitório da Escola, e que confirmou que o arguido leccionava a disciplina de K (...). Descreveu que em determinada altura disse à turma da E...que o arguido iria ajudar numa aula de educação cívica, tendo os alunos manifestado que não queriam, e a E..., depois da aula, dito à testemunha que o arguido mandava mensagens impróprias a uma amiga, o que era do conhecimento dos colegas e motivara a reacção.

- J... , professora que confirmou ter-lhe um aluno referido que o arguido já não devia esta na escola, ignorando a razão. Confirmou ainda as declarações por si prestadas a fls. 77 e 78 dos autos, que lhe foram lidas.

- L... , psicóloga que acompanhou a E... e a B..., nada tendo acrescentado de relevante sobre os factos controvertidos.

- M... , professor que integrou a (...) durante 4 anos, tendo sido eleito depois director da escola, em 2010, declarando que apenas em Maio 2011 foi confrontado com a situação dos autos na escola, através das buscas aí realizadas, e depois pelas notícias dos jornais. Confirmou ser o arguido pessoa introvertida.

Os depoimentos destas testemunhas foram confrontados com os restantes meios de prova, designadamente documental – donde se extraiu, v.g., que o arguido não leccionava apenas K (...), mas ainda na área de projecto, tendo leccionado sozinho algumas dessas aulas, na falta do segundo professor; e o apoio que dava à escola, professores e alunos na área de informática.

As testemunhas de defesa N... e D... , ambas professoras, e que leccionam na mesma escola onde o arguido se encontra colocado, referiram nunca terem presenciado atitudes menos correctas do arguido, e ser a turma da ofendida B... problemática, tendo ainda a segunda declarado que nas aulas dadas pelo arguido se encontravam sempre dois professores, nunca ninguém tendo faltado (o que não corresponde à verdade, uma vez que a própria escola informou nos autos ter o arguido dado aulas de substituição em virtude de faltas de outros professores, o que é normal). De qualquer modo, da presença de terceiros não se pode extrair não corresponderem à verdade os contactos físicos referidos pela B..., tanto mais que são compatíveis com uma aproximação de minutos por parte do arguido à ofendida, perfeitamente normal numa sala de aula, podendo ninguém se ter apercebido do contacto.

No que toca às condições pessoais do arguido, resultam da conjugação das suas declarações com o relatório elaborado pelo IRS para determinação da sanção, junto aos autos.

*

- Direito:

Era a seguinte a redacção do art. 171º do Código Penal, à data dos factos praticados pelo arguido (versão aprovada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10):

1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

3 - Quem:

a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou

b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;

é punido com pena de prisão até três anos.

Ao arguido vem, em primeiro lugar, imputada a prática de dois crimes p. e p. pela al. b) do n.º 3. Será este o crime que desde já passamos a considerar.

A primeira questão que se nos coloca é a de saber qual o bem jurídico que a norma em causa visa proteger.

Tem sido maioritariamente aceite que o bem jurídico tutelado neste preceito é a autodeterminação sexual ([1]), conforme, aliás, intitulado na epígrafe da secção a que pertence: “crimes contra a autodeterminação sexual” ([2]).

Perante a redacção do preceito em causa, e, designadamente, pelo desaparecimento da expressão final “com o fim de o excitar sexualmente” constante do projecto inicial ([3]), o tipo legal de crime em análise é de perigo abstracto, prescindindo-se da finalidade da acção – o que não significa que se prescinda da idoneidade do acto para alcançar o objectivo de excitar ou corromper sexualmente o menor, perturbando o seu processo de formação da vontade sexual ([4]).

Exige o tipo que o agente actue sobre o/a menor.

Ora, temos como provado que o arguido, no âmbito de conversas mantidas por escrito através da internet com as menores B... e C..., e dirigindo-se às mesmas, lhes remeteu endereços electrónicos de acesso imediato (links) de conteúdo pornográfico, conforme descrito nos pontos I. e II. dos factos provados; convidou a B... a manter relações sexuais consigo, sugerindo inclusive que aquela se fizesse acompanhar da amiga e menor C...; e, no decurso de uma conversa por computador, com a câmara ligada, solicitou às menores B... e C... que levantassem as camisolas (naturalmente para ver os seus seios).

Sem dúvida que a sua actuação foi sobre as referidas menores, porque a elas o arguido se dirigiu directamente.

Por outro lado, não há qualquer dúvida em qualificar as mencionadas conversas de “obscenas”.

É certo que não será qualquer conversa que verse temas de índole sexual que caberá na norma criminal transcrita; na verdade, há conversas de natureza sexual que têm carácter educativo ou pedagógico, encontrando-se naturalmente excluídas da tutela penal: “... deverá ter-se especial atenção ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal e, por isso, revelar-se que este em nenhum caso deve intervir para reprimir factos que não lesem direitos de terceiro ou carecem de nocividade social” ([5]).

A opção legislativa foi consagrar uma “obrigação de castidade e virgindade quando estejam em causa menores” de 14 anos de idade ([6]), pese embora a «pública e maciça “sexualização” do quotidiano», não podendo o aplicador do direito desobedecer a tal comando ([7]). É que nós sabemos que actualmente é normal que os jovens iniciem a sua vida sexual antes de perfazerem os 14 anos de idade (designadamente do sexo masculino); mas também sabemos que são mais vulneráveis a influências negativas na formação da sua personalidade, sendo importante que decidam os aspectos relativos à sua sexualidade de forma espontânea, “sem influências perturbadoras ou traumatizantes”, mas interagindo quer com outras crianças, quer com adultos. Assim, o legislador entendeu que os menores de 14 anos de idade, em face da sua maior fragilidade e vulnerabilidade a agressões sexuais, porque mais imaturos, necessitam de uma protecção mais ampla do que as pessoas com idade superior ([8]).

Não será, assim, qualquer conversa “obscena” que merecerá a protecção penal, como se disse, sob pena de se obterem resultados insuportáveis para os valores sociais vigentes – v.g., uma conversa entre dois amigos com idade semelhante sobre temas sexuais (incluindo-se a masturbação).

Importa, assim, definir com a máxima clareza que “conversa obscena” (i.e, que é contrária à decência e ao pudor, que é indecorosa ou indecente - [9] -, ou, em linguagem mais corrente, com carácter pornográfico).

Concordamos com a noção dada por Figueiredo Dias: a “conversa obscena” a que a lei penal se refere tem de ter “uma natureza e uma intensidade pesada e baixamente sexuais, de tal modo que ela se revele instrumento idóneo para prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual.”. Exige-se, pois, que a conversa seja “dotada de características análogas às da pornografia” ([10]).

Vejamos a noção de pornografia: “toda a representação ou descrição de actividades sexuais, sem um contexto científico, que seja objectivamente adequada à provocação ou excitação sexual” ([11]).

No caso dos autos, poderemos afirmar com alguma segurança que as conversas, incluindo a remessa de links e powerpoints por parte do arguido, descritas nos factos provados, têm carácter pornográfico, sendo dotadas daquela idoneidade acima referida para perturbar o livre desenvolvimento sexual das duas menores em causa.

Interessa ainda considerar o contexto em que os factos ocorreram: o arguido, adulto e professor na escola frequentada pelas menores, encontrando-se só por essa razão numa posição de superioridade perante as mesmas, deu-lhes a visualizar a prática de actos de natureza sexual – acto que, objectivamente, é de elevada gravidade, porquanto se não resumiu a uma mera conversação onde são utilizadas expressões obscenas e/ou pornográficas, antes lhes deu a ver filmes com cenas de sexo explícito.

Não restam, assim, dúvidas de que os termos das conversas mantidas preenchem o conceito referido de “conversa obscena” ([12]).

Na verdade, todo o contexto e o significado da conversa mantida são idóneos a perturbar e prejudicar as menores, no que se inclui a solicitação para as menores levantarem as camisolas que traziam vestidas. Poderá a conduta do arguido, desta forma, colocar em perigo esse aspecto essencial do desenvolvimento sexual das menores.

Quanto ao elemento subjectivo, cabe em primeiro lugar referir que o tipo legal de crime em análise exige que se verifique o dolo relativamente a todos os elementos constitutivos do tipo objectivo.

E encontram-se provados os elementos do dolo, na forma de dolo directo (art. 14º, n.º 1, do Código Penal): quer no momento intelectual (conhecimento das circunstâncias descritas no tipo legal de crime, designadamente a idade das menores), como também no momento volitivo ou intencional, porquanto o arguido quis cometer o facto ilícito, de si bem conhecido, e pôs a sua realização como fim da sua conduta, sobrepondo conscientemente os próprios sentimentos e interesses ao perigo de dano dos interesses alheios que o direito penal pretende evitar, pertendendo a lesão do bem jurídico concretamente tutelado.

Cometeu, assim, o arguido os crimes previstos no art. 172º, n.º 3, al. b), do Código Penal.

                                                           *

Vem imputada ao arguido a prática dos dois crimes acabados de analisar na forma continuada. Ora, já no despacho acusatório, a final, se mencionara o seguinte: “importa salientar que não foi possível apurar com precisão as datas em que ocorreram as conversações/contactos de natureza sexual de que terão sido vítimas as jovens aqui em causa, pese embora se tenha logrado determinar o lapso temporal em que tais factos ocorreram.

            O certo é que as condutas que se mostram indiciadas foram praticadas pelo arguido, aproveitando a inexperiência e a idade das jovens e o facto de o arguido ser professor na escola que elas frequentavam e ser o responsável pela área da informática, área de que se serviu para a prática da maior parte dos factos aqui em apreço, o que configuraria a possibilidade da prática dos crimes aqui em causa de forma continuada.

Ora, é a seguinte a actual redacção do artº. 30º do C.Penal, que versa sobre o crime continuado:

“1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.” – redacção conferida pela Lei nº. 40/2010, de 3/9.

            Sucede que, os factos aqui em causa ocorreram em datas não concretamente apuradas mas situadas entre Setembro de 2009 e Julho de 2010, altura em que vigorava outra redacção e que era a seguinte:

“1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima– redacção dada pelo lei nº. 59/2007, de 4.9.

Ora, por se tratar de redacção mais favorável ao arguido, seguiremos, também por tal motivo, esta redacção na imputação efectuada às suas condutas.”

Na verdade, a lei em vigor à data dos factos permitia a imputação de um crime continuado ao agente em crimes contra bens eminentemente pessoais, caso houvesse identidade de vítimas. No caso dos autos, temos duas vítimas distintas, e condutas criminosas plúrimas relativamente a cada uma delas.

Ora, encontra-se provado que o arguido, após os primeiros contactos com as vítimas, convenceu-se que estas não iriam revelar o conteúdo das mesmas, o que o motivou a continuar a mesma conduta. Poder-se-á, assim, afirmar que foi após o sucesso da primeira actuação, após a primeira resolução criminosa, que o arguido decidiu continuar aquele tipo de actuação, decidindo actuar novamente de forma ilícita, e assim sucessivamente, tendo assim renovado de cada vez a resolução inicial (em número superior a 60, conforme consta dos factos provados).

A conduta do arguido, nas conversas em causa nos autos, integra-se numa linha sequencial facilitada, e pré-determinada, perante o facto externo que lhes facilitou a sua conduta, e o êxito que logrou obter com a conduta criminosa anterior, uma vez que não foi descoberto, facto que constitui o momento exógeno limitador da culpa do agente, que foi cada vez menor em cada uma das renovadas resoluções criminosas, tornando cada vez menos exigível comportamento diverso.

Conclui-se, assim, que este quadro diminuiu a culpa do arguido, encontrando-se reunidos todos os pressupostos para que se possa afirmar existir, no caso dos autos, uma conduta integrada numa continuação criminosa, quanto a cada uma das mencionadas menores.

Em suma, o arguido incorreu na prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, previstos e punidos pelos artigos 191º, n.º 3, al. b), e 30º, n.º 2, do Código Penal.

                                                           *

Vem depois o arguido acusado da prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 191º, n.º 1, do Código Penal.

Dispõe o art. 171º, n.º 1, do Código Penal que “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.

O bem jurídico protegido através da norma transcrita é a autodeterminação sexual, sendo que, face à idade da vítima, a prática destes crimes pode ter consequências graves no desenvolvimento da sua personalidade.

Ora, acto sexual de relevo é “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica” (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, pág. 447).

Consta dos factos provados que o arguido se aproximou da menor B..., durante as aulas que leccionava à turma que esta integrava, e por diversas vezes encostou pelo menos uma das mãos à parte interior das coxas e às suas nádegas, tocando-a e apalpando-a. A menor tinha à data 12/13 anos de idade, o que era do conhecimento do arguido.

Perante a noção acima referida, não há dúvida de que os actos praticados pelo arguido sobre a menor B... são qualificáveis como actos sexuais de relevo. De referir ainda que, conforme consta da factualidade provada, com a prática de tais actos o arguido teve a intenção de satisfazer a sua excitação sexual, ou o seu instinto libidinoso (para alguns, elemento integrante da noção de acto sexual de relevo).

Finalmente, encontra-se provado o elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa, incluindo o conhecimento, por parte do arguido, da idade da vítima.

Vale também aqui o que acima se referiu quanto ao crime continuado.

Conclui-se ter o arguido cometido um crime de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 171º, n.º 1, e 30º, n.º 2, do Código penal.

                                                           *

Finalmente, encontra-se o arguido acusado da prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 172º, n.º 2, 171º, n.º 3, al. b), e 30º do Código Penal.

À data dos factos, o n.º 1 do art. 172º estabelecia que “Quem praticar ou levar a praticar acto descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência, é punido com pena de prisão de um a oito anos”. O n.º 2 acrescenta que “Quem praticar acto descrito nas alíneas do n.º 3 do artigo anterior relativamente a menor compreendido no número anterior deste artigo e nas condições aí descritas, é punido com pena de prisão até um ano”.

Ou seja, para que a conduta do agente seja punida ao abrigo desta norma exige-se que a educação ou assistência do menor entre 14 e 18 anos de idade lhe tenha sido confiada – constituindo um elemento objectivo do tipo de ilícito em questão. Na verdade, a punição como crime contra a autodeterminação sexual de condutas praticadas sobre menor entre 14 e 18 anos de idade, e portanto já com alguma maturidade, advém da especial relação de dependência do menor relativamente ao agente, justificando assim uma especial protecção do menor.

Assim, o agente tem de ter uma especial qualidade, não bastando que seja um mero educador do menor, ou pessoa que ajude na sua educação; exige-se que o menor tenha sido entregue ao agente para educação ou assistência por força de lei (pais, no exercício do poder paternal), decisão judicial (tutor, adoptante, terceira pessoa a que caiba o exercício das responsabilidades parentais), ou ainda um terceiro que tenha sido encarregue da educação ou assistência do menor, por confiança de facto, na ausência dos pais ([13]).

Resulta dos factos provados que o arguido ministrou algumas aulas à menor E..., de 16 anos de idade, sendo docente no estabelecimento de ensino que esta frequentava; e que manteve com ela pelo menos uma conversa pela internet na qual lhe remeteu um link de um filme pornográfico.

Ora, pese embora a conduta do arguido preencha, objectivamente, a al. b) do n.º 3 do art. 171º do Código Penal, não podemos considerar, face ao acima expendido, preenchido o requisito exigido pelo n.º 1 do art. 172º para que aquela conduta (censurável) do arguido seja punida como crime.

Será, pois, o arguido absolvido da prática deste crime.

                                                           *

- Da medida da pena:     

Nos termos do disposto nos arts. 171º, n.º 3, e 41º, n.º 1, do Código Penal, a pena abstracta aplicável a cada um dos dois crimes cometidos pelo arguido situa-se entre 1 mês e 3 anos de prisão.

O crime previsto no art. 171º, n.º 1, do mesmo diploma é punível, por sua vez, com pena de prisão entre 1 e 8 anos.

Passemos agora à determinação das penas concretas a aplicar ao arguido.

Na operação de determinação da medida da pena, teremos em consideração o seguinte: a culpa constituirá o limite máximo da pena, a qual será determinada tendo em conta considerações extraídas da prevenção especial, dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite mínimo é constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida de tutela dos bens jurídicos ([14]) – arts. 40º e 71º do Código Penal.

Tendo presentes os critérios base constantes do ar­tigo 71º, n.º 1, do Código Penal, que são a culpa do agente e a necessidade de prevenção de futuros crimes, e bem viva a ideia de que se trata de um dos campos em que a prevenção geral terá ne­cessariamente de operar, atenta a cifra negra que este tipo de crime apresentam a nível nacional, importa considerar pormenorizadamente as circunstâncias relevantes no âmbito do n.º 2 deste artigo, designadamente:

· A elevada ilicitude dos factos praticados pelo arguido, nomeadamente nos crimes cometidos através de conversas, o modo de execução do crime, através da internet e pelo sistema de conversação instantânea, remetendo links que ultrapassam o obsceno, tratando-se já de pornografia explícita;

· O elevadíssimo grau de violação dos deveres impostos ao arguido, uma vez que é professor, leccionava na escola frequentada pelas menores, dava-lhes aulas, cabendo-lhe assim, como educador, zelar e participar na sã e boa formação das menores, deveres também profissionais que de forma grosseira violou;

· Ter actuado na forma mais grave de culpa, o dolo directo, e a persistência, ao longo do tempo, da actuação criminosa, que se prolongou, designadamente no que concerne à menor B..., por um longo período de tempo;

· O número de vezes que o arguido praticou os crimes, não determinado, mas, no que toca à B..., pelo menos 60 vezes;

·  O facto de o arguido ter duas filhas, devendo também por isso ter conhecimento dos efeitos nefastos da sua conduta nas menores;

· Extraindo-se da globalidade dos factos, e da postura do arguido – pouco crítico em relação à gravidade dos actos por si praticados – existir sério risco de voltar a praticar actos semelhantes aos dos autos;

· Encontrar-se o arguido social e familiarmente inserido;

· A ausência de antecedentes criminais.

Sendo certo que  se reconhece, actualmente, o primado de um direito penal da culpa, de harmonia com o qual se há-de tomar em consideração, primordial­mente, o maior ou menor juízo de censura sobre a personalidade do agente, de algum modo revelada no facto, sem esquecer, por outro lado, que os crimes sexuais constituem uma área particularmente sensível, carecendo, por tal motivo, de ponderação especial ao nível da  prevenção – designadamente quando praticados em meio escolar, o que é causador de um alarme social acrescido (tendo o caso dos autos, aliás, sido amplamente divulgado pela comunicação social por essa razão), afiguram-se-nos razoáveis, justas e equitativas, por ajus­tadas à conduta do arguido, as seguintes penas concretas:

· 2 (dois) anos de prisão, para o crime de abuso sexual praticado por meio de conversa sobre a B...;

· 1 ano e 4 meses de prisão, para o crime de abuso sexual praticado sobre a menor C...; e

· 2 anos de prisão, para o crime de abuso sexual p. e p. pelo n.º 1 do art. 171º, praticado na menor B....

*

Nos termos do art. 77º,n.º 1, do Código Penal, cabe efectuar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido.

Tendo em consideração a globalidade dos factos praticados pelo arguido, o longo período (tendo em conta a especificidade dos crimes aqui em causa) em que o arguido repetidamente renovou a sua resolução criminosa, a elevadíssima ilicitude da sua conduta, e a personalidade do arguido, pessoa introvertida, tímida, e que passa muito tempo em casa, encontrando-se no entanto bem inserido, e não tendo antecedentes criminais, julga-se adequada a fixação da pena única em 4 anos e 6 meses de prisão.

- Pena acessória:

Vem requerida a aplicação ao arguido da pena acessória prevista no art. 179º, al. b), do Código Penal, que dispõe o seguinte: “Quem for condenado por crime previsto nos artigos 163º a 176º pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser: b) proibido do exercício de profissão, função ou actividade que impliquem ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, por um período de dois a quinze anos

Como se viu, os factos foram praticados pelo arguido relativamente a alunas do estabelecimento onde  lecciona, aproveitando-se dessa sua função e ascendente sobre as menores, pelo que o exercício da actividade docente potencia esses comportamentos desviantes do arguido. Por outro lado, da sua personalidade não se pode retirar que o arguido tenha interiorizado o desvalor da totalidade das suas condutas, e, perante a sua desculpabilização dos factos criminosos objectivamente muito graves praticados sobre a menor B... (tendo o arguido, em julgamento, chegado a afirmar que a criança de 12/13 anos de idade se vestia e andava de forma diferente, ou seja, provocadora), não oferece qualquer garantia de que não volte a praticar factos semelhantes aos em causa nos autos.

Não tendo o arguido interiorizado o desvalor das suas condutas, e existindo risco objectivo de voltar a delinquir, a aplicação da pena acessória requerida será o modo mais seguro de afastar o arguido do cometimento de futuros ilícitos sexuais contra menores – impondo-se, assim, o seu afastamento do exercício da actividade docente.

Assim sendo, será aplicada a medida de proibição do exercício de profissão, função ou actividade que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância, nos termos do artº. 179º, al. b), do C.Penal, por um período que, por razoável, se fixa em 10 anos.

                                                           *

Dispõe o n.º 1 do art. 50º do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Já acima se referiu que não bastará a simples censura e a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão aplicada para afastar o arguido do tipo de condutas desviantes criminosas descritas nos autos. Porém, conjugando a pena de prisão aplicada com a pena acessória – assumindo esta uma importância vital para a aplicação do instituto agora em análise -, entendemos que o cumprimento desta última, e um acompanhamento do arguido durante o período correspondente à pena de prisão aplicada, serão suficientes para cumprir as finalidades da punição.

Por estas razões, suspender-se-á a execução da pena de prisão aplicada, com sujeição a regime de prova – arts. 50º, n.ºs 1 e 5, e 53º, n.º 3, do Código Penal.


***

            III. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso. E vistas essas conclusões, as questões a apreciar são as seguintes:

- Se ocorre o apontado erro de julgamento da matéria de facto, devendo o arguido ser absolvido do imputado crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal;

- Na improcedência da questão anterior; se a factualidade constante dos pontos 14 e 15 dos factos provados não integra a prática de um crime de abuso sexual de criança previsto no artigo 171º, nº 1 do Código Penal;

- Se não deve ser aplicada pena acessória por falta de verificação dos respectivos pressupostos;

- Na improcedência da questão anterior, se a pena acessória deve ser reduzida e fixada próxima do limite mínimo legal.

Apreciando:

Alega o recorrente que ocorre erro de julgamento da matéria de facto no que respeita aos factos dados como provados nos pontos 8, 13, 14, 15, 16 e 22 da decisão recorrida, devendo os mesmos ser dados como não provados com a consequente absolvição do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal.

No seu entendimento as declarações prestadas pelas menores ofendidas não merecem a credibilidade que lhes foi atribuída e nomeadamente o depoimento da menor B... que entram em contradição e contrariam as da menor C... e revelam insegurança, incerteza, dúvida, falta de espontaneidade, imprecisão, omissões e inconsistências, acrescendo o depoimento de D... professora em dupla docência com o arguido que declarou nunca ter presenciado as situações em causa.    

Vejamos. Nas situações de abuso sexual de crianças a prova reveste-se naturalmente de alguma dificuldade. É sempre a questão da credibilidade do depoimento da vítima (única prova directa) que é contestada, buscando-se nele incongruências, falta de rigor, inverdades.

A própria idade e o tema sobre que incide o depoimento é gerador de um diálogo nem sempre espontâneo e escorreito, sendo difícil a quem interroga não usar de alguma sugestão perante a tendência de quem declara de relatar o menos possível de se esconder nos sentimentos de pudor e vergonha.

Os estudos científicos dizem-nos que é normal a vítima revelar grandes inibições e dificuldades em relatar os factos, quer pelo esforço que faz ao longo do tempo para arredar da memória os abusos, quer pelas reacções emocionais que a sua memória lhe provoca, quer pelo prejuízo que dos mesmos resulta para a sua auto-imagem.

Estas condicionantes contribuem para que as referidas declarações para memória futura contenham as imprecisões, contradições, omissões e inconsistências apontadas pelo arguido. Seria até estranho que as não contivessem. É certo que as imprecisões, contradições, omissões e inconsistências podem fragilizar o valor indiciário dos depoimentos, mas devem ser compreendidas em função das contingências apontadas e avaliadas a final em confronto com outros meios de prova complementares.

Ouvido o depoimento da menor B... verificamos que num primeiro momento e em relação a todos os episódios em causa (também em relação aqueles em que existe prova documental e que o arguido veio a confessar) relata deles o menos possível desenvolvendo apenas o diálogo após insistências de quem procede à inquirição. Esse é o fio condutor de todo o depoimento, apesar de uma aparente facilidade em falar.

Relata, no entanto, a forma como o arguido se lhe dirigia através do Messenger, após insistências, como do mesmo modo vai explicando o contacto pelo telemóvel e porque entendeu que era uma proposta de natureza sexual quando o convite era para sair e "comer morangos com chantilly" referindo que o arguido mencionou o que ela podia fazer sem penetração, como ainda que nos contactos no Messenger a determinada altura o arguido disse para levantarem as camisolas.

Nos episódios dos contactos físicos é verdade que num primeiro momento do depoimento, sempre se notando a tendência de contar o menos possível, a menor apenas se referiu a um "apalpão no rabo" e nesse primeiro momento não ocorreu insistência que provocasse maior relato. Mas posteriormente, tendo-se voltado a referir esse tipo de episódio, a menor veio a relatar que também algumas vezes na sala de aula o arguido se aproximou dela e lhe apalpou o interior das coxas. Como igualmente confirmou a menor que o arguido a olhava no peito e nas nádegas e que os colegas lhe chamavam a atenção para isso.

Ou seja, o teor do depoimento consente a convicção alcançada pelo tribunal a quo e relativamente aos episódios dos contactos físicos que necessariamente terão sido breves não se encontra a impossibilidade de terem ocorrido na sala de aulas, posto que mesmo nesse local é perfeitamente possível, dependendo da posição, fazê-lo de forma dissimulada.

O depoimento da menor C... em certo sentido é mais linear porque começando por referir que não se lembrava de nada, uma vez confrontada com teor de conversação que teve com o arguido no Messenger transcrita e nos autos, acabou por relatar o episódio em que o arguido lhe disse para tirar a camisola, não se vislumbrando contradição com o declarado pela menor B....

O declarado pela testemunha D... não é susceptível de abalar o declarado pela menor B.... Ainda que estivesse estado presente em todas as aulas dadas pelo arguido sempre seria possível que não se apercebesse do sucedido (a não ser que o arguido pretendesse ser visto o que não parece coadunar-se com o que as regras da experiência ditam nestes casos).  

E, além da audição a que se procedeu, o outro passo decisivo para aferir da razoabilidade da convicção a que chegou o Tribunal recorrido é a motivação que este expressou porque, como é sabido, não se trata de realizar em recurso um novo julgamento dos factos, mas de encontrar eventuais erros por ocorrer desconformidade entre a motivação expressa e a prova produzida ou interpretação dessa prova que contraria as regras da experiência.

E que fez constar o Tribunal recorrido:

 Resulta a prova dos factos dados como provados, invocados na acusação, da ponderação e conjugação crítica dos seguintes meios de prova:

Declarações prestadas pelo arguido, que confessou grande parte dos factos dados como provados, negando, porém, tê-la “apalpado”, e convidado a manter consigo relações sexuais. Porém, e conjugada esta negação do arguido com o depoimento da vítima B..., que se encontra transcrito nos autos, mas foi ainda por nós ouvido, de forma a melhor apurar a sua credibilidade, logrou esta convencer o tribunal colectivo da sua veracidade, desde logo pelo modo como depôs (sendo certo que a relação sexual poderá existir sem penetração, tendo o arguido utilizado termos e expressões comummente conotados com relações sexuais, o que foi entendido pela menor B...), e pela confirmação que mereceram as generalidade das suas declarações por parte de outras testemunhas, designadamente as duas outras vítimas – E... e C.... Por outro lado, perante os meios de prova (documental e pericial) constante dos autos, admitiu o arguido a prática dos factos indiciados por tais meios de prova, negando a prática dos factos cujo meio de prova era essencialmente testemunhal.

Os referidos depoimentos, tomados para memória futura, e as declarações do arguido foram conjugadas com a totalidade dos documentos juntos aos autos (…) onde constam parte dos ficheiros e conversações remetidas pelo arguido para a jovem B... e ainda mantidos no computador desta) (…) e todo o material apreendido e anexos constituídos, que foram individualmente analisados. (…)

Desta análise resultaram confirmadas as declarações prestadas pelas vítimas, nada havendo, assim, a opor à sua credibilidade – tanto mais que nem sequer deduziram pedido indemnizatório contra o arguido, não tendo assim qualquer interesse directo em alterar a veracidade dos factos com vista à obtenção de uma qualquer vantagem (podendo inclusive afirmar-se que, caso pretendessem obter uma vantagem faltando à verdade, sempre poderiam ter colocado o comportamento do arguido a um nível comummente considerado mais grave)

(…)

As testemunhas de defesa N... e D..., ambas professoras, e que leccionam na mesma escola onde o arguido se encontra colocado, referiram nunca terem presenciado atitudes menos correctas do arguido (…) tendo ainda a segunda declarado que nas aulas dadas pelo arguido se encontravam sempre dois professores, nunca ninguém tendo faltado (o que não corresponde à verdade, uma vez que a própria escola informou nos autos ter o arguido dado aulas de substituição em virtude de faltas de outros professores, o que é normal). De qualquer modo, da presença de terceiros não se pode extrair não corresponderem à verdade os contactos físicos referidos pela B..., tanto mais que são compatíveis com uma aproximação de minutos por parte do arguido à ofendida, perfeitamente normal numa sala de aula, podendo ninguém se ter apercebido do contacto.

O que se pode, pois constatar, é que a convicção alcançada pelo Tribunal a quo tem apoio nos meios de prova produzidos, não existem razões sustentáveis para descredibilizar os depoimentos das ofendidas e a prova produzida foi avaliada de forma crítica na decisão recorrida sem que se tenha afastado das regras da experiência e portanto dentro dos poderes de livre convicção que lhe são conferidos pelo artigo 127º do Código de Processo Penal, sendo certo que ainda teve a imediação de parte da prova e nomeadamente das declarações prestadas pelo arguido.

Não reconhecemos em consonância com o exposto o invocado erro de julgamento da matéria de facto e como a sentença recorrida também não padece de qualquer dos vícios a que se refere o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, não alegados, mas do conhecimento oficioso, deve ter-se por definitivamente fixada a decisão de facto.

O arguido em razão dos factos objectivos descritos nos pontos 14 e 15 da factualidade provada (acto de apalpar as nádegas e a parte interior das coxas da menor B...) foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal.

Pretendia em primeiro lugar a absolvição por falta de prova dos respectivos factos no que não obtém provimento.

Mas sustenta no recurso que esses actos não podem qualificar-se como actos sexuais de relevo, não sendo susceptíveis de integrar a prática do imputado crime, devendo ser absolvido. Convoca em favor da sua tese diversa jurisprudência embora não definindo em que termos extrai da mesma apoio para a sua tese.

O artigo 171º do Código Penal dispõe o seguinte: 

1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

3 - Quem:

a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou

b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;

é punido com pena de prisão até três anos.”

Consta dos factos provados do acórdão recorrido que o arguido se aproximou da menor B..., durante as aulas que leccionava à turma que esta integrava, e por diversas vezes encostou pelo menos uma das mãos à parte interior das coxas e às suas nádegas, tocando-a e apalpando-a. A menor tinha à data 12/13 anos de idade, o que era do conhecimento do arguido.

O acórdão recorrido cita Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 447 para definir acto sexual de relevo como “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica”.

Sénio Alves, em “Crimes Sexuais”, pág. 8 e segs. a propósito do que seja acto sexual de relevo refere o seguinte: “O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (…) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais). São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual”, pelo que “o acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas”.

Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal em anotação ao artigo 163º, concretizando o que seja acto sexual de relevo, nele integra o toque com partes do corpo nos seios, nádegas, coxas e boca.

Na jurisprudência pode colher-se uma certa uniformidade (cfr. nomeadamente os acórdãos do TRC de 5.3.2000, 27.6.2007, 9.7.2008, 2.2.2011 e do TRP de 26.11.2003, 27.1.2012 e 28.11.2012) de acordo com os ensinamentos da doutrina, que será acto sexual de relvo todo aquele que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, como é manifestamente o caso de acariciar/apalpar nádegas e parte interior das coxas, actos preliminares do acto sexual final que conduz ao orgasmo.

Ainda se diga que mesmo que assim não fora sempre a conduta do arguido seria criminalmente punível nos termos do artigo 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal que prevê o crime de importunação sexual que abrange actos sexuais que não sejam de relevo, como sejam toques no corpo da vítima de natureza sexual mas não de relevo; em partes do corpo não directamente relacionadas com o sexo, mas que tenham tido motivação de natureza sexual.

Pelo exposto se conclui que a factualidade provada e contestada pelo recorrente integra a prática do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo 171º, nº 1 do Código Penal por que foi condenado no acórdão recorrido, importando manter a condenação nesses termos.

O recorrente pugna no sentido de não lhe ser aplicada pena acessória de proibição do exercício de profissão de professor porque no seu entender não se verificam os pressupostos de ordem material que a justificam (não foi feita qualquer alegação ou prova nesse sentido) e o tribunal limitou-se a remeter para os crimes pelos quais o arguido foi condenado.

Não enuncia o recorrente quais sejam esses requisitos de ordem material que não se provaram e não foram alegados.

A pena acessória em causa vem prevista no artigo 179º do Código Penal que é do seguinte teor:

"Quem for condenado por crime previsto nos artigos 163º a 176 pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente:

a) …

b) Proibido do exercício de profissão, função ou actividade que implique, ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância.

São pois requisitos da aplicação da sanção em causa o cometimento de um dos crimes mencionados (o que se encontra provado), a sua conexão com a função exercida (o que se encontra provado) e que o exercício da profissão implique nomeadamente ter menores sob a sua educação (o que igualmente se encontra provado).

Finalmente a aplicação da pena acessória depende da gravidade do facto cometido.

E sobre a verificação dos enunciados pressupostos e da necessidade da aplicação da pena acess´ria discorreu o Tribunal a quo que :

(…) os factos foram praticados pelo arguido relativamente a alunas do estabelecimento onde  lecciona, aproveitando-se dessa sua função e ascendente sobre as menores, pelo que o exercício da actividade docente potencia esses comportamentos desviantes do arguido. Por outro lado, da sua personalidade não se pode retirar que o arguido tenha interiorizado o desvalor da totalidade das suas condutas, e, perante a sua desculpabilização dos factos criminosos objectivamente muito graves praticados sobre a menor B... (tendo o arguido, em julgamento, chegado a afirmar que a criança de 12/13 anos de idade se vestia e andava de forma diferente, ou seja, provocadora), não oferece qualquer garantia de que não volte a praticar factos semelhantes aos em causa nos autos.

Não tendo o arguido interiorizado o desvalor das suas condutas, e existindo risco objectivo de voltar a delinquir, a aplicação da pena acessória requerida será o modo mais seguro de afastar o arguido do cometimento de futuros ilícitos sexuais contra menores – impondo-se, assim, o seu afastamento do exercício da actividade docente."

Devemos ainda realçar que os factos em causa nos autos se prolongaram no tempo e ocorreram em contexto escolar de relacionamento aluno/professor. A escola e a relação aluno professor, logo seguida do espaço familiar e da relação com os familiares próximos, deve constituir um reduto de segurança onde os menores possam desenvolver livremente a sua personalidade. Os tipos penais, como os presentes, pretendem preservar as condições básicas para que no futuro as crianças e os jovens possam alcançar um desenvolvimento livre da sua personalidade do ponto de vista sexual e não tanto, como em relação aos adultos, a sua liberdade de determinação sexual. O que se pressupõe é que o menor não está ainda em condições de se determinar livremente nessa matéria – dai que eventual consentimento seja irrelevante.

Sendo a escola e a relação aluno/professor um local por excelência de formação, qualquer atentado contra a o livre desenvolvimento dos menores nesse contexto adquire particular gravidade e não se pode equiparar a idênticas acções empreendidas noutro fora dessas circunstâncias e, aliás, o próprio contexto escolar e relação aluno/professor foi precisamente utilizado pelo arguido para continuar os seus desígnios de eleger a aluna B... como objecto de desejo, adquirindo por essa via a sua actuação maior lesividade porque a ofendida nesse situação não podia facilmente "escapar a tais investidas". Ora este circunstancialismo que confere gravidade aos actos praticados tem como reverso que as necessidades de prevenção geral sejam acentuadas, como o sejam ainda mais as de prevenção especial.

  Encontra-se, por consequência, plenamente justificada a aplicação da questionada pena acessória.          

Insurge-se o recorrente contra a fixação da pena acessória de proibição do exercício da profissão de professor, ou de função ou actividade, públicas ou privadas, que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância pelo período de 10 anos que considera excessivo e em grave desproporção com a pena principal.

Considerando que a referida pena acessória nos termos do artigo 179º do Código Penal deve ser fixada entre dois e quinze anos e que no seu doseamento também deve ser atendido o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, tal como em relação à pena principal, embora sejam razões de prevenção especial que em particular devem ser ponderadas, cremos que a concreta gravidade dos crimes não justifica aproximação tão sensível do limite máximo legalmente previsto, entendendo-se como mais ajustada às circunstâncias do caso devidamente salientadas no acórdão recorrido a pena acessória de seis anos.

Também é pretensão do recorrente que a proibição fique restrita a menores de 14 anos de idade. Tal pretensão não é, porém, objecto de contemplação legal que se refere exclusivamente a menores, sem menção de idade e, portanto, não pode merecer acolhimento.

É que as penas obedecem ao princípio da legalidade devendo entender-se que o seu conteúdo se restringe à estrita previsão legal escrita.                                                                                                                                                                                                     


***

IV. Decisão

Nestes termos acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto e, em consequência revogar o acórdão recorrido na parte em que fixou a pena acessória aplicada em dez anos, fixando-a em seis anos.

No mais mantém-se integralmente o acórdão recorrido.

Não há lugar a tributação em razão do recurso interposto (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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(Maria Pilar Pereira de Oliveira - Relatora)
 (José Eduardo Fernandes Martins)


[1] - Jorge Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, pág. 541; Mouraz Lopes, “Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal”, pág. 87, entre outros; e, na jurisprudência, o recentíssimo Acórdão da Relação de Coimbra de 5.7.2006, in www.dgsi.pt.
[2] - Trata-se aqui de uma opção legislativa, sendo certo que entendemos de todo pertinentes as críticas e o entendimento defendido por Inês Ferreira Leite, in “Pedofilia – Repercussões das Novas Formas de Criminalidade na Teoria Geral da Infracção”, Almedina, 2004, de que o bem jurídico em causa nesta norma é a liberdade sexual, de que menores de 14 anos já gozam, sob pena de se estar a impor uma verdadeira abstinência sexual. O que implica alterações substanciais quanto ao modo como se há-de construir, na prática, o ilícito típico em causa, conforme a Autora bem explicita.
[3] - Cf. Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, 1993, págs. 260-262.
[4] - Figueiredo Dias, “Comentário...”, pág. 544, e Inês Ferreira Leite, ob. cit., pág. 35..
[5] - Mouraz Lopes, ob. cit., pág. 88; veja-se ainda Figueiredo Dias, ob. e local cit. na nota anterior.
[6] - “Actas...”, pág. 261.
[7] - Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 542.
[8] - Inês Ferreira Leite, ob. cit., págs. 35 e 39.
[9] - Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, 2004, págs. 1187 e 472.
[10] - Ob. cit. pág. 544-545.
[11] - Inês Ferreira Leite, ob. cit, pág. 54.
[12] - Vejam-se as pertinentes considerações de Inês Ferreira Leite, ob. cit. págs. 40 a 42.
[13] - Cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, cit., pág. 556.
[14] - Figueiredo Dias, “Direito Penal 2. Parte Geral.”, Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p.279 e ss..