Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/12.5TASEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: RECUSA DE JUIZ
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
FALTA DE TESTEMUNHA
CRIME CONTINUADO
Data do Acordão: 02/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA CENTRAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º, 45.º, N.º 2, 333.º, N.º 1, 331.º, N.º 1, DO CPP; ART. 33.º DA LEI N.º 112/2009
Sumário: I - A mera apresentação do requerimento não deve ter o efeito imediato de suspender a normal tramitação do processo.

II - Não obstante o recebimento do pedido de recusa, o juiz recusado deve ordenar o prosseguimento dos autos, com a realização do debate instrutório no qual foi deduzido o incidente e respectiva decisão, pois é a melhor forma de defender o interesse da vítima e a própria tramitação normal do processo.

III - Os interesses de quem requereu a recusa serão sempre assegurados e estarão acautelados pela possibilidade de anulação até dos próprios actos praticados até ao momento em que é pedida a recusa se deles resultar prejuízo para a justiça da decisão do processo.

IV - Se o incidente for julgado procedente, os actos serão anulados nos termos referidos e a pretensão do arguido é satisfeita.

V - O tribunal não ordenou e não é obrigado a tomar medida para obter a comparência do arguido, pois quando a lei diz que o tribunal “toma as medidas necessárias”, nada mais quer dizer que “pode tomar as medidas necessárias”.

VI - Obviamente que, ao dar início ao julgamento e concluí-lo, subentendeu manifestamente que não era imprescindível a presença do arguido desde o início da audiência para a descoberta da verdade material, que era prescindível a sua presença e que como tal não havia consequentemente necessidade e era inútil tomar medidas para obter a sua comparência.

VII - O art. 331.º, n.º 1, do CPP, consagra que a falta de testemunha determina, em princípio, a adiamento.

Mas, para haver adiamento, torna-se necessário que o presidente oficiosamente ou a requerimento decida por despacho que a presença da pessoa faltosa é indispensável á boa decisão da causa, como se prevê no n.º 2.

VIII - A tomada de depoimento para memória futura não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

IX - Uma situação em que o arguido pratica reiteradamente acto de violência física e psíquica contra a ofendida, favorecido pelo facto de viverem juntos e melhor exercer o domínio e controle sobre a vítima de violência doméstica, por não diminuir a culpa, exclui o crime continuado.

X - Outra solução não defenderia a vítima, pois se o arguido continua a exercer violência doméstica sobre a companheira, não se compreenderia a condenação nos termos dos art. 79.º e 81.º, do CP, o que só beneficiaria o arguido em prejuízo da vítima.

Decisão Texto Integral:



Processo comum com intervenção do tribunal colectivoda Comarca da GUARDA - Instância Central – Secção Cível e Criminal – Juiz 1.
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Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
A) Recurso do acórdão:
No processo supra identificado foi pronunciado o arguido A... , solteiro, natural de (...) , onde nasceu a 7 de Julho de 1968, filho de (...) e de (...) , residente na (...) Seia, pelos factos descritos no despacho de pronúncia constante de fls. 788 a 793 pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, nos 1, al. a), e 2, e de um crime de violação, p. e p. pelo art.164.º, n.º 1, ambos do Código Penal.
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O tribunal colectivo deliberou:
 I. Absolver o arguido do imputado crime de violação.
II. Condenar o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nos 1, alínea a), e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
III. Condenar o arguido a pagar a B... a quantia de € 3 000,00 (três mil euros), nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 2, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, e 82.º-A do Código de Processo Penal.
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Inconformado com o acórdão proferido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª - A 9 de Outubro de 2013 foi proferido pelo Colectivo do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Seia o acórdão de fls. 1564 a 1574 destes autos, no qual se condenou o arguido pela prática de um crime de violência domestica, p. e p. pelo art. 152.°, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.
- Questão prévia com influência para o presente recurso:
2.ª - Por requerimento de 22.07.2015 o arguido veio aos presentes autos arguir a nulidade insanável e de conhecimento oficioso prevista na al. c) do artigo 119.º, do C.P.P., na medida esteve ausente durante a audiência de julgamento e não se encontrava representado por advogado mandatado, nem por defensor.
3.ª - Para o efeito alegou que a assinatura constante na procuração junta aos autos pela Il. Advogada que o representou na audiência de julgamento foi falsificada, e requereu que se ordenasse a realização de um exame pericial à assinatura aposta naquela procuração forense, e bem assim a suspensão destes autos até à decisão a proferir sob a invocada nulidade, após a realização do requerido exame pericial.
4.ª - As presentes alegações de recurso são apresentadas sem que o arguido tenha conhecimento da resposta do Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1.ª Instância ao referido requerimento e à invocada nulidade.
5.ª – Assim, é sem rescindir da arguição daquela nulidade que se apresentam as presentes alegações de recurso.
Da nulidade insanável contemplada na al. c) do art. 119.° do C.P.P., pela realização da audiência de julgamento sem a presença do arguido:
6.ª - O arguido, devidamente notificado para a 1.ª e 2.ª datas da audiência de julgamento, faltou - sem que haja justificado a falta - tendo-se iniciado ambas as audiências sem a sua presença e produzido a respetiva prova (cfr. atas de fls. 1524/1527 e 1540/1545).
7.ª - Ninguém pode ser julgado na ausência sem que seja cumprido o formalismo em que tal é permitido (artigos 332.º, n.º 1 e 333.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.).
8.ª - Esse formalismo implicava que o Coletivo se pronunciasse: (i) sobre a não imprescindibilidade da presença do arguido desde o início da audiência para a descoberta da verdade material; (ii) sobre a prescindibilidade da sua presença no julgamento; (iii) sobre a realização das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
9.ª - No entanto, a audiência de julgamento decorreu sem que o Tribunal Coletivo se tenha pronunciado sobre nenhuma destas questões, ocorrendo, por isso, a nulidade insanável contemplada na al. c) do artigo 119.º, do C.P.P., que aqui expressamente se invoca.
- Do não adiamento da audiência devido à falta de comparência da ofendida:
10.ª - A ofendida, na qualidade de testemunha arrolada pelo Ministério Público, devidamente notificado para a 1.ª e 2.ª datas de julgamento, faltou - sem que haja justificado a falta - tendo decorrido ambas as audiências sem a sua presença (cfr. atas de fls. 1524/1527 e 1540/1545).
11.ª - A ofendida era a única testemunha presencial dos factos imputados ao arguido e, por isso, não obstante ter prestado declarações para memória futura na fase de inquérito, o seu depoimento presencial, nos termos do n.º 8 do artigo 271.º, do C.P.P., era essencial à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material.
12.ª - Como a audiência não tinha sofrido ainda qualquer adiamento para efeitos do artigo 331.º, n.º 1 do C.P.P., o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre se a presença da testemunha (ofendida) era indispensável ou não à boa decisão da causa e, nesse contexto, deveria ter adiado (se a considerasse, como se impunha, indispensável à boa decisão da causa) o julgamento.
13.ª - Acontece que não foi prestado depoimento pela ofendida, não foi justificada qualquer impossibilidade de ser obtido esse depoimento, nem o tribunal se pronunciou sobre se a presença dessa testemunha era indispensável à boa decisão da causa.
14.º - Para mais, contêm os autos - como certamente o Coletivo não ignorará, mas que incompreensivelmente resulta haver ignorado ou desvalorizado elementos que permitem, de modo sério, questionar a credibilidade das declarações prestadas pela arguida.
15.ª - Impondo-se, por isso, de forma reforçada, que o Tribunal considerasse a presença da ofendida na audiência de julgamento indispensável à boa decisão da causa.
16.º - Assim, considerando o disposto no artigo 340.º, n.º 1 do C.P.P., não tendo o Tribunal a quo adiado o julgamento, em clara violação daquela norma, cometeu a nulidade a que alude o art. o 120.º, n.º 2 al. d) do C.P.P. por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade, a qual aqui expressamente se invoca.
- Exceção de caso julgado por violação do princípio ne bis in idem:
17.ª - O arguido foi condenado no Processo Comum Colectivo n.º 43/06.0GASEI, do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por acórdão proferido em 7 de Maio de 2008, transitado em julgado em 11 de Junho de 2010, pela prática de um crime de maus tratos, a que atualmente corresponde o crime de violência doméstica, na pessoa da ora ofendida B... , na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, com sujeição a regime de prova, que cumpriu. (cfr. ponto n.º 46 dos factos provados e certidão de fls. 181 e ss dos autos).
18.ª - O acórdão proferido no processo n.º 43/06.0GASEI incidiu sobre factos ocorridos, pelo menos, até ao ano de 2007.
19.ª - Comparando ambas as decisões, torna-se claro que certos factos dados como provados no acórdão ora recorrido se incluem no âmbito espácio-temporal da condenação anterior.
20.ª - Assim, no que respeita à primeira parte do facto provado n.º 3 "Durante todo o tempo de vivência em comum do casal, o arguido sujeitou a ofendida, sua companheira, a humilhações e agressões (…)" - o arguido nunca poderia ser condenado neste processo por factos praticados durante todo o tempo de vivência em comum do casal, abarcando assim um "pedaço de vida" do arguido já objeto de decisão equiparada.
21.ª - O ponto n.º 16 dos factos provados do acórdão recorrido, que se refere a uma agressão com uma pá de brinquedo, diz respeito a factos que já haviam sido julgados no processo n.º 43/06.0GASEI e que constam especificamente nos n.º 11 e 12 da matéria de facto não provada desse acórdão.
22.ª - Resulta claro do acórdão recorrido que o Tribunal a quo não logrou situar temporalmente este facto, reportando-se apenas ao facto de ter ocorrido em ocasião anterior aos demais factos.
23.ª - Nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida, esta também referiu que este episódio ocorreu há muito tempo atrás, quando os dois filhos mais velhos eram pequenos (cfr. pág. 17 e 71 da transcrição das declarações da ofendida a fls. 383 e ss. dos autos).
24.ª - Por sua vez, o ponto n.º 29 dos factos provados refere-se ao controlo exercido desde sempre pelo arguido em relação à ofendida e ao facto de sempre a ter impedido de trabalhar e de auferir os seus próprios rendimentos.
25.ª - O ponto n.º 30 dos factos provados diz que o arguido sempre adquiriu os alimentos necessários à subsistência da ofendida e dos filhos e que só traz para casa o que lhe aprouver e quando lhe apetece.
26.ª - O ponto n.º 31 dos factos provados refere que o arguido nunca permitiu que a ofendida tomasse qualquer método contraceptivo, contra a vontade desta.
27.ª - O Tribunal a quo não deu como provado um único facto concreto, ocorrido em data posterior ao "período de história de vida" do arguido e da ofendida que já foi julgado no processo n.° 43/ 06.0GASEI, que justifique que o arguido volte a ser submetido a julgamento pela suposta prática de tais factos.
28.ª - Ora, com o trânsito em julgado do acórdão proferido no processo anterior, transitou em julgado o "pedaço de vida" do arguido que, formando uma unidade de sentido, se submeteu à apreciação daquele Tribunal.
29.ª - Deste modo, no que respeita aos pontos de facto n.ºs 3, 1.ª parte, 16, 29, 30 e 31, o arguido foi julgado duas vezes pela prática dos mesmos factos, em violação do princípio ne bis in idem previsto no n.º 5 do art. 29.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, por isso, ser declarada a exceção de caso julgado e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido.
- Das imputações genéricas e violação das garantias de defesa do arguido:
30.ª - Num tipo de crime tão amplo como a violência doméstica, a precisa indicação e concretização dos factos necessários à integração no tipo deve ser um elemento essencial do julgamento. Porém,
31.ª - Os pontos n.ºs 3 (1.ª parte) e 4 dos factos provados são puras imputações genéricas, sem qualquer concretização factual.
32.ª - Os pontos n.ºs 5, 6, 7, 17, 18 e 19 dos factos provados são imputações genéricas, indefinidas e imprecisas, que impossibilitam um adequado contraditório do arguido. Não se precisam as datas e os locais em que ocorreram as agressões físicas e ofensas verbais, nem quantas vezes nem em que circunstâncias aquelas foram perpetradas. Não se faz qualquer referência à intensidade das agressões, à zona do corpo atingida, ao tipo, gravidade, caracterização e localização das lesões da ofendida.
33.ª - Os pontos n.ºs 20, 21, 22, 23, 24 e 25 dos factos provados não passam também de fórmulas imprecisas, genéricas e asserções conclusivas, não sendo feita qualquer menção à data, local, nem concretos termos em que tais ameaças e afirmações foram proferidas.
34.ª - Os pontos n.ºs 29 e 30 dos factos provados, referindo-se ao controlo exercido pelo arguido sobre a ofendida, são meras cogitações generalizantes, sem que seja feita referência, em toda a fundamentação do acórdão, a um único facto concreto que possa suportar este tipo de conclusões.
35.ª - A defesa do arguido contra estas imputações é absolutamente impossível, uma vez que não é feita uma única referencia a datas, locais, modo de execução, circunstâncias da ação ou circunstâncias envolventes à prática das mesmas.
36.ª - Os pontos n.ºs 31 e 32 dos factos provados são também asserções, generalizantes e conclusivas, pois não é feita, em toda a fundamentação do acórdão, nenhuma referência a qualquer acontecimento concreto e circunstanciado, em que o arguido tenha proibido a ofendida de tomar um método contraceptivo, contra a vontade desta, muito menos relativamente às afirmações que lhe são imputadas, quanto à vontade de ter uma equipa de futebol.
37.ª - O Tribunal a quo não fez mais do que presumir que o arguido nunca permitiu que arguida tomasse qualquer método contraceptivo, pela simples razão de, certa vez, ele se ter deslocado ao Centro de Saúde de (...) e demonstrado o seu desagrado pela colocação de um implante contraceptivo. Com efeito,
38.ª - A imputação e prova de factos genéricos não pode de forma alguma fundamentar a aplicação de uma pena, uma vez que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido se possa defender eficazmente.
39.ª - O próprio princípio constitucional da presunção da inocência traduz-se, para além do mais, no direito do arguido a exigir a individualização concreta dos factos imputados, não se concebendo também como é que o Tribunal pode ter formulado, quanto a estes factos, um juízo de condenação para além da dúvida razoável.
40.ª - Pelo exposto, devem os factos dados como provados sob os n.ºs 3,4, 5, 6, 7,17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 31 e 32 da matéria de facto terem-se como não escritos por violação irreparável do contraditório, das garantias de defesa em processo penal, e do princípio da presunção de inocência - n.ºs 1, 2 e 5 do art. 32 da Constituição da República Portuguesa -, revogando-se o acórdão recorrido.
- Contradição insanável entre o facto provado n.º 8, 9 e 10, o ponto c) dos factos não provados, a fundamentação e a decisão:
41.ª - O Tribunal deu como provado, nos pontos n.ºs 8, 9 e 10, que o arguido agarrou numa tábua e projetou-a, atingindo a ofendida, tendo fundamentado a decisão condenatória também neste episódio (cfr. 4.° parágrafo da pág. 15 do acórdão).
42.ª - Porém, o Tribunal considerou que não ficou provado que o arguido projetou a tábua em direção à ofendida (cfr. ponto c) dos factos não provados).
43.ª - E na fundamentação do acórdão diz o seguinte (6.° parágrafo da pág. 8):
"É de notar que a ofendida, no presente caso, logrou, apesar disso, "retificar" o tom inicial quanto à agressão com a tábua, em relação à qual o Tribunal Coletivo não ficou convencido, para além de uma dúvida razoável, que o arguido tivesse procurado atingir a ofendida, não só devido à incerteza do depoimento desta nessa parte, mas também pelo facto de o arguido reconhecidamente não maltratar os filhos diretamente (. .. )"
44.ª - Assim, se por um lado, a matéria de facto dada como provada é insuficiente para condenar o arguido, uma vez que não se provou o elemento subjetivo, isto é, que o arguido quis projetar a tábua em direção à ofendida, com intenção de a atingir;
45.ª - Por outro lado, de acordo com um raciocínio lógico, a fundamentação do acórdão, referida na conclusão n.º 43, justificava uma decisão precisamente oposta, isto é, justificava a absolvição do arguido, nesta parte, e não a sua condenação, o que consubstancia uma contradição insanável entre a fundamentação do acórdão e a decisão, devendo, por este motivo, o acórdão recorrido ser revogado.
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
46.ª - No ponto n.º 14 dos factos provados refere-se que "Nessa altura, o arguido agarrou num boneco que se encontrava na mesinha de cabeceira e arremessou-o contra a ofendida, atingindo-a no braço ( ... )", mas o Tribunal não deu por provado, como se impunha, que esse "boneco era susceptível de causar algum dano físico à ofendida.
47.ª - Dado que a maior parte dos bonecos são absolutamente inofensivos e, se arremessados na direção de alguém, são insuscetíveis de causar lesões com dignidade penal, o Tribunal a quo, no cumprimento do seu dever de descoberta da verdade material, podia e devia ter indagado sobre o tipo de boneco em causa, as suas dimensões e o material de que era feito.
48.ª - Nos pontos n.ºs 29 e 30 dos factos provados consta que "o arguido (…) sempre a impediu de trabalhar e, dessa forma, auferir os seus próprios rendimentos, garantindo deste modo o seu domínio e controlo sobre a mesma, já que não tem acesso ao dinheiro (…)" e ainda que "é o arguido quem adquire e sempre adquiriu os géneros alimentícios necessários à subsistência da ofendida e dos filhos de ambos e só traz para casa o que lhe aprouver e quando lhe apetece."
49.ª - No entanto, o Tribunal também deu como provado que "a ofendida beneficiou do rendimento social de inserção até 7 de junho de 2013 (…) " e que" o abono de família, no montante mensal de € 211,14, é pago através de transferência bancária" (pontos n.ºs 39 e 40 dos factos provados).
50.ª - Ora, se o Tribunal deu como provado que a ofendida beneficiava de rendimento social de inserção e também de um abono de família, mensal, de € 211,14, não se pode concluir, sem mais, que o arguido impedia a ofendida de ter os seus próprios rendimentos (em sentido lato estas prestações sociais são rendimentos) e que era ele que sempre adquiria os alimentos para a família, só comprando o que lhe apetecesse.
51.ª - Impunha-se que se desse por provado, nomeadamente, em que conta bancária eram depositadas aquelas prestações sociais; se a ofendida tinha ou não acesso a esse dinheiro; se não tinha acesso, como é que o arguido a impedia de aceder ao dinheiro; se tinha acesso ao dinheiro, então de que forma é que o arguido a controlava e porque é que esta não utilizava esse dinheiro para comprar alimentos.
52.ª - Nestes termos, no que respeita aos acontecimentos descritos no ponto 14, 29 (parcialmente, na parte transcrita na conclusão n.º 48) e 30 da matéria de facto, padece o acórdão do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que resulta do texto da própria decisão recorrida.
Sem prescindir,
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:
53.ª - São os seguintes os concretos pontos de facto que o arguido considera incorretamente julgados e que aqui se dão por reproduzidos: 3 (r parte), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 46.
A) Insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados; violação do princípio da presunção de inocência e in dubio pro reo:
54.ª - O Tribunal deu como provados os factos que se impugnam neste recurso (à exceção do ponto n.º 46), unicamente com base nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida na fase de inquérito, sem qualquer outro suporte probatório e sem que a ofendida estivesse sequer “à disposição” do Tribunal do julgamento.
55.ª - O Tribunal a quo prescindiu por completo da oralidade e imediação tão necessárias a quem haja de julgar, uma vez que se limitou a complementar as declarações da ofendida com provas absolutamente inócuas, que não fazem qualquer referência - direta, indireta, indiciária ou presuntiva - à prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados.
56.ª - O teor dos factos imputados ao arguido - que envolvem, entre outros, murros, pontapés, arrastamento por escadas a baixo, saltos em cima das costas, aperto de pescoço com fio de prumo - são, em abstrato, suscetíveis de causar lesões e marcas visíveis que não se compadecem com esta aberrante ausência de prova.
57.ª - O Tribunal a quo não se limitou a dar crédito às declarações da ofendida, tratou-se antes, sempre com o devido respeito, de um "voto de fé" subjetivo e arbitrário.
58.ª - Assim, pela manifesta insuficiência da prova para os factos que foram dados como provados, e consequente violação dos limites estabelecidos pelo artigo 127.° do C.P.P. à livre apreciação da prova pelo julgador e dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo – n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - devem os concretos pontos de facto n.ºs 3 a 38 serem dados como não provados, absolvendo-se o arguido e revogando-se o acórdão recorrido.
B) Factos e provas que impõem que o Tribunal não possa dar credibilidade aos depoimentos da ofendida, no mínimo, para além da dúvida razoável:
B.1:
59.ª - Na fundamentação do acórdão recorrido (cfr. pág. 8 e 19) reconhece-se: (i) que o depoimento da ofendida foi imperfeito; (ii) a possibilidade da ofendida ter exagerado no seu relato; (iii) a existência contradições no depoimento da ofendida; (iv) o facto de a ofendida não revelar grande precisão quanto a datas e ocorrências concretas; (v) que a ofendida tendeu a ampliar a gravidade das agressões; (vi) a existência de incertezas no depoimento; (vii) o facto de não haver agressões físicas especialmente censuráveis, ao contrário do que é dito pela ofendida; (viii) o facto de o período de tempo a considerar não atingir um nível apreciável.
60.ª - O Tribunal não pode fundamentar a credibilidade de um depoimento na imperfeição do mesmo: os depoimentos imperfeitos são, em regra, prestados por quem não está a dizer a verdade; quem diz a verdade fá-lo, em regra, de forma coesa e coerente.
61.ª - Não existe qualquer fundamento para que o Tribunal possa justificar a incapacidade da ofendida de memorizar eventos, datas e factos concretos, com os efeitos que um suposto quotidiano agressivo e humilhante terão eventualmente produzido nessa mesma capacidade de memorização.
62.ª - Se às ilações vertidas no acórdão, sintetizadas na conclusão n.º 59, conjugarmos o facto de não existirem outros elementos de prova que reforcem a credibilidade da versão da ofendida, então, com o devido respeito, é contrário às regras da experiência comum, arbitrário e logicamente irracional que a conclusão a retirar daquelas ilações seja dar-se credibilidade ao depoimento da ofendida para além da dúvida razoável, em violação clara dos princípios de inocência do arguido e do in dúbio pro reo – n.º 2 do art. 23 da CRP.
B.2:
63.ª - No excerto transcrito de minutos 11,19 a 16,14 das declarações para memória futura prestadas em 20.09.2012 pela ofendida, esta refere cristalina mente que todo o episódio descrito nos factos provados n.ºs 11 a 14 ocorreu na noite anterior e no próprio dia em que apresentou a queixa contra o arguido, aliás, a apresentação da queixa foi tida pela ofendida como consequência direta, e por isso incindível, daquele episódio.
64.ª - Por sua vez, na dita queixa-crime (a fls. 2 e 3), apresentada pela ofendida em 22.03.2012, consta que a ofendida declarou que todo este episódio afinal tinha ocorrido no dia 10 de Março de 2012, portanto, doze dias antes do dia em que apresentou queixa. O que não faz sentido nenhum!
65.ª - A credibilidade das declarações da ofendida tem de ser colocada em causa porque a contradição que salta à vista é de uma intensidade elevadíssima e há algo de muito grave que definitivamente não bate certo à luz das mais elementares regras da lógica e da experiência.
66.ª – Esta contradição agora exposta, impõe, no mínimo que persista uma dúvida razoável acerca da credibilidade das declarações da ofendida, impondo por isso uma decisão diversa da recorrida.
B.3:
67.ª - Da análise dos excertos transcritos de minutos 00,45 a 02,35, 03,21 a 05,10 e 06,21 a OS,23 do depoimento prestado na audiência de julgamento de 11.09.2013 pela testemunha S..., agente da GNR, resulta que, apesar deste ter tido diversos contactos com a ofendida, nunca teve conhecimento, direto, indireto, ou por via da ofendida, de qualquer ato de violência, física ou verbal, por parte do arguido, e também nunca se apercebeu que aquela apresentasse lesões físicas, como escoriações, inchaços ou nódoas negras.
68.ª - Esta testemunha referiu apenas que a ofendida se queixava do controlo que o arguido exercia sobre ela, sem no entanto especificar nenhum facto concreto.
69.ª - Ora, este depoimento não é minimamente compatível com o teor das declarações prestadas pela ofendida, porque se a ofendida efetivamente se queixou à testemunha do controlo exercido pelo arguido, então o normal, segundo as regras de experiência comum, seria a ofendida também queixar-se a esta testemunha, agente da GNR, dos restantes comportamentos que imputou ao arguido, ou pelo menos de algum deles, mostrando-lhe até algum ferimento que tivesse sofrido.
70.ª - Por outro lado, na fundamentação do acórdão não se encontra qualquer referência ao facto de a ofendida, podendo, durante todo este tempo, nunca ter relatado a este agente da GNR nenhum dos episódios e agressões que imputou ao arguido; também não é feita qualquer referência ao facto de esta testemunha nunca se ter apercebido da existência de qualquer lesão na ofendida.
71.ª - A análise crítica destas considerações assume fulcral importância na ponderação da credibilidade, por si só, do depoimento da ofendida, desde logo porque são idóneas a colocar o Tribunal numa situação de dúvida razoável quanto à veracidade da versão dos factos relatados pela ofendida, razão pela qual o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar sendo nula a sentença nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379.º, do C.P.P ..
B.4:
72.ª - A questão de se saber se a ofendida sofria ou não de problemas psíquicos graves  - e se tal seria suscetível de afetar a sua percepção da realidade, a credibilidade das suas declarações e bem assim justificar os comportamentos agressivos desta - foi suscitada no processo, como aliás é expressamente reconhecido na página 10 (último parágrafo) e 11 do acórdão, tendo o Tribunal concluído que nada se provou a este respeito.
73.ª - A fls. 1049 dos autos (4.° volume) encontra-se um relatório de urgência da ofendida aquando da sua deslocação ao Hospital de (...) , a 9 de Maio de 2013, no qual consta que a ofendida "tem antecedentes de depressão bipolar extrema", referindo-se ainda que a mesma se encontrava, desde Março, sob medicação de "seroquelsr" e "toripamato 50mg", medicamentos que se destinam, entre outros, ao tratamento da perturbação bipolar e episódios maníacos.
74.ª - Este facto era do conhecimento do Tribunal, desde logo porque a fls. 1013 dos autos (4° volume) consta uma cópia da embalagem destes dois medicamentos, sob a descrição: “cópia extraída da medicação na posse da ofendida”.
75.ª - Torna-se, pois, claro, que constam dos autos provas inequívocas que a ofendida, durante o decorrer do processo, sofria de doença psíquica grave, encontrando-se medicada para o efeito, a qual impõe que se coloque em causa a credibilidade das suas declarações, no sentido de não permitir que o tribunal formule um juízo de credibilidade para além da dúvida razoável.
76.ª - Por outro lado, dadas as provas, ou, no mínimo, fortes indícios, constantes nos autos de que a ofendida sofria da doença bipolar, a sujeição da mesma a uma perícia psiquiátrica que aferisse a sua idoneidade psíquica para prestar declarações credíveis era uma diligência essencial para a descoberta da verdade.
77.ª - Ao omitir-se de realizar estas diligências essenciais para a descoberta da verdade, incorreu o Tribunal na nulidade prevista no artigo 120.º, n.° 2, al. d) do C.P.P., que aqui expressamente se argui.
B.5:
78.ª - Da análise do excerto transcrito de minutos 03,25 a 04,10 e 05,22 a 05,35 das declarações para memória futura prestadas em 20.09.2012 pela ofendida, resulta que esta não conseguiu explicar de forma minimamente credível como é que, encontrando-se o arguido em cima da carrinha e esta em baixo, ele lhe conseguiu desferir a chapada referida no ponto n.º 9 dos factos provados.
79.ª - Mas ficou também evidenciada a incerteza e volatilidade do depoimento da ofendida e a forma empolada e desproporcionada como percepciona os factos, uma vez que, se num primeiro momento a ofendida deixa claro que o arguido lhe arremessou propositadamente com uma tábua, logo de seguida diz que afinal o arguido nem viu para onde mandou a tábua e que nem pensou que a podia aleijar.
80.ª - Também resulta daquele excerto que no único episódio em que a ofendida se deslocou ao hospital, o arguido em nada se opôs que a tal acontecesse; se assim era, então porque é que, na sequência de todas as outras alegadas agressões, a ofendida não foi ao hospital?
B.6:
81.ª - O facto de a ofendida ter sido condenada pelo crime de denúncia caluniosa, por sentença proferida no processo n.º 6/09.4GASEI, do ex 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, proferida em 29.06.2011 e transitada em julgado em 23.09.2011, foi por diversas vezes invocado pelo arguido durante o processo (cfr. fls. 38, 633 e 1232, sendo que nesta última é referido o número do processo e o Tribunal onde estava a decorrer) e até mencionado pela ofendida (fls. 597), mas nunca foi considerado pelo Tribunal.
82.ª - O Tribunal a quo podia e devia ter solicitado o Certificado de Registo Criminal da ofendida de modo a aferir se esta havia ou não sido condenada pela prática de um crime de denúncia caluniosa, pelo que, ao omitir-se de realizar diligência essencial para a descoberta da verdade, incorreu na nulidade prevista no artigo 120.°, n.° 2, al. d) do C.P.P., que aqui expressamente se argui.
B.7
83.ª Não obstante o Tribunal a quo ter considerado que a ofendida agiu sob pressão e coação do arguido, é inegável que esta assumiu condutas processuais contraditórias ao longo de todo o processo, ora acusando o arguindo, ora negando a veracidade daquelas acusações (cfr. cartas de fls. 17, 596, 597 e 975 e ata de declarações de fls. 979).
84.ª - Da análise dos excertos transcritos de minutos 01,28 a 02,13, 06,54 a 10,59 do depoimento prestado na audiência de julgamento de 18.09.2013 pela testemunha H... , resulta que esta acompanhou a ofendida ao Tribunal aquando da entrega da carta de fls. 596 e 597, tendo ainda dito que, nessa altura, a ofendida se encontrava num estado de normalidade, não tendo manifestado qualquer sinal de tensão ou de estar de alguma forma a agir contrariada.
85.ª - Também quando a ofendida, em 03.05.2013, se deslocou ao Tribunal e entregou pessoalmente ao Sr. Escrivão a carta de fls. 975, na qual declarou desistir da queixa contra o arguido, nada foi referido pelo Sr. Escrivão, nomeadamente no auto de declarações de fls. 979, em relação a qualquer comportamento fora do normal revelado pela ofendida.
86.ª - Por outro lado, ficou também demonstrado pelos excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas G... (minutos 1,48 a 2,54 e 5,26 a 5,54) e H... (minutos 5,29 a 6,52), ambos prestados na audiência de julgamento de 18.09.2013, que a ofendida fazia por estar perto do arguido, mesmo quando este estava impedido de contactar com ela.
87.ª O próprio arguido enviou várias cartas para os autos, dando conta que a ofendida se estava a aproximar dele e a introduzir-se na sua habitação durante o período em que, em virtude da medida de coação que lhe havia sido aplicada, aquele não se podia aproximar dela (cfr. cartas do arguido de fls. 912 e 913, 922 e 937), para além de também ter evidenciado esta situação numa queixa que apresentou contra a ofendida (cfr. fls. 1231 e 1232).
88.ª - O equívoco do Tribunal nesta matéria é ainda mais evidente quando se atenta ao facto de, após o arguido ter ido para a Alemanha, o comportamento processual da ofendida ter culminado com o facto desta ter faltado injustificadamente à audiência de julgamento, ter largado a nova vida que tinha em Portugal, e ter ido, juntamente com os quatro filhos, também para a Alemanha ter com o arguido.
89.ª - A ofendida agiu precisamente nos termos que indiciavam as cartas que enviava para o processo; ora, se as condutas que imputou ao arguido fossem verdadeiras, se efetivamente vivesse num quotidiano de agressões, humilhações e terror, por que razão largaria tudo para ir ter com o arguido?
90.ª - Todas os factos e concretas provas elencadas nas conclusões n.º 59 a 90 impõem que o Tribunal não possa dar credibilidade ao depoimento da ofendida, no mínimo, para além da dúvida razoável, impondo assim decisão diversa da recorrida.
C) Da personalidade do arguido e da ofendida:
91.ª - Ficou demonstrado pelos excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas O.... (minutos 5,23 a 5,49) eP... (minutos 2,44 a 3,20), ambos prestados na audiência de julgamento de 18.09.2013, que o arguido era uma pessoa impecável, educada e respeitosa.
92.ª - Por outro lado, consta no acórdão que o arguido reconhecidamente não maltratava os filhos, nutrindo por eles um grande afeto e demonstrando sentido de responsabilidade, como aliás foi salientado pela própria ofendida e pelas várias testemunhas.
93.ª - Esta caracterização da relação entre o arguido e os seus filhos não é minimamente compatível, à luz das regras da experiência comum, com o teor dos factos provados n.º 8,11 e 24.
94.ª - Mesmo a testemunha N... , no excerto transcrito do seu depoimento (minutos 3,09 a 7,44), prestado na audiência de julgamento de 18.09.2013, para além de, globalmente, não caracterizar a personalidade do arguido de forma tão negativa como ficou plasmado no acórdão, referindo que o arguido era um homem preocupado com a família e com uma ótima relação com os filhos, caracterizou a ofendida como sendo uma pessoa com um ave distúrbio psíquico e bastante ofensiva com o arguido relatando episódios concretos onde a sua personalidade perturbada foi evidenciada.
D) Dos pontos de facto n.ºs  5 e 6:
95.ª - Da análise do excerto transcrito de minutos 06,27 a 07,11 das declarações para memória futura prestadas em 20.09.2012 pela ofendida, resulta que esta situa a prática pelo arguido das ofensas verbais descritas no ponto de facto n.º 5 também na rua, à frente de toda a gente.
96.ª - Se assim é, não se pode dizer que a prova direta destes factos é restrita, em virtude destes terem ocorrido entre quatro paredes, impondo-se que alguém os tivesse confirmado perante o Tribunal, o que não aconteceu.
E) Do ponto de facto n° 14
97.ª - Da análise do excerto transcrito de minutos 14,09 a 14,19 das declarações para memória futura prestadas em 20.09.2012 pela ofendida, resulta que o arremesso do boneco contra a ofendida, referido no ponto de facto n.º 14 não tem dignidade penal, uma vez que não era susceptível de lhe causar, nem causou, qualquer dano.
F) Dos pontos de facto n.ºs  29 e 30
98.ª - Nos pontos de facto n.ºs 29 e 30o Tribunal deu como provado o controlo que o arguido exercia sobre a ofendida, referindo ainda na fundamentação do acórdão (pág. 9) que aquele controlo era também exercido pela mãe do arguido, quando este se encontrava fora de casa a trabalhar.
99.ª Desde logo, salvo melhor opinião, se o Tribunal ficou convencido que o controlo que o arguido exercia sobre a ofendida era também exercido através da mãe deste, então tal facto deveria constar da factualidade dada como provada.
100.ª - Os excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas H... (minutos 11,51 a 12,06), e R... (minutos 2,58 a 3,43 e 8,46 a 10,42), ambos prestados na audiência de julgamento de 18.09.2013, demonstram que a mãe do arguido era cozinheira de profissão e que trabalhava das dez da manhã até, pelo menos, às onze da noite.
101.ª - Ora, se ficou demonstrado pelo depoimento de várias testemunhas - e o Tribunal confirma-o no acórdão - que o arguido era um homem trabalhador (cfr. factos provados n.º 43 e 44), e que passava os dias a trabalhar, ausentando-se até de casa durante dias seguidos, e se a mãe do arguido também trabalhava de manhã à noite, é impossível conceber como é que estes poderiam ser capazes de controlar a ofendida.
102.ª - Concluiu também o Tribunal, ao contrário do que disse a mãe do arguido, não ser verdade que esta se preocupasse com as necessidades da ofendida e que se deslocasse com frequência para averiguar dessas necessidades.
103.ª - Mas ao mesmo tempo o Tribunal deu como provado no ponto n.º 25 que "perante tal ameaça, e por ter medo e receio que o arguido não adquirisse a alimentação necessária para os filhos de ambos, tanto mais que naquele dia não podia contar com a ajuda da mãe do arguido, uma vez que esta não se encontrava em casa, a ofendida acabou por ceder".
104.ª - É mais do que evidente que o Tribunal laborou num completo equívoco, fazendo juízos contraditórios sobre os mesmos factos.
105.ª - Mas diga-se ainda, que mesmo que se provasse que a relação entre a mãe do arguido e a ofendida não era a melhor - o que não se provou -, impunha-se que o Tribunal levasse em conta que a  mãe do arguido preocupava-se com as necessidades dos quatro netos, em relação aos quais demonstrou nutrir um grande afeto, justificando-se por isso que esta não quisesse que faltasse nada em casa da ofendida por forma a garantir o bem estar dos netos.
106.ª - Por fim, apesar de o Tribunal ter dado como provado que era o arguido o único que adquiria os alimentos necessários à ofendida e aos filhos, a verdade é que nos excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas Q... (minutos 2,08 a 2,42) e G... (minutos 1,48 a 2,19), ambos prestados na audiência de julgamento de 18.09.2013, estas dizem que viam o casal junto às compras no hipermercado.
G) Dos pontos de facto n.ºs  31 e 32
107.ª - Dos excertos transcritos do depoimento prestado na audiência de julgamento de 11.09.2013 pela testemunha AA... (minutos 1,00 a 2,20, 4,16 a 4,27 e 5,06 a 5,52), enfermeira no Centro de Saúde de (...) e única testemunha que se pronunciou sobre os pontos de facto n.ºs 31 e 32, resulta que esta testemunha se limitou a dizer que o arguido se deslocou uma vez ao Centro de Saúde de (...) , dois meses após a ofendida ter colocado o implante, a pedir satisfações pela colocação do mesmo, referindo que a ofendida estaria a ter problemas ao nível de hemorragias.
108.ª - Não resulta do depoimento desta testemunha, ao contrário do que se deu por provado no ponto de facto n.º 32, que o arguido tenha exigido que o implante fosse retirado.
109.ª - Mas também não resulta do depoimento daquela testemunha, nem foi dado como provado, que a ofendida tenha retirado aquele implante, muito menos que o arguido a tenha obrigado a fazê-lo.
110.ª - Por outro lado, a lógica da experiência comum impõe que se considere praticamente impossível o arguido impedir a ofendida de tomar métodos contraceptivos, uma vez que, considerando que o arguido passava grande parte do tempo fora de casa, não se vislumbra o que impedia a ofendida de tomar um qualquer método contraceptivo sem o conhecimento do arguido.
H) Do ponto de facto n.º 46
111.ª - O ponto de facto n.º 46 deve ser corrigido, passando a constar que no processo anterior se discutiram factos praticados, pelo menos, até ao ano de 2007.
Sem prescindir,
112.ª - Considerando a anterior condenação do arguido, o Tribunal equivocou-se ao não considerar as condutas do arguido como um só crime continuado.
113.ª - Ao aplicar a pena de quatro anos de prisão efetiva ao arguido, a qual se tem de considerar como pesadíssima e desproporcional, o Tribunal violou o artigo 71.º, n.º 1 e 2 do C.P.P.
114.ª - Nos termos do n.º 5 do art. 412.º, do C.P.P., encontrando-se retido nos autos a fls. 810 e ss o recurso interposto pelo arguido do despacho proferido a 28.02.2013, a fls. 755 e 756, na parte em que, após o arguido recusar a intervenção da MM. Juiz de Instrução Criminal e do respetivo Magistrado do Ministério Público, se determinou o normal prosseguimento dos autos, deve este subir com o presente recurso.
TERMOS EM QUE
Deve o presente recurso ser julgado provado procedente e, em consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que:
A) Declare procedentes as exceções, nulidades e inconstitucionalidades arguidas, com todas as consequências legais;
B) Absolva o arguido da prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152°, n''s 1, al. a) e 2 do Código Penal».
*
Notificado o Ministério Público nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, sustenta que o recurso não merece provimento e que o acórdão despacho recorrido deve manter-se.
*
Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que acompanhava as contra-alegações do MP na 1.ª instância.
*
Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não respondeu.
*
Antes de decidir importa indicar a factualidade dada como assente e a respectiva convicção do tribunal.
Factos provados:
1. O arguido A... e a ofendida B... têm vivido maritalmente, como se de marido e mulher se tratassem, desde o ano de 2001, com interrupções, tendo fixado residência na Rua (...) Seia.
2. Desta relação nasceram quatro filhos, C... , D... , E... e F... , todos menores de idade.
3. Durante todo o tempo de vivência em comum do casal, o arguido sujeitou a ofendida, sua companheira, a humilhações e agressões, tendo já sido condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 43/06.0GASEI, do 2º Juízo deste Tribunal Judicial, por acórdão proferido em 7 de maio de 2008 e transitado em julgado, pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152º, nº 2, do C. Penal na redação introduzida pela Lei nº 7/2000, de 27 de maio, a que atualmente corresponde o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alíneas b) e c), do referido diploma legal, aprovado pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, na pena única de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, crime esse praticado na pessoa da ofendida B... .
4. Não obstante tal condenação, o arguido continuou a revelar comportamentos agressivos e autoritários para com a ofendida e não se absteve de atentar contra a integridade física e a honra da mesma.
5. Em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ter sido quer durante o período da suspensão da execução da pena de prisão, quer depois deste já ter decorrido, o arguido dirigiu-se à fendida, por diversas vezes, apelidando-a de “puta”, “vaca”, “canhão”, e agrediu-a, desferindo-lhe chapadas e murros em várias partes do corpo.
6. O que aconteceu, em regra, na residência comum do casal supra referida.
7. Em consequência desta atuação do arguido, a ofendida, para além da humilhação, sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu tratamento médico.
8. No dia 15 de Abril de 2011, a hora não concretamente apurada, quando o arguido se encontrava no exterior da habitação comum do casal, junto da sua carrinha, a ofendida pediu-lhe para levar um dos filhos ao médico, por se encontrar constipado.
9. Ato contínuo, o arguido desferiu-lhe uma chapada. De seguida, agarrou numa tábua e projetou-a, atingindo a ofendida na parte lateral do abdómen, sendo que esta, nessa altura, se encontrava grávida de cerca de 6 meses.
10. Em consequência desta conduta do arguido, a ofendida recebeu assistência médica nas urgências do Hospital da (...) , e sentiu dores, apresentando uma escoriação na zona abdominal.
11. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2012, à noite, no interior da residência comum do casal, a ofendida pediu ao arguido a quantia de € 1,00 (um euro) para comprar um litro de leite para os filhos ou então para ele o ir comprar, tendo-lhe aquele respondido que não.
12. Perante a insistência da ofendida, o arguido agarrou-a pelos cabelos e deitou-a ao chão, tendo-a ainda arrastado pelas escadas do prédio (desde o 1º andar até ao rés-do-chão), agarrando-a pelos cabelos.
13. De seguida, o arguido colocou a ofendida na rua, apenas lhe abrindo a porta do prédio mais tarde, já de madrugada, permitindo, dessa forma, que a ofendida regressasse a casa, mas apenas porque a filha mais nova do casal, E... , se encontrava a chorar, por estar na hora de “mamar” o leite.
14. Ainda durante essa noite, cerca das 6.30 horas, quando o arguido ainda se encontrava deitado na cama, antes de sair para o trabalho, a ofendida voltou a insistir, pedindo-lhe o leite para os filhos de ambos. Nessa altura, o arguido agarrou num boneco que se encontrava na mesinha de cabeceira e arremessou-o contra a ofendida, atingindo-a no braço e só não continuou com as agressões porque a ofendida fugiu para a rua.
15. Em consequência da descrita conduta do arguido, a ofendida sentiu dores e incómodos, mas não recebeu assistência médica.
16. Em ocasião anterior, cuja data em concreto não se logrou apurar, quando os dois filhos mais velhos do casal se encontravam a brincar com uma pá de brinquedo, o arguido pegou nesta e arremessou-a na direção da ofendida, atingindo-a junto ao olho, provocando-lhe uma lesão, uma cicatriz que, pelo menos a 20 de setembro de 2012, ainda era visível.
17. Noutra altura, cuja data em concreto não foi possível apurar, mas que se sabe ter sido logo após a ofendida B... ter apresentado queixa nos presentes autos (o que ocorreu em 22 de Março de 2012), no interior da residência comum do casal, o arguido, logo que tomou conhecimento de tal facto, agrediu a ofendida, desferindo-lhe chapadas e murros em várias partes do corpo, fazendo com que a ofendida caísse ao chão.
18. Quando a ofendida se encontrava no chão, o arguido colocou-lhe os pés nas costas e saltou-lhe em cima.
19. Em consequência da descrita conduta do arguido, a ofendida ficou com nódoas negras e sentiu dores e incómodos, mas não recebeu assistência médica.
20. Em data não apurada, o arguido ameaçou a ofendida, dizendo-lhe que, se ela não retirasse a queixa que havia apresentado, se ia embora e que levava os filhos com ele, que ia a casa dos pais da ofendida e que eles não ficavam direitos.
21. O arguido dirigiu-se ainda à ofendida dizendo-lhe que ela é uma parva, que ninguém acredita nela, que todos gozam com ela e que a ele ninguém lhe faz nada.
22. Com medo do arguido, receio de ficar sem os seus filhos e do que eventualmente pudesse acontecer aos seus pais, a ofendida veio desistir da queixa que havia apresentado contra o arguido.
23. No dia 15 de Agosto de 2012, foi atribuído à ofendida, no âmbito dos presentes autos, o estatuto de vítima.
24. Logo que tomou conhecimento de tal facto, o arguido obrigou a ofendida a transcrever um documento que ele próprio redigiu, remetendo-o posteriormente ao processo – o qual se mostra junto aos autos a fls. 131 e 132, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido –, ameaçando-a, dizendo-lhe que, se não o fizesse, não comprava alimentos para os filhos de ambos comerem.
25. Perante tal ameaça, e por ter medo e receio que o arguido não adquirisse a alimentação necessária para os filhos de ambos, tanto mais que naquele dia não podia contar com a ajuda da mãe do arguido, uma vez que esta não se encontrava em casa, a ofendida acabou por ceder.
26. Também em data que não foi possível apurar, mas que se sabe ter sido no Verão de 2012, quando a ofendida e o arguido se encontravam no interior da residência comum do casal, este agarrou-a pelos braços, colocou-lhe um fio-de-prumo, que havia trazido do trabalho, no pescoço e começou a apertá-lo, sufocando-a.
27. Perante tal comportamento, a ofendida começou a gritar, pelo que apareceu a filha de ambos, C... , tendo então o arguido parado, dizendo para esta que ele e a mãe apenas estavam a brincar.
28. Em consequência da descrita conduta do arguido, a ofendida sentiu dores e incómodos físicos e ficou com um vergão no pescoço, no entanto não recebeu assistência médica.
29. O arguido sempre controlou o que a arguida veste, o que faz, o que ela e os seus filhos comem e sempre a impediu de trabalhar e, dessa forma, auferir os seus próprios rendimentos, garantindo deste modo o seu domínio e controlo sobre a mesma, já que esta não tem acesso ao dinheiro, dizendo-lhe que as mulheres devem ficar em casa a lavar a roupa e cuidar dos filhos.
30. É o arguido quem adquire e sempre adquiriu os géneros alimentícios necessários à subsistência da ofendida e dos filhos de ambos e só traz para casa o que lhe aprouver e quando lhe apetece.
31. Também nunca permitiu que a ofendida tomasse qualquer método contracetivo, contra a vontade desta, dizendo para toda a gente que quer ter uma equipa de futebol.
32. Tanto assim é que, após o nascimento da filha mais nova do casal, a ofendida colocou um contracetivo/implante no braço, sendo que o arguido, logo que tomou conhecimento de tal facto, deslocou-se, de imediato, ao Centro de Saúde de (...) para exigir que o mesmo lhe fosse retirado.
33. Com as condutas supra descritas quis o arguido infligir maus-tratos físicos à sua companheira, querendo causar-lhe as lesões supra descritas.
34. Ao dirigir tais palavras à queixosa, o arguido ofendeu a sua honra, atentando contra o bom-nome e sensibilidade da ofendida B... , o que quis fazer.
35. O arguido, ao atuar da forma descrita, fê-lo com o propósito de provocar medo e inquietação na ofendida B... , bem como de lhe prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu.
36. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que, ao comportar-se da forma descrita relativamente à sua companheira, submetia a mesma a um grande sofrimento físico e psíquico e a humilhação, resultado esse que o arguido quis produzir e que efetivamente se verificou.
37. Mais sabia que, ao atuar dentro da casa de habitação da ofendida B... , ampliava o seu sentimento de receio, visto que violava o espaço reservado da sua vida privada e o seu carácter securitário.
38. Sabia, ainda, que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
39. A ofendida beneficiou do rendimento social de inserção até 7 de junho de 2013, sendo o processo suspenso desde 1 de julho de 2013, por falta de comunicação de alteração de residência.
40. O abono de família, no montante mensal de € 211,14, é pago através de transferência bancária.
41. O arguido é oriundo de uma família de precária condição socioeconómica e cultural, sendo que o pai trabalhava como estivador e a mãe numa fábrica e em limpezas.
42. Até aos 6 anos de idade, o arguido viveu com a avó materna na (...) – Seia, mantendo-se os pais em Lisboa. Após, o arguido foi viver com os pais até atingir o 3º ano de escolaridade, altura em que, devido a um acidente de trabalho do pai, que o levou à reforma por invalidez, toda a família veio viver para Seia.
43. O arguido iniciou a atividade laboral aos 12 anos, trabalhando na construção/manutenção de estradas, trabalhando, mais tarde, em diversas áreas, até se fixar no ramo da construção civil, no qual criou uma empresa, tendo a seu cargo 3 trabalhadores. Além disso, possui uma quinta, na qual cultivava produtos agrícolas para consumo próprio.
44. É considerado trabalhador empenhado.
45. Anteriormente ao relacionamento com a ofendida, manteve um outro com uma companheira, do qual nasceu um filho, atualmente com 17 anos de idade, a residir com a progenitora.
46. O arguido foi condenado em:
i. Processo Comum Coletivo nº 43/06.0GASEI, deste 2º Juízo, por acórdão transitado em julgado a 11 de junho de 2010, pela prática, em 2002, de um crime de maus-tratos, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, com sujeição a regime de prova, que cumpriu;
ii. Processo Comum Singular nº 305/08.2TASEI, deste 2º Juízo, por sentença de 28 de setembro de 2010, transitada em julgado a 18 de outubro de 2010, pela prática, a 18 de novembro de 2008, de um crime de injúria agravada, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 12 meses, que cumpriu.
Factos não provados:
a. Por diversas vezes, o arguido dirigiu-se à ofendida apelidando-a de “coirão”, dizendo-lhe “que era uma cadela, que até as cadelas valem mais do que ela”.
b. Ainda durante esse período, o arguido, por diversas vezes, impediu a ofendida de sair da residência comum do casal, fechando-lhe a porta de entrada e levando a chave com ele.
c. O arguido projetou a tábua na direção da ofendida.
d. A partir da referida data (15 de Abril de 2011), as agressões e injúrias por parte do arguido passaram a ser mais frequentes.
e. Assim, em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes, no interior da residência comum do casal, o arguido agrediu a ofendida, desferindo-lhe murros e pontapés, atingindo-a em várias partes do corpo, sobretudo na zona da cabeça, ao mesmo tempo que lhe dizia que “era para a ofendida ficar mais doidinha”.
f. Em consequência desta atuação do arguido, a ofendida, para além da humilhação, sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu tratamento médico.
g. Os factos descritos em 11 a 13 ocorreram no dia 10 de Março de 2012.
h. Quando a ofendida se encontrava no chão, o arguido pisou-lhe a face com as botas do trabalho que trazia calçadas.
i. A cicatriz referida em 16 é visível na atualidade.
j. O referido em 20 ocorreu no dia da agressão relatada em 17 e 18.
k. Nessa ocasião, o arguido disse ainda que, se a ofendida não o aturar, não vai aturar mais nenhum.
l. Ao longo dos vários anos de vivência em comum do casal, e sobretudo a partir do nascimento do primeiro filho de ambos, por diversas, o arguido obrigou a ofendida a ter relações sexuais com ele.
m. Nessas circunstâncias, perante a recusa da ofendida, o arguido agarrou-a pelos braços e empurrou-a para cima da cama. De seguida, retirou-lhe a roupa, por vezes com alguma violência, chegando mesmo a rasgá-la, colocou-se em cima dela, impedindo-a de resistir, forçou-a a abrir as pernas e, contra a sua vontade, introduziu o pénis ereto na sua vagina.
n. Nas últimas vezes em que tal sucedeu, cujas datas em concreto não se logrou apurar, mas que se sabe ter sido antes de ser aplicada ao arguido a medida de coação de proibição de contactos com a ofendida e de permanecer na residência comum do casal, aquele dormia com uma faca debaixo da almofada, com o objetivo de intimidar a ofendida, o que conseguia.
o. Nessas ocasiões, o arguido dirigiu-se ainda à ofendida, por vezes ao ouvido, e durante o próprio ato sexual, dizendo-lhe “é para isso que estás aqui, para tratar dos filhos e para me servir”.
p. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida, para além da humilhação, sentiu dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.
q. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que forçava a ofendida a praticar relações sexuais consigo, contra a vontade desta, visando satisfazer os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.
Convicção do Tribunal:
Na formação da sua convicção, o Tribunal Coletivo atendeu à globalidade da prova produzida em sede de audiência de julgamento, que foi devidamente ponderada e analisada à luz das especificidades de prova do tipo-de-ilícitos em apreciação, sendo integrada por regras da experiência e juízos de normalidade.
 Não se pode olvidar que este processo, em que é imputada ao arguido a prática de crimes de violência doméstica e violação, se insere na larga faixa de processos em que a prova direta dos factos é muito restrita.
Efetivamente, essa prova resume-se, no essencial, às declarações da ofendida B... , sendo os restantes meios de prova meramente complementares das declarações da ofendida.
 Importa ainda notar que, dada a ausência da ofendida no julgamento – por razões ainda por apurar –, as declarações da ofendida a considerar são apenas as que foram produzidas nos termos do disposto nos artigos 271º e 294º do Código de Processo Penal.
A simples leitura dos factos julgados provados revela que o Tribunal Coletivo concedeu crédito às declarações prestadas pela ofendida, que foram ouvidas em sede de julgamento.
Não resultaram, contudo, provados alguns dos factos imputados ao arguido, o que se deveu à circunstância de a ofendida não os ter confirmado – em alguns casos, apesar de se referir aos factos, por não ser esclarecedora e, por essa via, convincente – nas ocasiões em que prestou aqueles depoimentos.
Nesta fase impõe-se explanar as razões que motivaram a convicção do Tribunal Coletivo quanto à credibilidade das declarações da ofendida, não se deixando, desde já, de salientar que, atenta a fuga à justiça por parte do arguido, inexiste oposição deste, a considerar pelo Tribunal Coletivo, à versão da ofendida.
Os depoimentos prestados pela ofendida afiguraram-se a este Tribunal Coletivo como credíveis, desde logo, por não se mostrarem perfeitos.
Na verdade, um quotidiano agressivo, humilhante para a vítima, muito para além do caráter ocasional e fortuito de ocorrências, produz necessariamente efeitos, designadamente na capacidade de memorização dos eventos, especialmente no que tange a datas, mas também quanto aos concretos atos praticados.
É, por isso, natural que a vítima não revele grande precisão quanto a datas (mesmo quando está em causa a referência à data das agressões descritas em 2.1.11 a 2.1.14, que a ofendida situou na data da apresentação da queixa, o que contraria o que consta do próprio auto de participação) e, dado o elevado número de ocorrências, é também normal que retenha as ocorrências mais gravosas, tratando as restantes quase como banais.
É mesmo natural que a vítima possa exagerar um pouco o seu relato, o que não se deve, em muitos casos, a qualquer tentativa de efabulação, mas sim ao modo como vivenciou a experiência e a reteve na memória, tendendo a ampliar a gravidade da agressão quando esta se revestiu de caráter particularmente traumático.
É de notar que a ofendida, no presente caso, logrou, apesar disso, “retificar” o tom inicial quanto à agressão com a tábua, em relação à qual o Tribunal Coletivo não ficou convencido, para além de uma dúvida razoável, que o arguido tivesse procurado atingir a ofendida, não só devido à incerteza do depoimento desta nessa parte, mas também pelo facto de o arguido reconhecidamente não maltratar os filhos diretamente, revelando até algum sentido de responsabilidade quanto a eles, como a própria ofendida salientou (e foi confirmado por P... e O... ).
Isso não significa, contudo, que se deva retirar credibilidade a todo o depoimento da ofendida, pois, como já referimos, alguma incerteza de depoimento é natural, desde que não atinja um nível de contradição que ponha em causa a integridade do depoimento. Acresce que outros elementos de prova reforçam a credibilidade da versão da ofendida.
É certo que testemunhas houve que procuraram pôr em crise a credibilidade dos depoimentos da ofendida.
Assim, R... , mãe do arguido, procurou passar a mensagem de inconstância da ofendida, retratando-a como uma pessoa capaz do pior quando tinha falta de tabaco, chegando ao ponto de afirmar que o arguido era uma vítima da ofendida, mesmo em termos de agressões físicas.
A irmã do arguido, H... , não foi tão longe, mas incidiu o seu depoimento em aspetos que visavam descredibilizar os depoimentos da ofendida, referindo, designadamente, que a ofendida, quando veio apresentar em Tribunal a carta junta a fls. 596 e 597, se encontrava num estado de normalidade, procurando assim reforçar a credibilidade dessa carta.
Finalmente, N... , para quem o arguido prestou serviços profissionais em várias ocasiões, aludiu a uma ocasião em que, devido ao vício do tabaco da ofendida, esta, por falta do mesmo, injuriou o arguido.
Na ótica deste Tribunal Coletivo, estes depoimentos em nada põem em causa a credibilidade das declarações da ofendida.
Desde logo, o alegado vício – em último grau, acrescentámos, tendo em conta a descrição feita pela mãe do arguido – não foi confirmado por qualquer outro meio de prova, incluindo a prova testemunhal, uma vez que nenhuma outra testemunha sequer referiu ter visto a ofendida fumar ( G... e M..., que trabalharam com o arguido, nunca viram a ofendida fumar apesar das variadas ocasiões em que contactaram com esta; o próprio N... não referiu hábitos de consumo em grandes quantidades de tabaco). E, na falta de específicos meios de prova, as regras da experiência comum e os juízos de normalidade apontam no sentido de refutar uma suposta dependência patológica.
Por outro lado, do depoimento da mãe do arguido ressalta o facto de, na ausência deste, quando se encontrava a trabalhar em outros locais, ser aquela a assumir o papel de controlar a ofendida, quer a pedido do arguido, quer aparentemente por iniciativa própria.
Efetivamente, R... afirmou saber que a ofendida não gostava dela. Ora, mal se compreende que quem “sabia” de tal facto tanto se preocupasse com as necessidades da ofendida, deslocando-se com frequência para averiguar dessas necessidades.
Essa atitude seria compreensível caso a mãe do arguido se revelasse uma pessoa especialmente tolerante, o que se verificou não suceder, uma vez que não se coibiu de criticar asperamente a ofendida.
Dai que a este Tribunal Coletivo se afigurasse que o controle que a ofendida relatou ser quotidianamente exercido pelo arguido se prolongasse, através da mãe deste, mesmo quando o arguido não se encontrava em casa. Daí igualmente que o depoimento de R... suscite especiais reservas, desconfianças mesmo.
O depoimento da irmã do arguido, não suscitando tantas reservas, não deixa de estar em contradição com a postura da ofendida ao longo do processo e, por isso, também suscita reservas.
Importa notar que o afirmado facto de a testemunha não se dar bem com o arguido, seu irmão, não significa que aquela veja com bons olhos ou se conforme com a possibilidade de aplicação de uma pena ao arguido. E este Tribunal Coletivo não olvida tal circunstância quando aprecia a descrição feita pela testemunha sobre o estado de espírito da ofendida, nomeadamente quando analisado o comportamento processual desta.
Se é verdade que a ofendida, ao longo do processo, assumiu condutas processuais contraditórias, ora imputando ao arguido condutas censuráveis, ora negando a veracidade daquelas afirmações, constitui uma evidência inarredável que aqueles primeiros comportamentos tiveram lugar em clima de liberdade, enquanto os outros foram todos praticados em condições reservadas.
Ou seja, quando ouvida em Tribunal, perante Magistrados e advogados, na sala de audiências, com gravação ou outra forma de documentação, a ofendida assumia um comportamento, enquanto os comportamentos opostos surgiam revelados através de documentos redigidos em condições diversas (segundo a ofendida, sob pressão/coação do arguido).
Este é um dado que o Tribunal Coletivo julga ser muito relevante e revelador e que se conjuga, por exemplo, com o depoimento de S... , que relatou as queixas da ofendida relativamente ao controle exercido pelo arguido, relatando ainda que, em uma ocasião em que transportaram a ofendida ao Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, o arguido seguiu numa outra viatura atrás do veículo da Guarda Nacional Republicana, tendo sido solicitada pelos Magistrados daquele Tribunal a permanência dos militares da Guarda Nacional Republicana, dada a presença do arguido naquele espaço.
Por outro lado, o teor das missivas que visavam pôr em causa os atos anteriormente praticados pela ofendida não deixa de indiciar a intervenção de terceiro.
Assim, a premência em obter a desistência da queixa, revelada na carta de fls. 17, deixa no ar a possibilidade de a redação ter sido “sugerida” por pessoa que seria diretamente afetada pelo prosseguimento do processo, no caso, o arguido, admitindo-se que, a ser a redação da autoria da ofendida, esta estaria sob elevada pressão, que justificaria aquela premência.
Na carta de fls. 596 e 597, muito se estranha a tentativa de justificar uma conduta posterior, a ter lugar em diferentes condições. Aí se alude à possibilidade, diremos mesmo, à previsibilidade de alteração de versão se chamada a ofendida a justificar o teor da carta.
Salvo o devido respeito por fundada opinião diversa, um tal comportamento não se coaduna com juízos de normalidade. E não deixaremos de sublinhar que, apesar de a dada altura, se passar a tentar justificar as condutas da ofendida com supostos problemas psíquicos, em momento algum se provou a sua existência e o alegado acompanhamento clínico.
Mas uma missiva é de um teor de tal modo veemente que deixa pouca margem para dúvidas quanto à sua autoria.
Trata-se da carta junta a fls. 131 e 132, que gera imediata estranheza.
Assim, o autor da carta – supostamente a ofendida – começa por referir a atribuição do estatuto de vítima, seguindo-se de imediato “na realidade não sei porque me chamam de vítima ou ofendida!?”. E segue-se o destilar de hostilidade para com as autoridades judiciais e a própria realidade, dizendo-se “também não percebo porque é que este processo, acima referido, já foi arquivado e agora continua aberto?”. E, mais adiante, numa demonstração de raiva incontida diz-se “a realidade é só uma: “eu não sou vítima nenhuma, nem ofendida”, e não admito que me chamem tais nomes” (o sublinhado é nosso).
Não deixamos de reparar que a carta é endereçada ao Sr. Procurador-Geral da República, sendo certo que, ouvido em declarações, que constam a fls. 37 e 38, o arguido se refere a uma alegada conversa com o Sr. Dr. Procurador-Geral.
Tudo indicia uma intervenção do arguido, não sendo de modo algum compreensível que a ofendida, com receio de ser responsabilizada criminalmente, como se refere na carta de fls. 596 e 597, parte final, se manifestasse naqueles termos. Pelo contrário, são os termos próprios de quem se sente acossado e é incapaz de reagir com sensatez.
Aliás, a personalidade do arguido está bem revelada na miríade de cartas enviadas ou juntas ao processo, citando-se, por exemplo, a carta de fls. 94 e 95, contendo ameaças de participação dirigidas aos Magistrados; a carta de fls. 463, com outras ameaças que visavam supostamente resolver o problema de uma tomada descarnada, tendo sido autorizado com presença policial, ao que se seguiram dificuldades em notificar o despacho e ausência de menção à reparação, desconhecendo-se se a “grave situação” foi resolvida. A personalidade do arguido é ainda revelada, por exemplo, na carta de fls. 872, na qual afirmou que a renda da casa estava por conta dos Magistrados que o tinham afastado de casa (afirmação reiterada em outras cartas).
Estes exemplos ilustram a personalidade do arguido, que a testemunha N... caraterizou de irreverente, muito difícil de lidar, uma pessoa revoltada e com vontade de contrariar, um homem que não estava contente com a vida, notando-se que alguma coisa não funcionava bem na família.
O que ora se vem expondo permite atribuir consistência aos depoimentos da ofendida por contraponto com as cartas que foram sendo enviadas para o processo (pondo em causa, além do mais, o depoimento da irmã do arguido).
Mas outro aspeto revela-se fundamental na análise da credibilidade do depoimento da ofendida.
Pretendeu a defesa, na sequência do depoimento da mãe do arguido, suscitar a possibilidade de o arguido ser vítima da ofendida ou, no mínimo, haver culpas de ambos os membros do casal.
Não deixaremos de salientar que este Tribunal está a funcionar na veste de Tribunal Criminal e, por isso, não analisa eventuais repartições de culpas na génese de conflitos familiares, antes incidindo a sua atenção sobre os comportamentos daqueles que, envolvidos em conflitos familiares, adotam condutas que extravasam a normal litigiosidade, nomeadamente ofendendo direitos fundamentais do outro.
Assim, eventuais condutas menos adequadas à gestão da conflitualidade por parte de um dos membros do casal só teriam relevância enquanto causas ou concausas do comportamento criminal do outro.
Ora, nenhum elemento de prova credível apontou no sentido de responsabilização da ofendida pelas condutas imputadas ao arguido.
Mal se compreende, por isso, que se possa tentar legitimamente sustentar que o arguido era uma vítima de abusos verbais e mesmo físicos por parte da ofendida.
Há dados que este Tribunal Coletivo reputa de indesmentíveis: entre os anos de 2002 e 2007, pelo menos uma vez por semana, o arguido injuriou a ofendida, chamando-lhe “puta”, “vaca”, “filha da puta”; em 2005, o arguido agrediu a ofendida a murro, à chapada e a pontapé; em três ocasiões, o arguido adotou condutas humilhantes para a ofendida.
Estes factos conduziram à condenação do arguido, então pelo crime de maus-tratos, por decisão transitada em julgado (conforme fls. 181 a 201 e 201-A a 246).
Esses factos atestam que praticamente desde o início da relação, a ofendida tem sido vítima do arguido.
Ora, admitir que, nesse quadro, o arguido passou a ser vítima da ofendida constitui uma hipótese, no mínimo, pouco razoável.
Em tese geral poderá admitir-se que a vítima passe a assumir a posição de agressor escudando-se na proteção do sistema e no receio do antigo agressor em sofrer uma punição mais gravosa.
Porém, uma tal situação poderá verificar-se nos casos em que a antiga vítima possua uma personalidade forte, manipuladora.
O decurso do processo, ao longo do qual a ofendida, nas condições já descritas, veio dar o dito por não dito, consoante se encontrava em Tribunal ou se encontrava em condições reservadas e desconhecidas, revela que a ofendida não dispõe daquele forte caráter que seria necessário para operar a inversão de papéis, passando de dominada a dominadora.
Daí que, repita-se, não se vislumbre fundamento sério para se afirmar a possibilidade de o arguido ser vítima da ofendida.
Foi na conjugação de todos os argumentos ora expostos que o Tribunal Coletivo concluiu pela credibilidade, em geral, dos depoimentos da ofendida.
Ressalva-se, contudo, a parte respeitante às alegadas relações sexuais forçadas.
Na verdade, nos depoimentos prestados pela ofendida, válidos como prova em julgamento, esta não descreveu qualquer concreta conduta violenta por parte do arguido, designadamente as descritas em 2.2.m, limitando-se a uma referência genérica à sua intenção de não manter relações sexuais com o arguido.
De resto, o Tribunal atendeu ainda ao depoimento de AA... , enfermeira no Centro de Saúde de (...) , que confirmou a colocação do contracetivo na ofendida e a reação do arguido, que se justificou alegando hemorragias na companheira – o que não convence minimamente, considerando que, contrariamente ao que sucede a respeito dos filhos, não há notícia de qualquer ato de preocupação ou de carinho do arguido para com a ofendida.
O Tribunal Coletivo atendeu ainda ao teor de fls. 10, respeitando ao episódio de urgência subsequente ao arremesso da tábua pelo arguido – sendo a única ocasião em que a ofendida recorreu a assistência médica, o que ocorreu por receio em relação à saúde da bebé –; certidões de fls. 607 a 612; informação de fls. 1474; relatório social do arguido de fls. 1486 a 1488 (constando da ata de julgamento que o mesmo não seria pedido, por não se ter detetado a sua presença no processo, não estando, contudo, em causa meio de prova não analisado, dado que a defesa foi oportunamente notificada do seu teor); e certificado de registo criminal de fls. 1308 a 1312».
*
B) Recurso interlocutório:
O arguido nas conclusões do recurso que interpôs do acórdão, de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º 5, do CPP, manifestou interesse que subisse o recurso de fls. 756, do despacho de fls. 755 e 756, proferido na acta do debate instrutório, que apesar ter sido recebida a recusa da Senhora Juíza de Instrução e do Magistrado do Ministério Público, ordenou o prosseguimento dos autos.
O despacho recorrido:
«Por resultar da posição, quer da defesa quer da acusação, que o requerimento apresentado pelo arguido e hoje aqui aperfeiçoado pelo seu Ilustre Defensor, nomeadamente no que concerne ao seu encaminhamento e posterior decisão pelo Tribunal Superior consubstancia uma questão prévia à decisão das demais questões incidentais, nomeadamente à própria realização de debate instrutório para hoje designado, cumpre analisar de imediato esta questão.
Nos termos do disposto no art. 45.º, do C.P.P., depois de apresentado o requerimento (o que para todos os efeitos entendemos que sucede in casu) o Juiz visado apenas praticará os actos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência.
Caso nos encontrássemos perante um processo de diferente natureza não teríamos quaisquer dúvidas em decidir a suspensão imediata dos termos da presente instrução.
Certo é que nos encontramos (para além do mais) em face de um processo de violência doméstica, o qual tem, nos termos do disposto no art. 28.°, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
Coloca-se, então, a necessidade de saber que actos se deverão ter como urgentes de acordo com o disposto no art. 45° do C.P.P., já que como tal a lei os não define.
Para responder a esta questão socorremo-nos das disposições conjugadas dos artigos 28.°, n.º 2 da sobredita Lei; 103.° e 104.° do C.P.P., permitindo-nos, ainda, acompanhar o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 09.04.2008, disponível na base de dados da dgsi que consultamos neste preciso momento, e que decidiu acerca de situação análoga (não obstante os contornos específicos da situação aí explanada).
Decidiu-se no citado aresto que nos processos onde haja arguidos presos a urgência imposta à tramitação do processo torna-se genérica, contagiando não apenas os actos praticados ou a praticar pelos arguidos presos, mas de igual modo todos actos a praticar no processo pelos restantes sujeitos processuais, nomeadamente o juiz.
Entendemos que a conclusão aí extraída para processos de arguidos presos não deverá ser contrariada por nós para o presente processo de violência doméstica, onde se visa acautelar em primeira linha os interesses da vítima com a celeridade e urgência que se impõe.
Parece-nos não ser curial/legal suspender in casu os ulteriores termos do processo quando a Lei prevê de forma expressa as consequências para os actos processuais praticados pelo Juiz recusado, conferir art. 43.º, n.º 5 do C.P.P ..
Em face do exposto, decide-se receber o requerimento de recusa deduzido nos autos, determinando a constituição de apenso destinado à tramitação do incidente e que o processo me seja oportunamente apresentado a fim de procedermos em conformidade com o disposto no art. 45.º, n.º 3 do C.P.P., determinando-se, agora, o normal prosseguimento do processo, maxime desta diligência».
*
O arguido formula as seguintes conclusões:
«1- O arguido apresentou, antes do início do debate instrutório, um pedido de recusa quanto à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal e respectivo Magistrado do Ministério Público, todavia, o Magistrado Judicial recusado ordenou a prossecução dos autos, com fundamento em que os actos a praticar são urgentes, atendendo a que se trata de processo de natureza urgente e que se encontra em fase processual considerada por lei urgente;
2-Fazendo desse modo incorrecta interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 45.° do CPP, pois embora estejamos perante um processo com natureza urgente, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e, ainda, nos termos dos artigos 103.° e 104.° do CPP, tal não significa que os actos processuais levados a cabo, após um pedido de recusa, devam considerar-se urgentes;
3-A ser assim, em fase de instrução, nunca seria de aplicar o efeito regra conforme previsto no artigo 45.° n.º 2 do CPP, já que à luz daqueles normativos o processo deverá sempre considerar-se urgente e tratando-se de processo urgente todos os actos a praticar são, também eles, por natureza urgentes;
4-0ra, não é essa a interpretação que decorre da lei, sobretudo se tivermos em consideração que o pedido de recusa deve ocorrer até ao início do debate instrutório, conforme preceitua o artigo 44. ° do CPP, resultando claro que o que se pretende é evitar que o Magistrado Judicial recusado presida ao debate instrutório e que profira, consequentemente, a decisão instrutória;
5-Por outro lado, refere-se o artigo 45.° n.º 2 do CPP a actos processuais urgentes e não a actos praticados no âmbito de processos por natureza urgentes ou em fase processual considerada urgente, donde se conclui que naqueles actos não se incluem o debate instrutório e a decisão instrutória, pois não se verifica neste concreto qualquer facto susceptível de consubstanciar a urgência prevista no n.º 2 do artigo 45.° do CPP;
6-Sendo forçosa a analogia com o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Abril de 2008, em que se determinou que nos processos onde haja arguidos presos a urgência imposta à tramitação do processo torna-se genérica, contagiando não apenas os actos praticados ou a praticar pelos arguidos presos ou os actos que a eles respeitem, mas de igual modo os restantes actos a praticar no processo pelos arguidos não presos como também os actos a praticar pelos restantes sujeitos processuais e os próprios actos da secretaria;
7-A urgência incutida aos processos de violência doméstica não pode colidir com os direitos do arguido, pelo que aquela urgência não pode ser entendida como impeditiva da suspensão do procedimento quando é suscitada a recusa do Magistrado Judicial a quem incumbe levar a cabo a instrução;
8-Pelo que os actos praticados pelo Magistrado Judicial recusado, posteriormente à apresentação da recusa, são todos eles inválidos, porquanto põem em causa a justiça de todo o processo decisório, vício que se argúi para os devidos efeitos legais;
9-Hão-de ser actos urgentes aqueles que não possam aguardar, de forma alguma, pela decisão do incidente, por não poderem em absoluto ser levados a cabo posteriormente ao pedido de recusa, o que não sucede nestes autos, pelo que o Magistrado Judicial recusado para presidir ao debate instrutório e para proferir a decisão instrutória, não podia efectuar a realização do debate instrutório e, muito menos, proferir a decisão instrutória;
10- O despacho recorrido, ao ter por urgentes a realização do debate instrutório e a prolação da decisão instrutória, violou o artigo 45.° n.º 2 do CPP e as garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32.° n.ºs 1 e 2 da CRP, pois a invocação de urgência relacionada com o facto de se tratar de processo de violência doméstica, em que não há arguido presos, não integra o conceito de acto urgente consagrado no n.º  2 do artigo 45.° do CPP;
11- O arguido tem direito, em plena igualdade, a que a causa seja equitativa e julgada por um tribunal independente e imparcial que decida das razões da acusação que contra ele tenha sido deduzida, devendo ao longo de todo o processo acusatório presumir-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo em que todas as garantias de defesa lhe sejam asseguradas;
12-Ao não suspender o processo, o Magistrado recusado violou os direitos do arguido no que toca ao incidente de recusa, pois com o prosseguimento dos autos impediu/restringiu a salvaguarda dos seus direitos fundamentais;
13-Pelo exposto, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que ordene a suspensão dos autos até ser decidido definitivamente o incidente de recusa e, em consequência, devem ser anulados todos os actos processuais praticados posteriormente à apresentação do pedido de recusa, nos quais se incluem o debate e a decisão instrutória, pois não integram os actos processuais urgentes a que se refere o n.º 2 do artigo 45.° do CP'P».
*
O Ministério Público na resposta de fls. 837 a 844, em conformidade com a promoção que antecedeu o despacho recorrido, pronuncia-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso de recusa dos magistrados que presidiram ao debate instrutório. 
*
Nesta instância o Ministério Publico não emitiu parecer sobre o recurso interlocutório.
*
Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
*
II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:
I – Recurso interlocutório
Apreciar o recurso interposto do despacho, que depois de receber o pedido de recusa da senhora juíza, ordenou o prosseguimento dos autos.
II – Recurso do acórdão condenatório
a) Questão prévia: Nulidade por o juiz da 1.ª instância não se ter pronunciado sobre a falsificação da assinatura do arguido na procuração a favor da mandatária.
b) Nulidades:
1. Julgamento sem a presença do arguido.
2. Não adiamento do julgamento por falta de comparência da ofendida
3. Omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar.
4. Omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
c) Excepção do caso julgado por violação do princípio “ne bis in idem”.
d) Imputações genéricas e violação das garantias de defesa.
e) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
f) Contradição insanável da matéria de facto provada, fundamentação e decisão.
g) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
h) Erro notório na apreciação da prova. Presunção de inocência. In dúbio pro reo.
i) Crime continuado.
j) Medida da pena. 
*
Apreciando:
I - Recurso interlocutório
Em fase de instrução, na sessão de 18/02/2013, presidida pela Senhora Juíza Dr.ª Z... e na qual interveio como magistrado do Ministério Público, o Ex.mo Dr. K... , documentada de fls. 686 a 697, foi designado o dia 28/02/2013 para o debate instrutório.
O arguido por requerimento assinado pelo seu punho de 27/02/2013, junto de fls. 713 e 714 veio aos autos, sem especificar com factos concretos em que se fundamentava, mas apenas levantando meras suspeitas sobre a imparcialidade dos magistrados que intervieram na fase de instrução “pedir que os magistrados que participaram neste processo sejam todos afastados imediatamente dele e de todos os processos em que eu for ofendido ou arguido pois pretendo participar criminalmente contra eles no tribunal superior onde se faça justiça verdadeira, ficando pois sem efeito a diligência agendada”. 
No dia 28/02/2013 no início do debate instrutório, conforme consta da acta de fls. 751 a 761, a Ex.ma Juíza deu a palavra ao defensor Dr. L... para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelo próprio arguido, tendo no seguimento da palavra que lhe foi dada, configurado a pretensão do arguido como um pedido de recusa relativamente à Ex.ma Juíza de Instrução e ao Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público, nos termos dos art. 43.º e 54.º, ambos do CPP.
A Ex.ma Juíza de Instrução recebeu o requerimento de recusa, determinando que o incidente fosse tramitado por apenso com subida imediata e determinou o prosseguimento dos autos.
É desta parte do despacho que ordenou o prosseguimento dos autos que o arguido interpôs recurso, já que queria que fossem suspensos os autos, designadamente a realização do debate instrutório.
Apreciemos a pretensão do arguido.  
Dispõe o art. 45.º, n.º 2, do CPP o seguinte:
«Depois de apresentado o requerimento, ou o pedido previsto no número anterior, o juiz visado apenas pratica os actos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência».
Tal equivale a dizer, que em princípio o juiz não deve sem mais decidir a suspensão imediata.
É a leitura que fazemos da segunda parte daquela preceito,  pois, deve “assegurar a continuidade da audiência”.
Não faz muito sentido perder a eficácia de determinados actos praticados, pelo simples facto de ter sido requerida a recusa dos magistrados, sem embargo de, na procedência do incidente deduzido, poderem vir a ser anulados os actos praticados pelo magistrado sobre o qual recai a suspeição de não actuar com imparcialidade nos autos.
Em nosso entender a mera apresentação do requerimento não deve ter efeito imediato de suspender a normal tramitação
No caso dos autos estamos perante um processo de violência doméstica, o qual tem, nos termos do disposto no art. 28.°, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, no qual se visa acautelar em primeira linha os interesses da vítima com a celeridade e urgência que se impõe.
Nesta conformidade, não obstante o recebimento do pedido de recusa, o juiz recusado deve ordenar o prosseguimento dos autos, com a realização do debate instrutório no qual foi deduzido o incidente e respectiva decisão, pois é a melhor forma de defender o interesse da vítima e a própria tramitação normal do processo.
E não se diga que daí resulta prejuízo para o pleno exercício direito de defesa do arguido.
A válvula de segurança que permite conciliar a continuação dos autos e a defesa de quem requer a recusa, reside no art. 43.º, n.º 5, do CPP, sendo que os interesse de quem requereu a recusa serão sempre assegurados e estarão acautelados pela anulação até dos próprios dos actos praticados até ao momento em que é pedida a escusa se deles resultar prejuízo para a justiça da decisão do processo.
Os actos praticados posteriormente serão válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.
  Deve haver equilíbrio entre os interesses da vítima e do próprio processo, de natureza urgente e o acautelamento dos direitos do arguido que submeteu à apreciação do tribunal superior a falta de imparcialidade dos magistrados.
A falta de imparcialidade é o fundamento do pedido formulado, por inquinar os actos realizados do processo não garantido uma justiça transparente, justa e equitativa.
Se o incidente for julgado procedente os actos serão anulados nos termos acima referidos e a pretensão do arguido é satisfeita.
Se for julgado improcedente o processo segue a tramitação normal e não há motivo para afastar o magistrado recusado e por em causa a validade dos actos praticados.
Concluímos deste modo que a mera formulação de recusa durante o debate instrutório não deve ter efeito imediato de suspender a diligência em que ocorre e impedir o magistrado visado de continuar a presidir ao mesmo e proferir decisão instrutória.
Neste mesmo sentido se decidiu também no Ac. do TRL de 24/05/2005 – Proc. 4965/2005 – 5, in www.dgsi.pt/jtrl.
Por outro lado, para se compreender esta nossa posição, devemos ter em conta que o incidente deve decidir o incidente de recusa no prazo de 30 dias, conforme prevê o art. 45.º, n.º 5, do CPP.
Assim, no caso dos autos, bem andou a senhora juíza em prosseguir com o debate instrutório em que foi deduzido incidente de recusa e proferir a respectiva decisão instrutória.
Ora, o acórdão do TRC, de 21/03/2013, cuja cópia se mostra junta de fls. 2574 a 2581, julgou manifestamente improcedente o pedido de recusa da senhora juíza Dr.ª Z... .
Os actos praticados pela senhora juíza recusada só seriam de anular se fosse julgado procedente o pedido de recusa, que punha em causa o dever de imparcialidade e que inquinaria a sua validade.
Os autos prosseguiram após o recebimento da recusa e não há fundamento para por em causa a validade dos actos praticados.
Nesta conformidade, em bom rigor, não havia fundamento para que o recorrente tivesse requerido, com as alegações do recuso interposto do acórdão, a subida do recurso interlocutório, que incidiu sobre o prosseguimento dos autos após recebimento do pedido de recusa, por este já estar despido de objecto a apreciar, face ao acórdão do TRC.
Pelo exposto, improcederá necessariamente o recurso interposto do despacho, que depois de receber o pedido de escusa da senhora juíza, ordenou o prosseguimento dos autos.
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II – Recurso do acórdão condenatório:
a) Questão prévia: Nulidade por o juiz da 1.ª instância não se ter pronunciado sobre a falsificação da assinatura do arguido na procuração a favor da mandatária.
O arguido foi julgado na sua ausência nas sessões de 11/9/2013 e 18/9/2013, com acórdão lavrado e publicitado em 9/10/2013, tendo sido representado pela ilustre mandatária Dr.ª I... .
Tendo sido ouvido em 6/3/2015 (fls. 2191) em auto de interrogatório em 6/3/2015 (fls. 2191 a 2205), quando apresentado na sequência de mandado de detenção europeu, referiu que não havia mandatado nenhum advogado para o representar na audiência de julgamento que teve lugar.
Nesta diligência de interrogatório foi-lhe nomeada como defensora a Ex.ma Dr.ª DD....
Posteriormente, por requerimento de 22.07.2015 (fls. 2299 a 2301), veio o arguido arguir a nulidade insanável, prevista na al. c) do artigo 119.º, do CPP, alegando que esteve ausente durante a audiência de julgamento e “não se encontrava representado por advogado mandatado, nem por defensor”.
Para o efeito alegou que a assinatura constante na procuração junta aos autos pela ilustre advogada Dr.ª I... que o representou na audiência de julgamento foi falsificada, e requereu que se ordenasse a realização de um exame pericial à assinatura aposta naquela procuração forense, e bem assim a suspensão destes autos até à decisão a proferir sob a invocada nulidade, após a realização do requerido exame pericial.
Desse requerimento foi notificada a Ex.ma Dr.ª I... , na sequência do despacho de 27/7/2015, de fls. 2308, a qual respondeu em 4/8/2015 (fls. 2442 a 2448), no qual diz em síntese o seguinte:
Colaborava, à data, com o escritório do advogado, Dr. A. T... , com domicílio profissional no Carregal do sal.
No âmbito desta colaboração, foi-lhe solicitado que representasse o Sr. A... , no âmbito de um processo-crime, por crime de violência doméstica.
Para o efeito, foi entregue à expoente a respectiva procuração forense, assinada pelo arguido, que juntou autos.
Pouco tempo depois, porque estava a decorrer prazo para contestar, o arguido insistiu para que a expoente renunciasse à procuração de modo a interromper o prazo para apresentação de contestação que se encontrava em curso.
Por discordar de tal conduta, a expoente mencionou no seu requerimento que procedia à renúncia da procuração.
Posteriormente, o Dr. U... , pediu-lhe que representasse novamente o arguido, ao que aquela acedeu, sob a condição daquele não mais interferir no exercício profissional da mesma, designadamente, não mais enviando para o processo requerimentos do teor que, como até ali, vinha fazendo.
Assim, foi entregue, à expoente, nova procuração, assinada pelo arguido, para que aquela o representasse, de modo a proceder à elaboração do recurso da medida de coacção.
Para a elaboração das alegações do recurso, a expoente reuniu com o Dr. U... , assim como com o arguido que, igualmente, indicou à expoente as testemunhas que deveria juntar em sede de contestação.
No seguimento, a expoente procedeu à elaboração, e entrega, das alegações de recurso da medida de coacção aplicada ao arguido, assim como da contestação e respectiva apresentação do rol de testemunhas, no estrito respeito do estipulado com o arguido.
Posteriormente, desconhecedora do paradeiro do arguido, a expoente, assim como o Dr. U... , passaram a ser contactados, via telefone, pelo arguido.
Deste modo, o arguido sempre esteve a par do que se passava nos autos.
Todos os despachos, decisões, promoções, comunicações de testemunhas não notificadas foram sempre comunicados ao arguido.
Nas datas das sessões de julgamento, o arguido falava com ela, via telemóvel e dava instruções sob a pertinência de cada testemunha, pois foi ele que lhe forneceu o nome e referências acerca das mesmas.
No dia em que foi proferida a sentença, foi dado conhecimento ao arguido, através do Dr. U... .
Após indicação do arguido, de que pretendia recorrer, a expoente iniciou a elaboração das alegações de recurso, tendo efectuado as transcrições das sessões de julgamento, e iniciado a redacção do dito recurso.
Todavia, a expoente concluiu que não deveria proceder à entrega das alegações de recurso, pois o arguido deveria ser notificado, pessoalmente, o que ainda não havia ocorrido.
Após a sentença, o arguido foi aconselhado, pela expoente, e pelo Dr. U... , para que regressasse ao país, de modo a ser notificado da sentença e, consequentemente proceder-se à entrega do respectivo recurso ou autorizar que a notificação fosse efectuada na pessoa da sua mandatária, ou na pessoa da sua mãe.
O arguido nunca pôs em causa a defesa que a expoente, legitimada pela procuração de Maio de 2013, fazia nos presentes autos.
Todos os actos de defesa e representação, feitos pela expoente e, nas alegações, pelo Dr. U... , foram a pedido, com o conhecimento e a concordância do arguido.
Todavia, porque o arguido recusava, terminantemente, regressar a Portugal, a expoente, com concordância do Dr. U... , optou por renunciar à procuração, uma vez que, nesta altura, considerou que o arguido não ouvia os conselhos da expoente, tornando-se, por diversas vezes, desagradável com esta, chegando a ser insolente no tom e linguagem que utilizava, assim como com o Dr. U... .
Não obstante, enquanto advogada representou o arguido em dois outros processos-crime, designadamente, o processo n.º 207/11.5TASEI, assim como no processo n.º 71/13.0TASEI, ambos do tribunal de Seia, ao qual juntou procuração
  Em Abril de 2014 recebeu telefonema da advogada Dr.ª T... (Coimbra) pedindo a solicitação do arguido que lhe enviasse substabelecimento no Âmbito deste processo n.º 71/13.0TASEI, dos poderes de mandato conferidos pela procuração de Maio de 2013 (cfr. documenta a fls. 2450).
Enquanto advogada agiu ao abrigo da procuração que lhe foi outorgada, tendo designadamente sido requerido substabelecimento com base na procuração cuja invalidade agora invoca.
Com o seu procedimento o arguido pretende atingir o seu bom nome e honra profissional e obstruir a justiça, tentado a declaração de nulidade do processo após a junção da procuração.
Em seu entender a perícia requerida é uma manobra dilatória e impedir o prazo de recurso.
 O arguido numa atitude reprovável mente ao tribunal, tentando obstar a realização da justiça como tem sido o seu procedimento ao longo do processo.
Vejamos o que consta dos autos.
1. Em 19/4/2013 foi junta procuração forense outorgada pelo arguido a favor da Dr.ª I... em 16/4/2013 (fls. 904).
2. Logo em 18/4/2013, alegando “diferenças intransponíveis” com o arguido renunciou à procuração, que juntou em 19/4/2013 (fls. 907).
 3. Notificação do arguido da renúncia à procuração em 19/4/2013 (fls. 911).
4. Cumprido o art.39.º, do CPC, por despacho de 24/4/2013 (fls. 917) manteve-se o defensor oficioso já nomeado Dr. J... , tendo sido erradamente notificado o Dr. L... , o qual solicitou escusa à AO (fls. 925).
5. Nomeada a Dr.ª BB..., formulou pedido de escusa junto da AO em 2/5/2013 (fls. 955).
6. Em 2/5/2013, por estar a correr o prazo do art. 39.º, n.º 3, do CPC, manteve-se a Dr.ª I... (fls. 959v.) para a diligência do dia 3/5/2013, a qual informa que renunciou e que tinha diligência já agendada (fls. 970).
7. No interrogatório de 9/5/2013, antes de ser aplicada a medida de coacção o arguido ausentou-se sem justificação, tendo-lhe sido aplicada prisão preventiva, em cuja diligência esteve como defensora oficiosa a Dr.ª CC... (fls. 1031 a 1038v.).
8. Em 30/5/2013 a Dr.ª I... interpôs recurso da medida de coacção aplicada ao arguido, acompanhado com a procuração de 10/5/2013, junta a fls. 1298.
9. Na sequência e ao abrigo da procuração a Dr.ª I... apresentou contestação em 17/6/2013 (fls. 1325), oferecendo 12 testemunhas identificadas e acompanhou o processo durante o julgamento.
10. Em 3/11/2013 a Dr.ª I... renunciou á procuração (fls. 1975).
11. O arguido foi extraditado em 3/3/2015 (fls. 2168) e submetido a interrogatório, nos termos do art. 254.º, n.º 2, do CPP (fls. 2191 a 2205) e por si declara que pretende recorrer.
12. Em 27/4/2015 passa procuração ao Dr. V... (fls. 2177) e em 20/5/2015 e revogou-lhe a procuração, informando que pediu apoio judiciário.
13. Em 17/6/2015 é nomeado defensor o Dr. Y... (fls. 2264), o qual pede escusa logo em 22/6/2015 (fls. 2270).
14. Em 30/6/2015 passou procuração aos actuais defensores, Dr. W... e Dr. X... (fls. 2283).
Esta é a história do arguido e a forma como tem lidado com os seus defensores.
A questão suscitada é deveras séria e tem de ter consequências, pois se a senhora advogada falsificou a assinatura da procuração actua com grave violação do dever deontológico no exercício nobre da realização da justiça.
Alega o arguido que se está perante uma nulidade insanável, prevista na al. c) do artigo 119.º, do CPP, alegando que esteve ausente durante a audiência de julgamento e “não se encontrava representado por advogado mandatado, nem por defensor”.
O arguido argui a nulidade em 23/7/2015 (fls. 2299 a 2301).
Interpõe recurso em 27/7/2015 (fls. 2310 e segts).
A nulidade suscitada é decidida em 5/8/2015 (fls. 2451 e segts.).
Nos termos do art. 119.º, al. c), do CPP, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento a ausência do arguido ou do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
Pelo despacho de 5/8/2015 (fls. 2451 e 2452) o senhor juiz decidiu indeferir a nulidade arguida e não suspender a tramitação destes autos, a cujo despacho reagiu o arguido interpondo recurso, o qual foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, conforme consta de fls. 2533.
Não há deste modo nulidade por omissão do juiz da 1.ª instância, por não se ter pronunciado sobre a falsificação da assinatura do arguido na procuração a favor da mandatária e suspensão dos autos até ser decidido o incidente.
Conclui-se assim que esta questão, de apreciar o incidente de falsificação da procuração e da não suspensão da tramitação do processo, encontram-se em apreciação no âmbito de recurso autónomo, onde será apreciada, não tendo pois influência na tramitação dos presentes autos.
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b) Nulidades:
1. Julgamento sem a presença do arguido.
Como confirma o arguido na sua douta motivação de recurso, devidamente notificado para a 1.ª e 2.ª datas da audiência de julgamento, faltou, sem que haja justificado a falta, tendo decorrido ambas as audiências de produção de prova de 11/9/2013 e 18/9/2013 (cfr. actas de fls. 1524 a1527 e 1540 a 1545), bem como a leitura do acórdão em 9/19/2013, sem a sua presença.
Afirma o arguido que ninguém pode ser julgado na ausência sem que seja cumprido o formalismo em que tal é permitido, nos termos dos art. 332.º, n.º 1 e 333.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
Efectivamente a ausência do arguido na audiência de julgamento é excepção à regra consignada na 1.ª parte do art. 332.º, n.º 1, do CPP.
O arguido se não esteve presente é porque não quis.
O tribunal observou todas as formalidades e tudo fez para que estivesse presente.
Também respeitou o seu direito de não estar presente.
O art. 333.º, n.º 1, do CPP é claro ao estipular que desde que o arguido esteja regularmente notificado, se não comparecer, o julgamento terá lugar, e a audiência só será adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável a presença do arguido desde princípio da audiência.
O arguido foi devidamente notificado na sua residência, dada aos autos, tanto para as duas sessões de produção de prova, como para a leitura do acórdão, conforme consta respectivamente de fls. 869 e 1342.
O tribunal não ordenou e não é obrigado a tomar medida para obter a comparência do arguido, pois quando a lei diz que o tribunal “toma as medidas necessárias”, nada mais quer dizer que “pode tomar as medidas necessárias”.
Bem andou o tribunal em não se perder em diligências desnecessárias, pois evidenciavam bem os autos que o arguido não iria comparecer, uma vez que sempre se mostrou adverso em colaborar com a justiça.
O arguido não tem só direitos, designadamente de garantais de defesa, mas também tem o dever, como cidadão de colaborar com a realização da justiça e a sua atitude de se ausentar sem justificação durante a sessão do interrogatório que ocorreu em 9/5/2013 (fls. 1014 a 1021, demonstra bem a obstrução que sempre cultivou nestes autos.
Por isso, neste tipo de crime ouvir o arguido que tudo negara, não havia necessidade de o ouvir, por não se mostrar absolutamente indispensável o seu depoimento para a descoberta da verdade material.
   O tribunal, embora pouco formalista, nesta parte, não comete qualquer nulidade ao não fazer constar da acta de forma expressa:
- a não imprescindibilidade da presença do arguido desde o início da audiência para a descoberta da verdade material;
- a prescindibilidade da sua presença no julgamento;
- a necessidade medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
Obviamente que ao dar início ao julgamento e concluí-lo, subentendeu manifestamente que não era imprescindível a presença do arguido desde o início da audiência para a descoberta da verdade material, que era prescindível a sua presença e que como tal não havia consequentemente necessidade e era inútil tomar medidas para obter a sua comparência.
Aliás, estes procedimentos não estão previstos de forma imperativa e são adoptados não de forma totalmente discricionária pelo tribunal, mas de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, sem esquecer e tomar em conta a posição dos diversos intervenientes processuais.
Por outro lado diremos que o arguido se encontrava representado pela ilustre defensora Dr.ª I... , que pontualmente defendeu os interesses daquele.
Ora, nenhum dos intervenientes processuais se manifestou e a haver nulidade, nunca seria uma nulidade insanável, prevista art. 119.º, al. c), do CPP, pois esta ausência consentida pela lei está prevista nos art. 332.º, n.º 1, 2.ª parte e 333.º, n.º 1, do CPP.
Consubstancia a nulidade insanável do art. 119.º, al. c), do CPP, a ausência do arguido, quando obrigatória, isto é, com violação do art. 332.º, n.º 1.ª parte, do CPPP.
Assim, a existir nulidade seria dependente de arguição, o que teria de ser no próprio acto em que teve lugar, nos termos do art. 120.º, n.º 3, al. a), do CPP.
Pelo exposto, indefere-se a nulidade ora arguida.
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2. Não adiamento do julgamento por falta de comparência da ofendida.
Alega o recorrente que a ofendida, devidamente notificado para a 1.ª e 2.ª datas de julgamento, faltou, sem justificar a falta, tendo decorrido ambas as audiências sem a sua presença, conforme consta (cfr. atas de fls. 1524/1527 e 1540/1545).
Sustenta que sendo a ofendida a única testemunha presencial dos factos imputados ao arguido e, por isso, não obstante ter prestado declarações para memória futura na fase de inquérito, o seu depoimento presencial, nos termos do art. 271.º, n.º 8, do CPP, era essencial à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material.
Por outro lado, uma vez que a audiência não tinha de ser adiada para efeitos do artigo 331.º, n.º 1 do CPP, o tribunal deveria ter-se pronunciado sobre se a presença da testemunha (ofendida) era indispensável ou não à boa decisão da causa e, nesse contexto, deveria ter adiado, se a considerasse, como se impunha, indispensável à boa decisão da causa.
Em seu entender o tribunal a quo ignorou ou desvalorizou elementos que permitem, de modo sério, questionar a credibilidade das declarações prestadas pela arguida, violando assim o disposto no art. 340.º, n.º 1 do CPP.
Conclui que ao não ouvir a ofendida, cometeu a nulidade a que alude o art. 120.º, n.º 2 al. d) do CPP por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade.
O arguido não tem qualquer razão ao arguir a nulidade, por o tribunal não ter adiado a audiência de julgamento para ouvir a ofendida.
Tanto o arguido como a ofendida não fora exemplo no dever de colaboração com a realização da justiça, que não pode ficar ao critério dos intervenientes e se queriam ver as suas pretensões satisfeita podiam e devia estar presentes.
O art. 331.º, n.º 1, do CPP, consagra que a falta de testemunha, em princípio, a adiamento.
E para haver adiamento torna-se necessário que o presidente oficiosamente ou a requerimento decida por despacho que a presença da pessoa faltosa é indispensável á boa decisão da causa, como se prevê no n.º 2.
É verdade que o n.º 3 refere que a falta das pessoas, designadamente de testemunhas, não pode dar lugar a adiamento por mais de uma vez, o que não é um direito concedido ao intervenientes e faculdade automática, pois só deverá haver adiamento se houve fundamento justificado nos termos do n.º 2.
Ora, o tribunal, tratando-se de crime de violência doméstica e ao abrigo do art. 33.º, n.º 1, da Lei 112/2009, de 16/9 tomou depoimento á ofendida para memória futura, em 20/9/2012, conforme acta de fls. 167 e 168, a fim de que poder, se necessário, ser tomado em conta em julgamento.
Tal depoimento para memória futura também podia ater sido colhido, nos mesmos termos, nos termos do art. 271.º, do CPP, por estar em causa um crime de violação, enquadrável nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Na tomada de depoimento foram notificados todos os intervenientes processuais referidos no art. 33.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9, sendo obrigatória a presença do Ministério Público e do defensor, estando representado o arguido na diligência pelo Ex.mo Dr. L... .
É certo que a tomada de depoimento para memória futura não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.
Já vimos que o processo é de natureza urgente, por força do art. 26.º, da Lei 112/2009, de 16/9, seguindo o regime do art. 103.º, n.º 2, al. g), do CPP.
A ofendida, devidamente notificada, ausentou-se e faltou injustificadamente à audiência de julgamento, conforme consta de actas de fls. 1524 a 1527 e fls. 1540 a 1545.
O tribunal atenta a natureza do processo e dada a falta da ofendida, socorreu-se, porque necessário, do depoimento para memória futura, prestado em fase de inquérito, nos termos do art. 33.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9.
Por outro lado, estando perante processo urgente, não seria possível a prestação de depoimento em audiência de julgamento, não estando assim observado o disposto no art. 271.º, n.º 8, do CPP.
Nesta conformidade não foi omitida diligência de prova considerada necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, a que aponta o art. 340.º, n.º 1, do CPP.
Ao não ser ouvida a ofendida em audiência de julgamento, não omitiu o tribunal a quo diligência reputada essencial para descoberta da verdade e por isso não incorreu o tribunal a quo na arguida nulidade do art. 120.º, n.º 2 al. d) do CPP.
E, mesmo que se traduzisse em nulidade, sempre estaria sujeita ao regime de arguição previsto no n.º 3, al. a), daquele mesmo artigo.
Pelo exposto se indefere a nulidade arguida.
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3. Omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devia apreciar.
O recorrente alega que o acórdão sofre nulidade prevista no art. art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Para tal considera que do depoimento prestado na audiência de julgamento de 11.09.2013 pela testemunha S... , agente da GNR, resulta que, apesar deste ter tido diversos contactos com a ofendida, nunca teve conhecimento, directo, indirecto, ou por via da ofendida, de qualquer ato de violência, física ou verbal, por parte do arguido, e também nunca se apercebeu que aquela apresentasse lesões físicas, como escoriações, inchaços ou nódoas negras.
Esta testemunha referiu apenas que a ofendida se queixava do controlo que o arguido exercia sobre ela, sem no entanto especificar nenhum facto concreto.
Em seu entender este depoimento não é compatível com o teor das declarações prestadas pela ofendida, porque se a ofendida se queixou à testemunha do controlo exercido pelo arguido, então o normal, segundo as regras de experiência comum, seria a ofendida também queixar-se a esta testemunha, agente da GNR, dos restantes comportamentos que imputou ao arguido, ou pelo menos de algum deles, mostrando-lhe até algum ferimento que tivesse sofrido.
Acrescenta ainda que na fundamentação do acórdão não se encontra qualquer referência ao facto de a ofendida nunca ter relatado a este agente da GNR nenhum dos episódios e agressões que imputou ao arguido, como também não é feita qualquer referência ao facto de esta testemunha nunca se ter apercebido da existência de qualquer lesão na ofendida.
Conclui que a análise crítica destas considerações assume fulcral importância na ponderação da credibilidade, por si só, do depoimento da ofendida, desde logo porque são idóneas a colocar o tribunal numa situação de dúvida razoável quanto à veracidade da versão dos factos relatados pela ofendida.
Ora, o arguido confunde a apreciação que o tribunal fez da prova com a nulidade por omissão de pronúncia.
Há nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, quando o tribunal deixe de se pronunciar-se sobre questões que devesse aprecia.
O tribunal apreciou o depoimento da testemunha S... , agente da GNR e apreciou o seu depoimento.
Bem ou mal fê-lo.
Portanto não houve omissão do dever de ter em conta o depoimento e apreciá-lo.
Ora coisa bem diferente é o facto de não fundamentar o depoimento, isto é, não proceder à sua apreciação crítica ou haver deficiente apreciação do mesmo.
Mas tal não consubstancia a nulidade arguida, mas nulidade por falta de fundamentação, consagrada no art. 379.º, n.º 1, al. a), ex vi art. art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP.
No caso dos autos o tribunal colectivo relativamente à matéria de facto dada como provada apenas fundamentou com o depoimento da testemunha S... , agente da GNR, o controle que o arguido fazia sobre a ofendida e fê-lo nos seguinte termos, como consta no parágrafo 4.º, a fls. 1568 (fls. 10, do acórdão):
« (…)
Este é um dado que o Tribunal Coletivo julga ser muito relevante e revelador e que se conjuga, por exemplo, com o depoimento de S... , que relatou as queixas da ofendida relativamente ao controle exercido pelo arguido, relatando ainda que, em uma ocasião em que transportaram a ofendida ao Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, o arguido seguiu numa outra viatura atrás do veículo da Guarda Nacional Republicana, tendo sido solicitada pelos Magistrados daquele Tribunal a permanência dos militares da Guarda Nacional Republicana, dada a presença do arguido naquele espaço».
E tal versão dada pela testemunha advém do conhecimento que este adquiriu nos contactos que teve com a ofendida, conjugado com apreciação crítica que faz de outros elementos probatórios que constam da fundamentação que se segue de imediato a fls. 1568 v. e 1569 (10 e 11, do acórdão).
Ora, nada impõe que o tribunal a quo tivesse de se pronunciar sobre as questões suscitadas pelo recorrente, isto é, para averiguar da credibilidade do depoimento da ofendida ou a obrigação da testemunha ter necessariamente conhecimento directo de actos de violência, uma vez que não foi levantada a questão pelos intervenientes processuais. 
Se o depoimento da testemunha é ou não compatível com o da ofendida, só porque seria normal segundo as regras da experiência comum que se tivesse sofrido ferimento lhos tivesse mostrado, não tem nada a ver com a nulidade apontada.
Pelo exposto se indefere a nulidade arguida.
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4. Omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
Alega o arguido que o tribunal a quo devia averiguar se a ofendida sofria ou não de problemas psíquicos graves e se tal seria suscetível de afectar a sua percepção da realidade, a credibilidade das suas declarações e bem assim justificar os comportamentos agressivos desta.
Diz ainda que a questão foi suscitada no processo, como aliás é expressamente reconhecido na página 10 (último parágrafo) e 11 do acórdão, tendo o tribunal concluído que nada se provou a este respeito.
A fls. 1049 dos autos (4.° volume) encontra-se um relatório de urgência da ofendida aquando da sua deslocação ao Hospital de (...) a 9 de Maio de 2013, no qual consta que a ofendida "tem antecedentes de depressão bipolar extrema", referindo-se ainda que a mesma se encontrava, desde Março, sob medicação de "seroquelsr" e "toripamato 50mg", medicamentos que se destinam, entre outros, ao tratamento da perturbação bipolar e episódios maníacos.
Era do conhecimento do tribunal, uma vez que a fls. 1013 dos autos (4.° volume) consta uma cópia da embalagem destes dois medicamentos, sob a descrição: “cópia extraída da medicação na posse da ofendida”.
O recorrente afirma que a ofendida sofria de doença psíquica grave, encontrando-se medicada para o efeito, o que implica que se ponha em causa a credibilidade das suas declarações, no sentido de não permitir que o tribunal formule um juízo de credibilidade para além da dúvida razoável.
Em seu entender a ofendida deveria ter sido sujeita a uma perícia psiquiátrica que aferisse a sua idoneidade psíquica para prestar declarações credíveis, revelando-se tal diligência essencial para a descoberta da verdade.
Conclui que o tribunal ao omitir esta diligência, a qual se mostra essencial para a descoberta da verdade, incorreu na nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d) do CPP.
Será mesmo assim?
Vejamos então.
Nos termos daquele preceito legal, constitui nulidade dependente de arguição, entre outras:
«A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».
É verdade, conforme refere o recorrente nas suas doutas alegações de recurso, que se encontra junto a fls. 1049 dos autos um relatório de urgência da ofendida, tendo-se deslocado ao Hospital ... em 9/5/2013, do qual consta, relativamente à triagem, que se deslocou às urgências por “tonturas e mal-estar” e que “tem antecedentes de depressão bipolar extrema”.
Porém, consta depois do mesmo relatório relativamente à história da doença àquela data, a referência a tonturas e cefaleias e que a ofendida se encontrava medicada com “seroquelsr” e “topiramato 50mg desde Março”.
A fls. 1013 encontra-se junta cópia da embalagem destes dois medicamentos.
Nada mais que isto.
Foi deduzida acusação de fls. 581 a 590 e depois proferido o despacho de pronúncia de fls. 788 a 794, não constando da mesma qualquer imputação de perturbação psíquica que evidenciasse perturbação psíquica da ofendida de modo a por em causa a credibilidade da queixa apresentada e depois o seu depoimento prestado, perante a assistência do seu defensor, que nada requereu nesse sentido.
O arguido podia e devia ter suscitado a questão requerendo as diligências que bem entendesse, que na fase de inquérito, quer na fase de instrução, mas não o fez.
Depois o arguido foi notificado da data de julgamento.
Em contestação limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, conforme consta de fls. 1325 dos autos.
O julgamento decorreu normalmente sem que se tenha suscitado a necessidade de proceder a uma perícia às faculdades mentais da ofendida.
O arguido podia e devia ter requerido a perícia em qualquer fase processual.
Nos termos do art. 154.º, n.º 1, do CPP, a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária e ao ofendido, nestes casos, só deve ser efectuada, quando houver razões para pôr em causa a participação por si efectuada.
Não é manifestamente o caso dos autos.
Por outro lado, sempre diremos que o arguido, em vez de se preocupar e obstar sistematicamente à realização da justiça, podia e devia serenamente ter ponderado a sua defesa e se por ventura tinha por importante a realização da perícia devia tê-la requerido.
E não o tendo feito, este tribunal de recurso só poderá concluir que estamos perante uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, se a questão tivesse sido questionada de forma séria e que, não obstante o tribunal, omitiu o dever de averiguar esse facto.
Ora, o tribunal não foi colocado tão pouco perante uma dúvida razoável para colocar em caus a veracidade dos factos.
Por isso, não ponderou, por não ter questionado a necessidade de ordenar a perícia às faculdades mentais da ofendida.
O tribunal não omitiu pois diligência que se impusesse para a descoberta da verdade.
Pelo exposto julga-se não verificada a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d) do CPP e mesmo que se tivesse verificado, estaria sujeita ao regime de arguição, sucessivamente nas diversas fases processuais ao que dispõem as al. a) e c).
*
c) Excepção do caso julgado por violação do princípio “ne bis in idem”.
Alega o arguido também na douta motivação de recurso a excepção de caso julgado, por violação do princípio “ne bis in idem”, com o fundamento de que foi condenado no Processo Comum Colectivo n.º 43/06.0GASEI, do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por acórdão proferido em 7 de Maio de 2008, transitado em julgado em 11 de Junho de 2010, pela prática de um crime de maus-tratos, a que actualmente corresponde o crime de violência doméstica, na pessoa da ora ofendida B... , na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, com sujeição a regime de prova, que cumpriu. (cfr. ponto n.º 46 dos factos provados e certidão de fls. 181 e ss dos autos).
Diz o arguido que o acórdão do processo n.º 43/06.0GASEI incidiu sobre factos ocorridos, pelo menos, até ao ano de 2007.
Na versão do arguido certos factos dados como provados no acórdão ora recorrido incluem-se no âmbito espácio-temporal da condenação anterior.
Segundo o arguido estão nestas condições os factos pelos quais já foi julgado os factos provados sob os n.ºs 3 (1.ª parte), 16, 29, 30 e 31.
No facto3 provado diz-se o seguinte:
«Durante todo o tempo de vivência em comum do casal, o arguido sujeitou a ofendida, sua companheira, a humilhações e agressões …».
A seta afirmação o arguido objecta que nunca poderia ser condenado neste processo por factos praticados durante todo o tempo de vivência em comum do casal, abarcando assim um "pedaço de vida" do arguido já objecto de decisão equiparada.
Não partilhamos de tal afirmação.
O que se diz é que durante a vivência em comum sempre sujeitou a ofendida, a humilhações e agressões.
E depois esclarece-se que já foi condenado no processo n.º 43/06.0GASEI incidiu sobre factos ocorridos, pelo menos, até ao ano de 2007 (2.ª parte) e não obstante continuou a revelar comportamentos agressivos facto (facto 4).
O acórdão em que o arguido foi condenado consta de fls.181 a 201, o qual foi inteiramente confirmado pelo TRC, pelo acórdão de fls. 201-A a 246, reportando-se o crime de maus-tratos ao período compreendido entre 2002 a 2007 (facto 4 do acórdão)
 O facto16 provado do acórdão recorrido, que se refere a uma agressão com uma pá de brinquedo, diz respeito a factos que já haviam sido julgados no processo n.º 43/06.0GASEI e que constam especificamente nos n.º 11 e 12 da matéria de facto não provada desse acórdão.
Efectivamente o tribunal a quo não foi rigoroso em delimitar temporalmente este episódio, cuja descrição se assemelha aos factos 11 e 12, dos factos não provados no acórdão anterior, pelo menos em permitir a distinção, de forma inequívoca, que tinha sido, posteriormente a 2007.
A este facto há que acrescentar que a ofendida nas declarações para memória futura também referiu que este episódio ocorreu há muito tempo atrás, quando os dois filhos mais velhos eram pequenos (cfr. pág. 17 e 71 da transcrição das declarações da ofendida a fls. 383 e ss. dos autos).
Na dúvida deve pois este facto ser dado como não provado.
O facto 29 provado refere-se ao controlo exercido desde sempre pelo arguido em relação à ofendida e ao facto de sempre a ter impedido de trabalhar e de auferir os seus próprios rendimentos e em nada coincide com o já decidido.
O facto 30 provado diz que o arguido sempre adquiriu os alimentos necessários à subsistência da ofendida e dos filhos e que só traz para casa o que lhe aprouver e quando lhe apetece.
O facto 31 provado refere que o arguido nunca permitiu que a ofendida tomasse qualquer método contraceptivo, contra a vontade desta.
Ora, estes factos consubstanciam uma actuação continuada do arguido, que apesar de ter sido julgado e condenado mantém a ofendida sob o seu domínio, submetendo-a a maus-tratos físicos e submetendo-a a sofrimento físico e psíquico, o que se traduz também numa continuação (conforme facto 4 provado), não consubstanciando violação do princípio ne bis in idem.  
Face ao exposto, deve considerar-se como verificada a excepção de caso julgado, relativamente ao facto 16 provado, o qual deve omitir-se dos factos provados, por violação do princípio ne bis in idem, mantendo-se os restantes (factos 3(1.ª parte), 29, 30 e 31.
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d) Imputações genéricas e violação das garantias de defesa.
Neste segmento do recurso alega o recorrente que num tipo de crime tão amplo como a violência doméstica, a precisa indicação e concretização dos factos necessários à integração no tipo deve ser um elemento essencial do julgamento.
Assim, no seu entender, os factos dados como provados sob os n.ºs 3,4, 5, 6, 7,17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 31 e 32 da matéria de facto, são imputações genéricas e como tal devem ter-se como não escritos por violação do contraditório, das garantias de defesa em processo penal, e do princípio da presunção de inocência, com violação do art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP.
Aqueles factos em seu entender são puras imputações genéricas, sem qualquer concretização factual, indefinidas e imprecisas, que impossibilitam um adequado contraditório do arguido e uma tomada de posição sobre os mesmos. Não se precisam as datas e os locais em que ocorreram as agressões físicas e ofensas verbais, nem quantas vezes nem em que circunstâncias aquelas foram perpetradas. Não se faz qualquer referência à intensidade das agressões, à zona do corpo atingida, ao tipo, gravidade, caracterização e localização das lesões da ofendida.
O crime de violência doméstica é de natureza complexa, pois traduz-se num somar de infligir maus-tratos físicos ou psíquicos à vítima, que o arguido controla e mantém sob a sua dependência, subordinando-a psicologicamente.
Por isso, são elementos do tipo as acções concretas exercidas sobre a vítima e o próprio comportamento do arguido intimidatório, que pode ser por acção ou omissão.
Por isso, há procedimentos que não se traduzem em actos de violência física e que se traduzem em violência doméstica.
É neste sentido que os factos 3 e 4 provados consubstanciam uma prática reiterada do arguido para com a ofendida.
No facto 5 provado delimita-se a prática de actos atentatórios da honra e dignidade da ofendida e contra a integridade física, praticados durante o período de suspensão da execução da pena.
Por sua vez os factos 6 e 7 provados referem-se à prática reiterada dos actos praticados pelo arguido.
Os factos 17, 18 e 19 provados são situados temporalmente, pois dentro de período abrangido, especificamente ocorreram logo após a queixa.
Os factos 20, 21 e 22, estão situados no mesmo contexto e embora se diga que foi em data não apurada, é na sequência da queixa apresentada que o arguido insiste e pressiona a ofendida para retirar a queixa.
Os factos 23, 24 e 25 são concretos e temporalmente situados.
O facto 29 refere-se ao controle que arguido exerce de forma reiterada sobre a ofendida e em que se traduz.
O facto 30 diz respeito á sua posição de domínio, que advém nomeadamente da dependência económica, pois é ele que adquire os alimentos para a família, compras que faz apenas segundo a sua vontade. Nada se vê em contrário para o arguido não poder contraditar, por exemplo esta afirmação.  
Os factos 31 e 32 também são factos objectivos concretos ao afirmar-se que o arguido não permite que a ofendida recorra a métodos contraceptivos, fazendo referência concreta à sua atitude após o nascimento da filha mais nova.
Concluímos pois que os factos dados como provados sob os n.ºs 3,4, 5, 6, 7,17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 31 e 32 da matéria de facto, não são meras imputações genéricas que impeçam o exercício do contraditório, das garantias de defesa e do princípio da presunção de inocência e não violam o art. 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP.
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e) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
O arguido nas conclusões 53.ª a 111.ª vem impugnar a matéria de facto, com base em erro de julgamento, indicando incorrectamente julgados os factos provados, sob os pontos 3 (r parte), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 46.
Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.
Relativamente às questões suscitadas no recurso interposto, o recorrente não resumiu as razões do pedido, antes se alongou em 114 conclusões que não se justificavam.
Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas».
O recorrente indica 37 pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados.
Antes de mais importa frisar que devemos ter em atenção que as concretas provas indicadas pelo recorrente, para se concluir pela alteração da matéria de facto, devem impor decisão diversa da recorrida, não deixando alternativa ao julgador.
Se fosse tido mais em atenção este preceito, por certo haveria mais cuidado na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
Repetimos: para que se altere a matéria de facto, com base em erro de julgamento, é necessário que as provas concretas façam prova por si, que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo. 
Não é manifestamente o caso seguido pelo recorrente.
A impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento não se pode traduzir na repetição do julgamento da 1.ª instância.
Esta não é a função do tribunal de recurso, mas corrigir pontualmente os pontos que concretamente o recorrente considera incorrectamente julgados.
E verificar se os factos acima apontados estão incorrectamente julgados implica a reapreciação da prova, isto é, verificar, se apontam em sentido diverso do vertido na decisão.
Para tal devemos partir de elementos extrínsecos à sentença.
Quando partimos dos elementos intrínsecos à sentença estamos perante os vícios da sentença, que devem resultar do próprio texto e as deficiência apontadas à matéria de facto e fundamentação enquadram-se nos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
São caminhos bem diferentes de por em causa a matéria de facto, mas que ambos podem levar à sua modificabilidade.
No caso dos autos o arguido confunde a errada apreciação da prova, com o erro de julgamento.
E para impugnar os 37 factos acima apontados fundamenta-se no seguinte:
A) Insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados; violação do princípio da presunção de inocência e in dubio pro reo, chamando à atenção que o tribunal se baseou unicamente nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida.
B) Factos e provas que impõem que o tribunal não possa dar credibilidade aos depoimentos da ofendida:
1- Fundamentação do acórdão recorrido, que se pronuncia sobre a imprecisão e contradições do depoimento da ofendida 8pág. 8 e 19).
2- Contradição das declarações da ofendida.
3- O facto de a ofendida se ter queixado à testemunha S... , agente da GNR, sobre o controle exercido sobre ela pelo arguido, seria normal que se queixasse de alguns episódios que imputa, mostrando-lhe designadamente ferimentos. Porém, do acórdão não consta que a testemunha tivesse conhecimento de qualquer lesão ou ferimento.
4- A ofendida sofria de doença psíquica grave.
5- A ofendida nas declarações para memória futura não consegui explicar como estando o arguido em cima da carrinha e esta em baixo, ele lhe conseguiu desferir a chapada referida no ponto 9 dos factos provados.
6- A ofendida já foi condenada por denúncia caluniosa, devendo por isso o tribunal ter solicitado o CRC, omitindo diligência essencial para a descoberta da verdade, constituindo tal omissão nulidade do art. 120.º, n.º 2, al d), do CPP.
7- Não obstante o tribunal ter considerado que a ofendida agiu sob pressão e coacção do arguido, a mesma assumiu condutas processuais contraditórias, ora denunciando o arguido, ora negando as imputações que fazia.
C) A personalidade da ofendida.
Pelos depoimentos das testemunhas O... e P... , resulta que o arguido era uma pessoa impecável, educada e respeitosa, que mantinha um aboa relação com os filhos.
Porém, a testemunha N... caracterizou a ofendida como pessoa com grave distúrbio psíquico e bastante ofensiva com o arguido.
D) Factos 5 e 6.
Impunha-se que se ofensas verbais tivessem ocorrido na rua alguém as confirmasse em tribunal.
E) Facto 14.
O arremesso do boneco contra a ofendida não tem dignidade penal, uma vez que não era susceptível de lhe causar, nem causou, qualquer dano.
F) Factos 29 e 30:
O tribunal deu como provado o controlo que o arguido exercia sobre a ofendida, referindo ainda na fundamentação que aquele controle era também exercido pela mãe do arguido, devendo então tal facto constar da factualidade dada como provada.
Como resulta do depoimento das testemunhas H... e R... , a mãe do arguido era cozinheira e trabalhava até pelo menos às 23h e por outro lado se o arguido era trabalhador, como ficou a constar do acórdão, é impossível conceber como é que poderiam ser capazes de controlar a ofendida.
O tribunal deu como provado que era o arguido o único que adquiria os alimentos necessários e as testemunhas Q... e G... referem que viam o casal juntos às compras no hipermercado.
G) Factos 31 e 32.
A testemunha AA... limitou-se a dizer que o arguido se deslocou uma vez ao Centro de Saúde de (...) , dois meses após a ofendida ter colocado o implante, a pedir satisfação pela colocação do mesmo, referindo que a ofendida estaria a ter problemas com hemorragias, não resultando que o arguido tenha exigido que o implante fosse retirado.
H) Facto 46. 
Este facto deve ser corrigido no sentido de que no processo anterior se discutiram factos praticados, pelo menos até ao ano de 2007.
Como vimos o arguido enveredou por atacar toda a matéria de facto de uma forma geral e forma como pôs em causa o acórdão recorrido, nada mais fez que se pôr no lugar do julgador a fazer a apreciação da prova, segundo a sua interpretação, e, salvo o devido respeito, esta não é a via de recorrer da matéria de facto com base em erro de julgamento.
A insuficiência da prova não tem a ver com a impugnação da matéria de facto especificada e nem se confunde com o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Uma coisa é não haver prova para dar os factos provados, outra é que os factos dados como provados não podem levar à condenação, por serem insuficientes.
A contradição e imprecisão do depoimento para memória futura em que o tribunal se baseou e fundamentação do acórdão não podem servir de base à pretensão do recorrente.
A doença da ofendida já foi abordada, quando nos pronunciámos sobre a nulidade invocada por não ter sido feita a perícia pretendida.
As explicações pretendidas para a matéria de facto constante do facto 9 provado, pretendendo o arguido que a ofendida justificasse como poderia o arguido atingi-la à chapada estando ele na carrinha e ela no chão, não se enquadra se enquadra na impugnação da matéria de facto.
A falta de requisição do CRC, por denúncia caluniosa por parte da ofendida, é irrelevante e não se enquadra neste segmento do recurso sobre a reapreciação da matéria de facto.
A falta dos factos agora invocados pelo arguido, o tribunal não entendeu que houvesse necessidade, e se fossem considerados importantes pelo arguido para a boa decisão, tal questão devia ter sido suscitada em julgamento.
O tribunal deu credibilidade ao depoimento da ofendida quanto às ofensas verbais quando ocorreram na rua, não podendo ser posta em causa a sua versão só porque não foi oferecida prova testemunhal nesse sentido.
Relativamente ao arremeço do boneco, não faz sentido o reparo do arguido, de que não tem dignidade penal, pois tal arremeço não precisa de causar dano ou ofensa à integridade física, traduzindo-se por si só num acto vexatório e atentatório contra a dignidade e respeito de vido à ofendida e enquadrável nos actos censuráveis penalmente no crime de violência doméstica.
Não faz sentido a observação do arguido, a não ser que tal conduta fosse na sequência de uma brincadeira.
O controle do arguido sobre a ofendida transparece de toda a factualidade do acórdão, sendo que relativamente á mãe do arguido, não consta como provado.
A deslocação do arguido ao Centro de Saúde de (...) que refere na motivação de recurso não põe em causa a colhida no acórdão.
Relativamente á circunstância dos factos do anterior acórdão condenatório do arguido se reportarem pelo menos até 2007, já foi considerado, como aliás consta do acórdão junto a fls. 201-A a 246 e que levou á eliminação do facto 16 provado, quando decidimos a ofensa do caso julgado por violação do princípio ne bis in idem.
Como resulta da análise que fizemos a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não reúne minimamente os requisitos do art. 412.º, n.º 2, al. b), do CPP, isto é, não indica um aprova que imponha decisão diversa da recorrida, limitando-se o arguido a apontar o sentido que daria à prova, pondo em causa a credibilidade essencialmente o depoimento da ofendida, desacompanhado de outros elementos probatórios.
Por outro lado, não deu cumprimento ao disposto no n.º 4, do mesmo artigo, devendo designadamente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O critério não foi este, antes impugnou genericamente a matéria de facto, pondo em causa sobretudo a credibilidade do depoimento da ofendida.
E nesta parte aponta o art. 417.º, n.º 3, do CPP, que se das conclusões de recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.º 2 a 5 do art. 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou a esclarecer as conclusões formuladas.
Porém, de acordo com o n.º 4, do art. 417.º, o aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o Âmbito do recurso que tive sido fixado na motivação.
Aliás, ao abordarmos esta questão não só tivemos em conta as conclusões, como essencialmente a longa motivação que analisámos em pormenor.
Nesta conformidade, concluímos que o arguido não impugnou a matéria de facto, ao abrigo do disposto do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sem embargo de nos pronunciarmos sobre o vício de erro notório na apreciação da prova, constante do art. 410.º, n.º al. c), como deixa transparecer o recorrente na sua motivação de recurso e o qual é de conhecimento oficioso.
*
f) Contradição insanável entre o facto provado n.º 8, 9 e 10, o ponto c) dos factos não provados, a fundamentação e a decisão.
Alega o recorrente que o tribunal deu como provado, nos pontos n.ºs 8, 9 e 10, que o arguido agarrou numa tábua e projectou-a, atingindo a ofendida, tendo fundamentado a decisão condenatória também neste episódio (cfr. 4.° parágrafo da pág. 15 do acórdão).
Porém, o tribunal considerou que não ficou provado que o arguido projectou a tábua em direcção à ofendida (cfr. ponto c) dos factos não provados).
E na fundamentação do acórdão diz o seguinte (6.° parágrafo da pág. 8):
"É de notar que a ofendida, no presente caso, logrou, apesar disso, "retificar" o tom inicial quanto à agressão com a tábua, em relação à qual o Tribunal Coletivo não ficou convencido, para além de uma dúvida razoável, que o arguido tivesse procurado atingir a ofendida, não só devido à incerteza do depoimento desta nessa parte, mas também pelo facto de o arguido reconhecidamente não maltratar os filhos directamente (…)".
Considera que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para condenar o arguido, uma vez que não se provou o elemento subjectivo, isto é, que o arguido quis projectar a tábua em direcção à ofendida, com intenção de a atingir.
Conclui que de acordo com um raciocínio lógico, a fundamentação do acórdão, justificava uma decisão precisamente oposta, isto é, justificava a absolvição do arguido, nesta parte, e não a sua condenação, o que consubstancia uma contradição insanável entre a fundamentação do acórdão e a decisão, devendo, por este motivo, o acórdão recorrido ser revogado.
Nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício decorra do texto da decisão recorrida, «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão».
O Ac. do STJ, no Proc. N.º 3453/08, de 19/11/2008-3.ª Secção, caracteriza a contradição insanável nos seguintes termos:
«(…)
VI- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.
VII-A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos.
Estaremos perante uma contradição insanável, quando não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao texto da decisão recorrida no seu todo e/ou às regras da experiência comum.
A fundamentação da sentença deve ser coerente e os factos devem ser articulados entre si de uma forma lógica, sem contradições e a motivação da matéria de facto deve estar em consonância também entre si e a matéria de facto que se pretende justificar.
Nem todas as contradições são relevantes para a boa decisão da causa.
Estamos perante uma contradição insanável quando a mesma afecta a boa decisão da causa, de tal modo que a matéria de facto ou a motivação entre si contradiz-se, não permitindo aos destinatários da justiça alcançar a lógica e o rigor da decisão do pleito, pois traz como consequência uma decisão que não é justa e adequada à realidade.
Ora, no caso dos autos, cremos que o tribunal não foi rigorosamente claro, mas de uma leitura atenta, conclui-se que não há a contradição apontada, embora numa primeira leitura pareça existir.
Se não vejamos.
Os factos 8 e 10, não oferecem dúvidas.
No facto 9 provado, o tribunal fez consignar o seguinte:
«Ato contínuo, o arguido desferiu-lhe uma chapada. De seguida, agarrou numa tábua e projectou-a, atingindo a ofendida na parte lateral do abdómen, sendo que esta, nessa altura, se encontrava grávida de cerca de 6 meses».
Depois na al. c) dos factos não provados, considerou o seguinte:
«O arguido projetou a tábua na direção da ofendida».
Ficou pois assente que depois de dar uma chapada à ofendida, o arguido “agarrou numa tábua e projectou-a, atingindo a ofendida na parte lateral do abdómen, dando como não provado que tivesse lançado a tábua na direcção da ofendida.
Lendo atentamente, exclui-se a conduta dolosa, que o tribunal afastou, quer no facto dado como não provado, quer na fundamentação, inexistindo assim o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, de contradição insanável entre o facto provado n.º 8, 9 e 10, o ponto c) dos factos não provados, a fundamentação e a decisão.
*
g) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
O arguido aponta ainda que o acórdão recorrido sofre do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Para tal alega que no facto 14 provado refere-se que "Nessa altura, o arguido agarrou num boneco que se encontrava na mesinha de cabeceira e arremessou-o contra a ofendida, atingindo-a no braço (... )", mas o tribunal não deu por provado, como se impunha, que esse boneco era susceptível de causar algum dano físico à ofendida.
Justifica a sua pretensão no facto da maior parte dos bonecos serem absolutamente inofensivos e, se arremessados na direcção de alguém, serem insusceptíveis de causar lesões com dignidade penal, o tribunal a quo, no cumprimento do seu dever de descoberta da verdade material, podia e devia ter indagado sobre o tipo de boneco em causa, as suas dimensões e o material de que era feito.
Quanto aos factos 29 e 30 provados consta que "o arguido (…) sempre a impediu de trabalhar e, dessa forma, auferir os seus próprios rendimentos, garantindo deste modo o seu domínio e controlo sobre a mesma, já que não tem acesso ao dinheiro (…) " e ainda que "é o arguido quem adquire e sempre adquiriu os géneros alimentícios necessários à subsistência da ofendida e dos filhos de ambos e só traz para casa o que lhe aprouver e quando lhe apetece."
Por outro lado o tribunal também deu como provado que "a ofendida beneficiou do rendimento social de inserção até 7 de Junho de 2013 (…) " e que " o abono de família, no montante mensal de € 211,14, é pago através de transferência bancária" (factos 39 e 40 provados).
Sustenta o recorrente que se o tribunal deu como provado que a ofendida beneficiava de rendimento social de inserção e também de um abono de família, mensal, de € 211,14, não se pode concluir, sem mais, que o arguido impedia a ofendida de ter os seus próprios rendimentos (em sentido lato estas prestações sociais são rendimentos) e que era ele que sempre adquiria os alimentos para a família, só comprando o que lhe apetecesse.
No seu entender impunha-se que se desse por provado, nomeadamente, em que conta bancária eram depositadas aquelas prestações sociais; se a ofendida tinha ou não acesso a esse dinheiro; se não tinha acesso, como é que o arguido a impedia de aceder ao dinheiro; se tinha acesso ao dinheiro, então de que forma é que o arguido a controlava e porque é que esta não utilizava esse dinheiro para comprar alimentos.
Conclui, de acordo com o exposto, que no que respeita aos acontecimentos descritos nos factos 14, 29 e 30 provados, padece o acórdão do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Cremos ser manifesta a falta de razão do recorrente.
Se não vejamos.
Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão.
Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.
Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis, apreciados de forma crítica e segundos os princípios da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, seriam dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Ed., pág. 737 a 739.
Verifica-se pois o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.
No caso dos autos o tribunal apenas considerou no facto 14 provado que “o arguido agarrou num boneco que se encontrava na mesinha de cabeceira e arremessou-o contra a ofendida, atingindo-a no braço (…) ".
Nada mais se pode concluir daqui.
Nem se infere, e nem se pode inferir, que causou qualquer dano ou lesão ou se era susceptível de causar.
Não estamos perante um crime de ofensa à integridade, embora haja frequentemente a prática de actos que possam integrar este tipo de ilícito, que depois consubstanciam a violência física do crime de violência doméstica.
No crime de violência doméstica, o simples arremessar de um boneco, nas circunstâncias em que ocorreu, traduz-se numa forma de vexar e humilhar a vítima, consubstanciando uma forma de domínio e violência ou maus-tratos psíquicos.
Não se justifica pois a questão suscitada.  
Nos factos 29 e 30 provados refere-se que o arguido exercia o domínio e controlo sobre a ofendida, por esta não tem acesso ao dinheiro e que era arguido quem adquiria os géneros alimentícios necessários à subsistência da ofendida e dos filhos de ambos e que só trazia para casa o que lhe aprouvesse e quando lhe apetecia.
Ora, o facto da ofendida ter beneficiado do rendimento social de inserção até 7 de Junho de 2013 e que o abono de família, no montante mensal de € 211,14, era pago através de transferência bancária, conforme consta dos factos 39 e 40 provados, nada belisca com a decisão.
Do mesmo modo também podemos dizer que estes factos não obstam a que se possa concluir que o arguido impedia a ofendida de ter os seus próprios rendimentos.
É absolutamente irrelevante apurar em que conta bancária eram depositadas as prestações sociais e se a ofendida tinha ou não acesso a esse dinheiro e em que circunstâncias.
 A questão, salvo o devido respeito não tem a ver com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício este que se traduz muito sinteticamente, na circunstância dos factos apurados não permitirem a decisão do tribunal.
Concluímos pois que o acórdão recorrido não sofre manifestamente do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constante do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP.
*
h) Erro notório na apreciação da prova. Presunção de inocência. In dúbio pro reo.
O recorrente põe em causa a valoração que o tribunal fez da prova, com violação dos princípios de presunção de inocência e in dubio pro reo.
O recorrente entende que há insuficiência da prova para o tribunal proferir acórdão condenatório, dando como provados os factos por si impugnados, à excepção do fato 46, unicamente com base nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida na fase de inquérito, sem qualquer outro suporte probatório e sem que a ofendida estivesse sequer “à disposição” do tribunal do julgamento.
O tribunal a quo prescindiu por completo da oralidade e imediação tão necessárias a quem haja de julgar, uma vez que se limitou a complementar as declarações da ofendida com provas absolutamente inócuas.
Conclui existir manifesta insuficiência da prova para os factos que foram dados como provados, e consequente violação dos limites estabelecidos pelo artigo 127.° do CPP à livre apreciação da prova pelo julgador e dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Sustenta o arguido, que as declarações da ofendida, em seu entender deveriam ter sido valoradas de forma diferente, isto é, perante duas versões contraditórias, pois negou sempre os factos, embora oferecesse o merecimento dos autos como contestação e estivesse ausente nas sessões de julgamento, o tribunal, por respeito àquele princípio de presunção de inocência, deveria ter absolvido o arguido.
Importa apreciar se tem de ser assim mesmo.
Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.
Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.
Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, nº 2, do CPP.
A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.
Estando perante um crime de violência doméstica, ao abrigo do art. 33.º, n.º 1, da Lei 112/2009, de 16/9 o tribunal tomou depoimento á ofendida para memória futura, em 20/9/2012, conforme acta de fls. 167 e 168, a fim de poder, se necessário, ser tomado em conta em julgamento.
Tal depoimento também podia ater sido colhido, nos termos do art. 271.º, do CPP, por estar em causa a apreciação de um crime de violação, enquadrável nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, do qual veio a ser absolvido o arguido.
O processo é de natureza urgente, por força do art. 26.º, da Lei 112/2009, de 16/9, seguindo o regime do art. 103.º, n.º 2, al. g), do CPP.
A ofendida, devidamente notificada, ausentou-se e faltou injustificadamente à audiência de julgamento.
O tribunal socorreu-se, porque necessário, do depoimento para memória futura, prestado em fase de inquérito, nos termos do art. 33.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9.
O depoimento prestado para memória futura foi ouvido em audiência de julgamento, com observância das formalidades legais e ao abrigo do disposto nos art. 356.º, n.º 2, al. a) e 271.º, do CPP (sessão de 11/9/2013 - acta de fls. 1526), sem reservas.
E foi, como não podia deixar de ser o depoimento da ofendida tomado para memória futura, que serviu fundamentalmente para a fixação da matéria de facto provada, relativamente ao crime de violência doméstica, o que nesta parte foi conjugado com outros elementos probatórios.
De referir que o arguido vinha acusado de crimes de crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, nos 1, al. a), e 2, e de um crime de violação, p. e p. pelo art.164.º, n.º 1, ambos do CP, tendo sido absolvido deste último, já que relativamente ao primeiro havia outros elementos probatórios, conforme consta da fundamentação doa cordão.
No caso dos autos o arguido e ofendida têm versões contraditórias.
Mas tal será bastante para se concluir pela ofensa do princípio in dúbio pro reo?
Necessariamente que não.
Aquele princípio não funciona de forma automática, perante duas versões contraditórias.
Isso seria negar a função do julgador.
O juiz deve procurar a verdade material, que tem de ponderar, de forma sensata com a observância daquele princípio constitucional.
A existência de duas versões contraditórias (a do ofendida, acolhida pelo tribunal a quo que conjugou com outros elementos de prova e a versão do arguido que nega os factos, embora tenha oferecido o merecimento dos autos e não tenha estado no julgamento, que decorreu na sua ausência) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado o arguido.
Tal tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.
Em conclusão diremos que a violação do in dúbio pro reo se pode traduzir em erro notório na apreciação da prova.
No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in http://www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in http://www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in http//www.trc.pt.
Fundamentou o tribunal colectivo a sua convicção para dar como provada a matéria de facto que importa considerar, essencialmente nas declarações da ofendida, como acontece geralmente nos crime desta natureza, cuja credibilidade não foi posta em causa, embora algumas reservas, nalguns aspectos, devido à sua subordinação e dependência do arguido, que transparece da iniciativa de apresentar queixa e depois dar o dito por não dito.
Por outro lado, o tribunal descredibilizou o depoimento das testemunhas R... (mãe do arguido), que chegou a dizer que o arguido era uma vítima da ofendida e H... (irmã do arguido) tentando justificar o estado de normalidade em que se encontrava a ofendida quando apresentou a carta no tribunal junta a fls. 596 e 597.
 A contrariar a versão do arguido importa ter em conta o depoimento da testemunha S... (agente da GNR) que relatou as queixas da ofendida relativamente ao controle exercido pelo arguido, relatando ainda que, em uma ocasião em que transportaram a ofendida ao Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, o arguido seguiu numa outra viatura atrás do veículo da Guarda Nacional Republicana, tendo sido solicitada pelos Magistrados daquele Tribunal a permanência dos militares da Guarda Nacional Republicana, dada a presença do arguido naquele espaço.
Esta atitude é bem reveladora do controle exercido e domínio do arguido na liberdade de determinação da ofendida e de medo incutido nesta.
As missivas que visavam pôr em causa os actos anteriormente praticados pela ofendida revelam a intervenção de terceiro na sua vontade.
O tribunal colectivo não esqueceu o facto da desistência da queixa, revelada na carta de fls. 17, deixa no ar a possibilidade de a redacção ter sido “sugerida” ou pressionada por pessoa que seria directamente afectada pelo prosseguimento do processo.
Não se diga que o tribunal se funda unicamente nas declarações da ofendida.
A contrariar a versão vertida na motivação de recurso vejamos o cuidado que o tribunal colectivo teve na fundamentação, conjugando os diversos elementos probatórios com o depoimento da ofendida:
«(…)
Na carta de fls. 596 e 597, muito se estranha a tentativa de justificar uma conduta posterior, a ter lugar em diferentes condições. Aí se alude à possibilidade, diremos mesmo, à previsibilidade de alteração de versão se chamada a ofendida a justificar o teor da carta.
Salvo o devido respeito por fundada opinião diversa, um tal comportamento não se coaduna com juízos de normalidade. E não deixaremos de sublinhar que, apesar de a dada altura, se passar a tentar justificar as condutas da ofendida com supostos problemas psíquicos, em momento algum se provou a sua existência e o alegado acompanhamento clínico.
Mas uma missiva é de um teor de tal modo veemente que deixa pouca margem para dúvidas quanto à sua autoria.
Trata-se da carta junta a fls. 131 e 132, que gera imediata estranheza.
Assim, o autor da carta – supostamente a ofendida – começa por referir a atribuição do estatuto de vítima, seguindo-se de imediato “na realidade não sei porque me chamam de vítima ou ofendida!?”. E segue-se o destilar de hostilidade para com as autoridades judiciais e a própria realidade, dizendo-se “também não percebo porque é que este processo, acima referido, já foi arquivado e agora continua aberto?”. E, mais adiante, numa demonstração de raiva incontida diz-se “a realidade é só uma: “eu não sou vítima nenhuma, nem ofendida”, e não admito que me chamem tais nomes” (o sublinhado é nosso).
Não deixamos de reparar que a carta é endereçada ao Sr. Procurador-Geral da República, sendo certo que, ouvido em declarações, que constam a fls. 37 e 38, o arguido se refere a uma alegada conversa com o Sr. Dr. Procurador-Geral.
Tudo indicia uma intervenção do arguido, não sendo de modo algum compreensível que a ofendida, com receio de ser responsabilizada criminalmente, como se refere na carta de fls. 596 e 597, parte final, se manifestasse naqueles termos. Pelo contrário, são os termos próprios de quem se sente acossado e é incapaz de reagir com sensatez.
Aliás, a personalidade do arguido está bem revelada na miríade de cartas enviadas ou juntas ao processo, citando-se, por exemplo, a carta de fls. 94 e 95, contendo ameaças de participação dirigidas aos Magistrados; a carta de fls. 463, com outras ameaças que visavam supostamente resolver o problema de uma tomada descarnada, tendo sido autorizado com presença policial, ao que se seguiram dificuldades em notificar o despacho e ausência de menção à reparação, desconhecendo-se se a “grave situação” foi resolvida. A personalidade do arguido é ainda revelada, por exemplo, na carta de fls. 872, na qual afirmou que a renda da casa estava por conta dos Magistrados que o tinham afastado de casa (afirmação reiterada em outras cartas).
Estes exemplos ilustram a personalidade do arguido, que a testemunha N... caracterizou de irreverente, muito difícil de lidar, uma pessoa revoltada e com vontade de contrariar, um homem que não estava contente com a vida, notando-se que alguma coisa não funcionava bem na família.
O que ora se vem expondo permite atribuir consistência aos depoimentos da ofendida por contraponto com as cartas que foram sendo enviadas para o processo (pondo em causa, além do mais, o depoimento da irmã do arguido)».
A matéria de facto não sofre pois do vício de erro notório na apreciação ad prova, que se mostra fixada com o depoimento da ofendida e a prova oral produzida em audiência de julgamento, devidamente conjugada com a prova documental, à qual o tribunal a quo deu credibilidade apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, conforme o disposto do art. 127.º, do CPP.
Ora, sendo apreciada a prova segundo os princípios da livre apreciação da prova, com base na mediação e da oralidade, não pode o recorrente pôr em causa a valoração da prova e credibilidade que o tribunal deu a determinados depoimentos em detrimento de outros.
A dúvida do tribunal face à versão do arguido e ofendida foi dissipada, pois o tribunal interpretou e apreciou a prova com senso e ponderação, segundo as regras da experiência comum e da normalidade das circunstâncias, concluindo assim por imputar ao arguido a autoria do crime de violência doméstica, cuja versão mereceu credibilidade, por ter apoio lógico nos elementos probatórios bastantes.
E nesta conformidade o tribunal a quo, no dever de procurar a verdade material, removeu as dúvidas que se lhe depararam, perante duas versões, formulando um juízo de certeza, cujo processo lógico a que chegou devidamente fundamentou.
Como dissemos o recorrente não pode questionar a matéria de facto com base na credibilidade que o tribunal deu à prova que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, pois o vício de erro notório na apreciação da prova, não tem a ver com a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, não podendo deste modo, e por si só, pôr-se em causa a factualidade dada como assente.
Como já referimos a apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.
Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.
Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
Se perante duas versões, aquela que seguiu o tribunal se se mostrar de acordo com os princípios do art. 127.º, do CPP, não há motivo para censurar a apreciação e valoração em que se fundamentou.
No caso concreto, o acórdão está bem fundamentado quanto à apreciação crítica que fez da prova, credibilizando a versão da ofendida, apoiada noutros elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção, dando como provada a factualidade imputada ao arguido, integradora da prática do crime de violência doméstica, fundamento do recurso que nos incumbia sindicar.
Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foi violado o princípio da inocência ou in dúbio pro reo, constante do art. 32.º, n.º 2, da CRP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos do acórdão recorrido.
*
i) Crime continuado
Não se entende bem a conclusão 112.ª da motivação de recurso quando o arguido diz que considerando anterior condenação do arguido, o tribunal equivocou-se ao não considerar as condutas como um só crime continuado.
Como deixa claro a fls. 2403 da motivação de recurso, sustenta que se está perante um só crime de execução continuada, nos termos do art. 30.º, n.º 2, devendo ser punido de acordo com o art. 79.º, n.º1 e 2 e 81.º, todos do CP.
Não assiste qualquer razão ao arguido, por a sua pretensão carecer de fundamento legal.
Vejamos então.
O arguido foi condenado por um crime de violência doméstica.
No facto 3 provado consta o seguinte:
«Durante todo o tempo de vivência em comum do casal, o arguido sujeitou a ofendida, sua companheira, a humilhações e agressões, tendo já sido condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 43/06.0GASEI, do 2º Juízo deste Tribunal Judicial, por acórdão proferido em 7 de maio de 2008 e transitado em julgado, pela prática de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152º, nº 2, do C. Penal na redacção introduzida pela Lei nº 7/2000, de 27 de maio, a que actualmente corresponde o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alíneas b) e c), do referido diploma legal, aprovado pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, na pena única de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, crime esse praticado na pessoa da ofendida B... ».
No facto 4 provado consta o seguinte:
«Não obstante tal condenação, o arguido continuou a revelar comportamentos agressivos e autoritários para com a ofendida e não se absteve de atentar contra a integridade física e a honra da mesma».
O acórdão em que o arguido foi condenado consta de fls.181 a 201, o qual foi inteiramente confirmado pelo TRC, pelo acórdão de fls. 201-A a 246, reportando-se o crime de maus-tratos ao período compreendido entre 2002 a 2007 (facto 4 do acórdão).
Foi por este factos que o arguido foi condenado.
Infere-se daqui e como se alcança do acórdão recorrido, designadamente dos factos 3 e 4 provados que o arguido continuou, depois de condenado, o que aconteceu mesmo durante o período de suspensão da execução da pena (facto 5 provado) de modo reiterado a infligir maus-tratos físicos e psíquicos à ofendida, incluindo castigos corporais e privações da liberdade.
É pacífico na jurisprudência que não estamos perante um crime continuado.
Preceitua o art. 30.º, do CP:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de rime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3. O disposto do número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
Para efeitos do n.º 2, a conduta criminosa do arguido deve resultar de uma situação exterior que diminua a consideravelmente a culpa, situação esta que deve concorrer  para o agente renovar a prática do crime.
É pois uma constante renovação da resolução criminosa, devida às solicitações exteriores exercidas sobre o agente, que justifica e legitima a atenuação da culpa, que não sucede sempre a repetição da conduta criminosa seja devida a outros factores, designadamente a personalidade ou quando a oportunidade de cometer o delito seja provocada e procurada pelo próprio agente.
É esta a posição vertida no Ac. do STJ, de 23/1/2008 – Proc. n.º 07P4830, segundo o qual sempre «que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».
E foi neste sentido que, em caso semelhante ao dos autos, neste douto aresto se veio a recusar a aplicação do crime continuado numa situação de abuso repetido de uma menor, por parte do seu próprio progenitor, em que o tribunal considerou que, o facto de os abusos acontecerem sempre em alturas da ausência da mãe da ofendida, não consubstanciava uma “situação exterior que diminua a culpa”, antes haviapor parte do arguido um aproveitamento das situações mais favoráveis à prática do crime.
No caso em análise o arguido com uma personalidade deturpada, foi julgado por facto que ocorreram até 2007 e de pois continuou a sua conduta criminosa, mas praticando um crime autónomo e não continuado.
Estamos claramente perante uma situação em que o arguido pratica retiradamente acto de violência física e psíquica contra a ofendida, favorecido pelo facto de viverem juntos e melhor exercer o domínio e controle sobre a vítima de violência doméstica, o que, por não diminuir a culpa, exclui o crime continuado.
Concluímos assim que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a agredir corporal e psicologicamente a ofendida a restringi-la na sua liberdade de actuação e não formando sucessivamente novas resoluções.
A anterior redacção do art. 30.º, n.º 3, era a seguinte:
“O disposto do número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”.
Com a redacção dada pela Lei 41/2010, de 3/9, foi suprimida a expressão “salvo tratando-se da mesma vítima”.
Importa referir que o crime de violência doméstica em apreço respeita a factos a partir de 2007 que se repercutiram depois no tempo, pelos anos seguintes, conforma consta da matéria de facto provada, sendo que o n.º 3, do art. 30.º, do CP, na redacção da Lei 41/2010, de 3/9, passou a proibir a aplicação do regime do crime continuado no tocante aos crimes relativos aos bens eminentemente pessoais, mesmo quando haja apenas uma vítima. 
“O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas. Em termos de sucessão de leis no tempo, não podem ser subsumidos à figura do crime continuado, por falta da sensível diminuição da culpa, os crimes contra bens eminentemente pessoais de uma vítima ocorridos antes da entrada em vigor da lei nova quando envolva ameaça grave, violência, abuso de autoridade resultante de um familiar, de tutela ou curatela ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho ou aproveitamento de temor causado sobre a vítima. Os crimes contra as pessoas ocorridos depois da entrada em vigor da lei nova não podem ser subsumidos à figura do crime continuado, independentemente do número de vítimas e do modo de execução” – Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, anotação 22, pág. 160.
Já antes da actual redacção do art. 30.º, n.º 3, do CP, a jurisprudência vinha afastando, invocando o respeito pela dignidade humana, o crime continuado, em caso de violência sobre a vítima, nas circunstâncias acima descritas, por falta de diminuição sensível da conduta do agente (Ac. do STJ de 25/3/2009, in CJ, ACs do STJ, XVII, T.1, pág. 237 e Ac. do STJ de 25/6/2009, in CJ, ACs do STJ, XVII, T.2, pág. 247).
Sobre esta questão, em anotação ao crime de violência doméstica. P. e p. pelo art. 152.º, do CP, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, anotação 21, pág. 467:
“Não é admissível o crime continuado de violência doméstica em virtude da nova Lei n.º 4072010, de 3/9. Ma também para os factos ocorridos antes da entrada em vigor desta lei vale a mesma regra quando a violência implique violência física ou psíquica, pela razão de que o dolo deste meio de supressão da vontade da vítima é incompatível com a constatação de uma diminuição considerável da culpa. Dito de outro modo, não há culpa sensivelmente atenuada onde o agente utilize repetidas vezes violência física ou psíquica sobre a vítima, sendo a sujeição da vítima obra do próprio agente”.   
Outra solução não defenderia a vítima, pois se o arguido continua a exercer violência doméstica sobre a companheira, não se compreenderia a condenação nos termos dos art. 79.º e 81.º, do CP, o que só beneficiaria o arguido em prejuízo da vítima.
Concluímos deste modo que a conduta do arguido não deve e não pode ser subsumível ao crime continuado, devendo manter-se a condenação nos termos em que foi pronunciado e condenado.
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j) Medida da pena. 
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.
E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.
E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.
O arguido foi condenado por um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nos 1, alínea a), e 2, do CP na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
A moldura penal abstracta vai de 2 a 5 anos de prisão.
Em conformidade com os critérios acima apontados, na determinação concreta da pena há que atender às seguintes circunstâncias influenciadoras e aliás consideradas no acórdão recorrido: 
- O significativo período de tempo durante o qual o arguido praticou actos de violência física e psíquica sobre a ofendida, considerando a circunstância de tais episódios já terem acontecido anteriormente, tendo sido condenado por maus-tratos no PCC n.º 43/06.0GASEI.
- A diversidade de condutas violadoras de bens jurídicos fundamentais da ofendida e a amplitude do controlo sobre esta exercido;
- A personalidade revelada pelo arguido ao longo de todo o processo, revelada na estratégia por este adoptada, ameaçando a ofendida com vista à retirada da queixa ou à descredibilização dos seus depoimentos; ameaçando os Magistrados, procurando afastá-los do processo; e culminando na fuga à Justiça, ausentando-se injustificadamente em pelo interrogatório judicial e depois para o estrangeiro, numa altura em que se apercebeu que todos esses actos não eram suficientes para conformar o processo no sentido pretendido;
- A dependência económica da ofendida, que o arguido aproveitou para moldar as condutas desta quando em ambiente reservado;
- Os antecedentes criminais do arguido, circunstância tanto mais grave quanto respeita a idêntico crime praticado sobre a mesma vítima e parte dos factos foram praticados no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão;
- O facto de, apesar das circunstâncias a elencar infra, não se ter provado a ocorrência de um ou mais actos de elevada ou extrema violência;
- A ausência de prova de significativas consequências físicas para a ofendida;
- A modesta condição sociocultural do arguido;
- A sua inserção profissional e empenho no exercício da profissão, algo a valorizar numa altura em que tanta gente prefere viver de subsídios a receber um salário.
Das circunstâncias ora elencadas assumem especial relevância os antecedentes criminais do arguido e a personalidade por este revelada ao longo do processo, que procurou perturbar desde o seu início, procurando sem olhar a meios a sua desculpabilização.
A prática sucessiva e reiterada de actos de violência física e psíquica que vem exercendo sobre a ofendida de forma reiterada e voluntária.
São circunstâncias agravantes com forte influência na determinação da medida da pena, revelando acentuada necessidade de prevenção especial.
As circunstâncias agravantes sobrepõem-se de forma notória às circunstâncias atenuantes.
Face ao exposto, considerando a moldura penal abstracta acima apontada, ponderadas todas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, a mesma, fixada em 4 (quatro) anos de prisão mostra-se justa e adequada, não se justificando a sua alteração.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ªSecção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
a) Omitir o facto sob o n.º 16, da matéria de facto provada, uma vez verificada a excepção de caso julgado, por violação do princípio ne bis in idem.
b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A... , mantendo-se o decidido no acórdão condenatório.
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Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça para cada um deles em 5UCs.
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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.

Coimbra, 03 de Fevereiro de 2016


(Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)