Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
427/07.7TBAGD-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.18º, 83º, 186º DO CIRE
Sumário: I - Verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do artº 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa, por se tratar de presunções inilidíveis de situações de insolvência culposa.

II - O nº3 do art.186 do CIRE consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave, mas, para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência, ou seja, é ainda necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência.

III - Apurado em incidente de qualificação da insolvência que o requerido instalou nas instalações da insolvente a actividade de outra sociedade, esta aí laborando com afectação de equipamento industrial e de pelo menos dois dos seus funcionários, e que ele não entregou os elementos da sua contabilidade, apesar de, por várias vezes, lhe terem sido solicitados pela Sr.ª Administradora, tem de concluir-se, à mingua de factos provados pelo recorrente que infirmassem a normais decorrências daqueles factos, que eles se subsumem na previsão das alíneas d), g) e h) do nº2 do artº 186º do CIRE.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Em processo de insolvência foi declarada insolvente  M (…) Lda

Em tal processo foi aberto incidente de qualificação da insolvência.

A Sr.ª Administradora da insolvência emitiu parecer nos termos do art. 188º, nº 1 do CIRE pronunciando-se pela qualificação da insolvência como culposa.

 Alegando:

 Que a insolvente fez desaparecer parte do património da devedora, dispondo desses bens em proveito pessoal ou de terceiros;

Que incumpriu a sua obrigação de manter contabilidade organizada tendo esta deixado de ser lançada em 2003 e que nessa altura deixaram de ser enviadas as declarações fiscais;

 Que não cumpriu com o  dever de requerer a sua declaração de insolvência (dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento de tal situação);

 E que não elaborou as contas anuais, não as tendo depositado na Conservatória do Registo Comercial.

O que tudo se subsume na previsão do artº 186º nº2 als. a), d) e h) e nº3 als. a) e b) do CIRE.

Mais concluindo que o gerente da insolvente J (…)deve ser afectado pela qualificação por ter sido o único quem, desde há vários anos, exerceu a gerência da insolvente.

Juntou documentos.

O Ministério Público aderiu à qualificação proposta pela Sr.ª Administradora da insolvência.

J (…) deduziu oposição.

 Alegando, em síntese:

 Que não fez desaparecer parte do activo da insolvente porquanto dos bens cujo desaparecimento lhe é imputado, ou não eram propriedade daquela, ou encontram-se incluídos no auto de apreensão lavrado pela Sr.ª Administradora da insolvência, ou foram objecto de furto;

 Que as contas de 2003 não foram aprovadas porquanto os sócios da sociedade não compareceram à assembleia para esse efeito designada;

 Que contribuiu para a insolvência da sociedade o facto de todos os respectivos sócios se terem alienado dos destinos da mesma com a atribuição da gerência, na prática, a uma só pessoa, crise que foi acentuada pelo recurso a capitais alheios em 2002 pois que apenas serviu para amortizar dívidas da sociedade;

Que não incumpriu o dever de apresentação à insolvência porquanto apenas com a venda do imóvel é que se verificou a cessação irremediável da actividade da sociedade, acrescentando que sempre acreditou na reversibilidade da situação desta, sendo sua intenção recuperar a empresa e pagar a todos os credores.

Conclui pugnando pela improcedência da qualificação culposa da insolvência.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que decidiu:

a) Qualificar como culposa a insolvência de M (…), Ldª.

b) Declarar afectado pela qualificação o gerente J (…).

c) Declarar J (…) inibido, pelo período de 42 (quarenta e dois) meses, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação, empresa pública ou cooperativa.

d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por J (…).

3.

Inconformado recorreu o gerente J (…).

Rematando as suas alegações com as seguintes (quiçá  prolixas) conclusões:


 (…)


4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

(In)verificação dos pressupostos legais para a declaração da insolvência como culposa.

5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.

(…)

5.1.4.2.

Consequentemente, os factos a considerar são os seguintes:

a) A insolvente foi matriculada em 1971 tendo por objecto o fabrico de acessórios para bicicletas e móveis metálicos, com o capital social de Esc.:15.000.000$00 distribuído por cinco quotas de Esc.: 5.000.000$00 cada, tituladas pelos sócios  (…) com gerência a cargo de todos os sócios, e sendo a forma de obrigar a intervenção e assinatura conjunta de dois gerentes; em 1994 (…)foi destituído da gerência.

b) A insolvente cessou a respectiva actividade em Dezembro de 2006 na sequência da venda, realizada no âmbito de processo executivo instaurado por CCAM de (...), do imóvel onde detinha as suas instalações, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 29.11.2007, a requerimento de cinco trabalhadores apresentado em Fevereiro de 2007 e que não mereceu oposição.

c) Em Fevereiro de 2007 e desde o ano de 2005, para além de (…) eram sócios da insolvente (…)

d) Para além de (…), sócio gerente da insolvente desde a sua constituição até à declaração de insolvência, em Fevereiro de 2003 eram sócios gerentes da insolvente (…) qualidade que manteve até 21.05.2003, data em renunciou à gerência, (…)desde 24.04.2003 até 05.05.2005, data em que renunciou à gerência, e (…), desde 30.03.2000 até 20.06.2006, data em que renunciou à gerência.

e) (…) cedeu a sua quota em 09.04.1997 e renunciou ao cargo de gerente em 08.06.1999, facto anotado no registo em 19.06.2000, tendo sido novamente nomeado gerente em 14.11.2002, nomeação que foi conduzida ao registo em 07.04.2003.

f) Desde pelo menos 2004 e até ao encerramento da insolvente que a gerência desta era exercida (de facto e de direito) pelo requerido (…), sem intervenção dos demais sócios gerentes com ele sucessivamente contemporâneos na gerência até à declaração de insolvência.

g) No âmbito da assembleia geral da insolvente realizada nos dias 31.03.2003 e 24.04.2003 foram aprovadas por unanimidade as contas do exercício de 2002, com um resultado negativo de € 68.238,90 que, por deliberação da mesma assembleia, passou para resultados transitados.

h) Apesar de convocada e reunida em Julho de 2004 a assembleia geral para aprovação das contas referentes ao exercício de 2003, não foi emitida qualquer deliberação por ausência de entendimento entre os sócios, sendo que o sócio (…)foi representado no acto pelo requerido (…).

i) Para ser submetido à aprovação da dita assembleia a insolvente elaborou Relatório de Gestão referente ao exercício de 2003 subscrito pelo requerido, mas sem a subscrição de técnico de contas, acompanhado do Balanço e da Demonstração de Resultados e respectivos anexos referentes a 31.12.2003, do qual constava descrito um prejuízo de € 137.864,93 e as menções de que o financiamento contraído pela insolvente (nele se incluindo o mútuo contraído perante a Caixa (…)  pelo valor de € 375.000,00) foi canalizado principalmente para a amortização de dívidas à segurança social e também para a (…)(então sócia da (…)e esta daquela) amortizar o seu passivo, ficando apenas uma pequena fatia para o fundo de maneio da empresa, e que a insolvente registou investimentos no valor de €22.946,67 relativamente ao imobilizado corpóreo.

j) Pelo dito relatório vinha proposta ou a redução do capital, ou a dissolução da sociedade ou a injecção de capital até perfazer dois terços do capital social (porquanto estava perdido metade do capital social).

k) A insolvente não procedeu ao depósito das contas referentes ao exercício de 2003, nem procedeu à elaboração e depósito das contas anuais referentes aos anos de 2004 e seguintes.

l) Por escritura pública outorgada em 17.02.2004 e registada na Conservatória do Registo Comercial de (...) em 23.02.2004, (…) e mulher (…), em representação da sua filha menor (…), e (…) declararam constituir uma sociedade comercial por quotas sob a firma (…)Ldª com sede no lugar e freguesia de (…) (...), tendo por objecto o fabrico, transformação e comercialização de produtos metálicos e poliuretanos, sua importação e exportação, com o capital social de €12.500,00, ficando nomeados para a gerência o sócio (…) e o aqui requerido (…), e sendo necessária a assinatura de apenas um gerente para obrigar a sociedade em todos os seus actos. (…) renunciou ao cargo e cedeu a sua quota a favor (…), a qual foi nomeada para a gerência em 21.10.2004, factos que foram conduzidos ao registo em 23.11.2004.

m) Após a sua constituição o requerido (…) instalou a actividade da sociedade(…) nas instalações da insolvente, aí laborando com afectação à actividade da (…) de equipamento industrial e de pelo menos dois funcionários da insolvente, e o que ocorreu até à entrega judicial daquele imóvel à Caixa (…) e consequente encerramento da actividade da (…), actividade que a (…) prosseguiu em outras instalações, com a fabricação dos mesmos produtos que até aí eram produzidos pela insolvente.

n) Após a declaração de insolvência o requerido (…) não entregou os elementos da contabilidade da insolvente, apesar de, por várias vezes, lhe terem sido solicitados pela sr.ª administradora, documentação que (…) conduziu para as novas instalações da (…) Ldª após o encerramento das instalações da insolvente, onde aquela até então exercia a sua actividade.

o) Na sequência e no âmbito da entrega do imóvel da (…) foi lavrado auto/inventário dos bens móveis ali existentes, dos quais o requerido foi nomeado fiel depositário, tendo procedido à respectiva remoção para instalações fabris próximas daquele local, pertença de um seu conhecido; alguns desses bens foram (na altura ou posteriormente) conduzidos para as novas instalações da (…).

p) Aquando da apreensão dos bens para a massa insolvente não foram encontrados todos os bens descritos no referido auto; notificado pela sr.ª administradora da insolvência para informar do paradeiro/destino dos bens em falta o requerido (…) respondeu por escrito a cada um dos itens por aquela enumerados com as seguintes menções: Comprado, Está no local, comprado em Tribunal, Desapareceu, Está lá, Não sei que tina é, Roubado.

q) Em sede de oposição ao presente incidente o requerido juntou aos autos títulos de transmissão de bens em seu benefício no âmbito de execuções e facturas a cargo da (…) tendo por objecto alguns dos móveis da mesma natureza e alguns das mesmas características dos descritos naquele auto de inventário (fotocopiadora, uma multifunções HP, monitor, estantes e metal castanho e bege, máquina de injecção, compressor, empilhador, balancés, porta paletes manuais, máquina de furar), sendo que algumas delas foram emitidas pela insolvente, datadas de Dezembro de 2005, Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 (estantes em metal preto, máquina de corte de tecido, balança Avery, duas tinas rectangulares do equipamento de pintura e secador).

r) As instalações onde foram depositados os bens que foram removidos das instalações da (…) situam-se em zona onde era frequente a ocorrência de furtos, sendo que pelo menos um deles foi praticado naquele local.

s) Nos autos de reclamação e de verificação (ulterior) de créditos foram reclamados créditos no montante total de cerca de € 690.000,00 titulados por fornecedores, Bancos, trabalhadores e Estado.

t) A segurança social reclamou crédito contra a insolvente no montante de cerca de € 27.000,00 referente a contribuições não pagas referentes aos meses de Novembro de 2002 a Dezembro de 2006, acrescidas de juros.

u) A Fazenda Pública reclamou crédito fiscal contra a insolvente referente a IRC e IRS de 2002 a 2006, IMI de 2005 e IVA de 2003 a 2005, no montante total de cerca de €70.500,00.

v) Após a declaração de insolvência foram apreendidos os bens móveis que constam do auto de fls. 4 e s. do apenso de apreensão de bens (D), sendo que o material e mobiliário de escritório encontrava-se amontoado e alguns dos bens ao ar livre (à chuva, ao sol) e num local enlameado, avaliados por perito avaliador no montante total de €2.110,00 e cuja venda rendeu €2.410,00; a massa insolvente é ainda constituída pelo depósito de €6.968,75 proveniente do processo nº 1993/04.4 TBAND do extinto 2º Juízo do Tribunal de Águeda.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Estatui o artigo 186º, n.º 2, do CIRE

1-  A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência.

2 – Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;

b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;

c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;

d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;

e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;

f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;

g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;

h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantendo uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;

i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º

3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:

a) O dever de requerer a declaração de insolvência;

b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

O preenchimento de qualquer das  situações ou  factos-índice  previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa.

Pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do adverbio «sempre».

Assim, verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do artº 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa.

Já que pode defender-se que estes factos índice mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa.

Pois que enquanto naquelas o legislador  apenas faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos a ilação de que um outro facto  -fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível - ocorreu, nestas desde logo se  estabelece uma valoração normativa da conduta que esses factos integram.

  Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009.

De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação  para a insolvência.

Já as situações do n.º 3 do mesmo artigo acarretam, por sua vez, uma presunção “juris tantum” de culpa grave, passível, por conseguinte, de ser arredada mediante prova em contrário – cfr. Carvalho Fernandes in  Revista Themis, 2005, p.94;  Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2006, II, p.14  e Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.03.2009, de 21.04.2009 e de 23.06.2009, dgsi.pt, ps. 1421/06.0TBAVR – H.C1,  369/07.6TBCDN-B.C1  e 273/07.8TBOHP.

Destarte, se verificadas as situações previstas no nº 3 do artº 186º, para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência.

Ou seja, é ainda necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência para concluir pela insolvência culposa, nos termos do nº 1 do citado art. 186º - cfr. o  supra cit. Ac. da Relação de Coimbra de 23.06.2009 e os Acs. da Relação do Porto de  20.10.2009 e de 26.11.2009, dgsi.pt. ps. 578/06.5TYVNG-A,.P1 e 138/09.9TBVCD-M.P1.

Posição que, aliás, nem sequer é pacífica na doutrina.

Pois que há quem defenda que, comparando o conteúdo das als. h) e i) do n.º 2 com o das als. a) e b) do n.º 3 «elas pouco se distinguem… sob o ponto de vista da sua aptidão para serem causas da criação ou do agravamento da insolvência» pelo que «estas presunções não são simplesmente de culpa qualificada – no (f)acto praticado –  mas são de culpa qualificada na insolvência.»

 Existindo para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violaram obrigações legais.

E onerando-se assim, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respectivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade – cfr. Catarina Serra, in Caderno de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março, 2008, p. 60 e segs.

5.2.2.

No caso vertente a Sra. Juíza concluiu que os factos apurados permitem a subsunção da conduta conduta do opoente  desde logo na previsão das alíneas d) e f) do nº2  do artº 186º do CIRE.

Para tanto expendeu que: «Resultou… provado que em Fevereiro de 2004 o requerido (…) assumiu a gerência de uma sociedade – (…) - que naquela data constituiu em representação da sua filha menor, e cuja actividade instalou no imóvel da insolvente, onde laborou com afectação à respectiva actividade de equipamento industrial e de dois funcionários da insolvente, situação que perdurou até à entrega judicial daquele imóvel à Caixa (…) e consequente encerramento da actividade da (…)l, actividade que a (…) prosseguiu em outras instalações, com a fabricação dos mesmos produtos que até aí eram produzidos pela insolvente.

 Mais resultou provado que o requerido transferiu para aquela nova sociedade a propriedade de alguns dos bens da insolvente (estantes em metal preto, máquina de corte de tecido, balança Avery, duas tinas rectangulares do equipamento de pintura e secador), transferência que justificou com a junção aos autos de facturas emitidas pela insolvente a cargo da (…) datadas de Dezembro de 2005, Outubro, Novembro e Dezembro de 2006.

Ora, tal factualidade, a par da circunstância prevista pela al. f) do nº 2 do art. 186º (pois que o requerido, na qualidade de gerente de facto e de direito da insolvente, afectou bens e meios humanos da insolvente à actividade produtiva de uma outra sociedade da qual, para além de representante legal de uma das respectivas sócias, era também gerente, dessa forma afectando de bens da insolvente em proveito directo de pessoa especialmente relacionada com a insolvente e, indirectamente, em seu próprio proveito), integra ainda a prevista pela al. d) porquanto dos autos não constam (e para eles o requerido não carreou, antes sonegou) elementos bastantes, designada e principalmente, de natureza contabilística, susceptíveis de revelarem ou demonstrarem que da referida disposição de bens resultou um qualquer proveito produtivo ou financeiro proporcional para a insolvente, designadamente, em sede de pagamento/recebimento do preço que aquelas facturas formalmente titulam.».

(sublinhado nosso)

O recorrente pugna pela insuficiência dos factos apurados para assim se concluir. Defendendo que  para assim ser, outros  deveriam ter sido apurados –  cfr. conclusão 11ª.

Vejamos.

Tal como na aplicação dos textos legais, também na consideração dos factos apurados num processo se impõe ao julgador a tarefa, delicada mas nobre, da sua exegese ou análise interpretativa.

Na verdade toda a fonte necessita de interpretação para que revele a regra que encerra.

Se toda a fonte consiste numa matéria que encerra um sentido ou conteúdo: o seu espírito, importa  que sobre ela recaia uma actividade intelectual interpretativa como condição da  mesma extrair e dimensionar o seu sentido e alcance – cfr. Oliveira Ascensão in O Direito  2ªed., Gulbenkian, p.349 e sgs.

Na verdade o julgador não pode nem deve ater-se secamente à simples consideração dos factos literal e expressamente provados e decorrentes das alegações das partes, podendo e devendo sobre eles operar uma interpretação crítica, dinâmica e dialéctica – atenta, vg., a globalidade do factualismo apurado -  a qual, por força das regras da experiência comum e dos ensinamentos da lógica, pode acarretar que ele possa inferir a verificação ou ocorrência de outros, que são a consequência necessária, ou, pelo menos, normal daqueles.

Conexiona-se esta visão interpretativa com a figura da prova por presunções estabelecida no artº 349º e segs do CC.

Efectivamente as presunções, mais do que meios de prova são um processo mental que, com base em juízos de probabilidade, as regras da experiência e os princípios da lógica, permite o desenvolvimento da matéria de facto a partir de um facto conhecido,cfr. Artº 349º e sgs. do CC e Acs. Do STJ de 06.05.97, de 08.09.98 e de 12.04.05, dgsi.pt, p. 96A730, 98B560 e 05A830, respectivamente.

Assim, sendo as presunções judiciais, na tipificação do artigo 349.º do CC, «ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», integram a sua estrutura jurídica:

-a denominada base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova;

-os elementos de racionalidade lógica e técnico-experiencial actuando por indução sobre os mesmos factos;

- e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais;

Estando verificados os dois primeiros elementos, é licito ao julgador concluir pelo terceiro, ou seja, tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam o desenvolvimento e a consequência lógica daqueles – cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 25.03.2004  e de 24.005.2007 in dgsi.pt. p.03B4354 e 07A979.

5.2.3.

No caso sub Júdice dimana  da generalidade dos factos apurados - e, numa perspectiva mais abrangente, do teor dos depoimentos das testemunhas sagazmente analisados e valorados -  que nos anos anteriores ao início do processo de insolvência, existiu uma intrincada, complexa, meandrosa,  pouco clara  e quiçá, promíscua interligação entre a insolvente e outras empresas, maxime e no que para o caso interessa,  a (…)

Ao que não será inócuo o facto de estas sociedades serem geridas ou nelas terem interesses cruzados várias pessoas ligadas por laços de parentesco.

Indiciando-se suficientemente que, no âmbito de tais ligações, foram adstritos meios, máquinas e factores de produção de umas às outras.

 Designadamente no que concerne aos meios de produção pertença da insolvente que foram, pelo menos em parte, colocados à disposição da (…).

Tudo sob a batuta do recorrente que principalmente nos últimos anos tomou a actividade e o destino da insolvente nas suas mãos.

Tal resultou expressamente provado pelos  factos apurados nas alíneas m), o) e  p).

Ora perante esta prova e atento o que supra se expendeu  em 5.2.2., é legítimo concluir como a Sra. Juíza o fez, ou seja,  e designadamente, que para a insolvente não resultou qualquer proveito ou benefício da afectação de meios desta à (…)ou das alegadas vendas de material e equipamento daquela a esta.

Na verdade, provada, factual e objectivamente, tal afectação competia ao recorrente provar  e convencer inequivocamente que a (…) recebeu as contrapartidas adequadas a tal afectação.

Emergindo tal dever de uma adequada e equilibrada distribuição do ónus probandi, pois que a atribuição de tal ónus  ao tribunal ou à Sra. Administradora seria desajustada.

 Já porque se trataria da prova de um facto negativo – de que para a insolvente não resultou proveito – já porque, perante a natureza das coisas e a realidade da vida, a dificuldade de obtenção de meios probatórios nesse sentido ou a míngua dos mesmos, imputaria a tais agentes uma inultrapassável ou muito difícil tarefa, consubstanciadora de uma diabólica probatio.

Ao invés seria muito fácil ao recorrente provar as devidas contrapartidas e o pagamento do preço dos objectos alegadamente vendidos.

Mas não logrou tal prova. Pois que nem as testemunhas por ele arroladas nem os documentos por ele juntos convenceram nesse sentido.

As facturas por ele apresentadas, quando muito, apenas provam a transacção na sua vertente formal.

Tal como expendeu a Sra. Administradora nada garante que os bens a que as facturas se reportam fossem concernentes aos bens que estão em causa, mas antes outros com as mesmas características.

Ideia esta que resulta reforçada do facto de o recorrente apenas ter vindo a invocar que os bens não pertenciam á insolvente mas a outra empresa após saber do requerimento da qualificação da insolvência como culposa.

 O que, porém, não alegou aquando do auto de apreensão de bens na sequencia da entrega do imóvel pertencente à insolvente a que se reporta a al.0) dos factos assentes.

  Em todo o caso tais facturas, obviamente, não  provam que o preço nelas constante foi efectivamente pago à insolvente.

Modo tendencialmente idóneo a operar tal prova seria a junção aos autos dos elementos contabilísticos da (…) atinentes.

Mas neste particular mostram os autos e os factos apurados à saciedade, que o recorrente sempre se escapuliu à sua junção, não obstante para tal ter sido várias vezes intimado pela Sra. Administradora.

Nesta conformidade, e mesmo que lograsse provar a sua versão neste particular, o melhor que se pode dizer quanto à actuação do insurgente é que deveria ter agido com mais cautela e diligencia, pelo que se assim não andou, sibi imputet.

Em suma os factos apurados, devida e sagazmente interpretados, são mais do que suficientes – e à míngua de contra prova nesse sentido – para fazerem emergir a previsão das alíneas d) e f) do nº2 do artº 186º do CIRE.

O que clama a conclusão que, inelutavelmente e independentemente da não  verificação de qualquer outro segmento normativo deste preceito, a insolvência tenha de ser declarada culposa.

5.2.4.

Mas tal verificação ocorre.

5.4.2.1.

Desde logo no atinente à falta de contabilidade organizada.

Efectivamente apurou-se que após a declaração de insolvência o requerido (…)não entregou os elementos da contabilidade da insolvente, apesar de lhe terem sido solicitados pela (…) Polibarrô, Ldª após o encerramento das instalações da insolvente, onde aquela até então exercia a sua actividade.

Valem aqui as considerações supra expendidas quanto à adequada interpretação dos factos apurados e à distribuição do ónus da prova.

Aliás o facto de se ter provado que o recorrente não entregou, apesar de várias vezes interpelado para o efeito, no dizer da Sra. Administradora, os elementos da contabilidade, permite até concluir que, mais do que a inexistência de contabilidade organizada, inexistia, pura e simplesmente contabilidade.

 Pois que nada nos diz que a documentação que ele conduziu para as instalações da (…) se poderia taxar como consubstanciadora de contabilidade formalmente qua tale, ou seja, respeitadora das  concernentes regras legais (quer organizada quer desorganizada).

O que, outrossim, dimana  da circunstancia de se ter apurado que a insolvente não procedeu ao depósito das contas referentes ao exercício de 2003, nem procedeu à elaboração e depósito das contas anuais referentes aos anos de 2004 e seguintes.

Mas mesmo que assim não se entenda, e encurtando razões, é caso para perguntar: se o recorrente tivesse a contabilidade em ordem porque razão não a facultou à Sr. Administradora?

 Há actuações, ou omissões, que falam por si.

Ademais não pode obstruir-se a legal instrução do processo e, depois, cúmulo dos cúmulos, querer-se ainda colher proveitos de tal obstrução.

Ou, no chamamento de um aforismo popular, não pode simultaneamente querer-se «sol na eira e chuva no nabal».

Não merece, destarte, qualquer censura, antes pelo contrario, o entendimento da Sra. Juiza quando expendeu que: «a ausência dos registos contabilísticos obrigatórios, a par da ausência de entrega à sr.ª administradora de insolvência dos documentos contabilísticos de que dispunha, permitem concluir por uma total ausência de informação sobre a actividade comercial da insolvente, ao menos da desenvolvida durante os 3 anos que precederam o início do processo de insolvência e, a par das demais circunstâncias do caso (constituição de outra sociedade a laborar nas instalações da insolvente e com recurso a meios mecânicos e humanos desta, em benefício de quem foram posteriormente transferidos alguns bens do equipamento produtivo da  insolvente), permitem presumir que tais omissões, da responsabilidade do requerido, visaram encobrir a real situação financeira da insolvente por forma a permitir retirar um qualquer benefício em proveito pessoal ou de terceiros».

5.4.2.2.

Por outro lado no que tange ao dever de colaboração previsto na al.i) do nº2.

Estatui o artº 83º  nº1 do CIRE que o devedor insolvente fica obrigado a:

a) Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência…

c)Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para o efeito do desempenho das suas funções.

Sendo que nos termos do nº3:

A recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito de qualificação da insolvência como culposa.

Por seu turno nos termos do artº 186º nº2 al. I) considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que tenha incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até á data da elaboração do parecer sobre a qualificação da insolvência.

Como expendem Carvalho Fernandes e Luís Labareda, in CIRE Anotado,  2º, p.15,  para que artº 83º nº3 não entre em conflito com a al.i) do nº2 do artº 186º: «tem de se entender que o poder de livre apreciação que aquele atribui ao juiz não se aplica quando o incumprimento dos deveres de apresentação e colaboração seja «reiterado». Neste caso uma vez apurada a reiteração – e quanto à verificação desta o juiz tem liberdade de decisão -, a insolvência é sempre qualificada de culposa».

 In casu, neste particular importa considerar que a Sra. Administradora referiu que por diversas vezes requereu ao insurgente que lhe entregasse os elementos da contabilidade da insolvente e que ele, com diversos fundamentos, nunca concretizou.

Ora não tendo ele provado qualquer facto que justificasse tal não entrega tem de concluir-se que, reiteradamente incumpriu tal dever.

Assim se subsumindo a sua conduta em tal segmento normativo.

5.4.2.3.

Finalmente no concernente  ao incumprimento do dever de apresentação à insolvência.

Se bem que o processo de insolvência se assuma como uma apreensão e liquidação universal dos bens do devedor em que a finalidade essencial é a satisfação dos direitos dos credores, ele não se esgota neste desiderato.

Com efeito, nele releva também, entre outros fins, o saneamento do mercado, expurgando-se as empresas ou pessoas singulares económica ou financeiramente inviáveis, e a produção de vários efeitos decorrentes da declaração de insolvência como o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente. – Cfr. Ac. do STJ de 14.11.2006, dgsi.pt, p.06ª3271.

Estas as razões essenciais pelas quais a lei pretende que o devedor incapaz de satisfazer as suas obrigações vencidas se apresente voluntariamente à insolvência.

Assim, nos termos do artigo 18º, nº 1 do CIRE, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência tal como descrita no nº 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.

E estatui o seu nº 3 que quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do nº 1 do artigo 20º.

No caso sub Júdice relevam os factos apurados nas alíneas s), t) e u).

A Sra. Juíza pronunciou-se pela subsunção do caso na previsão da al. a) do nº3 do artº 186º  nos seguintes termos:

«Desde logo pela natureza e antiguidade das dívidas da insolvente à segurança social e à fazenda nacional é possível concluir pela incapacidade financeira da insolvente para, desde pelo menos o ano de 2002 e até 2006, pagar as respectivas obrigações, concretizando o facto indício de insolvência previsto pelo art. 20º, nº 1, al. g) do CIRE (ainda que não obstante a antiguidade de tais dívidas, apenas em 2005 possa considerar-se o dever de apresentação à insolvência da devedora, após a entrada em vigor do diploma legal que o consagrou).

Ora, a apresentação à insolvência do devedor que se encontra em tal situação, nos termos descritos pelo art. 3º (desde logo, impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas), configura comportamento que lhe está normativamente imposto para que com a maior brevidade possível seja encontrada uma solução que faça cessar os efeitos comuns da insolvência e na medida em que o seu arrastamento é susceptível de gerar mais inconvenientes e prejuízos, designadamente, pelo efeito bola de neve.

…Ora, se as dívidas da insolvente ao Estado permitem incontestavelmente concluir pela incapacidade financeira da insolvente para, a partir do ano de 2002, proceder ao pagamento dos respectivos débitos, a não apresentação à insolvência, senão antes pelo menos em 2005, permitem concluir que o incumprimento de tal dever agravou a situação de insolvência. Com efeito, a não apresentação provocou um agravamento do passivo, quer em termos de capital (ao menos nas dívidas ao Estado) quer de juros, e levou a uma diminuição do activo dado que os actos de disposição de bens da insolvente em benefício de terceiro, conforme facturas juntas pelo requerido, datam de Dezembro de 2005 e Outubro, Novembro e Dezembro de 2006, sendo que a essa data a insolvente já se encontrava em situação de insolvência e se tivesse havido apresentação não teriam sido realizados.»

Mostra-se acertado, na sua essencialidade ora relevante, este discurso argumentativo.

Efectivamente e na própria lógica da argumentação do recorrente, que reiteradamente afirmou ser o sócio que sempre se interessou pela actividade da empresa, tem de concluir-se que lhe era exigível ter-se apercebido do estado deficitário e, em princípio irremediável, da insolvente.

O que, pelo menos em parte, era demonstrado pelo facto de outros sócios se irem afastando e outras empresas se irem criando com objecto igual ou muito similar.

Tudo ao longo de dilatado lapso temporal: vários anos.

O que os factos ora apurados acabaram por cabal, ou, pelo menos, suficientemente, demonstrar.

Em conclusão final: improcede, meridianamente, in totum, o recurso.

6.

Sumariando.

I- Atento o princípio da liberdade de julgamento e livre apreciação da prova, e considerando, vg., as regras da imediação e da oralidade, apenas em casos extremos de uma evidente e notória falha de apreciação do quid probatório apresentado, designadamente pela afectação das regras da lógica e da experiencia comum, é que a decisão sobre a matéria de facto pode ser censurada.

II- O Julgador não tem que se ater, seca e formal e estanquemente, aos factos apurados, antes podendo/devendo interpretá-los, sagaz e criticamente, e deles retirar outros que, sem os desvirtuar ou contrariar, sejam a sua lógica e natural decorrência ou consequência.

III- Destarte, apurado em incidente de qualificação da insolvência que o requerido instalou nas instalações da insolvente a actividade de outra  sociedade, esta aí laborando com afectação de equipamento industrial e de pelo menos dois dos seus funcionários,  e que ele não entregou os elementos da  sua contabilidade, apesar de, por várias vezes, lhe terem sido solicitados pela Sr.ª Administradora, tem de concluir-se, à mingua de factos provados pelo recorrente que infirmassem a normais decorrências daqueles factos, que eles se subsumem na previsão das alíneas d), g) e h) do nº2 do artº 186º do CIRE.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença. 

Custas pelo recorrente.