Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
217/21.4T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO IMPUGNANTE
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO
SUBEMPREITADA
AÇÃO DIRETA CONTRA O DONO DA OBRA
PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 640.º, N.º 1, AL.ªS A) E B), E N.º 2, AL.ª B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 406.º, N.º 2, E 1213.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – No âmbito do contrato de subempreitada, não ocorre, como regra, qualquer relação contratual entre o dono da obra e o subempreiteiro, continuando aquele contratualmente ligado ao empreiteiro e vice-versa, pelo que só a demonstração de qualquer fator/circunstância relevante poderá, nesse horizonte, afastar a regra da relatividade dos contratos.

II – Assim, por regra, é de afastar a ação direta do subempreiteiro contra o dono da obra para pagamento do preço da subempreitada.

Decisão Texto Integral:
Relator: Arlindo Oliveira
1.º Adjunto: Emídio Francisco Santos
2.º Adjunta: Catarina Gonçalves

            Processo n.º 217/21.4T8MGL.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Mangualde, Juízo de Competência Genérica

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

“A..., Lda.”, sociedade comercial por quotas, com o número de pessoa colectiva ..., com sede na Rua ... ..., ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra AA e BB, já identificados nos autos, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar à autora o montante de 9.535,23 € (nove mil, quinhentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juros comercial, contados desde 13 de Março de 2021 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou que é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de plantas ornamentais, fruteiras, florestais, enxertos prontos e bacelos, ao comércio de fertilizantes, sementes, adubos, máquinas e equipamentos para jardim e agricultura e floresta, produtos de decoração e bricolage, comércio a retalho em bancas, e unidades móveis de venda de outros produtos, viticultura, actividades de serviços relacionados com a agricultura, nomeadamente, preparação de terrenos, sementeiras e plantações, tratamento e protecção de culturas, podas de árvores e de arbustos, manutenção e acompanhamento de vinhas, aluguer de máquinas e de equipamento agrícola com e sem operador, plantação e manutenção de jardins.

Mais alegou que no exercício da sua actividade foi contratada pelos réus para prestar serviços de surriba de terras e plantação de amendoeiras, tendo prestado serviços de surribas de terra, numa área de 1,7 hectares, pelo preço de 5.525,00 € (cinco mil quinhentos e vinte e cinco euros), acrescido do respectivo IVA, o que perfez o total de 5.856,50 € (cinco mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e cinquenta cêntimos), tendo emitido a competente factura identificada como “...03”, em 12 de Março de 2021, a qual devia ter sido paga a “pronto pagamento”, sendo que não foi paga nem nessa data nem posteriormente, pelo que acrescem ao valor em dívida os respectivos juros comerciais até efectivo e integral pagamento.

Mais alegou que, no interesse dos réus, com o seu conhecimento e aceitação, procedeu à plantação de 631 amendoeiras, ao preço de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos) cada unidade, no valor total de 3.470,50 € (três mil, quatrocentos e setenta euros e cinquenta cêntimos), acrescido do respectivo IVA, o que perfez o total de 3.678,73 € (três mil, seiscentos e setenta e oito euros, setenta e três cêntimos) tendo emitido a competente factura identificada como “...14”, em 13 de Março de 2021, a qual devia ter sido paga a “pronto pagamento”, sendo que não foi paga nem nessa data nem posteriormente, pelo que acrescem ao valor em dívida os respectivos juros comerciais até efectivo e integral pagamento.

Alegou, também, que os aludidos serviços foram adjudicados a 3 de Novembro de 2020, através de mensagem de correio electrónico, e que foram prestados os serviços conforme solicitado, e que, a 5 de Março de 2021, foi solicitada a emissão das respectivas facturas, nomeadamente, para facturar ao réu BB o valor da surriba de 1,7 hectares, e à ré AA o valor das plantas, tutores e aplicação dos mesmos, sendo que é esta última proprietária do terreno onde foi feita a surriba e a plantação das amendoeiras.

Por fim, alega que os réus não procederam ao pagamento de qualquer valor até ao momento, sendo que são solidariamente devedores das quantias acimas referidas, a que acrescem os respectivos juros comerciais até efectivo e integral pagamento.

*

Regularmente citada, a ré AA contestou, defendendo-se por excepção dilatória, alegando a sua ilegitimidade passiva, e impugnando os factos da petição inicial.

Designadamente, que não solicitou à autora a realização dos trabalhos descritos na petição inicial que foram acordados com o 1.º réu, que assumiu o respectivo pagamento, apenas tendo contratado com este a realização de tais trabalhos, o qual, veio a acordar com a autora a respectiva realização, a que tudo foi alheia, apenas tendo contratado com o 1.º réu.

Apesar de regularmente citado, o 1.º réu, BB, não apresentou contestação.

Respondendo, a autora pugnou pela improcedência da excepção de ilegitimidade passiva, invocada pela ré AA.

Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela ré AA e se fixou o objecto do litígio e os temas de prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 276 a 312, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Em face de tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a. Condeno o réu BB a pagar à autora a quantia de 9.535,23 € (nove mil, quinhentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), a título de capital, acrescido dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal fixada para os juros comerciais sobre o referido capital em dívida, contados desde 13 de Março de 2021 efectivo e integral pagamento;

b. Absolvo a ré AA de todos os pedidos contra si peticionados pela autora.

*

Custas pela autora e pela réu BB, na proporção do respectivo decaimento, que fixo concretamente na proporção de 20% para a autora e 80% para o réu BB.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora A..., L.da, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 349), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. Da responsabilidade, solidária, da Ré AA e, assim, da consequente condenação da mesma nos pedidos da Autora.

2. Nos presentes autos, importa determinar se a autora tem direito à condenação solidária dos réus a pagarem-lhe o montante de 9.535,23 € (nove mil euros e quinhentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa supletiva prevista para os juros comerciais, contados desde 13 de Março de 2021, até efectivo e integral pagamento.

3. No entender da Recorrente, importa proceder à alteração da resposta à matéria de facto, dada aos pontos 9.º, 20.º, e 21.º, da matéria tida por provada.

4. E, bem assim, considerar como provada a matéria tida, erradamente, por não provada. De facto,

5. Atenta a prova produzida, importará concluir, além do mais que se provou que: 9.º A realização dos serviços mencionados em 8.º, foi solicitada à autora pelo réu BB e, pela Ré AA; 20.º As facturas mencionadas em 15.º e 16.º, foram emitidas por solicitação do réu BB, feita em 5 de Março de 2021 e por solicitação da Ré AA; e, 21.º As aludidas facturas, identificadas em 15.º e 16.º, foram remetidas para o réu BB, em data não concretamente apurada, mas em Março de 2021 e, ainda, remetidas, igualmente, à Ré AA.

6. E, ainda provado que: a) Os serviços mencionados em 8.º, foram solicitados pela ré AA; b) Os serviços mencionados em 8.º, foram prestados com aceitação da ré AA; c) As facturas identificadas em 15.º e 16.º foram remetidas à ré AA. Assim,

7. Conforme resulta da decisão recorrida, como relatou o legal representante da Recorrente, o réu BB informou que os serviços em apreço estavam a ser contratados em nome da ré AA e estavam relacionados com um projecto para a plantação do aludido amendoal.

8. Sendo que, mais relatou o mesmo legal representante que, se na fase inicial os contactos foram com o réu BB, após a adjudicação passou a contactar directamente, por telefone, com a ré AA sobre a realização e o andamento dos trabalhos a concretizar no terreno, e a ré contactava diretamente com a autora para saber quando iam iniciar os trabalhos, e depois para acompanhar a evolução dos mesmos. A partir dessa altura, passou a lidar maioritariamente com a ré, e de forma mais residual com o réu, que disse, apenas tratar dos papéis e da burocracia, tendo ficado com a ideia que seria uma espécie de empregado da ré, embora tenha admitido que desconhecia se existia alguma relação contratual entre ambos os réus ou qual seria.

9. Relativamente à facturação dos serviços, o Legal representante da Ré informou que o Réu deu instruções para que o serviço de plantação das amendoeiras devia ser facturado à ré AA, tendo ainda informado o número de identificação fiscal da ré, e que na factura relativa à mesma deveriam constar os respectivos polígonos.

10. Acrescentou o depoente que o réu lhe terá dito que, como existia o aludido projecto agrícola, para efeitos de obter o reembolso dos valores abrangidos pelos apoios financeiros concedidos, era necessário que a factura fosse emitida em nome da ré, pessoa em nome de quem estava o projecto.

11. Mais afirmou o depoente disse que a ré sabia quais eram os valores a pagar, por causa do orçamento que havia apresentado no início, e sabia da existência das facturas, pois a ré lhe disse que era o réu quem ia tratar desse assunto do pagamento.

12. Quanto ao pagamento dos valores facturados, o depoente relatou que falou com o réu BB, o qual lhe transmitiu que a ré AA ia tratar do seu pagamento, e quando falou com a ré a este respeito, a mesma referiu que esse assunto era com o réu, que era o mesmo quem ia tratar dos pagamentos, que os serviços eram para ser pagos, mas que tal assunto estava a cargo do réu.

13. O depoente referiu que não estranhou que a ré remetesse o assunto para o réu, uma vez que desde o início deste processo tinha tratado dos papéis e das burocracias com o réu, e, portanto, desde que o pagamento fosse efectuado não tinha problema.

14. Mais referiu que, a respeito dos pagamentos, também, falou com o réu, o qual lhe transmitiu que iria assumir a parte dele e a ré iria proceder ao pagamento dos valores que lhe competiam, sendo que, quanto a esta questão, o réu remeteu à autora uma mensagem de correio electrónico a dizer isso mesmo (fls. 19).

15. No mais, o depoente confirmou que a autora, até à presente data, não recebeu qualquer montante por conta dos valores facturados.

16. Não obstante o depoente / Legal representante ser parte neste processo, conforme se pode ler na decisão recorrida, o mesmo prestou depoimento de forma espontânea e objectiva, relatando apenas a factualidade relacionada com o que se encontra em discussão nos presentes autos, sendo certo que o seu depoimento foi corroborado em grande parte quer pela prova testemunhal, quer pelos documentos que se encontram juntos aos autos e, também, já referidos, pelo que o depoimento do legal representante da autora mereceu credibilidade por parte do tribunal.

17. Facto é que, como documentado, a adjudicação dos serviços cujo preço aqui se peticiona aconteceu, a pedido, em representação e no interesse da ré AA.

18. Ré que, não só determinou e ordenou a realização dos trabalhos, pela Autora, como documentado, como, obviamente, teve conhecimento dos serviços solicitados e adjudicados à autora,

19. Ré que teve vários contactos com a autora após essa adjudicação com vista a apurar a realização e o andamento dos aludidos serviços.

20. Ré que se candidatou a um projecto agrícola para plantação de um amendoal,

21. A ré AA, ainda que, nomeadamente, representada pelo Réu, para o que, por aquela, havia sido Mandatada/contratada teve intervenção nestas negociações com a autora, tendo, inclusive, contactado com a mesma, directamente, após a adjudicação dos serviços, para fazer o acompanhamento da realização e andamento dos trabalhos.

22. Acresce que, sempre, a Ré foi a única e exclusiva beneficiária dos Serviços, cujo preço aqui é reclamado,

23. Não tendo demonstrado, ainda que, junto do Réu, ter procedido ao seu pagamento.

24. E, por isso, é, sempre, a Ré, solidariamente, responsável pelo pagamento do preço dos serviços aqui peticionado.

25. Não se podendo concluir, porque contrário ao provado, que a Ré era, que não foi, nunca, alheia ao acordado entre a autora e o réu.

26. Só se podendo concluir que, da prova produzida nestes autos, foram ambos os Réus, ainda que a Ré, em parte, representada pelo Réu que, para o efeito, o Contratou / Mandatou, quem solicitaram os trabalhos de surriba de terras e de plantação de amendoeiras à autora.

27. Ao contrário do concluindo, pelo Tribunal “a quo”, atenta a prova produzida, só se pode concluir que autora teve vários contactos com a Ré sobre a concreta questão da solicitação dos seus serviços, e, sobre o acordado quanto aos termos e condições em que os mesmos deviam ser prestados.

28. Importando atentar, designadamente, à mensagem de correio eletrónico remetida, em 12 de Março de 2021, pela ré à autora a solicitar o envio de facturas de tudo o que foi feito no terreno.

29. Falamos de trabalhos prestados no terreno da ré, e esta ter acompanhando a realização dos mesmos, inclusivamente, através dos já mencionados contactos directos com a autora, sendo a mesma com interesse na concretização dos mesmos, na medida em que tais trabalhados se inseriam e afiguravam essenciais na concretização do projecto agrícola de plantação de um amendoal, relativamente ao qual a ré tinha obtido financiamento parcial para custear o projecto através de uma candidatura junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.

30. Importando, assim, atenta a prova produzida, concluir que a ré solicitou os serviços da autora, ainda que se entenda que, inicialmente, os solicitou por intermédio do réu, sendo que este actuou em nome da Ré ou por conta da mesma, quando contactou a autora para solicitar a realização dos trabalhos de surriba e de plantação.

31. Atente-se, designadamente, à documentação junta aos autos:

a. A Ré, como, aliás, bem sabe, não é, de todo, alheia ao negócio.

b. Os Serviços foram solicitados, como bem sabe a Ré, a pedido da mesma e, no seu Interesse,

c. Sendo que, os Serviços de Surriba e plantação aconteceram, precisamente, nos prédios de que, aquela é possuidora e proprietária.

d. E, em consequência, a Ré acordou pagar à A. os valores aqui reclamados, por conta do preço da prestação dos serviços, de que, aliás, beneficiou em exclusivo.

32. Aliás, como a Ré confessa, as prestações daqueles serviços, pela A., aconteceram “em prédios propriedade da R. AA”.

33. Sendo que, a manter-se a decisão de facto, temos que a decisão recorrida é nula,

34. Atenta a contradição manifesta entre o constante no ponto 9.º e, bem assim, o ponto 11.º da matéria de facto, tida por provada.

35. Nulidade que sempre importará conhecer. Ainda sem prescindir,

36. Assim, verificam-se os pressupostos legais para a condenação solidária da ré no pagamento dos valores peticionados pela autora, existindo, aqui, uma obrigação solidária.

37. E, sobre a alegada responsabilidade do dono de obra / Ré, perante o Subempreiteiro/Autora,

38. Atente-se, nomeadamente, ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 10-01-2006 - Nº do Documento:SJ200601100033316 EMPREITADA / SUBEMPREITADA / DONO DA OBRA / RESPONSABILIDADE CIVIL / SOLIDARIEDADE / REEMBOLSO /DIREITO DE REGRESSO / INTERVENÇÃO PROVOCADA / INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE – consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fe8f8a3f0 24751018025711e005af95c - “A responsabilidade do dono da obra é solidária com a do empreiteiro / subempreiteiro - art.º 497, n.º 1, do CC.

39. Atente-se, ainda, quanto à responsabilidade solidária da Ré / Dona de Obra, ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 03 de Novembro de 2010.

40. Relativamente ao regime da subempreitada, antes de mais cabe referir que a subempreitada é um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente (o contrato base celebrado entre o dono da obra e o empreiteiro). São contratos que prosseguem a mesma finalidade, estando portanto ligadas por um vínculo funcional.

41. O contrato de subempreitada está necessariamente funcionalizado em relação ao contrato de empreitada, dependência que se verifica não só na sua formação, como na sua execução, pelo que as vicissitudes ocorridas num se refletirão necessariamente no outro.

42. Em caso de não pagamento, o subempreiteiro pode exercer o direito de retenção, o qual é naturalmente oponível ao dono da obra.

43. Há pois, como afirma o Professor Pedro Romano Martinez, uma indubitável agremiação de fins nos 2 contratos (empreitada e subempreitada). Donde se verifica um interesse direto do dono da obra nessa prestação. E isso parece dever ter consequências no reconhecimento de relações diretas entre as duas entidades.

44. Da mesma forma, segundo Pedro Romano Martinez, ao subempreiteiro deve ser concedida uma ação direta contra o dono da obra para exigir o pagamento do preço da obra realizada em subempreitada. E, caso este não seja pago, nada obsta a que o subempreiteiro exerça o direito de retenção com respeito à parte da obra por ele executada, mesmo que esta seja propriedade do dono da obra. Esta ação direta apresenta-se legitimada por motivos de ordem económico-social, na medida em que, ao promover o estreitamento de relações entre quem não é parte no mesmo contrato, cria uma maior confiança entre os sujeitos e favorece o estabelecimento de relações contratuais, ao mesmo tempo que evita uma duplicação de pagamentos. Por outro lado, a existência de uma ação direta, do subempreiteiro contra o dono da obra, está mais adequada com a realidade porque, por via de regra, eles não se consideram entre si verdadeiramente como terceiros.

45. Por outro lado, refere o Professor Pedro de Albuquerque que circunstâncias mais próximas de considerações de justiça material (atendendo, designadamente, à reduzida capacidade económica de alguns subempreiteiros face aos empreiteiros que os contratam) podem levar a admitir, genericamente, a existência de ação direta entre o dono da obra e o subempreiteiro.

46. Considera o Professor Pedro de Albuquerque dever existir uma admissibilidade, de princípio, da possibilidade de ligações e vínculos diretos entre o dono da obra e o subempreiteiro.

47. E, assim, tem o subempreiteiro o direito, face ao dono da obra, de exigir o pagamento do preço da subempreitada que não tenha ainda sido satisfeito pelo empreiteiro (o subempreiteiro pode demandar o dono da obra para obter o pagamento do preço da sua parte da empreitada, se o empreiteiro incumprir o dever de lhe pagar) 48. Assim, em qualquer dos casos, e, ainda que se mantenha a matéria de facto, tal qual julgada pela Primeira Instância, o que, apenas se admite por dever de patrocínio, é, sempre, solidária a responsabilidade dos Réus.

49. E, ainda que se entenda que a solidariedade na obrigação de pagamento não resulta da relação dono de obra / subempreiteiro,

50. É, sempre, solidária a responsabilidade dos Réus.

51. Importando, sempre, atento tudo o alegado, in extremis, lançar mão, relativamente à responsabilidade a assacar à Ré, do instituto do enriquecimento sem causa. A Ré, foi a única que beneficiou com os trabalhos cujo preço se reclama. A Ré ficou senhora dos trabalhos, cujo preço se reclama. A Ré recebeu apoios públicos / subsídios para pagar o preço aqui reclamado. E, a mesma Ré nada paga à Autora. Tal é, inadmissível, censurável e, impõe, em respeito pelas normas aplicáveis, sempre, a condenação, solidária da Ré. Tudo ao abrigo do disposto no artigo 473º e 474º DO C. CIVIL.

52. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de quatro requisitos (artigos 473.º, n.º 1, e 474.º, ambos do Código Civil), tornando-se necessário que, como se verifica no caso concreto:

a. Haja um enriquecimento da Ré – houve efetivamente – enriqueceu com os trabalhos realizados e ainda obteve fundos públicos;

b. O enriquecimento careça de causa justificativa – nada justifica este enriquecimento, caso se entenda que a Ré não tem que pagar o preço, aqui reclamado;

c. O enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição – como é o caso, em concreto, a Autora;

d. A lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado – se não for pela obrigação do pagamento do preço, terá que ser com base neste instituto.

Termos em que deve o recurso, ter-se por procedente, porque infundado, alterando-se a decisão recorrida, condenando-se, a Ré, solidariamente, no pagamento do valor peticionado nos autos e no qual já o Réu foi condenado.

Contra-alegando, a recorrida, defende que o recurso, no que concerne à matéria de facto, não cumpre os formalismos legais para o efeito, por não identificar as passagens da gravação em que se funda, nem as razões para a pretendida alteração da matéria de facto e que, a assim não se entender, a decisão recorrida deve ser mantida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada.

Como resulta do relatório que antecede, a recorrente pretende colocar em causa a decisão recorrida, no tocante à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, pretendendo que, relativamente aos factos descritos nos itens 9.º, 20.º e 21.º, se passe a considerar que os serviços e as facturas neles referidas, foram, também, solicitados pela ré, a quem, igualmente, foram remetidas as facturas e que os factos considerados como não provados (respectivas alíneas a) a c), devem passar a ser tidos como provados.

No entanto, o recurso, no que à matéria de facto respeita, não está conforme aos ditames legais aplicáveis, pelo que desde logo, em sede de questão prévia, importa apreciar a questão da rejeição do recurso de facto, com o fundamento em a recorrente não ter cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.s a) e b), do CPC.

De acordo com este preceito, em caso de impugnação da matéria de facto e se trate da reapreciação de provas gravadas, sob pena de rejeição, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e com exactidão as passagens da gravação em que se funda.

            Ora, como resulta da acta da audiência de julgamento, procedeu-se à gravação dos depoimentos prestados, no sistema de gravação digital em aplicação informática, em uso no Tribunal recorrido.

            Assim, nos termos do disposto no supra citado artigo 640.º, o recorrente, em caso de recurso sobre a matéria de facto, para além da indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tem de indicar, com exactidão, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda o mesmo.

            A recorrente, cf. conclusões 5.ª a 32.ª (sendo que estas, como consabido e adiante se referirá, é que delimitam os termos do recurso), limita-se a referir que tais factos devem passar a ser considerados como provados, fazendo-o de forma genérica, sem indicar o concreto elemento probatório (testemunhal ou documental), em que funda o seu recurso de facto, relativamente a todos e a cada um, dos factos (itens) em causa.

            Efectivamente, a recorrente, limita-se a fazer referências ao depoimento prestado pelo seu legal representante, de forma genérica, isto é, sem especificar qualquer concreta passagem do mesmo, por referência à gravação, sem sequer o transcrever e sem o ligar, concretamente, a qualquer dos factos referidos nos itens que indica como incorrectamente fixados, como melhor resulta da leitura das supra referidas conclusões.

Não obstante esta pecha, para não pecar de excessivo formalismo, (embora, como a seguir melhor se explicitará, a lei imponha que as conclusões fizessem alusão a tais fundamentos), e ainda que se tente “remediar” esta insuficiência mediante o recurso ao conteúdo das alegações, o problema mantém-se, uma vez que nestas conclusões se repete o que se mostra alegado de fl.s 322 v.º a 326, nas alegações, sem que, também aí a recorrente, se refira, em concreto, a qualquer dos meios de prova produzidos em audiência, nem, consequentemente, refere uma qualquer transcrição da passagem dos depoimentos prestados em audiência, para suportar a sua discordância da decisão de facto, nos supra citados moldes.

            Sem que, em violação do disposto no artigo 640.º, n.º 2, al. a) do CPC, “indique com exactidão as passagens da gravação em que se fundam”.

Consequentemente, tem de concluir-se que o presente recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, não obedece aos critérios expostos no referido artigo 640.º, n.º 1, al.s a) e b) e n.º 2, al. b), do CPC, pelo que tem de ser, imediatamente rejeitado, sem que exista lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Reimpressão, Almedina, Fevereiro de 2008, pág.s 141 a 143 e F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2005, a pág. 171, último parágrafo e nota 354.

            Também o STJ, se pronunciou no sentido de que o incumprimento do ónus de alegação em causa, conduz à imediata rejeição do recurso, cf., entre outros, nos seus Acórdãos de 15/09/2011, Processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj e de 23/11/2011, in CJ, STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, a pág. 126 e seg.s.

            Como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág.s 142 e 143, as exigências contidas nos preceitos em referência devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor e visando impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.

            E, como se salienta, nos Arestos do STJ ora citados, só exigindo-se o fundamento da discordância, se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os concretos depoimentos contrariam o julgamento da matéria de facto operado no Tribunal recorrido, se dará cabal cumprimento ao princípio do contraditório, só assim se permitindo à parte contrária a possibilidade de contrariar os argumentos invocados pelo recorrente.

            Compulsando o teor das alegações e conclusões de recurso (que transcrevem e reproduzem aquelas, no que a esta questão respeita), tem de concluir-se que a recorrente, manifestamente, não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, al. b), do CPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto, nos termos ali constantes.

            Também as referências genéricas que se fazem ao conteúdo de documentos (designadamente o n.º 3, junto na audiência, fl.s 261), são insuficientes para que se possa apreciar o presente recurso, na sua vertente de fixação da matéria de facto provada e não provada, tanto mais que no mesmo, apenas se solicita o envio das facturas que haviam sido pagas pelo 1.º réu e nada mais, pelo que do mesmo não resulta a assunção de qualquer responsabilidade por parte da 2.ª ré, pelo respectivo pagamento.

Os documentos são meios de prova constantes do processo, mas para se fundamentar o recurso de facto com base no seu teor não basta alegar, genericamente, que os mesmos apontam num ou noutro sentido.

Efectivamente, é preciso especificar o porquê de os mesmos levarem a um diferente juízo do efectuado em 1.ª instância, como resulta do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, com excepção, claro está, de se tratar de documento autêntico desconsiderado e que faça prova plena de um facto dado, não obstante isso, como não provado ou um documento superveniente que imponha diversa decisão – cf. artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o que não é o caso.

            Ora, como resulta de fl.s 285 a 295, a M.ma Juiz a quo apreciou cada um dos documentos ali referidos, conjuntamente com a demais prova produzida e explicou, justificando, o porquê da análise em termos probatórios relevantes que deles fez e decidiu em conformidade.

            O desacordo da recorrente não pode resumir-se a considerar que não podem ser apreciados da forma como o fez o Tribunal recorrido, sendo-lhe imposto o ónus de indicar os fundamentos da sua discordância, até para a contraparte poder exercer o contraditório.

            O facto de o recurso de facto se fundamentar, também ou apenas, na prova documental, não afasta o ónus de a respectiva motivação ser fundamentada, sob pena se desvirtuar o intuito do legislador ao regulamentar o respectivo regime que teve em vista facultar às partes uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, tendo o recorrente o ónus de os apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso, decorrendo este especial ónus de alegação do recorrente dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado – como resulta do Preâmbulo do DL 39/95, de 15/2 e o refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 143, nota 195.

            Pelo que se rejeita o recurso interposto no que se refere à matéria de facto, em função do que se mantém a factualidade dada como provada e não provada em 1.ª instância.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se existe contradição entre o que consta dos itens 9.º e 11.º dos factos provados;

            B. Se a ré AA deve ser solidariamente condenada a pagar à autora as quantias peticionadas, com base no contrato celebrado entre as partes e;

            C. A assim não ser, se sempre a mesma seria responsável pelo pagamento da quantia reclamada, com base no enriquecimento sem causa.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1.º A autora “A..., Lda.” é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ... ..., ..., com o número de pessoa colectiva ..., que tem por objecto a produção e comercialização de plantas ornamentais, fruteiras, florestais, enxertos prontos e bacelos, o comércio de fertilizantes, sementes, adubos, máquinas e equipamentos para jardim e agricultura e floresta, produtos de decoração e bricolage, o comércio a retalho em bancas, e unidades móveis de venda de outros produtos, viticultura, actividades de serviços relacionados com a agricultura, nomeadamente, preparação de terrenos, sementeiras e plantações, tratamento e protecção de culturas, podas de árvores e de arbustos, manutenção e acompanhamento de vinhas, aluguer de máquinas e de equipamento agrícola com e sem operador, plantação e manutenção de jardins;

2.º Em 7 de Fevereiro de 2020, a ré AA, apresentou uma candidatura junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., a um projecto agrícola, denominado ... – Regime Simplificado de Pequenos Investimentos nas Explorações Agrícolas, para a plantação de um amendoal;

3.º A candidatura referida em 2.º, visava um terreno com 2,5 hectares, localizado em ..., concelho ..., distrito ..., identificado com os números de parcela ...01 e ...01, e designado “Quinta ...”, de que é proprietária a ré AA;

4.º A candidatura mencionada em 2.º, foi aprovada com um parecer favorável emitido em 18 de Maio de 2020 e comunicada à ré AA por comunicação de correio electrónico, datada de 4 de Junho de 2020;

5.º O projecto referido em 2.º previa um investimento total de 43.473,93 €, sendo o apoio ao investimento de 15.856, 54 €, o qual abrangia as seguintes rubricas: a. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: desmatação;

b. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: terraceamento;

c. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: surriba;

d. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: gradagem;
e. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: 5 ton/há matéria orgânica;
f. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: 1065 amendoeiras;
g. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: plantação de amendoeiras;
h. “Plantações – Investimentos – Desmatações”: fertilização;
i. “Equipamento – Regadio – Equipamento de rega – gota-a-gota”: sistema de rega gota a gota;
j. “Equipamento – Regadio – Equipamento de rega – gota-a-gota”: electrobomba;

k. “Equipamento – Regadio – Equipamento de rega – gota-a-gota”: abertura de furo de captação de água;

6.º A ré AA não tinha experiência agrícola;

7.º No seguimento do mencionado em 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, e 6.º, a ré AA acordou com o réu BB, por escrito de 1 de Junho de 2020, as cláusulas com o seguinte teor:

“1. O ADJUDICANTE é proprietário do Prédio Rústico denominado “Quinta ...”, com cerca de 2,5 hectares.

2. Pelo presente contrato, é adjudicado o serviço de Preparação de Terreno e demais serviços para Instalação de Pomar de Amendoeiras, conforme Projeto ...16.

3. Os serviços são realizados pelo ADJUDICATÁRIO, que incluem todos os trabalhos de preparação do solo, com recurso a meios mecânicos adequados, nomeadamente, desmatação, terraceamento, surriba, gradagem, fertilização de fundo, plantas.

4. Todas as plantas a fornecer pelo ADJUDICATÁRIO nesta plantação, são saudáveis e de origem certificada (B... – produtores de plantas florestais e agrícolas ou C..., do D..., ou outro) sendo entregue ao ADJUDICANTE o respetivo documento comprovativo da certificação das plantas, antes do início dos trabalhos de plantação

5. O compasso da plantação, para as áreas em questão, será definido no Projeto supra mencionado.

6. O ADJUDICANTE é responsável pela marcação e indicação dos limites das parcelas, não se responsabilizando o ADJUDICATÁRIO por qualquer erro que os mesmos possam ter.

7. O serviço agora acordado tem a sua realização na campanha de Outono de 2020.

8. O início dos trabalhos são precedidos de aviso ao ADJUDICANTE, com a antecedência mínima de 2 dias.

9. O custo do serviço acordado entre as partes, é o que está aprovado, conforme descrito no Projeto ...16.

10. O pagamento do serviço processa-se em três tranches, nos seguintes moldes:

a) 1.500,00 €, na adjudicação, com a assinatura do contrato;

b) 50% no final da mecanização;

c) restante valor no final da plantação.

11. Trinta dias após a plantação, o ADJUDICATÁRIO confirma na área plantada o número de falhas existentes e procede à retancha, sempre que as falhas se devam a factos naturais, não imputados ao adjudicante. No Outono de 2021, quando as plantas tiverem um ano, o ADJUDICATÁRIO confirma na área plantada o número de falhas existentes e realiza a última retancha, ficando após essa data as plantas à responsabilidade do ADJUDICANTE”;

8.º No exercício da sua actividade a autora foi contactada para realizar serviços de surriba de terras e de plantação de amendoeiras, no terreno identificado em 2.º;

9.º A realização dos serviços mencionados em 8.º, foi solicitada à autora pelo réu BB;

10.º Os serviços mencionados em 8.º, foram adjudicados à autora, em 3 de Novembro de 2020, após o envio pela autora do respectivo orçamento;

11.º Em virtude da adjudicação mencionada em 10.º, e em data posterior à mesma, a ré AA contactou várias vezes com a autora com vista a apurar a realização e a evolução dos serviços mencionados em 8.º;

12.º A ré AA teve conhecimento dos serviços solicitados à autora e identificados em 8.º, e que os mesmos lhe tinham sido adjudicados;

13.º Nessa sequência, a autora prestou serviços de surriba de terras, num total de 1,7 hectares, no terreno identificado em 2.º, entre Janeiro e Março de 2021;

14.º Posteriormente ao referido em 13.º, a autora procedeu à plantação de 631 amendoeiras no terreno identificado em 2.º, em data não concretamente apurada, mas em Março de 2021;

15.º Por conta dos serviços mencionados em 13.º, a autora emitiu a factura “...03”, com a descriminação “serviços prestados – surriba 1,7 hectares”, tendo sido emitida a favor do réu BB;

16.º Por conta dos serviços mencionados em 14.º, a autora emitiu a factura “...14”, com a descriminação “serviços prestados – plantação de amendoeiras”, tendo sido emitida a favor da ré AA;

17.º A factura “...03”, foi emitida em 12 de Março de 2021, no montante global de 5.856,50 €, sendo 5.525,00 € a título de capital, e 331,50 €, a título de IVA à taxa de 6%, e venceu-se na data da respectiva emissão;

18.º A factura “...14”, foi emitida em 13 de Março de 2021, no montante global de 3.678,73 €, sendo 3.470,50 € a título de capital, e 208,23 €, a título de IVA à taxa de 6%, e venceu-se na data da respectiva emissão;

19.º A forma de pagamento das facturas referidas em 15.º e 16.º, era a pronto pagamento;

20.º As facturas mencionadas em 15.º e 16.º, foram emitidas por solicitação do réu BB, feita em 5 de Março de 2021;

21.º As aludidas facturas, identificadas em 15.º e 16.º, foram remetidas para o réu BB, em data não concretamente apurada, mas em Março de 2021;

22.º Até à presente data a autora não recebeu qualquer valor para pagamento dos valores facturados e identificados em 17.º e 18.º;

ii. Dos Factos Não Provados

Não se provaram os seguintes factos:
a) Os serviços mencionados em 8.º, foram solicitados pela ré AA;
b) Os serviços mencionados em 8.º, foram prestados com aceitação da ré AA;

c) As facturas identificadas em 15.º e 16.º foram remetidas à ré AA.

A. Se existe contradição entre o que consta dos itens 9.º e 11.º dos factos provados.

Embora sem o justificar, a recorrente aponta a existência da dita contradição.

Acrescente-se que inexiste qualquer contradição entre o que consta de tais itens.

O que se refere no referido item 9.º é que a realização dos trabalhos descritos no item 8.º, foi solicitada à autora pelo réu BB e no 11.º, que a ré contactou várias vezes a autora, com vista a apurar a realização e a evolução de tais serviços.

Inexiste qualquer contradição entre estes factos. Uma coisa é a respectiva realização ter sido solicitada por uma pessoa (no caso o réu), outra é a autora, como é lógico e razoável, na qualidade de dona da obra, se procurar inteirar acerca do estado de realização de tais trabalhos, não obstante ter encarregue outra pessoa de os levar a cabo.

Efectivamente, como se refere, entre outros, no Acórdão desta Relação de 22/2/2000, in CJ, ano XXV, tomo 1, a pág. 30 “… só há contradição de factos quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que uns não possam coexistir com os outros”.

Ou, citando Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, Vol. IV, 1981, a pág. 553, uma resposta é contraditória com outra quando em ambas se façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a da outra.

O que, salvo o devido respeito, não ocorre in casu. Como acima se referiu, num dos itens, trata-se de averiguar quem solicitou à autora a realização dos trabalhos, no outro item, trata-se de questão completamente diferente, qual seja a de a autora, como dona da obra, se procurar inteirar da realização e evolução dos mesmos, pelo que não existe a alegada contradição.

Consequentemente, não padece a sentença recorrida desta nulidade.

Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

B. Se a ré AA deve ser solidariamente condenada a pagar à autora as quantias peticionadas, com base no contrato celebrado entre as partes

No que a esta questão concerne, a recorrente defende a solidariedade na responsabilidade de ambos os réus pelo pagamento da dívida peticionada, dada a existência de um vínculo funcional entre o contrato de empreitada (celebrado entre a 2.ª ré e o 1.º réu) e o contrato de subempreitada (celebrado entre este e a autora).

Acrescentando que por via de tal vínculo, o subempreiteiro goza do direito de acção directa contra o dono da obra, para exigir o pagamento do preço do trabalho realizado, em caso de o mesmo não ser pago pelo empreiteiro.

Como resulta do disposto no artigo 1213.º, n.º 1, do Código Civil, “Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.”.

Assim, pode-se concluir que, não obstante tanto o contrato de empreitada como o de subempreitada partilharem, total ou parcialmente o mesmo objecto: a execução da mesma obra e visarem a satisfação do dono da obra, os mesmos permanecem separados, continuando o empreiteiro responsável perante o dono da obra pela boa execução dos trabalhos e conforme o contratado.

Como refere Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos Compra e Venda, Locação, Empreitada, Almedina, 2000, a pág. 373, “Os contratos de empreitada e de subempreitada não se fundem num único negócio jurídico; antes pelo contrário, mantêm-se distintos e individualizados. O empreiteiro (dono da obra no contrato de subempreitada) continua adstrito para com o dono da obra principal a todas as obrigações emergentes desse negócio jurídico. O subempreiteiro, por via do contrato de subempreitada, vincula-se a realizar uma prestação (uma obra) relacionada com a obra (dita principal)”.

Acrescentando, a pág. 374 que “… a relação existente entre a empreitada e a subempreitada seja a de uma união de contratos unilateral, funcional e necessária; noutra perspectiva dir-se-á que, em tal caso, a união dos contratos será processual, vertical, homogénea e hierárquica”.

Ou, como refere João Cura Mariano in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 6.ª Edição, Almedina, a pág. 216, trata-se de “um tipo específico de subcontrato (…), não existindo relações contratuais directas entre o dono da obra do primeiro contrato e o subempreiteiro do segundo contrato (…) apesar de os dois contratos serem distintos, eles prosseguem uma finalidade comum – a realização de uma determinada obra – estando ligados por um vínculo funcional. O contrato de subempreitada está necessariamente funcionalizado em relação ao contrato de empreitada, pelo que as vicissitudes ocorridas na execução deste contrato podem repercutir-se naquele.

Estamos, pois, perante um fenómeno de conexão internegocial, com reflexos no regime jurídico destes contratos”.

É, precisamente, no âmbito desta conexão internegocial ou união de contratos que tem de se encontrar a disciplina das relações obrigacionais entre o dono da obra e o subempreiteiro, na prossecução das obras/trabalhos que o dono da obra contratou com o empreiteiro e deste com o subempreiteiro e vicissitudes que daí decorram/surjam.

Como refere Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág.s 387/8 “A admissibilidade de uma relação entre o dono da obra e o subempreiteiro contraria a tradicional doutrina da relatividade dos contratos”, considerando, todavia, que, em algumas situações, seja por via da admissibilidade de excepções àquela doutrina seja porque “… o dono da obra e o subempreiteiro não são verdadeiros terceiros um em relação ao outro é de aceitar, nalgumas situações, a existência de uma acção directa com carácter de reciprocidade”.

Acrescentando que, uma das situações em que tal possa acontecer é a concessão ao subempreiteiro de “acção directa contra o dono da obra para exigir o pagamento do preço da obra realizada em subempreitada. E, caso este não seja pago, nada obsta a que o subempreiteiro exerça o direito de retenção com respeito à parte da obra por ele executada, mesmo que esta seja propriedade do primeiro contraente. Esta acção directa apresenta-se legitimada por motivos de ordem económico-social, na medida em que, ao promover o estreitamento de relações entre quem não é parte no mesmo contrato, cria uma maior confiança entre os sujeitos e favorece o estabelecimento de relações contratuais, ao mesmo tempo que evita uma duplicação de pagamentos. Por outro lado, a existência de uma acção directa, do subempreiteiro contra o dono da obra, está mais adequada com a realidade porque, por via de regra, eles não se consideram entre si verdadeiramente como terceiros”.

Referindo, ainda, na sua obra Subcontrato, pág.s 176/7, que a concessão da acção directa ao subempreiteiro contra o dono da obra se fundamenta, também, “na frequente debilidade económica do subempreiteiro (que poderão ser pessoas singulares, equiparados aos auxiliares e trabalhadores), servindo a acção directa para garantir a satisfação de direitos que o empreiteiro se recusa a acatar, obviando ainda a situações de conluio entre o empreiteiro e o dono da obra”, a que se somam razões de justiça material, protecção da confiança ou as regras da boa fé, permitindo ao subempreiteiro receber o preço da obra que realizou e ao dono da obra o direito à reparação dos defeitos da obra realizada pelo subempreiteiro.

Vaz Serra in BMJ 146 – 191 e Carvalho Fernandes, Da Subempreitada, in Direito e Justiça, tomo XII, pág.s 81 e seg.s, admitem a acção directa em apreço, em casos excepcionais, desde que verificados os requisitos que justificam o afastamento do princípio da relatividade dos contratos e das relações obrigacionais.

Filipe Albuquerque e Miguel Assis Raimundo in Direito das Obrigações Contratos Em Especial, Almedina, 2012, Volume II, a pag. 340, referem que se colocam “…mais dúvidas em admitir a acção direta, por uma razão simples: a remuneração fixada pelo empreiteiro com o subempreiteiro não é, decididamente, aspeto que deva ser considerado do âmbito das preocupações do dono da obra. Isto ao contrário da obrigação do subempreiteiro de construir uma obra ou parte dela segundo o plano convencionado. Há uma diferença notória entre as duas situações: a prestação do subempreiteiro interessa ao dono da obra e deve ser conforme ao projeto inicialmente aprovado por ele, por se tratar do seu destinatário final. Diversamente, a prestação do empreiteiro ao subempreiteiro não interessa ao dono da obra, por ele não estar obrigado a satisfazê-la nem ter sido ele a estabelecê-la ou a definir os seus termos.

Em todo o caso, tendemos, não sem dúvidas, a admitir essa possibilidade, por motivos de equilíbrio da relação e pelo facto de o dono da obra beneficiar diretamente do trabalho realizado pelo empreiteiro, nas hipóteses de não ter havido pagamento, pelo comitente, ao empreiteiro. Não deve esquecer-se ter o subempreiteiro direito de retenção sobre a coisa e poder exercê-lo mesmo contra o dono da obra, até ser pago pelo seu trabalho e despesas”.

A nível jurisprudencial, igualmente, se nota a assinalada divergência doutrinária.

Embora sendo escassa a quantidade de decisões do STJ e dos Tribunais das Relações, acerca desta problemática, constantes da base de dados do Itij, no Acórdão do STJ, de 26/1/1999, ali sumariado, relatado por Pinto Monteiro, admitiu-se a questionada acção directa  “por motivos de justiça imaterial e para evitar o conluio deste com o empreiteiro em detrimento daquela” e em Acórdão da Relação do Porto, de 03/12/2001, relatado por Cunha Barbosa, de que, igualmente, apenas consta o sumário, admitiu-se a aludida acção directa, no caso de ocorrer o vencimento das prestações do empreiteiro e do subempreiteiro e o incumprimento dos devedores.

Diversamente, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/12/2003, Processo n.º 9602/2003-7, relatado por Abrantes Geraldes, decidiu-se que os direitos do subempreiteiro decorrentes da execução do contrato de subempreitada apenas podem ser exercidos contra o empreiteiro e não contra o dono da obra, dando a primazia ao princípio da relatividade dos contratos, plasmada no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil e a regra constante do seu artigo 770.º segundo a qual a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação.

Resulta do exposto que, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, ora citado, numa das teses, a acção directa do subempreiteiro para com o dono da obra deve ser recusada, fora dos casos especialmente previstos, tendo em conta o princípio da relatividade dos contratos; outra que a admite em situações como a emergente da subempreitada, dada a íntima conexão entre a empreitada e a subempreitada, pelos fundamentos já acima expostos, na esteira do que defende Romano Martinez e uma última que apenas a admite em casos excepcionais, designadamente quanto a trabalhos realizados por operários por conta própria; se o dono da obra pediu, directamente ao subempreiteiro a realização de obras de alteração realizadas e não reclamadas pelo empreiteiro, residindo, aqui a tónica, na verificação de requisitos que justifiquem o afastamento do princípio da relatividade dos contratos e das relações obrigacionais.

Este princípio decorre do disposto no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, de acordo com o qual:

“Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”.

Assim, salva qualquer situação em que a lei consagre a eficácia dos contratos relativamente a terceiros, este apenas vincula as partes contratantes. Para além disto, só motivos relevantes poderão estender a eficácia de um contrato relativamente a um terceiro, nele não interveniente.

Ora, no caso da subempreitada, como vimos, não resulta, como regra, qualquer relação contratual entre o dono da obra e o subempreiteiro, continuando aquele contratualmente ligado ao empreiteiro e vice-versa.

Pelo que só a demonstração de qualquer factor/circunstância relevante, poderá afastar a regra da relatividade dos contratos, designadamente, os acima referidos.

Ora, in casu nada foi alegado que possa corporizar qualquer uma das apontadas excepções para que assim se possa concluir. Nada aponta para uma debilidade económica da autora, nem para a existência de um desequilíbrio do contrato, nem que exista qualquer especial ligação entre qualquer das ora partes, pelo que terá de se acatar a regra ínsita no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil.

Por outro lado, inexiste no nosso ordenamento jurídico, para as obras particulares, uma norma como a do artigo 321.º-A, do DL 18/2008, de 19/1, que regula juridicamente o regime das empreitadas de obras públicas, em que se confere ao subcontrante o direito de ser pago directamente pelo dono da obra, em caso de incumprimento do pagamento do preço por parte do contratante, o que mais reforça a conclusão de que, nas obras particulares, o legislador, salvo casos excepcionais – reitera-se, aqui não demonstrados – não permite o recurso à aqui pretendida acção directa.

Sem esquecer que, ainda assim, o subempreiteiro não fica completamente desprotegido, uma vez que goza do direito de retenção, cf. disposto o artigo 754.º, do Código Civil, mesmo contra o dono da obra.

Por último, uma outra ordem de razões, afasta a admissibilidade, como regra, da acção directa do subempreiteiro para com o dono da obra, tal como a de impedir e/ou dificultar a posição do dono da obra para com o empreiteiro, no caso da existência de fundamentos para a resolução do contrato ou de cumprimento defeituoso do próprio empreiteiro.

Efectivamente, pago o preço, já de nada adiantaria ao dono da obra o exercício de tais direitos.

Last but not least, ainda, porque, como referido por Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, ob. e loc. cit., o dono da obra é absolutamente estranho à fixação do preço contratado para a realização dos trabalhos realizados ao abrigo do contrato de subempreitada, no qual não teve qualquer interferência, do que resulta poder ser obrigado a pagar um preço desfasado da realidade, desconforme ao volume/valor dos trabalhos subempreitados e ao valor (global) inicialmente contratado.

Por tudo isto, entendemos ser de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, também, no que a esta questão respeita tem de improceder o presente recurso.

C. A assim não ser, se sempre a mesma seria responsável pelo pagamento da quantia reclamada, com base no enriquecimento sem causa.

No que a esta questão concerne, defende a recorrente que sempre a 2.ª ré deveria ser solidariamente condenada, com base no enriquecimento sem causa, porque beneficiou dos trabalhos por aquela realizados.

Para além de tudo o que já foi dito, designadamente no que se refere ao direito de retenção de que goza a autora, nada mais há a acrescentar.

Trata-se de matéria que só foi incluída nos autos nas alegações do presente recurso, pelo que se trata de matéria nova que a este Tribunal não incumbe (nem pode, por não se tratar de matéria de conhecimento oficioso) conhecer.

O nosso sistema de recursos está baseado na reapreciação das matérias (de facto e de direito) já analisadas na decisão em recurso, não admitindo o conhecimento de matérias novas aos autos (com a assinalada ressalva de se tratar de matéria de conhecimento oficioso, o que não é o caso). Constituindo o recurso como que um “remédio jurídico” relativamente a matérias já apreciadas na decisão recorrida.

Consequentemente, não se pode aqui conhecer de tal questão.

Assim, igualmente, improcede esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

            Coimbra, 14 de Março de 2023.