Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/21.1T8TND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
RECURSO DO DESPACHO QUE INDEFERE A INTERVENÇÃO
LIMITES MATERIAIS DA PROPRIEDADE DOS IMÓVEIS
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: SUNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 644.º, N.º 1, DO CPC, E ARTIGO 1344.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Tendo o pedido de intervenção de terceiros sido indeferido no despacho saneador, cabia ao requerente recorrer da decisão, sob pena de a mesma transitar em julgado.

II – As obras de revestimento e acabamento da parede de um prédio que se prolongaram 7 centímetros, em toda a largura e altura dessa parede, para um prédio vizinho violam o direito de propriedade sobre este prédio.

III - Há interesse objectivo e atendível, não havendo abuso de direito da parte do proprietário do prédio vizinho quando este demanda o réu e peticiona a remoção daquele revestimento e acabamento final.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1)-

AA e mulher BB

..., casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes na Avenida ..., em ..., instauraram em 3 de Maio de 2021 acção declarativa de condenação com processo comum demandando o CONDOMÍNIO do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., em ..., representado pelo seu administrador denominado por ATUA CONDOMÍNIOS, com sede na Rua ..., n° 30, 1 ° Andar, A/C, em ....

Alegam factos e razões de direito.

Terminam por pedir que a final

- o Réu seja condenado a reconhecer e a ver declarado que os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1º, por o haver adquirido por compra e até por usucapião, que expressamente invocam, nos termos referidos nos artigos 1° a 6° da PI;

- o Réu seja condenado a reconhecer e a ver declarado que a estrema poente do prédio descrito no artigo 7° da PI e, ainda, parte da estrema norte deste mesmo prédio, com a estrema nascente do prédio dos AA., descrito no artigo 1 ° da PI e, ainda, com parte da estrema sul deste mesmo prédio é constituída há mais de 20, 30 anos, pelas faces externas das paredes poente e parte da parede norte do prédio descrito no artigo 7°, paredes essas que são de alvenaria, com um reboco com acabamento a areada, de cerca de 1,5 cms e, ainda, pintadas, o que tudo sucedia até há cerca de 4 meses a esta parte até aos indicados limites poente e parte do limite norte, constituídos pelas indicadas faces externas dessas paredes de alvenaria, reboco de argamassa de cimento e pintura, tudo como referido nos artigos 9º e 10° da PI;

- o Réu seja condenado a remover da parede poente do prédio descrito no artigo 7° e, ainda, da parede norte deste mesmo prédio, aquela que se encontra virada para a indicada parede poente, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da douta sentença que vier a ser proferida nos presentes autos todo isolamento térmico de exterior (ETICS) recentemente por si colocado e aplicado sobre as superfícies de tais paredes, que se encontra a ocupar o espaço aéreo do indicado prédio dos AA., em cerca de 7 cm de espessura em toda a largura daquelas paredes e em toda a restante altura dessas mesmas paredes do prédio descrito no artigo 7°, a contar da cobertura do indicado prédio dos AA., tudo como melhor consta alegado nos artigos 15° a 17° da PI, respeitando assim a linha de estrema referida no pedido;

- o Réu seja condenado a executar no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da douta sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, as obras e trabalhos necessários à substituição do gradeamento colocado nas 3 janelas do 1°, 2° e 3º andar, abertas na parede poente do prédio descrito no artigo 7°, em total observância do gradeamento exigido naquele citado dispositivo legal, tudo como melhor alegado nos artigos 25° e 26°.

- o Réu seja condenado ainda a pagar aos AA. uma quantia nunca inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, melhor descritos nos artigos 31° a 33° e 39° da PI., acrescidos dos juros legais contados desde o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos e até integral e efectivo pagamento;

- o Réu seja condenado a abster-se de praticar quaisquer actos que porventura possam ofender o direito de propriedade dos AA. sobre o seu indicado prédio, descrito no artigo 1°.

Juntam documentos e procuração.

2)-

Citado, veio o Réu contestar.

Conclui pela improcedência da acção, pela manutenção da espessura térmica da parede do Réu que confina com os Autores, porque devidamente autorizada pelos Autores junto da anterior administração do Réu.

Pretende o chamamento à acção da anterior administração do condomínio ora Réu.

Junta documentos e procuração.

 

3)-

Respondem os Autores, impugnando os documentos juntos com a contestação e, no mais, insistem nos termos constantes na petição inicial.

Juntam documentos.

4)-

Por douto despacho de 2 de Fevereiro de 2022 julgou-se improcedente qualquer intervenção provocada da “chamada”.

Fixou-se o valor à acção.

Saneou-se a causa.

Indicou-se o objecto do litígio.

Elencaram-se os temas da prova.

Admitiram-se os meios de prova.

5)-

O Réu em 12 de Fevereiro de 2022 reclamou do indeferimento do chamamento, informando pretender a intervenção principal, ou seja como parte principal, da anterior administradora do Condomínio, invocando o disposto no artigo 596º, 2 do CPC.

6)-

Por douto despacho de 8 de Março de 2022, ref. ...71, o Senhor Juiz indeferiu à reclamação, mantendo o aludido indeferimento.

7)-

Realizou-se audiência final com gravação.

8)-

Com a ref. citius 90329063 e em 13 de Abril de 2022 lavrou-se douta sentença.

Nela deu-se como provado o seguinte:

1. Os AA. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de habitação de um só piso e pátio, com a área total de 98 m2, sito na Rua ..., em ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., a confrontar do norte com CC, do sul e nascente com DD, actualmente com o prédio urbano descrito em 6, do poente com a estrada, actualmente com a Rua ... e, ainda, com a Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo ...63 (doc. de fls. 11-11 vs ..

2. Este indicado prédio veio ao domínio e posse dos AA. por escritura pública de compra e venda, lavrada em trinta de Maio de mil novecentos e noventa e cinco, no Cartório Notarial ..., a cargo da então Notária EE, a folhas noventa e oito e noventa e nove, do livro n.o 278-A, em que foram vendedores FF e mulher GG, tudo como melhor consta da escritura pública de compra e venda de fls. 12-14 cujo teor se dá por reproduzido.

3. Os referidos vendedores haviam adquirido tal prédio urbano por compra que fizeram a HH, viúva; II ou JJ e marido KK; LL, solteiro, maior; MM e mulher NN das ...; OO do ... e marido PP; QQ e mulher RR; SS e mulher TT e a UU, viúvo, como resulta da AP. ... de 1988/05/13, da descrição n° ...13, da freguesia de ..., constante da certidão permanente com o código de acesso: PP-2203¬...51, que compões fls. 15-15vs. que se dá por integralmente reproduzida.

4. Os AA. vêm possuindo este seu prédio, descrito no em 1, por si, há mais de 25 anos, por si e seus antepossuidores, há mais de 30, 40 ou mais anos, como coisa exclusivamente sua, à vista de toda a gente, publicamente, continuamente, ou seja, sem interrupção, sem oposição de quem quer que fosse, ou seja, pacificamente, de boa-fé, com título, na convicção de exercerem um verdadeiro direito de propriedade sobre aquele seu prédio.

5. No exercício dessa posse, os AA., por si e seus antecessores, vêm neste seu indicado prédio, ao longo de mais de 20, 30, 40 ou mais anos e de forma ininterrupta habitando-a, dando-a de arrendamento, realizando obras de conservação e de beneficiação, designadamente demolindo algumas paredes interiores que eram em tabique, construindo no seu lugar paredes em tijolo e argamassa de cimento, rebocando-as e pintando-as, substituindo o pavimento que era em madeira por pavimento cerâmico, aumentando a área coberta de tal prédio com a construção de novas divisões, por sobre o seu referido pátio, isolando a cobertura, cuidando ainda do jardim, plantando flores e outras plantas, limpando o jardim de ervas, cuidando do pátio que é cimentado com canteiros, enfim, retirando daquele seu prédio todas as utilidades que o mesmo lhes pode proporcionar, o que tudo têm feito e praticado até à face externa da parede poente e, ainda, da face externa de parte da parede norte, ambas construídas em tijolo e argamassa de cimento, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal descrito em 5.

6. Contíguo ao indicado prédio urbano dos AA., pelos seus lados sul e nascente, existe um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, composto de várias fracções existentes ou situadas na cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, sendo que este prédio já se encontra situado no início (atento o sentido ACERT-Espaço da feira semanal) da Rua ..., ..., em ..., União de Freguesias ... e ..., referida, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., e descrito na CRP sob o n° ...26, conforme documentos de fls. 35-42 cujo teor se dá por reproduzido.

7. O prédio identificado em 1 e o prédio identificado em 6 confinam entre si do lado poente do prédio descrito 5 e, ainda, parte da estrema norte deste mesmo prédio, com a estrema nascente do prédio dos AA., com parte da estrema sul deste mesmo prédio é constituída há mais de 20, 30, ou mais anos, pelas faces externas das paredes poente e parte da parede norte do prédio descrito em 5.

8. Paredes essas que são constituídas de alvenaria, com um reboco com acabamento a areado, de cerca de 1,5 cms e, ainda, pintadas, o que tudo sucedia até data não apurada, mas no decurso do mês de Outubro Novembro de 2020, até aos indicados limites poente e parte do limite norte, aquele que fica virado para a parede poente daquele prédio descrito em 5.

9. Os autores, por si e seus antecessores, há mais de 20, 30, 40, ou mais anos, que vêm praticando os actos de posse, acima referidos em 6, e com as características mencionadas no artigo 4°, até às linhas de estrema sul e nascente daquele seu prédio com parte da linha de estrema norte e, ainda, com a linha de estrema poente do indicado prédio, descrito em 6, definida 7-9.

10. Em 13-02019, o condomínio réu decidiu reparar as superfícies das paredes exteriores  do prédio descrito em 6, que foi adjudicada a VV que gira no seu negócio sob a frima ... de VV - fls. 41 vs. a 44.

11. Nessa referida reparação o condomínio Réu veio a intervir também na parede poente de tal prédio descrito 6 e, ainda, parte da parede norte desse mesmo prédio.

12. Nessa altura o administrador, do Réu, solicitou autorização ao autor marido para poder colocar andaimes por sobre parte da cobertura do prédio dos AA., descrito em 1.

13.     Em vez de reparar o que se encontrava feito ou realizado no indicado prédio, descrito em 6, sem aumentar a espessura das referidas paredes, em toda a sua largura e altura das indicadas paredes poente e norte, aquela que fica virada para a parede poente, a verdade é que o condomínio réu terá deliberado isolar tais paredes, a partir da cobertura do prédio dos AA., descrito em 1, em toda a sua largura da parede poente e parte da parede norte do prédio descrito em 6, e em toda a restante altura deste prédio.

14. Aplicando sobre a superfície de tais paredes poente e parte da parede norte, aquela que se encontra virada para a indicada parede poente, um sistema de isolamento pelo exterior designado ETICS, vulgo capoto, com a espessura de 6 cms. de isolamento, acrescido da cola de fixação, emaçamento e pintura (conforme docs. de fls. 16-19vs e 42vs a 43vs.).

15. A espessura primitiva das referidas paredes de alvenaria, reboco areado e pintura, aumentou com o referido isolamento a capoto, referido em 6, em mais 7 cms, em toda a largura daquelas paredes e em toda a restante altura do prédio, o que sucedeu por sobre o espaço aéreo do indicado prédio dos AA, a contar da cobertura deste prédio.

16.     Estes trabalhos e aplicação do referido isolamento nas indicadas paredes poente e parte da parede norte do prédio réu, ocorreram sem o conhecimento e contra a vontade dos Autores e foram levadas a efeito pelo condomínio Réu.

17. O Autor marido é motorista TIR, ficando longos períodos de tempo fora do País.

18. E os AA. não habitam o seu prédio descrito em 1.

19. Que o deram de arrendamento e desde há algum tempo a esta parte que se encontra desabitado.

20. Com a aplicação do referido isolamento nas indicadas paredes poente e parte da parede norte que fica virada para aquela parede poente, do prédio descrito em 1, também as águas que escorrem quando chove por tais paredes acabam por cair por sobre a cobertura do prédio dos AA. em grande quantidade, para a qual não está minimamente preparada para as receber, com todas as consequências daí derivadas relacionadas com infiltrações no seu interior.

21. Os AA., tentaram extrajudicialmente junto do condomínio réu, na pessoa do seu administrador, resolver o assunto da violação do seu indicado direito de propriedade, durante os últimos meses, mas sem o conseguir.

22. Tal situação tem causado incómodos vários aos autores, com démarches no sentido de ser solucionada a questão bem como em contactos com o condomínio.

23. Existem 3 aberturas na parede do prédio descrito em 6 que deitam para o prédio dos Autores, as quais foram realizadas no momento da construção, ou seja, em 1990.

Nela deram-se como não provados os seguintes factos:

- Na indicada parede poente do prédio descrito em 6, existem 3 aberturas ou janelas, com um comprimento superior aos 80 cms e uma altura superior aos 70 cms, com gradeamento nelas colocado.

- Tais aberturas têm somente entre 9 ferros, a janela ao nível do 1° andar, 7 ferros na janela ao nível do 2° andar e 3 ferros na janela ao nível do 3° andar, todos eles colocados ao alto, interva1ados entre si com uma largura superior aos 8 cms.

- Os Autores deram consentimento para que fosse colocado o isolamento de 7 cm de espessura nas paredes norte e poente do prédio descrito em 6.

*

Proferiu-se decisão de mérito que, a final, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência disso:

A.      Condenou o Réu a reconhecer que os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio descrito em 1;

B.      Condenou o Réu a reconhecer que a estrema poente do prédio descrito no 6 e, ainda, parte da estrema norte deste mesmo prédio, com a estrema nascente do prédio dos AA., descrito em 1, e, ainda, com parte da estrema sul deste mesmo prédio é constituída há mais de 20, 30 anos, pelas faces externas das paredes poente e parte da parede norte do prédio descrito em 6, paredes essas que são de alvenaria, com um reboco com acabamento a areado, de cerca de 1,5 cms e, ainda, pintadas, o que tudo sucedia até Dezembro de 2020, e até aos indicados limites poente e parte do limite norte, constituídos pelas indicadas faces externas dessas paredes de alvenaria, reboco de argamassa de cimento e pintura;

C.      Condenou o condomínio Réu a remover da parede poente do prédio descrito em 6 e, ainda, da parede norte deste mesmo prédio, aquela que se encontra virada para a indicada parede poente, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da douta sentença que vier a ser proferida nos presentes autos todo isolamento térmico de exterior (ETICS) recentemente por si colocado e aplicado sobre as superfícies de tais paredes, que se encontra a ocupar o espaço aéreo do indicado prédio dos AA., em cerca de 7 cms. de espessura em toda a largura daquelas paredes e em toda a restante altura dessas mesmas paredes, a contar da cobertura do indicado prédio dos AA., respeitando assim a linha de estrema referida no pedido;

D. Condenou o condomínio Réu a pagar aos AA. uma quantia nunca inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros legais contados desde o trânsito em julgado da sentença e até integral e efectivo pagamento;

E. Condenou o condomínio Réu a abster-se de praticar quaisquer actos que porventura possam ofender o direito de propriedade dos AA. sobre o seu indicado prédio;

F. Absolveu o condomínio Réu do restante pedido;

As custas ficaram por Autores e Réu na proporção de ¼ e ¾ respectivamente.

9)-

Inconformado recorre o Réu, recurso admitido como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Alega o Réu, apresentando as seguintes conclusões:

I. Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. (Registo da prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, In Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001).

II. Se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as “legis artis" (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.Penal Anotado, II vol., pág. 740).

III. O recorrente tem presente de que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.

IV. Os quais sintetiza em duas partes: versa sobre despacho saneador datado de 02-02-2022, o qual foi objecto de reclamação nos termos do nº 2 do artigo 596.° do C.P.C., e decide a final pela recusa do chamamento a intervir como ré a anterior administração do condomínio. E pretende-se determinar que o tribunal a quo andou mal na sentença recorrida tendo em conta que houve um erro na apreciação do fundo da causa, na apreciação da matéria de facto alegada e provada em sede de julgamento, que irremediavelmente levam a uma decisão distinta da proferida.

V. Nestes autos, os autores na sua qualidade de proprietários confiantes com o imóvel constituído em propriedade horizontal, onde se localiza o condomínio recorrente, vêm requerer que a intervenção realizada na parede/fachada extrema seja removida.

VI. O que colide com o que recorrente alega e prova, isto é, de que os autores autorizaram e tiveram conhecimento da mencionada intervenção, porque assim foi indicado pela "chamada", anterior administração. O tribunal a quo, não pode decidir como refere, em despacho saneador recorrido, que o réu nem terá sequer alegado a que título pretende chamar a anterior administração, porque consta logo na sua primeira intervenção no processo, ou seja, com a contestação.

VII. A recusa de intervenção principal da anterior administração do condomínio demonstra pelo tribunal a quo, com o devido respeito, um desacerto quanto à leitura da peça/contestação realizada pelo réu e do seu requerimento de 22-10-2021, logo porque no seu articulado, por duas vezes, requer a intervenção principal da "chamada". Ou seja como parte principal. Em sede de contestação, nos seus artigos 1º a 22º é justificado e são alegados vários factos/motivos que justificam o chamamento da anterior administração do réu, para figurar como ré nestes autos. Parte principal.

VIII. Porque como consta em sede de depoimentos gravados das testemunhas WW e XX, na sua qualidade de condóminos, ao réu foi transmitido por aquela administração, pela "chamada", que os autores deram autorização para a intervenção em capoto, para a colocação de andaimes e deixaram realizar a intervenção até ao fim.

IX. Os depoimentos destas duas testemunhas são claros e determinantes em como a sua deliberação, e actuação do réu condomínio de colocação de capoto na fachada, só sucedeu porque a "chamada", isto é, a sua anterior administração, lhes garantira o consentimento dos autores. Aliás chegam a referir nos seus depoimentos, abaixo transcritos que havia outra possibilidade de intervenção, o "barramento", caso a autorização dos autores não fosse alcançada.

X. A intervenção de terceiros constitui um incidente da instância e vem regulada nos artigos 311º e ss. do Código de Processo Civil, dividindo-se essencialmente entre a intervenção principal (que pode ser espontânea ou provocada), a intervenção acessória e a oposição. A intervenção principal provocada encontra-se prevista nos artigos 316º e ss. do CPC, estando o respectivo âmbito definido nesse mesmo artigo, visando-se, essencialmente, aquelas situações em que uma parte principal é chamada aos autos por iniciativa de uma das partes originárias do processo.

XL Quanto ao réu, este pode ter a iniciativa do chamamento de terceiro quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida, ou quando pretenda provar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (cf. nº 3 do artigo 316.° do CPC), encontrando-se especialmente regulada no artigo 317.° do CPC a possibilidade de intervenção provocada de terceiro em caso de efectivação do direito de regresso.

XII. E como se provou pelos depoimentos acima, o réu condomínio unicamente realizou a intervenção nestes moldes, porque a sua administração disse ter alcançado a autorização dos autores. A actuação do réu foi condicionada na sua deliberação por essa autorização a alcançar pela "chamada". E apenas aconteceu porque a chamada confirmou ao recorrente ter a devida autorização.

XIII. Pois, os condóminos até determinaram apenas fazer-se barramento caso não houvesse autorização dos autores. O réu intervenciona a fachada em capoto com a total convicção de que estava autorizado a tal. De que estava legitimado a tal. Sendo unicamente responsável por tal convicção a "chamada".

XIV. Determina o artigo 1436.° do C.C., que o administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.

XV. O administrador do condomínio é civilmente responsável pelos danos que cause aos condóminos e a terceiros no exercício da sua actividade, estando sujeito às normas que regem o cumprimento e incumprimento das obrigações em geral.

XVI. Dos factos trazidos à audiência de discussão e julgamento pelos depoimentos acima, concluindo-se que a anterior administração, enquanto administradora do condomínio réu/recorrente, exorbitou os seus poderes ordenando a realização de obras naquela fachada do prédio em capoto, com uma abrangência não autorizada e até contra a vontade dos condóminos, que determinaram outra alternativa.

XVII. Este incidente é essencial, como já dissemos, visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Nestes autos existe uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso. E essa conexão está assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 8/5/2003, proc. nº 10688/2002-6).

XVIII. Com este incidente o réu obteria não só o auxílio da chamada, como também a vinculação desta à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332°, nº 4, hoje artº 323°, nº 4) - cfr. Ac.s STJ de 16.12.1987, BMJ 372/385, e de 31.3.1993, BMJ 425/473.

XIX. Na sentença recorrida no seu ponto 12., é dado como provado que: " nessa altura o administrador, do réu, solicitou autorização ao autor marido para poder colocar andaimes por sobre parte da cobertura do prédio dos AA., descrito em 1. E a 16., é dado como provado que: " Os trabalhos e aplicação do referido isolamento nas indicadas paredes poente e parte da parede norte do prédio réu, ocorreram sem o consentimento e contra a vontade dos autores e foram levadas a efeito pelo condomínio réu."

XX. Ou seja, o Tribunal a quo, ignorou e fez tábua rasa dos depoimentos dados pelas acima três indicadas testemunhas e transcritos, as quais foram peremptórias em dizer que a sua administração à data, comunicou com o autor a pedir autorização, e alcançou a devida autorização para realizar os trabalhos como descritos em factos provados de artigos 13 a 15.

XXI. O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja "vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório". O princípio da livre apreciação da prova determina que, salvo existência de prova tabelada ou tarifada, o tribunal decide quanto ao mais de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.

XXII. No caso concreto, é dado como provado no artigo 16., que as obras foram executadas sem o conhecimento doa autores, mas em sede de fundamentação refere que a testemunha YY assumiu que não lhe comunicou que iria haver a aplicação de isolamento de 7 cm de espessura. O julgador afasta, sem motivação ou fundamentação, o depoimento gravado desta testemunha, que se encontra acima transcrito ipsis verbis.

XXIII. A ideia de que os autores tinham pensado ser apenas para pintura e colocar andaimes foi criada "agora", como o julgado refere na fundamentação. Mas a testemunha diz e repete no seu depoimento que nas comunicações realizadas com o autor lhe transmitiu o tipo de intervenções. Não houve outra convicção ou ideia que tenha ficado à data em que os fez, em 2019. Antes de realizar as intervenções.

XXIV. Necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou, efectuando a avaliação e valoração dos depoimentos ouvidos, dando a conhecer as r3zões de ciência respectiva.

XXV. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

XXVI. Apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não podem ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

XXVII. Nos autos estamos perante um insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, é um vício que ocorre quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz.

XXVIII. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo, ou seja, ocorre quando a conclusão extravasa as premissas por a matéria de facto provada ser insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. No entendimento do recorrente a sentença ainda se fere com o vício da contradição entre a matéria de fundamentação e a decisão

XXIX. Dá-se como provado factos que não constam na fundamentação probatória, mormente a testemunhal. Pois não se retira da mesma como provado o vertido em sede de sentença a 12 e 16. Muito menos no artigo 20., não fazendo mesmo parte dos temas de prova a aí mencionado, ou vem alegado em sede de peticionado que o isolamento nas indicadas paredes traz consequências relacionadas com a intervenção. Pelo contrário, veja-se o depoimento acima da testemunha VV.

XXX. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (art° 1344°, n° 1, do Código Civil). O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir (nº 2 do artigo referido). Neste ponto a lei exige ao proprietário um interesse actual, concretizável e nos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

XXXI. Estas disposições devem ainda ser articuladas com a previsão do art° 1305° da lei em análise, nos termos da qual "o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas". Por isso se diz que o direito de propriedade está sujeito a restrições, quer de direito privado, quer de direito público. Este direito não deve ser encarado apenas sob uma perspectiva subjectiva, em que prepondere o interesse egoístico do seu titular. Como o qualificou e interpretou erradamente o julgador.

XXXII. Os autores não revelam este interesse quando, no demais contexto apurado, pretendem impedir a manutenção de capoto, na fachada confiante, em que não afectada a posterior construção em superfície. Tal retira-se da matéria de facto trazida aos autos, como referiu a testemunha VV, em depoimento acima transcrito, que é técnico na área os autores, em posterior construção teria de criar sempre um isolamento numa parede que não terá de realizar com esta intervenção realizada pelo réu.

XXXIII. Acaba por ser um exercício danoso útil aos autores. Considerando a descrita zona de intervenção, a sua utilização comum e os demais factos assinalados pelo técnico no seu depoimento, os prejuízos dos autores é desconsiderável, não tendo provado um interesse atendível em impedir a obra. Estando a parede mais protegida evita a entrada de água e infiltrações na parede dos autores que "cola" com a do condomínio. Assim como a intervenção trouxe um maior encaminhamento das águas pluviais para o exterior. Veja-se depoimento de VV, acima transcrito.

XXXIV. Factos que se retiram da junção da matéria com a experiência lógica de um homem médio, a consequência determinada de remoção do capoto aplicado, vai deixar a fachada mais frágil e trazer consequências nefastas aos autores, ou seja, houve uma opção pela situação mais prejudicial ao seu direito.

XXXV. Como se alega o réu, não violou o direito dos autores, fê-lo com o seu consentimento, e no munido da certa e total convicção de ter essa autorização. Não agindo com culpa e não sendo a sua conduta censurável em sede de responsabilidade civil, mormente nos termos do artigo 483.° do C.C, como motiva o julgador em sede de fundamentação.

XXXVI. A sentença recorrida cai no vício de contradição com a matéria de facto e a sua motivação, pois não se encontram provados incómodos aos autores, refere "vários", mas não se consubstanciam em sede de fundamentação.

XXXVII. O artigo 483º, nº 1, do Código Civil tipifica a ilicitude do facto constitutivo de responsabilidade civil extracontratual em duas modalidades, podendo a mesma traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na violação de um direito subjectivo - maxime, de um direito absoluto, tal como o direito de propriedade -, ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, distinção que apenas se compreende no pressuposto de que nem todo o interesse juridicamente protegido de uma pessoa constitui um «direito subjectivo».

XXXVIII. Como acima se refere o autor actuou sem qualquer culpa e com a garantia de que estava autorizado pelo autor a realizar a intervenção, estando desde logo afastada a sua responsabilidade indemnizatória.

XXXIX. Ao decidir como o fez, o despacho recorrido violou as seguintes disposições: 311.°, 316.° e 317.° do C.P.C.; 1434.° e 1436.° do C.C; 615.°, nº 1, al. c) do C.P.C.; 1344.°, nº 1 e 2 do C.C. e o artigo 483.° do C.C.

Remata: termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que determine a intervenção provocada principal da anterior administração do condomínio. E por incorrer em erro sobre a matéria de facto, seja a sentença recorrida substituída por outra que absolva o réu da instância.

*

Os Autores, respondem, defendendo o acerto do julgado.

*

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.

III – OBJECTO DO RECURSO

As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:

I- decidir da recorribilidade do despacho que manteve o indeferimento do chamamento pretendido pelo Réu;

II- saber quais os factos a ter em conta;

III- decidir do mérito da causa.

IV- mérito do recurso

1ª  questão

Como se vê de 4., 5. e 6. do relatório, foi indeferido liminarmente o pedido do Réu de intervenção de terceiros, aquando da prolação do despacho saneador, de que nesse particular padeceu reclamação sem sucesso.

Cabia ao Réu recorrer da decisão que manteve o indeferimento liminar, por meio de apelação autónoma, a interpor no prazo de 30 dias contados a partir da notificação desta, a subir em separado e imediatamente, por norma com efeito meramente devolutivo. Mas não está fechada a possibilidade de se solicitar o efeito suspensivo – artigos 638º, 1, 644º, 1, a), 645º, 2 e 647º, 1 e, eventualmente nº 4, todos do CPC.

O Réu veio impugnar a decisão que manteve o indeferimento liminar juntamente com o recurso da decisão final. Esta impugnação é extemporânea, pois não evitou a formação de caso julgado sobre a concreta decisão proferida.

Neste sentido, Abrantes Geraldes in Recursos no NCPC, 2013, Almedina, pág. 149, 151, 152, 159 e 160.

Por isso não vai admitido o recurso nesta parte – artigos 641º, 2, a), e 5, do CPC.

Razão cabe aos Apelados que argumentaram nesse sentido na contra-motivação do recurso- cfr. fls. 102 verso do apenso.

2ª  questão

A decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nas situações previstas no artigo 662º do CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, nomeadamente se do processo constarem todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido, como ocorreu, gravação dos depoimentos prestados, tiver havido impugnação nos termos do artigo 640º da decisão com base neles proferida.

O Apelante invoca apenas porém, erro na apreciação do fundo da causa, na apreciação da matéria de facto alegada e provada em sede de julgamento, que irremediavelmente levam a uma decisão distinta da proferida. – cfr. conclusão 4ª da minuta -, não impugnando a decisão da matéria de facto.

O Apelante rebela-se contra a aplicação do direito aos factos provados, efectuada na 1ª instância, actividade essa materializada na elaboração da sentença e a que se referem os artigos 607º, 2, 2ª parte do nº3, nº4, 2ª parte, e 608º do m.d..

Na fundamentação da sentença o juiz faz o exame crítico das provas de que naquele momento lhe cabe conhecer, e que são as provas das presunções judiciais ou com valor legal fixado, se ainda não utilizadas, os ónus probatórios, e os factos admitidos por acordo em audiência de discussão e julgamento. (Ac. STJ de 10-5-2005, p. nº 05A963, dgsi.net.)

E é com a fundamentação da sentença e com a decisão que o Apelante se mostra discordante.

O Apelante, nem no corpo alegatório, nem  nas conclusões do recurso, indica os factos que pretende ver como provados, não cumprindo os ónus do artigo 640º do CPC.

Por isso consideramos não vir impugnada a decisão da matéria de facto.

*

O Apelante refere não ter sido fundamentada a factualidade de 12 e 16 e 20.

Mas sem razão.

A testemunha YY, que em 2019 exercia funções na sociedade administradora do condomínio Réu, e que realizou contactos com o Autor no sentido da realização das obras, assumiu em julgamento que lhe não referiu que o isolamento a aplicar tinha uma espessura de 7 cms. Também referiu que a certa altura o Autor marido a contactou e se insurgiu por o Condomínio estar a ocupar a sua propriedade, na sequência de que os trabalhos se interromperam.

Estes elementos de prova entre outros, constam da fundamentação de facto da 1ª instância para os pontos 12 e 16.

Concomitantemente, deu-se como não provado que: Os Autores deram consentimento para que fosse colocado o isolamento de 7 cm de espessura nas paredes norte e poente do prédio descrito em 6.

Motivou-se essa asserção com a valoração negativa dos depoimentos das testemunhas WW e XX, pois embora estas testemunhas tenham convergido no sentido de afirmar que a testemunha YY havia obtido o consentimento dos Autores para a realização do revestimento, certo é que estas duas testemunhas não tiveram contacto com os Autores com vista à realização da obra, e, por sua vez, é a própria YY que explicar não ter falado ao Autor nas concretas características da obra, de que ela implicava um acrescento de 7 cms de espessura
à parede do prédio do Réu, e, por isso, não estar provado o consentimento do Autor para a obra do Réu.

Entre outros elementos, igualmente relevante para os pontos 12 e 16 e ainda para o 20, valeu ainda o depoimento de ZZ, considerado credível, pessoa que realizou a obra, e que referiu ter, durante os trabalhos, recebido queixas do Autor em como estava a ser ocupada a sua propriedade.

A matéria do ponto 20 vem alegada no artigo 24º da petição inicial. Para prova de tal matéria há que ver ainda que o Réu não põe em causa os limites da propriedade dos Autores e seu conteúdo.

Foi fundamentada a factualidade dada como provada de 12 e 16 e 20.

Só a falta absoluta de fundamentação da matéria de facto lhe acarretaria a nulidade – cfr. artigo 615º, 1 b) do CPC.

*

Mantém-se a decisão de facto que já vem do 1º grau.

O elenco não padece de contradição nem obscuridade.

Também não cabe oficiosamente alterá-lo.

3ª  questão

Autores e Réu são proprietários de prédios urbanos, com edificações destinadas à habitação, confinantes.

A edificação dos Autores é menos elevada acima do solo, que a do Réu.

Entre as edificações não foi deixada caixa de ar, ou outro espaço. As paredes das duas construções encostam uma à outra.

No dia 13 de Julho de 2019 teve lugar uma Assembleia Extraordinária de Condóminos do Réu em que se deliberou por unanimidade aceitar uma proposta de orçamento para obras de revestimento e acabamento final, designadamente, nas paredes do prédio do Réu, que confinam com o prédio dos Autores. Cfr. acta a fls. 41 verso e ss.

As obras tiveram lugar.

Delas resultou que nessas paredes o revestimento e acabamento final acresceram em 7 cms a parede do prédio do Réu, em toda a altura e largura, em detrimento do espaço correspondente no prédio dos Autores.

A obra não foi objecto do consentimento prévio ou posterior dos Autores.

É o que resulta dos factos provados 10 a 16.

Os Autores, como proprietários lesados, pretendem além do mais, a remoção deste revestimento e a condenação do Réu a pagar aos Autores uma quantia a título de danos morais.

Escreveu-se – bem – na sentença recorrida:

      

(…)

 no que concerne aos poderes do proprietário, o artigo 1305º do Código Civil estatui que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei, no âmbito desta definição legal, entendemos ser extremamente exacto o conceito de propriedade que é sustentado por José de Oliveira Ascenção (in Direitos Reais p. 390) que refere que "a propriedade é o direito real que outorga a universalidade de poderes que à coisa se podem referir".

Contudo, se a propriedade como acabámos de referir, é o direito real máximo, encontram-se também legalmente previstas limitações ao seu exercício, quer em virtude de interesses públicos (daí a existência das expropriações por utilidade pública), quer também em virtude de outros interesses particulares, nomeadamente de titular de prédio vizinho, havendo também que considerar que existem situações em que o titular de um direito pode impor ao titular do direito sobre um prédio vizinho a constituição de uma servidão em proveito do seu prédio.

A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (art° 1344°, n° 1, do Código Civil).

O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir (nº 2 do artigo referido). (sublinhado nosso)

A lei exige ao proprietário um interesse actual, concretizável e nos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

As limitações do direito de propriedade quanto ao espaço aéreo correspondente à superfície na vertical do imóvel, que não há interesse em impedir têm a ver com o sobrevoo por aviões, fiação para comunicações, etc..

Mas no caso dos autos não se pode considerar que os Autores sejam obrigados a aceitar como limitações da sua propriedade, a obra do Réu.

A obra do Réu ocupa com coisas (matérias de construção), permanentemente, uma volumetria com a espessura de 7 cms, e por toda a largura e altura das paredes intervencionadas confinantes, o espaço aéreo do prédio dos Autores.

Como vem provado em 24., as águas do prédio do Réu, nessas paredes confinantes, que antes da obra caíam na meação, passaram a cair na totalidade na propriedade dos Autores. O que traduz uma perda para os Autores.

Em caso de exercer o direito de edificação, os Autores terão de recuar 7 cms na sua construção confinante com o prédio do Réu, ficando prejudicados.    

Assim o Réu violou o direito de propriedade dos Autores relativamente ao prédio destes, entre outras, na protecção devida ao espaço aéreo do seu prédio.

O Réu actuou com dolo, uma vez que a decisão de mandar executar as obras no revestimento das paredes do prédio do Réu, com aquelas características específicas e consequências, assenta na deliberação da sua assembleia de condóminos de 13 de Julho de 2019, acto de formação de vontade, livre, esclarecida e ponderada, emitido perante proposta de orçamento patente, após discussão e deliberação válida.

Os Autores pedem a remoção do revestimento e acabamento final das paredes do prédio do Réu que prejudicam os Autores, e com razão - além da violação do espaço aéreo do prédio dos autores, há um interesse objectivo, e atendível, não havendo abuso de direito da parte dos autores.

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Não há erro de julgamento na decisão recorrida, uma vez que nela se fez uma correcta interpretação da norma jurídica encontrada, e bem assim a devida aplicação da mesma aos factos provados.

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O Apelante acusa a sentença recorrida de padecer de oposição entre os fundamentos e a decisão, nulidade prevista no artigo 615º, 1, c) do CPC, o que acontece quando por vício real no raciocínio do julgador, os fundamentos apresentados conduziriam logicamente a um resultado, e se chega a solução oposta ou diferente.

Mas não é assim.

Facilmente se verifica que em sede de matéria de facto o Réu não logra provar que os Autores consentiram naquela obra concreta que consistiu na aplicação de um revestimento que com o acabamento final resultou na ocupação do espaço aéreo do prédio dos Autores em volume com a espessura de 7 cms; não logra provar que os Autores, como e em que medida, beneficiam com a obra do Réu. 

Em sede de aplicação do direito verifica-se que os Autores cumprem o ónus de alegação e prova dos fundamentos do direito alegado.

Os fundamentos de facto e de direito presentes conduzem inapelavelmente, agora também na Relação, ao desiderato a que o 1º grau chegou.

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Improcede a apelação.

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em não admitir o recurso do douto despacho de 8 de Março de 2022, ref. 90116771, que indefere à reclamação e mantém o indeferimento do chamamento, e, no mais, julgar improcedente a apelação, indo confirmada a sentença recorrida.

Na Relação, custas pelo Apelante, ora Réu.

Valor da causa: € 8.736,95.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2022.

(Rui  António Correia  Moura)                                

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)