Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
295/04.0TBOFR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
REJEIÇÃO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 814º E 817º, Nº 1, ALS. B) E C) DO CPC.
Sumário: I –A oposição à execução deve ser rejeitada, designadamente, se o fundamento invocado não corresponder a nenhum dos previstos na lei, ou se for manifesta a improcedência da oposição formulada (artº 817º, nº 1, b) e c) do CPC).

II - O indeferimento ou a rejeição imediata da oposição é autorizada, no primeiro caso, quando, fundando-se a execução em sentença se invoque fundamento diverso dos mencionados na lei (artº 814º do CPC); quando, em execução de sentença ou noutro título exequível, se invoque algum dos fundamentos dessa oposição indicados na lei – mas a invocação seja completamente descabida, por o facto alegado não se ajustar realmente ao fundamento citado.

III - Este motivo de rejeição imediata da execução impõe que o juiz se não contente com a invocação do fundamento, não se satisfaça com alegação, v.g., de que a obrigação exequenda é intrinsecamente inexequível, por, por exemplo, não ser certa nem líquida, ou de que se extinguiu por causa a que lei substantiva ligue esse efeito – antes impõe ao magistrado que vá ver se a alegação é séria, quer dizer, se aquilo que o executado apresenta sob a veste da inexequibilidade intrínseca da obrigação ou de excepção peremptória superveniente, cabe, na verdade, dentro dessa designação legal.

IV - Todas as dificuldades na solução prática do problema da rejeição da oposição por tal fundamento consistem em determinar quando é que essa oposição é manifestamente improcedente.

V - É evidente que a manifesta improcedência é apenas uma espécie do género inviabilidade da contestação, caracterizada por respeitar à contestação em si, ao próprio mérito da oposição.

VI - Nestas condições, por oposição manifestamente improcedente deve ter-se a oposição a que falta, ostensivamente, alguma das condições indispensáveis para que o tribunal possa acolhê-la, que por razão atinente ao fundo da causa, não tem, patentemente, probabilidade de êxito.

VII - Para exteriorizar esta mesma ideia, diz-se que a oposição é manifestamente improcedente quando não possa haver dúvida sobre a inexistência de factos constitutivos do fundamento alegado ou sobre a existência, relevada pelo próprio executado, de factos impeditivos ou extintivos desse mesmo fundamento.

VIII - O núcleo constante de todas estas formulações é, numa palavra, este: a oposição é manifestamente improcedente quando, seja por razões de facto seja por motivos de direito, a contestação da execução deduzida pelo executado está irremediavelmente condenada a insucesso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2012, revogou o acórdão desta Relação, julgou parcialmente procedente a acção popular proposta por A… contra M… e cônjuge, R…, e – com fundamento em que o caminho de terra batida existente no sítio do Cabeço do Corte, que parte da estrada que Oliveira de Frades a Águeda, que tem um ramal que entronca noutro caminho que liga as povoações de Fiais, Seixa e Sobreiro, é um caminho público, que não foi desafectado ou desintegrado do domínio público, e que, em 2002, os demandados, demoliram os muros existentes na zona desse caminho que bifurca com estrada de Oliveira de Frades a Águeda numa extensão de, pelo menos, 18 metros, e incluíram num seu prédio, confinante com a estrada, o trato de terreno do caminho – condenou os segundos:

a) A reconhecer a existência do caminho público cujo trato de terreno ocuparam e removeram tendo destruído os seus muros de delimitação e feito encerrar dentro dos muros que ergueram;

b) A proceder à restituição do trato de terreno aludido, demolindo os muros que construíram e que impedem o acesso ao mesmo caminho;

c) A pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de € 50,00 por cada dia que decorra, após o decurso do prazo de 30 dias, a contar da data do trânsito em julgado do presente acórdão, sem que se mostre decidido e cumprido o decidido nas alíneas anteriores.

A… promoveu, com base neste acórdão, contra M… e cônjuge, R…, acção executiva para prestação de facto.

Os executados contestaram a execução alegando, como fundamentos da oposição, que não têm a certeza nem está determinado quais os sítios e medidas para levarem a cabo a reposição do caminho, dúvidas que o exequente não supriu, que a Câmara Municipal de Oliveira de Frades concluiu, no levantamento topográfico do cruzamento entre a EM 617 em Paredes de Gravo e o antigo caminho Fias Seixa, em 1 de Junho de 2012, que a solução de retorno à situação inicial é impossível, por a variante ocupar parte da faixa do caminho e a possível inserção se aproximar muito da rotunda aí implantada, que a Junta de Freguesia de Pinheiro deliberou, no dia 29 de Setembro de 2012, desafectar do domínio público um troço do caminho com a área de 156,00 m2, por tal troço ter sido substituído por um troço alternativo, mais funcional, com uma área de 356 m2, e, subsidiariamente, que o exercício, nessas condições, do direito à acção executiva, é abusivo.

Porém, o Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Frades – com fundamento em que a obrigação em causa é certa, líquida e exigível, pelo que não admite oposição com fundamento na alínea e), que a execução deve ser movida contra as pessoas que no título tenham a posição de devedores e ambos os executados figuram no título executivo, pelo que nenhuma excepção de legitimidade se verifica (artigo 55.º, nº 1, do Código de Processo Civil) que o exercício do direito à acção executiva constitui isso mesmo: o exercício de um direito que assiste aos exequentes (tal como reconhecido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) e não um abuso de direito, e que ainda que existisse desafectação posterior à prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a mesma não constituiria causa de extinção ou modificação atendível no presente caso e, portanto, que face ao título executivo em causa, não é admissível oposição à execução com os fundamentos constantes de fls. 3/18 – indeferiu in limine a oposição.

É, justamente, esta decisão de indeferimento liminar que os executados impugnam no recurso, no qual pedem a sua revogação, a admissão da oposição e o julgamento do seu mérito, no saneador ou a final.

Os recorrentes condensaram a sua alegação nestas conclusões:

Na resposta, o recorrido concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

O juiz relator, por considerar simples a questão objecto do recurso, julgou-o liminar, sumária e singularmente, e deu-lhe provimento.

O recorrido reclamou contra esta decisão singular, pedindo que o processo fosse levado à conferência, para que sobre a matéria dela recaísse acórdão.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso e da reclamação.

Os factos que relevam para o conhecimento do objecto do recurso e da reclamação, relativos ao conteúdo do acórdão do Supremo e aos fundamentos da oposição alegados pelos executados, são os que, em síntese apertada, o relatório documenta.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito da reclamação.

A questão que conferência tem que resolver é bem simples: trata-se de saber se a decisão singular do juiz relator – que julgou o recurso procedente – deve ser alterada e substituída por outra de sentido inverso.

A decisão impugnada no recurso é constituída pelo despacho que indeferiu in limine a oposição à execução, que tem por título uma decisão judicial.

A oposição à execução deve ser rejeitada, designadamente, se o fundamento invocado não corresponder a nenhum dos previstos na lei, ou se for manifesta a improcedência da oposição formulada (artº 817 nº 1 b) e c) do CPC).

O indeferimento ou a rejeição imediata da oposição é autorizada, no primeiro caso, quando, fundando-se a execução em sentença se invoque fundamento diverso dos mencionados na lei (artº 814 do CPC); quando, em execução de sentença ou noutro título exequível, se invoque algum dos fundamentos dessa oposição indicados na lei – mas a invocação seja completamente descabida, por o facto alegado não se ajustar realmente ao fundamento citado.

Este motivo de rejeição imediata da execução impõe que o juiz se não contente com a invocação do fundamento, não se satisfaça com alegação, v.g., de que a obrigação exequenda é intrinsecamente inexequível, por, por exemplo, não ser certa nem líquida, ou de que se extinguiu por causa a que lei substantiva ligue esse efeito – antes impõe ao magistrado que vá ver se a alegação é séria, quer dizer, se aquilo que o executado apresenta sob a veste da inexequibilidade intrínseca da obrigação ou de excepção peremptória superveniente, cabe, na verdade, dentro dessa designação legal.

Todavia, uma coisa é a verificação da conformidade real do fundamento de contestação da execução alegado pelo executado com o fundamento de oposição a essa mesma execução especificado na lei – outra bem diferente é a aferição da manifesta improcedência do fundamento de oposição deduzido – conclusão que, aliás, logo seria imposta pela autonomização ou individualização de um e de outro caso como fundamentos diferenciados de indeferimento in limine da oposição (artº 817 nº 1 b) e c) do CPC). Na verdade, pode dar-se o caso de o fundamento de oposição se ajustar realmente a um dos fundamentos de contestação da execução mencionados na lei – mas, apesar dessa conformidade, o fundamento alegado ser manifestamente improcedente.

Todas as dificuldades na solução prática do problema da rejeição da oposição por tal fundamento consistem em determinar quando é que essa oposição é manifestamente improcedente.

É evidente que a manifesta improcedência, é apenas uma espécie do género inviabilidade da contestação, caracterizada por respeitar à contestação em si, ao próprio mérito da oposição.
                Nestas condições, por oposição manifestamente improcedente deve ter-se a oposição a que falta, ostensivamente, alguma das condições indispensáveis para que o tribunal possa acolhê-la, que por razão atinente ao fundo da causa, não tem, patentemente, probabilidade de êxito[1]. Para exteriorizar esta mesma ideia, diz-se que a oposição é manifestamente improcedente quando não possa haver dúvida sobre a inexistência de factos constitutivos do fundamento alegado ou sobre a existência, relevada pelo próprio executado, de factos impeditivos ou extintivos desse mesmo fundamento[2].
                O núcleo constante de todas estas formulações é, numa palavra, este: a oposição é manifestamente improcedente quando, seja por razões de facto seja por motivos de direito, a contestação da execução deduzida pelo executado está irremediavelmente condenada a insucesso.

Exemplo evidente de oposição manifestamente improcedente é, decerto, o caso de ser fora de dúvida a inexistência do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda alegado pelo executado, de este não dispor da excepção peremptória – no caso de título judicial necessariamente superveniente – que opõe ao direito à prestação cuja realização coactiva é pedida pelo exequente.

Como o juízo sobre o carácter ostensivo da improcedência da oposição é feito na fase liminar dessa mesma oposição, deve fazer-se um uso prudente, circunspecto e moderado da prerrogativa de indeferimento in limine dessa oposição, de que, portanto, só deve lançar-se mão, em casos extremos e contados. Dito doutro modo: como a apreciação do mérito da oposição, i.e., o proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final, e eventualmente, no despacho saneador, essa apreciação só deve ser antecipada para a fase liminar da oposição se for possível fazer um juízo consciencioso e seguro sobre a manifesta, evidente, patente ou ostensiva improcedência do fundamento de oposição alegado pelo executado.

No caso, a decisão impugnada no recurso é constituída pelo despacho que, com base no facto de os fundamentos da oposição deduzida pelos recorrentes à execução para prestação de facto, assente num acórdão do Supremo, não se ajustarem a algum dos fundamentos legais, indeferiu in limine essa mesma oposição.

A ratio decidendi da decisão recorrida não consistiu, pois ao menos aparentemente, na evidência de que a oposição dos executados não oferece condições de viabilidade (artº 817 nº 1 c) do CPC) – mas na circunstância de os factos alegados não se ajustarem realmente aos fundamentos dessa oposição, legalmente admitidos (artº 817 nº 1 b) do CPC).

Mas diz-se aparentemente dado que, apesar da invocação expressa, na decisão impugnada, como norma aplicável a al. b) do artº 817 do CPC, a verdade é que nela se contém um verdadeiro juízo sobre a viabilidade dos fundamentos de oposição alegados pelos executados, o que explica que, estes, na sua alegação de recurso, tenham, ad cautelam, alinhado um conjunto de argumentos ordenados pelo propósito de convencer que a oposição que deduziram não é manifestamente improcedente.

Nestas condições, é só uma a questão concreta controversa que esta Relação foi chamada a resolver no recurso: a de saber se os factos alegados pelos executados se ajustavam, realmente, a um qualquer dos fundamentos de contestação da execução admitidos na lei e se esses mesmos fundamentos são ou não manifestamente improcedentes. Note-se que, em qualquer dos casos, se tratava de julgar simplesmente da admissibilidade da oposição: a eventual revogação da decisão impugnada no recurso – assim como eventual improcedência da reclamação deduzida contra a decisão singular do juiz relator - apenas assegurará o recebimento da oposição e o seguimento da causa respectiva para que, uma vez, submetida ao contraditório do exequente e, eventualmente, ao exercício da prova, seja julgada conforme for de direito.

A decisão reclamada deu para o problema apontado uma resposta negativa e, em coerência, julgou o recurso procedente.

Não há a mínima razão para divergir e, portanto, para substituir a opinião singular do relator por uma decisão colectiva de sinal contrário: os fundamentos adiantados pela decisão reclamada têm-se por inteiramente exactos, não sendo sequer necessário convocar outros para justificar a procedência do recurso e, correspondentemente, a improcedência da reclamação.

Como a decisão reclamada logo notou o problema enunciado vincula, naturalmente, ao exame, ainda que leve, dos fundamentos de oposição à execução representados pela inexequibilidade intrínseca da obrigação exequenda e pela excepção peremptória superveniente.

                E para resolver este problema a decisão singular adiantou a motivação seguinte:

3.2. Fundamentos de oposição à execução.

A oposição à execução mais não constitui que um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente, que corre por apenso à execução, constituindo um incidente desta (artº 817 nº 1 do CPC).

A oposição fundamenta-se num vício que afecta a execução. Se for julgada procedente, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC).

No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados, dado que revestem a nítida feição de factos constitutivos da oposição deduzida (artº 342 nº 1 do Código Civil).

O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o opoente[3]. Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova. Assim, por exemplo, se o executado impugnar a letra ou assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil)[4].

Pela mesma razão, é sobre o executado, subscritor da letra emitida em branco, preenchida posteriormente, que serve de suporte à execução, que recai o ónus da prova da existência do acordo de preenchimento e da sua inobservância[5].

No caso, é, pois, sobre os recorrentes que recai o encargo de provar os factos de que, no seu ver, decorre a inexequibilidade intrínseca da obrigação objecto do pedido executivo ou a extinção do direito à prestação que constitui objecto da execução (artº 342 nº 2 do Código Civil).

O título que serve de suporte à execução é um decisão judicial, rectior, um acórdão do Supremo que impôs aos executados uma prestação de facto positivo, ou seja uma obrigação de facere: a restituição de um trato de terreno, integrante de um caminho público, e a demolição dos muros, construídos pelos executados, que impedem o acesso a esse caminho.

E trata-se, de harmonia com o acórdão, de um facto positivo infungível, i.e., de facto em que, por razões jurídicas ou económicas, o interesse do credor impõe a sua realização pelo devedor. É o que decorre da circunstância de o Supremo ter fixado uma severa sanção pecuniária compulsória que se vence por cada dia de atraso no cumprimento – uma vez que tal sanção só pode ser imposta em relação a obrigações de facto jurídico infungível, positivo ou negativo (artº 829-A nº 1 do Código Civil). Como, porém, se deve entender que a infungibilidade foi estabelecida a favor do credor, este pode renunciar a ela sendo-lhe, por isso, lícito promover a execução para prestação de facto fungível.

Para que seja intrinsecamente exequível, a obrigação exequenda deve ser exigível, certa e líquida (artº 802 do CPC).

A exigibilidade da obrigação é uma condição relativa à justificação mesma da execução, dado que se obrigação ainda não é exigível – não se justifica proceder à realização coactiva da prestação; a certeza e a liquidação são, por sua vez, condições respeitantes à possibilidade da execução, dado que sem se determinar e quantificar a obrigação devida, não é possível proceder à sua satisfação coactiva. Se em face do título, a obrigação exequenda não for certa e líquida, a execução tem se iniciar pelas diligências destinadas a assegurar a exequibilidade intrínseca dessa obrigação (artº 802 do CPC).

Na acção executiva, obrigação exigível é aquela que está vencida ou que se vence com a citação do executado e relativamente à qual o credor se não encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação. Assim, v.g., impede o vencimento da obrigação – e portanto, esta é inexigível – na falta de decurso do prazo certo que tenha sido ou se presuma ter sido fixado em benefício do devedor, se, pela natureza da prestação ou por força dos usos, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo. O mesmo sucede com as obrigações dependentes de uma prestação do credor, com as obrigações condicionais, etc. (artºs 779 e 805 nº 2 a) do Código Civil)

A obrigação é certa quanto a respectiva prestação se encontra determinada ou individualizada, e é ilíquida quando a quantidade da prestação que tem por objecto não está determinada.

Como a obrigação só pode ser objecto de execução se for certa, exigível e líquida, a incerteza, a inexigibilidade ou a iliquidez da obrigação exequenda, quando não são supridas na fase introdutória da execução, constituem fundamento de oposição à execução (artºs 803 a 805 e 814 e) do CPC). Note-se, porém, que se admite uma execução sobre uma obrigação que é parcialmente líquida e exigível (artº 805 nº 8 do CPC).

Constitui igualmente fundamento de oposição à execução baseada numa sentença judicial qualquer excepção peremptória superveniente, i.e., qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda – desde que posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (artº 814, g), 1ª parte, do CPC).

Dado que o título executivo é uma sentença judicial é, pois, indispensável que o facto extintivo ou modificativo seja posterior ao encerramento da discussão na anterior acção declarativa, porque é justamente até esse momento que nessa acção podem ser alegados os factos supervenientes (artº 506 nº 1 do CPC): na oposição a uma decisão judicial, está necessariamente precludida a invocação de factos que foram ou que podiam ter sido alegados no anterior processo declarativo.

Como exemplo de facto extintivo pode referir-se, além da prescrição, que é sempre a ordinária, qualquer das causas de extinção das obrigações, v.g., o cumprimento, a novação, a remissão, a confusão e a impossibilidade superveniente da prestação, desde que, naturalmente, essa impossibilidade seja efectiva, absoluta e definitiva (artºs 791 e 792 nº 2 do Código Civil). Em qualquer caso esse facto extintivo deve ser de verificação anterior à proposição da execução – dado que se for posterior a esta proposição, dá lugar, não a oposição a execução, mas à extinção da execução – e deve provar-se por documento (artºs 814 g), 1ª parte, in fine, e 919 do CPC).

Sempre que os fundamentos de oposição à execução alegados pelo executado não correspondam a nenhum dos previstos na lei ou sejam patentemente improcedentes, a oposição deve ser liminarmente rejeitada (artº 817 nº 1 b) e c) do CPC).

Estas considerações habilitam-nos, com suficiência, à resolução do problema que constitui o universo das nossas preocupações.

3.3. Concretização.

Uma primeira proposição que se tem por exacta é que a inspecção da matéria alegada pelos executados se enquadra realmente no fundamento sob o qual se apresentam: os factos alegados pelos executados, para justificar a inexequibilidade intrínseca da obrigação - a incerteza e da iliquidez da prestação que tem por objecto – e a extinção superveniente do dever de prestar, documentado no título executivo, enquadram-se realmente, sem dificuldade, na rubrica legal correspondente (artº 814 e) e g), 1ª parte, do CPC). A alegação dos executados é, portanto, séria, dado que aquilo que apresentam sob a veste de inexequibilidade intrínseca da obrigação e de extinção do dever de prestar cabe, sem dificuldade, dentro da designação legal correspondente.

Portanto – e ao contrário do que pode ler-se na decisão impugnada – a invocação pelos executados dos apontados fundamentos de oposição não é completamente descabida, dado que os factos alegados se ajustam realmente ao fundamentos de oposição que citam.

Mais complexa e a exigir maior detalhe é a apreciação da viabilidade dos fundamentos de oposição invocados. Mas quanto a este problema a resposta que se tem por exacta é a de não há razão para que se tenha a oposição deduzida por manifesta ou patentemente infundada.

O primeiro fundamento da oposição à execução alegado pelos executados diz respeito à inexequibilidade intrínseca da obrigação: no seu ver, não têm a certeza nem está determinado, quais os sítios e medidas para levarem a cabo a reposição do caminhoergo, a obrigação exequenda seria incerta ou ilíquida.

É indiscutível que os executados foram vinculados pelo Supremo a proceder à restituição do trato de terreno do caminho público que ocuparam e à demolição dos muros que construíram, que impedem o acesso a esse mesmo caminho. Decorre da fundamentação de facto do acórdão que o caminho sempre teve o seu leito e orientação definidos e demarcado dos terrenos vizinhos, de um lado e do outro, por muros de pedra – e que os recorrentes, em Abril de 2002, demoliram os muros existentes numa extensão de pelo menos 18 metros, revolveram o respectivo terreno, e incluíram no seu prédio, esse mesmo terreno.

Em face dos elementos disponibilizados pelo título – e numa primeira inspecção uti oculi - não parece que a obrigação de facere a que os executados estão vinculados se mostre determinada ou individualizada[6]. Dito doutro modo: o título – o acórdão do Supremo – não contém os elementos necessários para a determinação tanto do objecto como da quantidade desse objecto, da prestação em cuja realização os executados foram condenados. Qual é exactamente área de terreno do caminho de que os recorrentes e apropriaram ilicitamente e que devem restituir? Qual a extensão do muro que construíram que devem demolir para garantir o acesso aquele caminho? A impressão que se colhe é, portanto, que o conteúdo e a quantidade da prestação a que os executados estão vinculados não está rigorosamente determinada no título.

Um outro fundamento da oposição à execução invocado pelos executados consiste na impossibilidade – asseverada pelo Município de Oliveira de Frades – de qualquer solução de retorno do caminho em causa à situação inicial - fundamento que é susceptível de ser reconduzido a uma excepção peremptória inominada – a impossibilidade, efectiva, absoluta e definitiva da prestação.

Se, como asseveram os executados, é impossível, em face da configuração física actual do espaço envolvente do caminho, a reposição da sua configuração original, então, sem prejuízo de uma análise mais detida, o dever de prestar que lhes é imposto no título deve ter-se por extinto, por força da impossibilidade, efectiva, absoluta e definitiva da prestação correspondente.

Um terceiro fundamento de oposição alegado pelos executados – que se reconduz, também ele, a uma excepção peremptória superveniente – é o representado pela cessação da dominialidade, por desafectação, do troço do caminho objecto da controvérsia.

                No acórdão que serve de título executivo o Supremo observou - reiterando jurisprudência firme – que de harmonia com o Assento de 19 de Abril de 1989 – hoje, evidentemente, com a autoridade diminuída de acórdão de uniformização de jurisprudência – que são públicos os caminhos que desde tempo imemoriais, estão no uso directo e imediato do público, mas que a doutrina do Assento reclama uma interpretação restritiva, no sentido de que a publicidade dos caminhos exige ainda a sua afectação à utilidade pública: a satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância.

                Da exigência dessa específica afectação decorre que a administração, por decisão expressa ou com o seu consentimento tácito, pode fazer cessar a dominialidade do caminho, caso em que se dá a desafectação. A desafectação expressa pode resultar de acto administrativo que declare o caminho, ou parte dele, não dominial ou sem utilidade pública (desafectação singular)[7].

                Maneira que numa acção declarativa em que se discuta a existência de um caminho público e, portanto, a sua dominialidade ou a sua utilidade pública, provada a afectação à sua utilidade pública, compete ao demandado demonstrar a desafectação expressa ou tácita – dado que se trate de facto extintivo do direito do autor, e, portanto, uma excepção peremptória inominada (artºs 342 nº 2 do Código Civil, 483 nºs 1 e 2 e 487 nºs 1 e 2, 2ª parte, do CPC)[8].

                É verdade que, comprovada a desafectação, expressa ou tácita, o bem não deixa de continuar a pertencer à pessoa colectiva pública a que pertencia – passando simplesmente a integrar o seu domínio privado – dado que a desafectação apenas importa a cessação da utilidade pública e, portanto, o fundamento da dominialidade[9]. Porém, também não é menos exacto que, demonstrada, essa desafectação, é irremissível – por ter deixado de haver, desde a data da sua verificação, caminho com a natureza de caminho público[10] - a improcedência de todas as pretensões fundada numa causa de pedir que suponha o facto inverso: a afectação.

                As coisas não se passam diferentemente no caso de, em execução fundada em sentença que tenha declarado o carácter público de um caminho, o executado se propor demonstrar que ocorreu a desafectação – desde que, evidentemente, essa desafectação tenha ocorrido em momento posterior à do encerramento da discussão na acção declarativa em que se formou aquele título.

                A este entendimento do problema pode opor-se – como faz a decisão recorrida – o trânsito em julgado da decisão que declarou o carácter público do caminho. Mas se se tiverem presentes os limites temporais do caso julgado torna-se patente que a objecção não colhe.

                 O caso julgado está, realmente, sujeito a limites temporais. De forma deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o caso julgado se forma sobre uma decisão que se reporta à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão, pelo que não lhe pode ser indiferente uma alteração ocorrida posteriormente (artº 663 do CPC). Dito doutro modo: o caso julgado encontra-se inteiramente submetido ao princípio rebus sic stantibus e, por isso, deixa de valer quando se alterem os condicionalismos de facto em que a decisão proferida. Quando isso suceda, o caso julgado pode perder a sua eficácia por caducidade ou por substituição.

                A caducidade do caso julgado ocorre quando deixa de verificar-se a situação de facto subjacente. Se, por exemplo, a sentença declarou um caminho como público, por estar provada a sua afectação a utilidade pública, e posteriormente, se dá a desafectação, expressa ou tácita, dessa utilidade pública, parece claro que o réu vencido deixa de estar vinculado a reconhecer o caminho como público ou a realizar qualquer prestação que assente na sua dominialidade. Nesta conjuntura, o demandado não desacata o caso julgado – o que sucede é que a res judicata perdeu, por caducidade, a sua eficácia por se terem alterado as condições de facto em que a decisão transitada foi proferida.

                No caso, os executados alegaram, como fundamento da oposição, que a administração – a Junta de Freguesia de Pinheiro – por acto administrativo, datado de 29 de Setembro de 2012, desafectou expressamente, do domínio público um troço do caminho no qual se integra o trato dele que, por força do acórdão do Supremo, proferido em Fevereiro do mesmo ano, estão vinculados ao dever de restituir.

                Esse facto, a ser exacto, é, decerto, susceptível de integrar uma excepção peremptória superveniente, i.e., um facto extintivo do dever de prestar cuja realização é exigida coactivamente.

                Servem estas considerações para dizer que, realmente, não há motivo sério para que os apontados fundamentos de oposição à execução alegados pelos recorrentes, se tenham por manifesta ou patentemente improcedentes e, portanto, que a oposição está em perfeitas condições de ser recebida.

                E sendo esses fundamentos suficientes para assegurar o recebimento da oposição, não há que apreciar o fundamento relativo ao abuso do direito de execução, dado que um tal fundamento de oposição foi alegado a título puramente subsidiário, i.e., para ser tido em conta apenas no caso de qualquer dos outros fundamentos invocados improcederem (artº 469 nº 1 do CPC).

                Tudo isto deve, porém, ser lido à luz forte desta proposição: não se diz que os factos alegados pelos recorrentes lhes assegurem, garantidamente, a procedência da oposição – mas simplesmente que os fundamentos de oposição invocados se não devem ter por manifestamente improcedentes em termos de justificar a decisão drástica de rejeição imediata dessa oposição.

                A conclusão alcançada pelo juiz relator sobre o carácter da oposição e sobre a eficácia da decisão que a recebe permanecem exactas. E, em face dela, a bondade do recurso e, portanto, a sua procedência, e, inversamente, a falta de fundamento da reclamação, e a sua improcedência, são meramente consequenciais.

Todas as contas feitas, o resultado final é, assim, a da correcção da decisão reclamada e, consequentemente, a da improcedência da reclamação.

O reclamante sucumbe na reclamação. Deverá, por isso, satisfazer as custas dela (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento à reclamação e confirma-se a decisão singular do juiz relator reclamada.

Custas da reclamação pelo reclamante.

                                                                                                                            

                                                                                                                             Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                                             José Avelino Gonçalves

                                                                                                                             Regina Rosa


[1] Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Coimbra, 2005, pág. 95.
[2] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 400. Numa noutra formulação notoriamente mais exigente, afirma-se que oposição é manifestamente improcedente quando seja inequívoco que nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais - Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, volume III, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 162.
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 177.
[4] Cfr., v.g., Acs. da RC de 06.02.90, BMJ nº 394, pág. nº 330, pág. 543 e da RL de 04.11.97, BMJ nº 471, pág. 448.
[5] Assim, no tocante a cheque emitido com data em branco, completado posteriormente, cfr. o Assento do STJ de 14 de Maio de 1996, DR, II Série, de 11 de Julho de 1996. Cfr. Acs. do STJ de 28.07.92, BMJ nº 219, pág. 235 de 28.05.96, BMJ nº 457, pág., 401, de 17.04.08 e 23.04.09, www.dgsi.pt., da RP de 21.10.96, CJ, 96, V, pág. 183, e 27.01.98, CJ, STJ, 98, I, pág. 40. No caso de non liquet, aplicam-se igualmente, quer as regras gerais quer as eventuais regras especiais (artºs 516 do CPC e 346 nº 2 do Código Civil). Cfr. Ac. da RP de 05.02.98, CJ, 98, I, pág. 207.
[6] Mesmo a procedência do pedido de condenação numa prestação de facto depende, realmente, da demonstração, pelo demandante, de factos que permitam, com o necessário rigor, o conteúdo da prestação correspondente, de modo a permitir a emissão de uma sentença condenatória de prestação de facto, de conteúdo suficientemente preciso e determinado: Ac. do STJ de 09.02.12. O argumento vale, a fortiori, para a realização coactiva da prestação de facto.
[7] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 1980, págs. 956 e 957.
[8] Acs. do STJ de 18.02.03, 28.05.09 e 02.03.11, www.dgsi.pt.
[9] Ac. do STJ de 18.02.03, www.dgsi.pt.
[10] Ac. do STJ de 13.07.10, www.dgsi.pt.