Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98823/18.9YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PARTIDO POLÍTICO
CAMPANHA ELEITORAL
SERVIÇOS
MANDATO
REPRESENTAÇÃO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
CUSTAS JUDICIAIS
ISENÇÃO
REGULAMENTO DAS CUSTAS JUDICIAIS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - S.P.SUL - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 258, 268, 269 CC, LEI Nº 19/2003 DE 20/6, DL Nº 34/2008 DE 26/2
Sumário: 1.- No âmbito de uma campanha autárquica, tendo sido prestados serviços por uma empresa a solicitação da concelhia de um Partido Político, em que o candidato à Câmara Municipal e o mandatário financeiro foram os responsáveis pela elaboração das contas, eles agiram como mandatários com poderes de representação do Partido.

2.- Através da representação e dos poderes outorgados, os actos praticados pelo representante no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos (art. 258.º do CC) directamente na esfera jurídica do representado pelo que os “serviços” que o candidato à Câmara Municipal e o respectivo mandatário financeiro contrataram produziram efeitos na esfera jurídica do Partido.

3.- É, porém, na relação subjacente – no caso, no mandato – que se encontra o conteúdo de tais poderes e que entram as regras e limitações decorrentes da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei nº 19/2003, de 20/06), regras e limites que no fundo servem tão só para regular a relação da representação.

4.- Há abuso de representação quando há o exercício da actividade representativa dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da representação ou às indicações do representado ao representante.

5.- Mas no abuso de representação, a lei defende os terceiros contraentes, uma vez que, segundo o art. 269.º CC só é aplicável a regra da ineficácia relativa (em relação ao representado) constante do art. 268.º do CC, no caso da outra parte conhecer ou dever conhecer o abuso.

6.- O DL nº 34/2008 de 26/2, que aprovou o RCP e revogou a isenção de taxas de justiça e custas processuais constante do art. 10.º/3 da Lei nº19/2003, sendo um diploma do Governo, não respeitou a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República sobre as “associações e partidos políticos” (cf art. 164.º/alínea h) da CRP), padecendo nessa medida de inconstitucionalidade formal orgânica.

7.- Mantém-se em vigor o art. 10 nº3 da Lei nº 19/2003, de 20/06, nos termos do qual os partidos políticos beneficiam de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais.

Decisão Texto Integral:









Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

S (…), Lda., com sede em (...) , A (...) , intentou requerimento de injunção contra o Partido (…) com sede na (…), em B (...) , pedindo que fosse conferida força executiva a requerimento destinado a exigir o pagamento da quantia de € 8.206,19, sendo € 7.670,27 de capital, € 333,92 de juros de mora, € 100,00 de outras quantias e € 102,00 de taxa de justiça.

Alegou, em resumo, ter prestado, a solicitação da concelhia partidária de A (...) , serviços de serralharia civil para o requerido, no âmbito da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2017; e que o valor de tais serviços terá ascendido a € 11.207,76, tendo-lhe sido pagos € 3.537,49 e encontrando-se em dívida o montante de € 7.670,27, montante de que emitiu factura em 28/02/2018, que enviou ao requerido, razão por que peticiona juros moratórios (e € 100, 00 “a título de despesas administrativas e outras despesas suportadas com a cobrança da presente dívida”).

O requerido contestou.

Alegou/confirmou que concorreu às eleições autárquicas de 01/10/2017 em A (...) , tendo apresentado como candidato à Câmara D (…) e como mandatário financeiro C (…)os quais constituíam a estrutura local da campanha e que, por isso, nos termos do art. 22.º da Lei 19/2003 (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), eram os responsáveis pela elaboração e apresentação das respectivas contas de campanha; sendo “o orçamento da receita e da despesa elaborado e aceite pela estrutura local de campanha de A (...) , entregue pela Sede Nacional do P (…) à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos no valor de € 19.791,74[1]; e sendo “todas as adjudicações relativas a despesas de bens e serviços realizadas directamente pela estrutura local de campanha referida, que acordou os respectivos valores directamente com os fornecedores desses bens e serviços, negociando quantidades, preços, prazos de pagamento e demais condições comerciais, sem que disso o Partido (…) tivesse tido conhecimento”[2].

Assim, após a campanha eleitoral, apresentadas as contas pelo referido mandatário financeiro, o requerido pagou as despesas/facturas constantes da respectiva contabilidade, tendo pago à requerente o montante de € 3.537,49.

No que diz respeito à factura cujo pagamento é pedido na injunção, “desconhece por completo a que se refere a referida factura[3], sendo que tal factura “não se encontra na contabilidade de campanha, nem poderia porque foi emitida muito depois de 01/10/2017”[4], razão pela qual, sendo tal factura de 28/02/2018, “o Partido (…) constata que a referida candidatura contratou eventualmente serviços após a data da eleição, serviços esses que não tiveram benefício eleitoral dado que foram prestados depois das eleições de 01/10/2017”[5].

Assim, concluiu, terão sido o D (…) e C (…)  a contratar, “por sua conta e risco, serviços que não podem ser imputados ao P(…), que os desconhece em absoluto e rejeita[6]; sendo que o “P (…) só pode responder por dívida contraída na campanha e que tenha autorizado, encontrando-se a mesma a coberto do orçamento ou da subvenção, se maior que o orçamento, deduzida dos 10% de custos centrais, o que não é o caso do valor reclamado nesta factura mencionada na injunção[7].

E terminou a pedir que a injunção “corra termos contra os verdadeiros devedores, responsáveis pessoalmente pela aquisição de serviços ao fornecedor, a saber, contra D (…) e C (…) rejeitando o P (…) ser devedor do valor reclamado”.

Foram então os autos remetidos à distribuição como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

Após o que foi designado dia para julgamento e este realizado, com observância do formalismo legal, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo:

“ (…)

a) julgo o requerimento de injunção inepto no que tange à parcela de 100 euros (“Outras quantias”), em consequência do que, nessa parte ou parcela, absolvo o Réu da instância.

b) condeno o R. a pagar à A. a quantia de € 6.670,29, acrescida de juros moratórios, contados desde 18.9.18 (data da citação do Réu para os termos do requerimento injuntivo), à taxa de 7% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

c) absolvo o Réu do demais peticionado [sem prejuízo da decisão supra constante da alínea a)]. (…)”

Inconformado com tal decisão, interpõe o R./P (…) recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que a absolva de todo do pedido; terminou a sua alegação com longas conclusões – ao arrepio da “forma sintética” imposta pelo art. 639.º/1 do CPC – motivo por que aqui não se reproduzem.

Não foi apresentada qualquer resposta

Foram dispensados os vistos legais, cumprindo, agora, mantendo-se a regularidade da instância, apreciar e decidir.


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II – “Reapreciação” da decisão de facto

A propósito da elaboração da sentença, diz-se no art. 607.º/4/1.ª parte do CPC que “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”, no que, claro está, tem que respeitar o ónus de alegação das partes (e que se conter nos limites/poderes de cognição do tribunal), conforme o estabelecido no art. 5.º do CPC, ou seja, o juiz não estabelece a seu belo prazer, de forma livre e discricionária, os factos provados e não provados, sem prejuízo, claro está, de poder haver e serem considerados factos que estão com o alegado numa relação de instrumentalidade e complementaridade/concretização (como decorre das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do CPC).

Sucede que, quanto aos factos instrumentais, não sendo obrigatório incluí-los na fundamentação da sentença[8], não dá a sua não inclusão lugar a impugnação da decisão de facto; e que, quanto aos factos complementares/concretizadores, os mesmos não podem ser de “surpresa” e sem o devido contraditório – sem uma parte requerer que os mesmos sejam utilizados ou sem o juiz anunciar que equaciona servir-se deles – incluídos na fundamentação de facto duma sentença[9].

Vem isto a propósito da presente impugnação da decisão de facto, em que o R/apelante não coloca em crise um único facto dado como provado na sentença recorrida, pretendendo, apenas e só, que se acrescentem vários factos à fundamentação de facto, sendo que vários de tais factos ou são meramente instrumentais ou, sendo complementares/concretizadores, nunca foram antes alegados pelo R. nem sequer este manifestou, no final da audiência, que entendia que haviam sido devidamente discutidos e que era do seu interesse que pudessem ser provados/considerados na sentença.

Concretizando:

Pretende o R. que se acrescente e dê como provado que:

a) A requerente anulou em 14 de novembro de 2018 a fatura n.º 150, datada de 28 de fevereiro de 2018, tendo comunicado o facto à administração fiscal para efeitos de acertos de IVA e IRC.

b) Tendo para o efeito emitido uma nota de crédito do mesmo valor.

c) Em 14 de novembro de 2018 a requerente emitiu uma nova fatura, com o número 181, no mesmo valor do da fatura n.º 150.

d) Com referência aos valores inseridos pela Requerente na fatura n.º 150, datada de 28 de fevereiro de 2018, a mesma perdoou os juros que lhe eram devidos até à data de 14 de novembro de 2018.

e) Apenas o mandatário financeiro podia comprometer despesas na candidatura autárquica apresentada pelo P (…)em A (...) , facto que a Requerente conhecia.

f) Todas as adjudicações relativas a despesas de bens e serviços foram realizadas directamente pela estrutura local de campanha referida, que acordou os respectivos valores directamente com os fornecedores desses bens e serviços, negociando quantidades, preços, prazos de pagamento e demais condições comerciais, sem que disso o Partido (…) tivesse tido conhecimento.

g) A candidatura teve um orçamento de 16.952,90 €, que foi aceite pelo mandatário financeiro e pelo candidato em A (...) .

h) O orçamento final apresentado pela estrutura local de campanha de A (...) à Sede Nacional do P (…) por sua vez considerado por este na prestação de contas à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, foi no valor de € 19.791,74, não sendo ali feita qualquer referência à factura em causa nos autos.

i) A factura n.º 150, no valor de € 7.670,27 (sete mil seiscentos e setenta euros e vinte e sete cêntimos), datada de 28.02.2018, não foi incluída nas contas de campanha que o mandatário financeiro remeteu para a sede do P(…);

j) A factura referida no ponto anterior não se encontra na contabilidade de campanha interna do P(…) nem foi apresentada ou considerada nas contas apresentadas pelo P(…)ao Tribunal Constitucional.

k) Quer o mandatário financeiro C (…), quer o candidato às eleições autárquicas de 2017 em A (...) D (…), sabiam que não podiam gastar em outdoors mais do que 25% da despesa da candidatura;

l) As contas de campanha apresentadas pelo Mandatário Financeiro aos serviços centrais do P(…) relativas a outdoors foram no valor de 8.822,79 €, ainda sem considerar o valor da factura que está em causa nos autos, ultrapassando o limite legal estabelecido tendo em consideração os valores do orçamento atribuído.

Ora, cotejando tal factualidade com o que consta do relatório inicial, em que se reproduziu a quase totalidade da oposição do R., de imediato se conclui que nunca o R. alegou qualquer um dos factos constantes de tais alíneas a), b), c) e d); que, quanto à alínea e), a 1.ª parte não é verdadeiramente um facto (mas sim o que decorre da lei 19/2003) e a parte final – “facto que a requerente conhecia” – também não foi alegada na oposição; e que o que consta das alíneas k) e l) também não foi concretamente alegado na oposição.

Em todo caso – sem prejuízo da pretensão de incluir, através da impugnação da decisão de facto, a maioria dos factos transcritos ser processualmente irregular – uma vez que, na prática e em termos úteis, não faz diferença (na medida em que, por mais lassas e frouxas que tornemos certas regras do processo, sempre acabará por no final prevalecer a “substância” do exame crítico sobre as provas produzidas e/ou a devida e correcta apreciação jurídica), vamos proceder à inclusão de todos aqueles factos (referidos na impugnação da decisão de factos) que reputamos como suficientemente provados; mais, na mesma linha de “irregularidade processual”, até iremos um pouco mais longe e acrescentaremos outros factos (instrumentais e complementares) para que a explicação factual (e a posterior apreciação jurídica) seja cabal e sem hiatos.

Isto dito – esquecendo pois aquela regra do processo que manda que o juiz só dê como provado o que foi previamente alegado pelas partes (sem prejuízo do referido no art. 5.º/2 do CPC) – apreciando e dando como provado, sem limite[10], o que se discutiu em audiência, impõe-se reconhecer que a maior parte da factualidade que se pretende ver acrescentada até terá ficado provada.

Impõe-se mesmo começar por realçar que não se registaram, na prova testemunhal produzida[11], quaisquer verdadeiras divergências; o que sucedeu, isso sim, é que as 2 testemunhas da A. e as 2 de que o tribunal determinou a inquirição falaram fundamentalmente dos concretos outdoors cuja compra, aluguer e reparação são peticionados, enquanto as 3 indicadas pelo R. se concentraram nas regras e limites à realização de despesas nas campanhas eleitorais.

Assim:

Embora os factos constantes das alíneas a), b), c), d), k) e l) não hajam antes sido alegados, o que dos mesmos consta ficou claramente provado: foi o próprio “(…)” a explicar o que resulta das alíneas a), b), c), d) (em consonância com o que se extrai do documento de fls. 77), foram os próprios C (…) e D (…) a dizer que sabiam o que podiam gastar em outdoors e os € 8.822,79 gastos constam das contas apresentadas (fls. 76)[12].

Quanto à alínea e), a 1.ª parte, como já se referiu, está na lei; e a 2.ª parte, pode também dizer-se, foi admitida pelo “(…)”, que, na sua confessada condição de militante do P (…)[13], concedeu que sabia que o Cristiano é que podia contrair as despesas da campanha.

Quanto à alínea f), também toda a prova foi convergente, com excepção do trecho final, em que não se pode dizer, como se pretende, que todo o P(…) ignorasse o que se refere (a estrutura local também era P(…) e esta sabia-o), podendo apenas dizer-se e dar-se como provado que a Sede Nacional do P (…) não tinha conhecimento.

Quanto às alíneas g), i) e j), é o que consta e resulta dos vários documentos juntos (e de todo o enredo factual) e foi referido/confirmado pelo C (…) e D (…).

Finalmente, quanto à alínea h), nada há que justifique que se acrescente e dê como provado o que da mesma consta[14]; desde logo por não se perceber o seu conteúdo: refere-se que no orçamento final não é feita qualquer referência à factura em causa nos autos, mas, num orçamento/previsão, não parece sequer que haja referência a facturas (que constarão, isso sim, da conta final).

Mas, além disto, deve também ser dado como provado que:

Após as eleições autárquicas de 2017, já em 2018, o candidato à Câmara Municipal de A (...) , Dr. (…)  e o Presidente da C. P Distrital de C (...) , Dr. (…), reuniram por duas vezes, em B (...) , na Sede Nacional do P(…), com o Dr. (…) (Secretário-Geral Adjunto do P (…) e apresentado como testemunha pelo R.) para analisar o pagamento da factura 150 da A.;

Tendo sido de tais reuniões, tendo em vista o pagamento à A. do montante constante de tal factura, que “saiu” a solução da “substituição” das facturas constante das supra referidas alíneas a) a d) (pontos 10 a 13 dos factos infra alinhados).

Efectivamente, isto mesmo foi referido, em termos completamente convincentes, pelo Dr.º (…); e, com excepção da alusão às reuniões, também já antes havia sido referido pelo “(…)”, ou seja, também este explicou que, como a factura 150 não podia entrar nas despesas/conta das Autárquicas 2017, lhe pediram para passar uma 2.ª factura (em que, como se vê de fls. 59 e 77 e ele explicou, deixa de constar, na 2.ª factura, a alusão a “Autárquicas 2017”, passando a constar apenas “P(…)”).

Aliás, embora não fosse (nem seja) o cerne da divergência do R.[15], não será despiciendo deixar aqui registado que o candidato à Câmara Municipal de A (...) , Dr. (…)[16], e o mandatário financeiro, C (…) – “apenas e só” os responsáveis pela estrutura local da campanha autárquica – foram muito claros e categóricos em afirmar que os “serviços”[17] foram prestados pela A. e que o valor aqui peticionado é devido.

A dado passo do seu depoimento e como corolário de tudo o que já antes havia dito, referiu o Dr. (…): “toda a gente[18] sabe que o valor é devido. Aliás, nesta última reunião[19], nunca se colocou em causa que o valor está em dívida e tivemos oportunidade de explicar que diz respeito a bens que integram o património do PSD (…) Terem sido adquiridos na campanha é meramente circunstancial (…) E ele[20] entendeu o argumento (…) Tendo saído da reunião convencido que o “(…)” seria ressarcido”[21]

Enfim, é o que há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que procede nos termos acabados de fixar.


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III – Fundamentação de Facto

III – A – Factos provados:

1 – A A. dedica-se, além do mais, ao fabrico e venda de artigos em metal, bem como à prestação de serviços de serralharia.

2 – O R. concorreu às eleições autárquicas realizadas no pretérito dia 1.10.17, tendo apresentado candidaturas para a Câmara Municipal de A (...) , para a assembleia municipal de A (...) e para as assembleias de freguesia daquele mesmo concelho.

3 – Foi 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) o Dr. (…)sendo o mandatário financeiro do Réu, para o concelho de A (...) e para as eleições apontadas em 2, C (…)

4 – A solicitação do candidato e do mandatário financeiro identificados em 3, a A. construiu e montou 2 estruturas metálicas com a dimensão de 8x3 metros, cedeu, para efeitos da campanha eleitoral, e montou, diversas estruturas metálicas com a dimensão de 3x2 metros, que lhe pertenciam (a ela A.), e reparou diversas estruturas metálicas pertença do Réu, que também montou, estas com as dimensões de 3x2 metros e inferiores.

5 – Todas essas estruturas tinham por objectivo a instalação nas mesmas de ‘cartazes’ de propaganda tendo em vista as eleições acima mencionadas.

6 – Pela construção de cada uma das estruturas metálicas com a dimensão de 8x3 mts foi acordado, entre a A., e o candidato e o mandatário financeiros referidos em 3, o preço de 1.000 euros, já com IVA incluído.

7 – Pela reparação e montagem referidas em 4 a A. debitou o valor 788 euros, a que acresceria IVA, valor esse aceite pelos ditos candidato e mandatário financeiro.

8 – Pela cedência e montagem referidas em 4 a A. debitou o valor 4.635 euros, a que acresceria IVA, valor esse aceite pelos ditos candidato e mandatário financeiro.

9 – A A. emitiu, datada de 28.2.18, a factura cuja cópia consta a fl. 59 dos autos, com o n.º 150 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), através da qual são debitados os valores referidos em 7 e 8, bem como o valor referente à construção de uma estrutura metálica com a dimensão de 8x3 metros.

10 – A requerente anulou em 14 de novembro de 2018 a fatura n.º 150, datada de 28 de fevereiro de 2018, tendo comunicado o facto à administração fiscal para efeitos de acertos de IVA e IRC.

11 – Tendo para o efeito emitido uma nota de crédito do mesmo valor.

12 – Em 14 de novembro de 2018, a requerente emitiu uma nova factura, com o número 181, no mesmo valor do da factura n.º 150.

13 – Com referência aos valores inseridos pela Requerente na fatura n.º 150, datada de 28 de fevereiro de 2018, a mesma perdoou os juros que lhe eram devidos até à data de 14 de novembro de 2018.

14 – Até à data, o R. não pagou os valores mencionados em 7 e 8.

15 – Para além da factura referida em 9, a A. emitiu, por serviços prestados no âmbito da campanha eleitoral às eleições referidas em 2, as facturas nºs 118, de 14.9.17, e 122, de 29.9.17, nos valores, respectivamente, de 1.000 euros e de 2.537,49 euros, os quais foram integralmente pagos pelo Réu.

16) Apenas o mandatário financeiro podia comprometer despesas na candidatura autárquica apresentada pelo P(…) em A (...) , facto que a A. conhecia.

17) Todas as adjudicações relativas a despesas de bens e serviços foram realizadas directamente pela estrutura local de campanha referida, que acordou os respectivos valores directamente com os fornecedores desses bens e serviços, negociando quantidades, preços, prazos de pagamento e demais condições comerciais, sem que disso a Sede Nacional do P (…) tivesse tido conhecimento.

18) A candidatura teve um orçamento de 16.952,90 €, que foi aceite pelo mandatário financeiro e pelo candidato em A (...) .

19) A fatura n.º 150, no valor de € 7.670,27, datada de 28.02.2018, não foi incluída nas contas de campanha que o mandatário financeiro remeteu para a sede do P(…).

20) E não se encontra na contabilidade de campanha interna do P(…) nem foi apresentada ou considerada nas contas apresentadas pelo PS(…) ao Tribunal Constitucional.

21) Quer o mandatário financeiro C (…), quer o candidato às eleições autárquicas de 2017 em A (...) , D (…), sabiam que não podiam gastar em outdoors mais do que 25% da despesa da candidatura.

22) As contas de campanha apresentadas pelo Mandatário Financeiro aos serviços centrais do P(…) relativas a outdoors foram no valor de 8.822,79 €, ainda sem considerar o valor da factura que está em causa nos autos, ultrapassando o limite legal estabelecido tendo em consideração os valores do orçamento atribuído.

23) Após as eleições autárquicas de 2017, já em 2018, o candidato à Câmara Municipal de A (...) , Dr. (…), e o Presidente da C. P Distrital de C (...) , Dr. (…), reuniram por duas vezes, em B (...) , na Sede Nacional do P (…), com o Dr. (…)e apresentado como testemunha pelo R.) para analisar o pagamento da factura n.º 150 da A..

24) Tendo sido de tais reuniões, tendo em vista o pagamento à A. do montante constante de tal factura, que “saiu” a solução da “substituição” das facturas constante dos pontos 10 a 13.


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III – B – Factos não Provados

Não se provou que:

a) no dia 24.1.18 a A. tenha endereçado, à secção de A (...) do Réu, uma carta através da qual peticionava o pagamento das quantias referidas em 6 a 8.

b) os serviços referidos em 7 e 8 (e as estruturas metálicas com a dimensão de 8x3) tivessem sido prestados depois de 1.10.17, ou que as estruturas a que os mesmos se referem não tivessem sido usadas no âmbito da campanha eleitoral às eleições referidas em 2.

c) Que o Réu não tenha pago o valor correspondente à estrutura metálica mencionada em 9 da factualidade (na factura nº 150).


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IV – Fundamentação de Direito

Os presentes autos/recurso, mais do que um litígio entre a A. e o R., é, salvo o devido respeito, um litígio do R. consigo próprio, mais exactamente, entre o P(…)(a Sede Nacional do P (…) e os responsáveis pela estrutura local do P(…) de A (...) na campanha autárquica de 2017; e, refira-se, antecipando desde já a solução, no litígio interno, até assistirá razão à Sede Nacional do P(…), porém, contra a A., que é o que aqui interessa, não “vale” tal razão.

Expliquemo-nos:

É absolutamente claro, (e, bem vistas as coisas, perante o conteúdo explícito e implícito das posições processuais, nunca esteve verdadeiramente em causa), em face dos factos, o seguinte:

 - que a A., a solicitação quer do 1.º candidato do P(…) à Câmara Municipal de A (...) quer do mandatário financeiro de tal candidatura, prestou, tendo em vista a campanha autárquica de 2017, os “serviços” identificados em 7 e 8 dos factos provados;

 - que tais “serviços” (e a respectiva facturação) não foram incluídos nas contas da campanha que o mandatário financeiro da candidatura remeteu para a Sede Nacional do P(…)e nas contas que esta, depois, apresentou na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (junto do TC), sendo que o montante de tais “serviços”, somado aos outros que foram efectuados e pagos dentro da mesma rubrica da despesa (estruturas, cartazes e telas), excedia o limite de 25% que, da totalidade da subvenção estatal, podia ser gasto em tal rubrica.

E a questão que se coloca (e que o R. suscita na apelação) tem a ver com o modo como o 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) e o mandatário financeiro de tal candidatura exerceram, no que diz respeito à autorização e controlo das despesas da campanha eleitoral, o mandato que lhes foi conferido.

Questão que o R/apelante situa, em face dos raciocínios jurídicos que faz, no campo do mandato com representação (art. 1178.º do C. Civil), argumentando com as regras e limitações decorrentes da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei 19/2003, de 20-06) para afirmar e concluir que os citados 1.º candidato e mandatário financeiro efectuaram despesas ilegais à luz de tal Lei, sem poderes para as efectuar ou em abuso de poderes, pelo que, em síntese, não vinculam e responsabilizam o R/apelante.

Concordamos que o mandato com representação é o modo de configurar juridicamente a questão; assim como concordamos com a chamada à colação das regras e limitações decorrentes da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais – embora esta não seja, como é evidente, a sede e o meio próprios para apreciar e fiscalizar as contas da campanha eleitoral em causa – porém, no contexto do presente litígio, tais regras e limitações não podem ser chamadas para, a partir das ilegalidades e incumprimentos das obrigações impostas em tal Lei, concluir, sem mais, que o R/apelante não é responsável pelo pagamentos dos “serviços” prestados pela A..

Não se discute que o 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) e o respectivo mandatário financeiro tivessem, no âmbito da respectiva campanha eleitoral, um mandato e poderes de representação do R./P(…): estabelecem-se mesmo, em conformidade com tais mandato e representação, diversas responsabilidades, para ambos, na referida Lei 19/2003 (como nos art. 22.º, 23.º e 28.º e ss.)

E, em termos de direito civil (que é onde, nesta jurisdição comum, nos movemos), quando há poderes de representação e mandato (ou seja, mandato com representação) há como que dois níveis: o nível da representação e o nível da relação subjacente.

Através da representação e dos poderes outorgados, os actos praticados pelo representante no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos (cfr. art. 258.º do C. Civil) directamente na esfera jurídica do representado (ou seja, os “serviços” que o 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) e o respectivo mandatário financeiro contrataram produziram efeitos na esfera jurídica do R/apelante); sendo, porém, na relação subjacente – no caso, no mandato – que se encontra o conteúdo de tais poderes e que está estabelecido e/ou de onde resulta o critério de comportamento de cada um, representado e representante, no que respeita aos poderes de representação.

E é justamente aqui – tão só como conteúdo da relação subjacente, ou seja, do mandato – que entram as regras e limitações decorrentes da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei 19/2003, de 20-06), regras e limites que no fundo servem tão só para regular a relação da representação.

É, mutatis mutandis, como na procuração, que “é um negócio jurídico incompleto”, que funciona em conjunto com uma relação jurídica que lhe está subjacente e que só tem plena eficácia prática em conexão com o negócio jurídico que lhe serve de base.

Procuração que não é um negócio causal – estando configurada no C. Civil como um negócio de base abstracta – uma vez que, caso fosse causal, poucas seriam as pessoas que aceitariam celebrar negócios com um procurador e correr o risco do dominus vir mais tarde invocar a relação subjacente para impugnar o negócio; ou seja, a “eficiência prática” da procuração – enquanto instrumento que legitima o terceiro para agir em representação de outrem – exige a abstracção, pelo que a lei privilegia a tutela da confiança de quem contrata com o procurador.

Temos pois – é onde pretendemos chegar – que o 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) e o respectivo mandatário financeiro, no exercício dos poderes de representação do R./(…), não terão respeitado, em face dos factos provados, o conteúdo da relação subjacente a tais poderes de representação (ou seja, o mandato), uma vez que, ao contratarem os “serviços” aqui peticionados pela A., ultrapassaram as despesas com outdoors (estruturas, cartazes e telas), violando o art. 18.º/6 da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei 19/2003, de 20-06).

Só que tal desrespeito pela relação subjacente (mandato) não assume ou “atinge” a representação sem poderes (art. 268.º do C. Civil), configurando “apenas” uma situação de abuso de representação (art. 269.º do C. Civil).

Há abuso de representação quando há o exercício da actividade representativa dentro dos limites formais dos poderes conferidos, mas de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da representação ou às indicações do representado ao representante.

Diversamente, num caso de representação sem poderes, o representante actua para além dos contornos exteriores dos poderes outorgados: é o caso de alguém que actua sem poderes, por nunca lhe terem sido outorgados quaisquer poderes representativos; é o caso de alguém a quem foram outorgados poderes de representação que, posteriormente, cessaram por qualquer uma das formas referidas no art. 265.º do C. Civil; e é o caso do excesso de representação, em que o representante está munido, na realidade, de poderes de representação, mas ultrapassa os limites dos mesmos na sua actuação representativa.

Última hipótese esta, de falta de poderes por excesso de representação, que faz fronteira com o abuso de representação, mas que desta se distingue por o excesso dos poderes representativos ser formal e não apenas material.

É o caso, v. g., de alguém outorgar a outrem poderes representativos para este lhe arrendar uma casa e o representante adquirir uma casa, hipótese em que há um desvio formal aos poderes conferidos, que existiam, mas não para um negócio jurídico com tal conteúdo.

Ora – é o ponto – não é este o caso dos autos/recurso e do comportamento do 1.º candidato à Câmara Municipal de A (...) e do respectivo mandatário financeiro, que tinham poderes de representação do R./P(…) exactamente para aquilo em que ocorreu o desrespeito do conteúdo da relação subjacente, ou seja, para contrair despesas para a campanha eleitoral em causa.

E numa situação como esta, de abuso de representação, a lei defende os terceiros contraentes, uma vez que, segundo o art. 269.º C. civil, só é aplicável a regra da ineficácia relativa (em relação ao representado) constante do art. 268.º do C. Civil, no caso da outra parte conhecer ou dever conhecer o abuso.

O que, como é evidente, não é o caso.

Não se provou que a A. soubesse, quando os seus “serviços” foram contratados, que estavam a ser ultrapassadas as despesas com outdoors e a ser violado o art. 18.º/6 (da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) e o conteúdo do mandato.

Provou-se, é certo, que a A. sabia que “apenas o mandatário financeiro podia comprometer despesas na candidatura autárquica apresentada pelo P(…) em A (...) ” (facto 16), o que, porém, fica muito longe do conhecimento (ou do dever conhecer) do abuso de representação.

Aliás, num caso como o presente, o conhecimento do abuso de representação só é concebível em relação a quem esteja por dentro do montante do orçamento global para a campanha e, além disto, de todas as despesas que passo a passo vão sendo efectuados[22], o que, como é compreensível, é bastante inverosímil acontecer a todo e qualquer fornecedor de bens e serviços[23].

Se a representação do R/apelante, quando no âmbito duma campanha eleitoral contrata o fornecimento de bens e serviços, fosse um “negócio causal” – que é o que, no fundo, o R. sustenta na apelação – poucas passariam a ser as pessoas que aceitariam fornecê-lo e correr o risco do R/apelante vir mais tarde invocar que o seu representante tinha ultrapassado as despesas para que estava autorizado/mandatado[24].

Enfim, o abuso de representação (dos seus representantes) não produziu, no caso, qualquer ineficácia relativa, produzindo os negócios jurídicos em causa efeitos jurídicos na esfera jurídica do R/apelante.

Negócios jurídicos que, como se refere na sentença recorrida, consistiram num ou em vários contratos de empreitada e de aluguer, nada havendo a acrescentar ao que, a tal propósito, foi exposto na sentença recorrida, dizendo-se tão só, muito em síntese, que resulta dos factos provados que a A./apelada prestou ao R./apelante, a pedido deste (por intermédio dos seus representantes), as reparações e cedências temporárias constante dos pontos 7 e 8 dos factos; pelo que celebraram contratos de empreitada (art. 1207.º do C. Civil) e de aluguer (art. 1922.º e 1023.º do C. Civil), emergindo assim, para o R/apelante, o dever de pagar os respectivos preços e retribuições, pagamentos que se provou o R/apelante não haver efectuado e que, como facto extintivo que é (art. 342º/2 do C. C.), lhe cabia provar[25].

Não se verificando, por a factura invocada na injunção ter sido anulada e depois passada nova factura (conforme pontos 10 a 13 dos factos provados), uma qualquer nulidade de sentença.

Efectivamente, o R/apelante não tem razão quando argumenta:

“que foi condenado no pagamento duma factura que já não existe (…), que não tem existência contabilística, nem fiscal”

“que a A./Requerente nunca efectuou nos autos qualquer alteração do pedido, no sentido das referências feitas no requerimento injuntivo à factura n.º 150 passarem a ser reportados à factura nova, com o número 181”

“o que não poderá deixar de determinar a anulação da Douta Sentença em virtude dos. seus fundamentos estarem em contradição com a decisão nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC”

E não tem razão pelo seguinte:

As injunções – e foi assim que o presente processo começou – caracterizam-se pela congénita insuficiência e escassez na exposição e concretização da matéria de facto.

Mas não há qualquer fundamento legal para tal acontecer, uma vez que a causa de pedir – mesmo nas injunções – “é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[26], o que quer dizer que se deve fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito invocado, não bastando sequer a indicação da relação jurídica abstracta (ou seja, a A. devia alegar o regulamento contratual combinado, isto é, no caso, os elementos essenciais dos concretos contratos de empreitada e de aluguer, identificando as obras a realizar e os bens a ceder, os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos; após o que devia dizer o que aconteceu em termos de execução contratual).

Do que vemos ser repetidamente feito nas injunções, do confronto entre a omissão quase completa e total do que em rigor jurídico-processual tem que ser alegado e a mera e repetitiva alusão a facturas, fica a ideia, reconhece-se, que se cuida que a mera emissão e junção duma factura é o fundamento (causa de pedir) da pretensão deduzida, quando, como é evidente, o fundamento está nos concretos negócios/contratos celebrados que as facturas se limitam a documentar para fins contabilísticos e fiscais.

O que significa que uma mudança de factura – a anulação duma e a emissão doutra – não tem qualquer repercussão em termos processuais; não equivalendo a uma qualquer alteração da causa de pedir e/ou do pedido.

Questão diversa – que não é a dos autos/recurso, nem a suscitada – é a de saber se a emissão e apresentação duma factura, respeitante a um serviço prestado, para além de satisfazer a obrigação legal imposta pelos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA, acaba por funcionar também como uma condição de cuja verificação/preenchimento depende a exigibilidade do pagamento em causa.

Vale a pena ter presente que o IVA é um imposto cobrado por uns, mas suportado economicamente por outros; daí o disposto nos referidos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA, segundo os quais (e sem prejuízo do disposto no art. 7.º/1/a) do CIVA, de acordo com o qual o IVA é devido e torna-se exigível no momento da realização do serviço) a obrigação do pagamento deste imposto só nasce com a emissão do documento contabilístico competente, ou seja, da respectiva factura.

Emissão obrigatória de factura que é pois uma condição legal da exigibilidade do IVA pela prestador do serviço ao utilizador do serviço (que é quem deve efectivamente suportá-lo, que é a contribuinte de facto); e, sendo assim, não é apenas o IVA que não pode ser exigido sem prévia emissão e apresentação de factura (com os requisitos estabelecidos no art. 36.º/5 do CIVA), é antes toda a dívida que não pode ser exigida (uma vez que, sendo o IVA exigível no momento de realização do serviço, a remuneração deste serviço não pode ser exigida sem ser exigido o respectivo IVA).

Seja como for, insiste-se, não é o caso dos autos/recurso, em que foi passada nova factura, com o IVA devido e aqui peticionado[27].


*

É quanto basta, em conclusão, para julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Com excepção, porém, da condenação do R/apelante nas custas.

Pelo seguinte:

A já referida Lei 19/2003 (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais) estabeleceu, no seu art. 10.º/3, a isenção de taxas de justiça e custas processuais para os partidos políticos.

Entretanto, posteriormente, o art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, que aprovou o RCP, veio dispor que “são revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei”; dando-se o caso de, quanto aos partidos políticos, se prever, em tal RCP, tão só que os mesmos estejam isentos de custas “no contencioso previsto nas leis eleitorais” (art. 4.º/1/e) do RCP).

A situação é exactamente igual à ocorrida entre o art. 9.º/e) do DL 595/74, de 7-11, e o art. 5.º do DL 118/85, de 19-04; em que o referido art. 9.º/e) do DL 595/74 dizia que os partidos políticos beneficiavam de isenção de “preparos e custas judiciais” e em que, posteriormente, o art. 5.º do DL 118/85 veio dizer que revogava todas as “disposições legais que estabeleçam isenções de custas não previstas no CCJ”.

Situação/revogação esta que levou o TC (em Acórdão de 02-08-1988) a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de tal art. 5.º do DL 118/85, de 19-04, por entender que “não pode deixar de se considerar inserida na gama dos direitos tutelados pela regra da reserva absoluta a norma que concede a isenção de preparos e custa judiciais aos partidos políticos, desde logo porque a isenção traduz um direito ou regalia derivado da sua própria estrutura estatutária”.

Assim, seguindo o mesmo raciocínio e argumentação, temos que o DL 34/2008, que aprovou o RCP e revogou a isenção de taxas de justiça e custas processuais constante do art. 10.º/3 da Lei 19/2003, sendo um diploma do Governo, não respeitou a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República sobre as “associações e partidos políticos” (cfr. art. 164.º/alínea h) da CRP), padecendo nessa medida – na medida em que o art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, seja interpretado como revogando o art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06 – de inconstitucionalidade formal orgânica.

Em consequência, mantém-se em vigor o art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06, e o R/apelante beneficia “de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais”.


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V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Declara-se a inconstitucionalidade formal orgânica, por desrespeito da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República sobre as “associações e partidos políticos” (cfr. art. 164.º/alínea h) da CRP) do art. 25.º/1 do DL 34/08, de 26-02, interpretado como incluindo a revogação do art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06.

Sem custas, em ambas as instâncias (por o R./apelante estar isento, nos termos do art. 10.º/3 da Lei 19/2003, de 20-06).


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Coimbra, 22/10/2019

Barateiro Martins ( Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 6.º da Oposição.
[2] Art. 8.º da Oposição.
[3] Art. 10.º da Oposição.
[4] Art. 11.º da Oposição.
[5] Art. 12.º da Oposição.
[6] Art. 13.º da Oposição.
[7] Art. 15.º da Oposição.

[8] Como refere Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, pág. 322, “é função do juiz relatar – e relatar de foram precisa e completa – os factos essenciais que se provaram em juízo”; sendo apenas a estes que se refere o n.º 3 do art. 607.º do CPC; pelo que “ (…), nessa conformidade, o campo privilegiado dos factos instrumentais é o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais constante do n.º 4 do art. 607.
[9] Cfr. Abrantes Geraldes, CPC Anotado, pág. 28 e 29.
[10] Inclusive, o limite colocado pelo direito substantivo, ou seja, esquecendo que só se deve dar como provado ou não provado o que for juridicamente irrelevante; é certo que, hoje, não há uma explícita norma como a do antigo art. 511.º/1 do VCPC, porém, as coisas passam-se exactamente do mesmo modo e o juiz só deve incluir no elenco da fundamentação de facto o que tiver ressonância jurídica para o objecto da lide ou, como se referia em tal art. 511.º/1, “a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”.
[11] E nas “declarações de parte” da requerente; efectivamente, (…), embora formalmente testemunha, prestou em “substância” declarações de parte, uma vez que é o filho do dono da serralharia e tudo foi tratado apenas com ele como representante da serralharia.
[12] Embora também tenha resultado que em tal verba se incluem, além das respectivas estruturas metálicas, as telas e os cartazes.
[13] Disse inclusivamente que paga as quotas e vai às reuniões da Secção de A (...) .
[14] Para além das alíneas g), i), j), h), k) e l) serem, no essencial, a mesma coisa dita de várias maneiras.

[15] Que, no perímetro da existência e veracidade dos “serviços” invocados pela A., se limitou a colocar questões sobre a existência de prévio orçamento e da sua redução a escrito (o que não aconteceu), bem como a perguntar genericamente (designadamente, ao candidato à Câmara Municipal) se constatou a colocação das estruturas por parte da A..
[16] Que, aparentemente, não tem qualquer desentendimento com o R., sendo até o Presidente da Comissão Política da sua Secção de A (...) .
[17] Entre aspas, uma vez que só em parte foram tecnicamente “serviços”.
[18] Querendo referir-se às pessoas no P (…)
[19] A tal 2.ª reunião na Sede Nacional do P(…), com o Dr. (…)
[20] Referindo-se ao Dr. (…).

[21] Talvez por isto – por ter ficado convencido que o R. ia pagar – transmitiu-o ao “(…)”, que a dado passo do seu depoimento referiu que o Dr. (…) lhe disse que não haveria julgamento e que, “hoje [antes do julgamento], estavam aqui para lhe pagar a dívida”.

[22] Uma coisa é saber-se que há limites e outra, diversa, saber-se que tais limites estão a ser violados.
[23] Ainda que, como é o caso do “(…)”, militante do R/apelante.

[24] Quem contratasse com o representante do R/apelante tinha que passar a fazer, de cada vez que lhe solicitavam um fornecimento, uma espécie de apreciação prévia das contas da campanha e ver se havia “cabimento” para a despesa que o seu fornecimento geraria.

[25] Tendo-se provado a construção de apenas duas estruturas metálicas com a dimensão de 8X3 e incluindo os pagamentos já efectuados pelo R. duas dessas estruturas metálicas, a sentença recorrida não condenou no aqui peticionado pagamento do que seria uma 3.ª estrutura metálica com a dimensão de 8X3 (ou seja, embora os representantes do R. dissessem que os € 7.670,29 eram devidos, o R. foi condenado em menos € 1.000,00).
[26] Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 234.

[27] A propósito das facturas – do que consta dos pontos 10 a 13 – a única censura processual que poderia ser feita (ex vi art. 8.º do CPC) era ao R/apelante, por este dizer que “desconhece por completo a que se refere a referida factura”, quando, como se deu como provado nos pontos 23 e 24, o tema foi objecto de duas reuniões, em B (...) , na Sede Nacional do P(…), estando presente o Dr. (…) tendo sido inclusivamente de tais reuniões, tendo em vista o pagamento à A. do montante constante da factura, que “saiu” a solução da “substituição” de facturas.