Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
258/13.5PBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
RETORSÃO
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE LAMEGO, SECÇÃO CRIMINAL - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 143.º, N.º 3, AL. B), DO CPP
Sumário: A alínea b) do n.º 3 do artigo 143.º do CP apenas admite retorção a ofensas à integridade física simples, e não a ofensas corporais em resposta a linguagem grosseira.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum singular 258/13.5PBLMG da Comarca de Viseu, Instância Local de Lamego, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

            Nestes termos o Tribunal decide:

a) condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, dispensando-se o mesmo da pena, nos termos dos artigos 74º e 143º, nº 3, al. b), do Código Penal;

b) absolver o arguido do pedido de indemnização cível que contra o mesmo foi formulado pelo demandante, ficando a cargo deste as respectivas custas, sem prejuízo da isenção de que beneficia;

c) condenar o arguido no pagamento das custas do processo fixando a taxa de justiça em 2 UC’s – artigos 513º e 521º, do CPP.

Inconformado com esta decisão dela recorreu o Ministério Público, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1. O arguido A... foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido, pelo artigo 143º n.º 1 do Código Penal, dispensando-se o mesmo de pena, nos termos dos artigos 74º e 143º n.º 3 al. b) do Código Penal.


2. Entendeu o Tribunal a quo que se verificou retorsão, por parte do arguido ao ter empurrado a ofendida, projectando-a contra a parede e lhe ter apertado o pescoço, após esta lhe ter dito “põe-te no caralho, que a conversa não foi contigo”.


3. No entanto, e como facilmente se alcança dos factos provados, não se verifica a existência de qualquer retorsão, por parte do arguido.


4. “Para se poder falar em retorsão é preciso que o agente se limite a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física, exigindo-se, em suma, reciprocidade, ou seja, um “pagar na mesma moeda” ou de modo análogo ou semelhante ao recebido”.


5. Tal reciprocidade, pura e simplesmente, não existe nos autos.


6. A mesma não se pode considerar verificada quando apenas existe uma troca de palavras, por parte da ofendida, a título de provocação verbal e neste seguimento o arguido a empurra e lhe aperta o pescoço.
7. Nunca poderia o arguido, sem qualquer tipo de agressão prévia causar na ofendida B... lesões determinantes de 15 dias para a cura, conforme resulta do ponto 2 dos factos provados e assim, sem mais, se entender que actuou de forma semelhante aquela, como assim decidiu o Tribunal a quo.


8. E mesmo que, assim, não se entendesse, sempre não estariam verificados os pressupostos da dispensa de pena.


9. No que se refere ao art. 143º n.º 3 do Código Penal estamos perante uma dispensa facultativa de pena, relativamente à qual se tem entendido que depende da verificação dos requisitos gerais de dispensa de pena previstos no artº 74º nº 1 do Código Penal.


10. Dos factos dados como provados não se considera existir uma culpa diminuta por parte do arguido, pois para além de ter empurrado a ofendida contra a parede, não satisfeito, o arguido ainda lhe agarrou no pescoço.


11. A conduta do arguido, para além de ter causado lesões à ofendida, as mesmas foram de tal forma que determinaram um período de 15 dias para a cura.


12. A este respeito, nada refere o Tribunal a quo, fazendo apenas referência a estarem verificados os pressupostos que as normas – art. 74º e 143º n.º 3 do C.P. – fazem depender para uma eventual dispensa se pena, já que a ilicitude e a culpa não são muito graves, não se podendo perder de vista o circunstancialismo em que os factos foram praticados.


13. Assim, a sentença recorrida deverá ser substituída por outra que condene o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no art. 143°, do Código Penal, numa pena de multa, nos termos do art. 71º e 47º n.º 1 do Código Penal.


14. Foram violadas as normas dos artigos 143º n.º 3 e 74º, ambos do Código Penal.

Nestes termos, os Exmos. Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra melhor decidirão, fazendo-se justiça.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O arguido respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1º - O Tribunal a quo entendeu que se verificou o instituto da reversão por parte do arguido ao ter empurrado a ofendida, projectando-a contra a parede e lhe ter apertado o pescoço, após esta lhe ter dito “põe-te no caralho, que a conversa não foi contigo”.

2º - Com efeito, para a formação da sua convicção, não foi alheio ao Tribunal a quo, a omissão por parte da ofendida da sua própria atuação, bem como da notória animosidade desta para com o arguido, durante todo o seu depoimento.
3º - Trata-se de situações nas quais o agente se limita a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física. (…), o que é o caso dos autos.

4º - Pelo exposto, o arguido limitou-se a “responder” à conduta ilícita da ofendida, pelo que se encontra verificado o instituto da reversão por parte do arguido A... .

5º - Para além da reversão prevista na ali. b) do n.º 3 do art. 143 do Código Penal, também se encontram verificados os pressupostos da dispensa de pena.

6º - Na verdade as exigências de prevenção geral e especial são mínimas e de valor insignificante, sendo também certo que ficou provado que o arguido não tem antecedentes criminais e está social, profissional e familiarmente integrado.

7º - Em face da factualidade dada como provada, perfilhamos a tese vertida na Douta Sentença de que se encontram verificados os pressupostos previstos nas normas dos artigos 74º e 143º, n.º 3, al. b), ambos do Código Penal., pelo que nenhuma violação ocorreu na aplicação das mesmas.

8º - A Douta Sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e constitui um bom exemplo de total acerto jurídico.

9 º - Assim, mantendo-se a decisão recorrida farão V.as  Ex.as                                                                                     

                                                                                          JUSTIÇA

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

             II. Fundamentos da Decisão Recorrida

             A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto e de direito:

II – DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

1. No dia 13 de Agosto de 2013, cerca das 11h12, na Rua da Olaria, comarca de Lamego, após uma troca de palavras com B... , o arguido abordou aquela, e empurrou-a projectando-a contra a parede que ali se encontrava, sendo que, após, lhe apertou o pescoço.

2. Em consequência da conduta do arguido, sofreu B... as lesões descritas e examinadas no relatório médico-legal de fls. 12 e ss, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente: Face – há pequena escoriação retro-auricular direita; Pescoço - na face lateral direita há duas escoriações: uma com 7,5 cm de comprimento, arciforme, e outra mais pequena e mais distal com 2 cm oblíqua; Membro Superior Esquerdo - Braço (1/4 inferior) e cotovelo: na face posterior em área de 6,5 cm x 4 cm, há diversas escoriações, com edema na vizinhança; além de dores, que determinaram 15 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar fisicamente a ofendida, provocando-lhe lesões e dores o que conseguiu, designadamente, apesar de saber a sua conduta proibida e punida por lei.

4. O arguido praticou os factos descritos em 1. após a ofendida lhe ter dito: “o que é que tu queres, põe-te no caralho, que a conversa não foi contigo”.

5. O arguido não tem antecedentes criminais.

6. O arguido é vigilante da escola de hotelaria em Lamego, aufere um vencimento de cerca de € 680,00; a esposa é assistente operacional e aufere um vencimento de cerca de €500,00; têm dois filhos, um menor e outro maior estudante universitário; vivem em casa arrendada pela qual pagam €300,00 de renda.

7. Quer arguido, quer a sua esposa têm o seu vencimento penhorado devido a terem sido fiadores da aqui ofendida, sendo que as relações entre eles não eram as melhores.

8. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido a ofendida foi admitida no serviço de urgência da demandante CHTMAD no dia 13.08.2013.

9. O episódio de urgência orçou na quantia de €31,98.

*

III- FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

IV – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º, Código Processo Penal).

A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, "CPP anotado", 4ª ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).

A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Assim, a convicção do tribunal formou-se com base na conjugação das:

- declarações do arguido, que em suma  negou que tenha tido a intenção de agredir a ofendida; esclareceu as más relações que já existiam com a ofendida; que na sequencia de uma conversa entre a sua esposa e a ofendida, à qual não assistiu, foi a ofendida quem “se lhe lançou e apertou-lhe os colarinhos”, sendo  que se limitou a  afastá-la com as mãos e bateram os dois na parede.

Esclareceu as suas condições pessoais, profissionais e económicas o que não foi infirmado por qualquer meio de prova.

- depoimentos:

- da ofendida B... , que em suma apresentou uma versão dos factos que se coaduna com a narrativa da acusação, tendo confirmado  a existência  da troca de palavras, como e onde o arguido a agrediu, as lesões que  teve; para onde teve de se dirigir após os factos.

- das testemunhas C... , esposa do arguido e irmã da ofendida, apresentou em sede de audiência uma versão dos acontecimentos semelhante à do arguido, ou seja, que foi a ofendida quem primeiro se “lançou” em direcção do arguido e o agarrou e que este apenas a tentou afastar.

- D... , pessoa que à data dos factos tinha uma loja ao lado do local onde os mesmos ocorreram, afirmou que após ter ouvido gritos que veio ao exterior e viu o arguido com as mãos junto do pescoço da ofendida, que foi afastá-los; esclareceu com que lesões que logo após a ofendida ficou.

- E..., pessoa que à data dos factos trabalhava na loja da ofendida, afirmou que se encontrava no exterior e presenciou todo o desenrolar dos factos, tendo confirmado que a ofendida e a esposa do arguido após a conversa que tiveram, saíram para a rua, e a ofendida dirigiu ao arguido a expressão que se seu como provada e na sequência da qual o arguido agarrou no pescoço da ofendida e a empurrou.

Confirmou igualmente as lesões com que a ofendida ficou e que teve de ser assistida no hospital.

Analisemos agora toda a prova produzida.

O arguido e a sua esposa apresentaram a mesma versão dos acontecimentos, ou seja, e em suma, de que foi a ofendida quem agrediu o arguido e que este apenas tentou afasta-la.

A ofendida confirmou o teor da acusação, omitindo no entanto a sua própria atuação. Foi notório durante todo o seu depoimento a animosidade da ofendida para com o arguido.

A testemunha D... apresentou um depoimento que poderia ser compatível, quer com a versão do arguido, quer com a versão da ofendida, uma vez que não presenciou o início da contenda.

Por fim, a testemunha E... foi decisiva para a convicção do Tribunal, pois no seu depoimento não foi perceptível qualquer hesitação, contradição, incoerência, que o pudesse colocar em causa, nem foi visível que o  mesmo fosse parcial. Assim, ao confirmar a expressão que a ofendida dirigiu ao arguido (e que coincide com a que arguido e esposa afirmam que aquela proferiu) e ao descrever como é que o arguido agrediu a ofendida, logrou convencer firmemente o Tribunal e permitiu dessa forma dar os factos como provados.

Ajudaram a formar a convicção do Tribunal os documentos juntos aos autos.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos atendeu-se ao C.R.C junto aos autos.

V- ENQUADRAMENTO JURÍDICO – PENAL
Vem o arguido acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos art.s 143.º, n.º 1, do Código Penal.

Estabelece o artigo 143º, do Código Penal que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa.”

A ofensa à integridade física é qualquer perturbação ilícita da integridade corporal e da saúde de outrem. A lei prevê duas formas de realização do crime: ofensa no corpo e ofensa na saúde, sendo irrelevantes, para efeitos de preenchimento do tipo, os meios ou a forma como o agressor atinge a integridade física.

A ofensa corporal pode verificar-se a nível somático (corpo), a nível psíquico (mente) ou pode atingir o funcionamento perfeito (saúde) – Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, vol. II, pág. 134.

Trata-se de um crime de forma livre, porquanto pode ser perpetrado por qualquer meio. É, também, um crime de dano ou de resultado, na medida em que se exige que haja uma ofensa efectiva à integridade física ou psíquica do ofendido, e um crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito.

O bem jurídico em causa na mencionada incriminação é a integridade física da pessoa humana.

Constitui elemento objectivo do crime de ofensas à integridade física simples a existência de uma ofensa no corpo ou na saúde do ofendido, independentemente da dor ou sofrimento causados e de eventual incapacidade para o trabalho.

No que concerne aos elementos subjectivos, a lei basta-se, aqui, com o dolo genérico em qualquer das suas modalidades: directo, necessário ou eventual - artigos 13.º e 14.º do Código Penal. Caracteriza-se o comportamento doloso neste crime pela conduta intencional do agente com vista a lesar o corpo ou a saúde de outrem.

No caso em apreço, resultou provado que no dia 13 de Agosto de 2013, cerca das 11h12, na Rua da Olaria, comarca de Lamego, após uma troca de palavras com B... , o arguido abordou aquela, e empurrou-a projectando-a contra a parede que ali se encontrava, sendo que, após, lhe apertou o pescoço.

Em consequência da conduta do arguido, sofreu B... as lesões descritas e examinadas no relatório médico-legal de fls. 12 e ss, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente: Face – há pequena escoriação retro-auricular direita; Pescoço - na face lateral direita há duas escoriações: uma com 7,5 cm de comprimento, arciforme, e outra mais pequena e mais distal com 2 cm oblíqua; Membro Superior Esquerdo - Braço (1/4 inferior) e cotovelo: na face posterior em área de 6,5 cm x 4 cm, há diversas escoriações, com edema na vizinhança; além de dores, que determinaram 15 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar fisicamente a ofendida, provocando-lhe lesões e dores o que conseguiu, designadamente, apesar de saber a sua conduta proibida e punida por lei.

Tal conduta subsume-se na previsão do artigo 143º, do Código Penal, cometeu, por isso, o arguido o crime de ofensa à integridade física, do qual vinha acusado. Não se verificam quaisquer circunstâncias que excluam a ilicitude ou a culpa.


VI- DA ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DA PENA

Feito pela forma supra descrito o enquadramento jurídico – penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
O crime de ofensa à integridade física  é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido deverá ser feita, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, em função da sua culpa, do grau de ilicitude do facto, das exigências de prevenção de futuros crimes e outras circunstâncias estabelecidos neste artigo.

Toda a pena tem como suporte axiológico-normativo a culpa concreta sendo que esta é a causa final da determinação da pena, sem prejuízo das considerações de prevenção geral e especial (artigo 71.º deste código), não podendo nunca a medida concreta da pena ultrapassar a culpa do agente.

Assim a pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito e a culpabilidade, seu pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos o cumprimento da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo deste modo o fim da prevenção especial.

A isto acresce que a pena deverá assegurar a defesa do ordenamento jurídico para que seja conseguido um efeito sócio-pedagógico na comunidade que serve, de forma que outros indivíduos não pratiquem idênticos actos criminosos. A pena será assim fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um máximo ainda adequado à mesma, funcionando entre ambas os fins de prevenção geral e especial.
Por outro lado, estatui o artigo 70.º do Código Penal que, existindo alternativa entre a medida privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta proteja os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.º n.º 1 do Código Penal), ou seja, sempre que os fins das penas possam ser atingidos por outra via que não as institucionalizadas ou detentivas, o julgador deverá aplicar uma pena não privativa da liberdade.

Pode colocar-se a questão de nos presentes autos ser de aplicar a dispensa de pena, tal como vem previsto no artigo 143º, nº 3, do CP.

Com efeito, no que ao crime de ofensas à integridade física simples respeita, indica o n.º 3 do citado artigo 143º quais as situações em que ao tribunal é conferida a faculdade de dispensar o arguido de pena. São elas:

“a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.”

Nos presentes autos, em causa poderá estar a alínea b), ou seja, o agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

Na alínea b) do nº 3, do artigo 143º, do CP encontram-se “contemplados casos de retorsão, ou seja, situações nas quais o agente se limita a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física. (…) O legislador penal  não define a natureza do comportamento que pode estar na origem da retorsão, pelo que esta alínea tanto se poderá aplicar à troca de ofensas à integridade física, como a injurias seguidas de lesões físicas.” – in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs 220- 221.

Para se poder falar em retorsão é preciso que o agente se limite a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física. A atenuação da ilicitude da conduta do agente encontra fundamento na desculpação em virtude da especial situação emocional desencadeada pela provocação que a primeira ofensa corporal traduz (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 221).

Ora, provou-se que o arguido praticou os factos descritos em 1. após  uma troca de palavras e após a ofendida lhe ter dito: “o que é que tu queres, põe-te no caralho, que a conversa não foi contigo”.

Entendemos que está, assim, verificado o requisito específico previsto a dispensa da pena, ou seja, o agente ter agido unicamente em retorsão.

Vejamos agora se também podemos concluir que se verificam, os requisitos gerais para a dispensa da pena, previstos no artigo 74.º, n.º 1 do Código Penal, sendo as mesmas cumulativas entre si e com um dos requisitos específicos atrás indicados, conforme é jurisprudência corrente [Ac. R. P. de 1999/Abr./02; 2003/Mar./19; 2007/Mar./14; Ac. R. L. 2001/Out./11, CJ IV/144] – os limites da pena constante no proémio deste n.º 1 do artigo 74.º, só têm aplicabilidade quando não existir uma disposição específica similar da parte especial.

Dispõe o nº 1 do artigo 74.º, do Código Penal:
a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b) O dano tiver sido reparado; e,
c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.”

Quanto à ilicitude, entendida esta como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, não se considera a mesma de valor significativo no presente caso.

As exigências de prevenção especial são mínimas, existindo um juízo de prognose social favorável, quanto à ressocialização do agente, já que ficou provado que o arguido se encontra social e profissionalmente inserido.

Quanto ao requisito da reparação do dano, atento ao que infra se dirá quanto ao pedido de indemnização civil temos também por verificado este requisito, ou seja, por se considerar excluída por culpa do lesado a obrigação de indemnizar e consequentemente inexiste dano a reparar.

Face à factualidade dada como provada entendemos que estão aqui verificados os referidos pressupostos que estas normas – artigos 74º e 143º, nº 3, al. b) do CP - fazem depender para uma eventual dispensa de pena, já que a ilicitude e a culpa não são muito graves, não se podendo perder de vista o circunstancialismo em que os factos foram praticados. Além disso, as exigências de prevenção, nomeadamente especial, estão asseguradas neste caso face ao que foi dito anteriormente.

VII - Apreciação do pedido cível
O CHTMAD veio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido peticionando o pagamento da quantia de €31,98.
Ao abrigo do artigo 129º do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil, o que significa que a obrigação de indemnizar surge para o lesante, mediante a prova dos factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo que será também ao abrigo das normas civis que se determinará os danos ressarcíveis.
O artigo 483º, n.º 1, do Código Civil estipula que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Consagra o princípio geral da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares, ou de preceitos de lei tendentes à protecção de interesses alheios.
Estabelece este preceito legal os vários pressupostos da obrigação de indemnizar imposta ao lesante. É pois necessário que haja um facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito, que haja um nexo de imputação do facto ao lesante, que à violação do direito subjectivo sobrevenha um dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 471).
Com efeito, provaram-se os factos que integram o crime de ofensa de que o arguido vinha acusado. Estão assim preenchidos os dois primeiros requisitos da responsabilidade civil: o facto e a ilicitude.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 18.01.2012, in www.dgsi.pt (cujo entendimento sufragamos) “Como se sabe a indemnização por perdas e danos é regulada pela lei civil (129.º do Código Penal) e quando a mesma surge por haver responsabilidade pela prática de um facto ilícito, a sua disciplina, (483.º; 562.º, 563.º, 564.º, 566.º Código Civil) incute que a obrigação de indemnização tem uma função essencialmente reparadora e subsidiariamente sancionatória ou preventiva em virtude de uma conduta ilícita causadora de dano(s).
Essa dupla função tanto ocorre na indemnização por danos patrimoniais, como naquela que é devida por danos não patrimoniais, sendo certo que aqui apenas devem atender-se àqueles que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (496.º, n.º 1 Código Civil).
Por outro lado, o seu montante indemnizatório é “fixado equitativamente”, “de acordo com o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem” (496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do Código Civil).
No entanto não se justifica plenamente essa função reparadora e muito menos preventiva quando tenha havido igualmente culpa do lesado.
Aqui a “tutela do direito” fica afastada ou então atenuada, porquanto se estaria a proteger situações igualmente ilícitas, quando o Direito tem sempre uma inexorável dimensão de validade e de correcção.
E tanto mais isso sucede quando a responsabilidade do lesado for semelhante ou mais grave do que aquela do lesante.”
Dispõe o artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Como se refere no supra citado acórdão “ Nesta conformidade, quando o instituto da dispensa da pena estiver dependente do requisito geral de reparação e por força do princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal, bem como das finalidades legais das penas, deve o tribunal aferir se na sequência de uma conduta criminalmente ilícita que surgiu como uma retorsão de uma mesma conduta criminalmente ilícita, será devida a obrigação legal de indemnizar ou se esta deverá ser excluída por culpa do lesado.”
Ora, atentos os factos dados como provados, o arguido só praticou os factos que estiveram na origem das lesões que motivaram a assistência hospitalares em acto continuo às expressões que a ofendida lhe dirigiu.
Assim, a culpa da ofendida tem sempre um carácter igual ou mesmo mais gravoso do que aquela demonstrada pelo arguido/demandado, justificando-se plenamente que os danos sofridos pelo demandante não possam ser ressarcidos pelo aqui arguido/demandado, devendo, por isso, ser excluída a obrigação do aqui demandado em indemnizar o demandante.


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III. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).

Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso interposto a questão de que importará conhecer consiste em saber se se verificam ou não os pressupostos de dispensa de pena do artigo 143º, nº 2, alínea b) do Código Penal e se, em qualquer caso não deve o arguido ser dispensado de pena e ser condenado em pena de multa.

Apreciando:

O recorrente entende que não se verifica a existência de qualquer retorsão por parte do arguido porque, para se poder falar em retorsão, é preciso que o agente se limite a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física, exigindo-se, em suma, reciprocidade, ou seja, um “pagar na mesma moeda” ou de modo análogo ou semelhante ao recebido o que não ocorre. E mesmo que, assim, não se entendesse, sempre não estariam verificados os pressupostos da dispensa de pena em razão da gravidade da conduta levada a cabo e das suas consequências, para além do especificamente exigido pelo disposto no artigo 74º do Código Penal.

Conclui que o arguido deve ser condenado em pena de multa.

Vejamos.

O artigo 143º nº 3 do Código Penal preceitua que o tribunal pode dispensar de pena quando:

a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor

            A acção de retorquir supõe não só uma acção imediata, como determinada pela acção a que se responde (pleonasmo propositado porque se acção do agente do crime não for determinada pela acção do ofendido não consiste em resposta/retorsão).

            Ora da factualidade provada apenas consta que “O arguido praticou os factos descritos em 1. após a ofendida lhe ter dito: “o que é que tu queres, põe-te no caralho, que a conversa não foi contigo” o que apenas traduz o referido elemento temporal, insuficiente para integrar o conceito de retorsão que implica também que a acção esteja ligada à dirigida ao agente por em nexo de causa-efeito, o que ao nível subjectivo implica a intenção de retribuir.

            Por consequência, entende-se que a matéria de facto descrita nunca seria susceptível de integrar a previsão do artigo 143º, nº 3, alínea b) do Código Penal.

            Mesmo que assim não se entendesse, a retorsão, no contexto do artigo 143º do Código Penal, que se refere a ofensa à integridade física, apenas compreende a reacção a acção da mesma natureza, conclusão que se sedimenta na análise integrada da previsão do seu nº 3 que, na alínea a), prevê ofensas à integridade física recíprocas e na alínea b) a retorsão sobre o “agressor” palavra empregue normalmente para designar agressão física e não de outra natureza e cujo emprego se compreende precisamente para limitar esta previsão específica de possibilidade de dispensa de pena a acção da mesma natureza; equivalente, porque também só acção equivalente de retorsão supõe a culpa diminuta que é pressuposto deste regime.

            Ora, o que está em causa é tão só o uso de linguagem grosseira por parte da ofendida que nem sequer é susceptível de integrar a prática de crime de injúria.

            Discordamos, pois, do exposto por Paula Ribeiro de Faria no Comentário Conimbricense do Código Penal em anotação ao artigo 143º, quando menciona que a alínea b) do nº 3 se refere a situações nas quais o agente se limita a responder a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, antes alinhando por Leal Henriques, Simas Santos em Código Penal Anotado, referindo-se exclusivamente às situações em que o agente retribui agressão de que foi vítima.

            Como logo começámos por concluir, por referência apenas à factualidade provada, esta não descreve situação de retorsão seja qual for o entendido sobre a extensão do artigo 143º, nº 3, alínea b) do Código Penal, pelo que o arguido não pode ser dispensado de pena.

            Sendo o crime cometido com pena de prisão até três anos e de multa até 360 dias, importa no caso optar pela aplicação da pena de multa porque manifestamente adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição perante ilícito de pequena gravidade objectiva e a inexistência de antecedentes criminais.

            Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71º, nº 1, do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.

Perante os pressupostos já enunciados, ao nível da ilicitude é de considerar um desvalor da acção não acentuado atenta a forma de agressão em causa de pequena contundência, como melhor esclarece o resultado verificado, o mesmo acontecendo em relação ao desvalor do resultado, o dolo na modalidade de directo, avultando em favor do arguido a inexistência de antecedentes e a sua integração social.

Perante este circunstancialismo concluímos que se mostra adequada, proporcional e suficiente a pena de 80 dias de multa.

Ponderando a situação económica do arguido que foi apurada, como determina o artigo 47º, nº 2 do Código Penal, e verificando-se que o seu rendimento disponível o coloca no limiar da pobreza, a taxa diária da multa é fixada no limite mínimo.


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IV. Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que dispensou o arguido de pena, condenando-o na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, no montante de 400 (quatrocentos) euros.

Não há lugar a tributação em razão do recurso.


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Coimbra, 16 de Dezembro de 2015

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)