Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
589/09.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
RENÚNCIA
DESNECESSIDADE
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1217, 1287, 1296, 1543, 1547, 1549, 1569 CC, DL Nº 116/2008 DE 4/7
Sumário: 1- O Dec-Lei n.º 116/2008, de 4/7 (SIMPLEX) veio fazer depender a validade do acto de renúncia da servidão, entre outros, da sua celebração por escritura pública ou da sua celebração por documento particular autenticado, dando assim uma clara indicação no sentido do afastamento da admissibilidade da renúncia tácita da servidão.

2 - A declaração de desnecessidade da servidão tem de ser requerida e os elementos necessários à avaliação da desnecessidade têm de ser alegados pelo requerente da extinção.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I
MS (…) e marido AS (…) residentes (…) Vale da Torre e MC (…)  residente em (…) França,  instauraram a presente ação com processo sumário contra MP (…) e JL (…), residentes (…) Amadora, pedindo que: 
a) Se declare que as AA. são donas e legítimas possuidoras de cada uma das parcelas que identificam e, os RR. condenados a reconhecerem tal direito;
b) Seja declarado que a parcela de terreno pertença da Ré se encontra onerada com uma servidão de passagem a pé e de carro, a favor das parcelas dos Autores, com as características que enunciam na petição inicial;
c) Sejam os RR. condenados a restituir às AA. a posse de tal faixa de terreno – servidão – por forma a possibilitar a passagem pela mesma, a pé e de carro com as características descritas na p.i., devendo para o efeito serem obrigados à sua custa a retirar as pedras e não estacionarem veículos automóveis;
d) Condenarem-se os Réus a absterem-se de praticar atos que perturbem a posse e o uso de tal servidão de passagem;
e) Declarar-se que a parcela de terreno pertença da Ré se encontra onerada com uma servidão legal de aqueduto com as características assinaladas na petição inicial e a favor da parcela 3 da A. Maria da Conceição.
f) Condenarem-se os Réus a absterem-se de praticar atos que perturbem a posse e uso de tal servidão de aqueduto, suportando a passagem e colocação de canos e tubos idóneos ao transporte da água para o aproveitamento das agriculturas das AA. nas suas parcelas.
Para tanto, alegam em síntese que, as autoras são irmãs da Ré MP (…) e que são donas e legítimas possuidores de 3/16, 3/8 e 3/16 de um prédio rústico sito na Sangrinha, freguesia de Lardosa, concelho de Castelo Branco.
Tal prédio foi adquirido, em comum, na proporção de ¾ pelo pai das mesmas por sucessão por morte dos seus pais, DV (...) e AJ (...), sendo que o restante ¼ era pertença de MDV (...), residente que foi em Vale da Torre.
Sucede que os referidos ¾ foram também adquiridos, em comum, pelas Autoras e pela Ré e pelo irmão destas, J (…), por sua mãe M (…), por sucessão por morte do pai e marido, A (…).
Já depois da morte deste, mas ainda em vida da sua mãe, que veio a falecer há 24 anos, procederam à partilha e consequente divisão material dos ¾ de tal prédio, na proporção de ¼ para cada uma deles ((…)), o que fizeram mediante a colocação de marcos, construção de paredes em pedra solta e com aproveitamento de cômoros naturais.
Em razão das operadas divisões, há mais de 25 anos que as Autoras, a Ré e o irmão destas, possuem cada um a sua parcela de terreno, como prédios distintos uns dos outros, à vista de toda a gente, deles tirando todo o proveito e rendimento, designadamente colhendo a azeitona, amanhando e semeando a terra, semeando batatas, ocupando os edifícios, de forma pacífica, contínua e de boa-fé, sem oposição de quem quer que seja, considerando, assim, as referidas parcelas adquiridas por usucapião.
Acontece que, entretanto, J (…) vendeu a sua parcela à irmã MC (…).
Para servir os ¾ de tal prédio, foi construído pelos pais das Autoras e da Ré, um caminho que atravessa o mesmo, tendo início na estrada, fletindo no sentido noroeste e com cerca de 3 metros de largura.
É, e era, por essa faixa de terreno que as Autoras, a Ré, seus pais e irmão transitavam, há mais de 60 anos, ininterruptamente, fazendo passagem a pé e de carro de burro, fazendo o transporte de estrume, azeitona, ferramentas agrícolas, primeiramente com animais e mais tarde com trator agrícola e veículos automóveis.
À vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja,
Ora, nenhuma das parcelas, cujas confrontações descreve na p.i., tem acesso à estrada nacional, que lhes fica a sul, ou a qualquer caminho público, razão pela qual os pais das AA. e R., tiveram de construir o caminho supra referido.
Servidão, essa, que tem início junto à EN, atravessando primeiramente um prédio de terceiro, depois a parcela 1 (pertença da MC (…), por a haver adquirido a seu irmão), desenvolvendo-se junto à sua estrema poente e norte, atravessando depois a parcela 2 (pertencente à Ré) a cerca de 5 m da sua estrema norte e a parcela 3 (pertencente igualmente à A. MC (…)), passando em frente da construção rural e terminando na parcela 4 (pertencente à A. MS (…)).
O Réu JL (…) é filho da Ré e, por conseguinte, sobrinho das Autoras.
Os Réus com intenção de privar os Autores de fazer uso daquela servidão colocaram, há cerca de 10 meses, pedras no seu leito e na parcela de terreno que lhes ficou a pertencer, estacionando ainda veículos automóveis de forma a impedir a passagem pela mesma.
Desde então que os Autores deixaram de fazer passagem e trânsito por tal servidão.
Além disso, na parcela que a Autora MC (…) adquiriu ao irmão, existe um poço que represa águas que ali nascem e que desde sempre os seus pais se aproveitaram delas, para regar os ¾ do referido prédio, transportando-a através de canos e tubos, ao longo da servidão de passagem, à beira do seu leito e junto da construção rural, por detrás desta.
Os pais das Autoras e da Ré adquiriram a água e a servidão de a encanar através de tubos nos mesmos modos de aquisição que as parcelas de terreno, considerando-os, assim, também adquiridos por usucapião.
Acontece, porém, que os Réus obrigaram as Autoras a retirar os canos com a ameaça de, não o fazendo, os cortarem.
A Autora MC (…) necessita de transportar tal água da parcela onde nasce para a parcela 3, também sua pertença, que é de sequeiro,  atravessando, como sempre sucedeu, desde há mais de 60 anos, como já faziam os seus pais, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou constrangimento, sabendo que não causavam prejuízo.
A Autora MS (…)e marido também dela se aproveitavam, por empréstimo da irmã, para regar a parcela 4 que lhes pertence.
Estão as Autoras privadas do uso de tal água, para rega das suas parcelas, por a não poderem transportar através da parcela da Ré, não tendo outro lugar por onde o fazer.

Contestando, alegou a Ré MP (…), em síntese, que as partilhas apenas foram realizadas após a morte da mãe, há cerca de 22 anos.
Tais partilhas tiveram como mediador e avaliador (…) e foram concretizadas mediante o acordo de todos os herdeiros.
Refere que a si coube-lhe o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 1236, sito na Sangrinha, Vale da Torre, freguesia de Lardosa, concelho de Castelo Branco, com a área de 2491m2, onde existe uma habitação com dois pisos, cinco divisões, área de implantação de 45m2 e bruta de 90m2, e mais o caminho privado aqui em discussão.
Há 22 anos que habita a referida casa. O prédio que coube em partilhas à Ré encontra-se encravado. Para acesso a esse prédio os pais das AA e R. fizeram esse caminho.
Porém, o mesmo foi realizado somente para acesso à habitação.
Além desse acesso, existia e existe um caminho público, por onde pais e avós das Autoras e Ré faziam acesso ao prédio, semeando e amanhando a terra.
Caminho público esse que se situa no Lugar do Vale da Torre, tendo início no mesmo lugar, com orientação de SE a NO, virando ligeiramente a SO, virando novamente para NW, por fim tem duas ramificações.
O referido caminho público passa pelas estremas a poente (…) e Autora MS (…) pelo que o prédio desta não está encravado.
Só em 1981, os pais das Autoras e da Ré construíram uma habitação tendo passado aí a residir.
Habitação essa que agora pertence à Ré e para o qual foi constituído o referido caminho privado.
O caminho a que as Autoras se referem é o público, esse sim, usado para o transporte de azeitona, estrumes, ferramentas agrícolas.
O caminho privado é usado pela Autora MC (…) sem que a Ré se oponha, pois foi o acordado em partilhas, mas já se opõe a que a Autora MS (…) passe pelo caminho.
Ficou acordado que o caminho privado serviria os prédios da Ré e J (…) prédio vendido a MC (…), pois estes não tinham acesso a caminho público.
Foi também acordado que a Autora MC (…) para aceder ao seu prédio o faria por um caminho existente na parcela da Autora MS (…)
Porém, a Autora destruiu parcialmente o caminho existente, lavrando-o e semeando-o.
Já no que concerne aos poços refere que os pais tinham 3 poços dispersos, retirando a água conforme precisavam, usando picota para regar, poços esses que são pertença das Autoras.
A Autora Madalena tem um poço no seu prédio.
A Autora Conceição tem dois poços, situados um em cada um dos seus prédios.
Pelo que os tubos e canos foram um expediente da Autora para continuar a incomodar a Ré e se assim fosse também a Ré teria direito a água, o que não aconteceu, nem ficou acordado em partilhas.
A Ré não tem água no seu prédio, para a ter teve de recorrer ao abastecimento público.
O que de facto ficou acordado nas partilhas foi que J (…) e a Ré MP (…) ficavam com o caminho privado.
A Autora MS (…) e MC (…) iriam servir-se do caminho público.
Também ficou combinado que cada herdeiro usava a água que tinha nas suas terras.
A final pede que a ação seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Também o Réu JL (…) contestou.
Alega, em síntese, a sua ilegitimidade, por não ser proprietário de qualquer parcela em causa na ação.
Os Autores responderam, pugnando pelo indeferimento da ilegitimidade e rejeitando a natureza pública do caminho indicado pela Ré.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do Réu.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com inspeção ao local, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e, consequentemente, declarou que os Autores são donos e legítimos possuidores das seguintes parcelas de terreno: [Parcela I – com as seguintes confrontações: norte: António José Domingos Eusébio, sul: Manuel Fernandes e Maria Patrocínio, nascente: R. MP (…), poente: António José Domingos Eusébio – parcela pertencente à A. MC (…); Parcela III - com as seguintes confrontações: noroeste com a autora MS (…), a sul com herdeiros de José Rodrigues, a nascente com herdeiros de José Rodrigues e a poente com MP (…) – parcela pertencente à A. Maria da Conceição; Parcela IV - com as seguintes confrontações: noroeste com Vicente Vitorino, a sul com Maria da Conceição, a nascente com herdeiros de José Rodrigues e a poente com a ré Maria Patrocínio – parcela pertencente à A. MS (…)]. Mais se declarou que em benefício dos prédios identificados como parcelas III e IV e a onerar o prédio da Ré identificado como parcela II (do facto dado como provado em 10), está constituída, por usucapião, um direito de servidão de passagem a pé e/ou de carro. Finalmente condenaram-se os Réus a reconhecerem tais direitos e a absterem-se de praticar quaisquer atos suscetíveis de impedir, estorvar ou dificultar o uso do referido caminho. Declarou-se, ainda, que em benefício do prédio da Autora MC (…) (parcela III) e a onerar o referido prédio da ré (parcela II) está constituída, por usucapião, um direito de servidão de aqueduto nos termos descritos de 47) a 54) dos factos provados. Condenaram-se, por isso, os Réus a reconhecerem tais direitos e a absterem-se de praticar quaisquer atos suscetíveis de perturbar, impedir, estorvar ou dificultar o uso de tal servidão.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
i. Consta da matéria provada que houve um acordo de partilhas.
ii. As respostas à matéria de facto permitem inferir que as ora apelantes (leia-se “apeladas”) renunciaram do direito de passagem (art.º 1569.º n.º 1 al.d).
iii. Se antes da partilha existia uma indivisibilidade dos direitos e da posse, a partilha tem natureza “MODIFICATIVA” pois altera situações jurídicas preexistentes (Oliveira Ascensão, Sucessões, n.º 365.367
iv. As Apeladas não podiam estar a exercer um direito, pois não viviam no local a que esse direito se refere.
v. As respostas à matéria de facto permitem inferir que as apelantes viviam, uma no Norte, outra em França.
vi. Assim, não reunindo os pressupostos no art.º 1217.º do Código Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”.
vii. As Apeladas têm água a Madalena tem um poço e uma presa e que a autora Maria da Conceição, na parcela 1, tem um poço, logo não têm necessidade de tal servidão.
viii. As Apeladas renunciaram à servidão art.º 1569º n.1 alínea b).
A final requer, seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente absolvendo a R., assim como revogar a decisão da matéria de facto.

Contra-alegaram as Autoras pugnando pela manutenção do decidido.

                                                            II
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal recorrido:
1. As AA. MS (…) e MC (…) são irmãs da R. MP (…) – al.A) dos factos assentes.
2. O pai das AA. e da R., A (…), casado com M (…), residente que foi em Vale da Torre, adquiriu, por sucessão, por morte de seus pais, (…), ¾ do seguinte prédio rústico: sito à Sangrinha, freguesia de Lardosa, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 37 da Secção C da dita freguesia, concelho de Castelo Branco, a confrontar de norte com Vicente Vitorino Domingues, cabeça-de-casal da herança de, Lourenço Jerónimo de Oliveira e outros, de sul com Luís dos Santos Figueiredo, Manuel Fernandes e outros, de nascente Domingos Figueiredo Justino, Luís José Simão Sanches e outros e de poente com António José Domingos Eusébio e outros, composto de construção rural com a área de 0,008100 ha, figueiras, olival, cultura arvense em olival, horta, habitação com a área de 0,005300 ha e oliveiras, com a área total de 1,57500 há – al. B) dos factos assentes.
3. O restante ¼ era pertença de (…), viúvo, residente que foi em Vale da Torre – al. C) dos factos assentes.
4. J (…) vendeu ¼ dos ¾ supra mencionados à sua irmã MC (…) –  al. D) dos factos assentes.
5. O R. JL (…) é filho da R. MP (…) –al. E) dos factos assentes.
6. Os 3/4 do prédio referido em 1) foram adquiridos, em comum, pelas AA. MS (…) e MC (…), pela R. MP (…) e pelo irmão destas, J (…), por sua mãe M (…), por sucessão por morte do pai e marido, respetivamente, o referido A (…) – resposta ao quesito1º.
7. AA e RR procederam à partilha e consequente divisão material dos ¾ de tal prédio – resposta ao quesito 2º.
8. Depois da morte do pai das AA. e da R., e do irmão destas, mas ainda em vida da sua mãe – resposta ao quesito n.º3.
9. Na proporção de 1/4 para cada um deles (MS (…), MC (…), MP (…) e J (…) ,– resposta ao quesito sob n.º4.
10. Formando, após o facto referido em D), as seguintes parcelas:
Parcela I - ficou a pertencer à A. MC (..), adquirida ao irmão, J (…) – com as seguintes confrontações: norte: António José Domingos Eusébio, sul: Manuel Fernandes e Maria Patrocínio, nascente: R. MP (…), poente: António José Domingos Eusébio.
Parcela II - ficou a pertencer à R. MP (…), com as seguintes confrontações: a noroeste com herdeiros de Vicente Vitorino, sul: Manuel Fernandes e Maria da Conceição, nascente: A. MS (…)e MC (…), poente: A. MC (…).
Parcela III - ficou a pertencer à A. MC (…), com as seguintes confrontações: noroeste com a autora MM (...), a sul com herdeiros de José Rodrigues, a nascente com herdeiros de José Rodrigues e a poente com Maria Patrocínio.
Parcela IV - ficou a pertencer à A. MS (…), com as seguintes confrontações: noroeste com Vicente Vitorino, a sul com Maria da Conceição, a nascente com herdeiros de José Rodrigues e a poente com a ré MP (…).
11. A partilha referida no ponto anterior foi efetuada em dia não concretamente apurado compreendido entre o dia 4 de Janeiro de 1980 e o dia 14 de Janeiro de 1985 – resposta ao quesito n.º6.
12. Com a colocação de marcos, construção de paredes em pedra solta e com o aproveitamento de cômoros naturais – resposta ao quesito n.º7.
13. A partir da divisão as AA., a R. e o irmão destas, J (…) possuem cada um deles, a respetiva parcela, daí tirando todo o proveito e rendimento, designadamente, colhendo a azeitona, amanhando e semeando a terra, com batatas e ocupando os edifícios – resposta ao quesito sob n.º8.
14. Como prédios distintos uns dos outros – resposta ao quesito n.º 9.
15. À vista de toda a gente e de todos os possíveis interessados – resposta ao quesito n.º10.
16. De forma pacífica – resposta ao quesito n.º11.
17. Contínua – resposta ao quesito n.º12.
18. De boa-fé – resposta ao quesito n.º13.
19. Sem oposição de quem quer que seja – resposta ao quesito n.º14.
20. Para servir os 3/4 do prédio mencionado em 1) (quesito 1º) foi construído um caminho – resposta ao quesito n.º15.
21. Pelos pais dos AA e da Ré– resposta ao quesito n.º16.
22. Tendo início na estrada nacional, fletindo no sentido nordeste – resposta ao quesito n.º17.
23. Atravessa a parcela n.º1 – resposta ao quesito n.º19.
24. Desenvolvendo-se de nascente para poente – resposta ao quesito n.º20.
25. Atravessando depois a parcela n.º2 – resposta ao quesito n.º21.
26. Enquanto o pai das Autoras e da Ré foi vivo a passagem também dava acesso à parcela III e IV, e que na sequência das partilhas, o utilizador da parcela III, fosse a MC (…) sua proprietária, fosse a Madalena enquanto dona da parcela IV e usuária da parcela III que depois a explorou, também fez uso dessa parcela, até que, há cerca de 3 anos o Réu se opôs a essa utilização – resposta ao quesitos n.ºs 23.º e 24.º- B.
27. Passando em frente da construção rural – resposta ao quesito n.º24.º-A.
28. A passagem percorre 65 metros na parcela I da MC (…); mais 57,80 metros na parcela da Ré até atingir a parcela III da MC (…); mais 40,50 metros até atingir a parcela IV da MS (…) – resposta ao quesito n.º25.
29. E com cerca de 3,30 m de largura – resposta ao quesito n.º26.
30. Essa faixa tem o aspeto que se pode ver das fotografias 1, 2, 6, 8, 9 e 10 da ata da inspeção judicial a fls. 190 – resposta ao quesito n.º27.
31. E era por essa faixa que os pais das AA. e Ré transitavam para os ¾ do prédio referido em [quesito] 1) – resposta ao quesito n.º28.
32. Ininterruptamente – resposta ao quesito n.º30.
33. Os pais das Autoras e da Ré já passavam por aquele acesso há pelo menos 60 anos, quando aquilo ainda era uma vereda, e desde há 40 anos até às suas mortes, com a configuração que agora tem – resposta ao quesito n.º31.
34. Fazendo passagem a pé e de carro de burro – resposta ao quesito n.º32.
35. E ainda o transporte da azeitona, dos estrumes, de ferramentas agrícolas, primeiramente com animais, depois com trator agrícola e veículos automóveis e de todo o movimento referente à lida e amanho da terra – resposta ao quesito n.º33.
36. À vista de toda a gente – resposta ao quesito n.º34.
37. Sem oposição de quem quer que seja – resposta ao quesito n.º35.
38. Com exceção da parcela I, da MC (…), nenhuma das demais tem acesso à estrada nacional que passa a sul nem diretamente para um caminho público – resposta ao quesito n.º36.
39. É possível aceder a vias públicas a partir de parcelas passando pela passagem que dá acesso à EN a sul e aceder ao caminho da Sangrinha passando pela passagem pertencente a outros proprietários fotografada nas fotografias de fls. 16, 20, 21, 22, 23 e 24 da ata da inspeção judicial – resposta ao quesito n.º37.
40. Os RR. colocaram pedras no leito deste caminho e na parcela de terreno que lhes ficou a pertencer – resposta ao quesito n.º38.
41. O que ocorreu em data não concretamente apurada mas desde há 3 anos a esta parte – resposta ao quesito n.º39.
42. Ainda aí estacionando veículos automóveis – resposta ao quesito n.º40.
43. Impedindo a passagem pela mesma – resposta ao quesito n.º41.
44. O R. Joaquim, cada vez que os AA. ali querem passar, opõe-se – resposta ao quesito n.º42.
45. A R. consente e conforma-se com a conduta do seu filho – resposta ao quesito n.º43.
46. Desde os factos referidos em 33. e seguintes que os AA., deixaram de poder fazer passagem e trânsito para tal caminho – resposta ao quesito n.º44.
47. A Autora MS (…)tem um poço, correspondente à fotografia 16 da ata de inspeção judicial e uma presa no seu prédio e a Autora MC (…), na parcela 1 tem um poço fotografado nas fotografias 3 e 5 da ata da inspeção judicial – resposta aos quesitos  45, 90 e 91.
48. Desde há cerca de 60 anos que o pai das Autoras e da Ré se aproveitou delas para regar, e que as Autoras MC (…) e MS (…)também o fizeram até à oposição do réu desde há cerca de 3 anos – resposta ao quesito sob n.º46 e 53.
49. Transportando-a através de canos e tubos, ao longo do caminho supra referido, à beira do seu leito e, junto da construção rural, por detrás desta – resposta ao quesito sob n.º47.
50. À vista de toda a gente e de todos os possíveis interessados – resposta ao quesito sob n.º48.
51. De forma pacífica – resposta ao quesito sob n.º49.
52. Contínua – resposta ao quesito sob n.º50.
53. E de boa-fé – resposta ao quesito sob n.º51.
54. Sem oposição de quem quer que seja – resposta ao quesito sob n.º52.
55. Os RR. obrigaram as AA. a retirar os canos, com a ameaça de não o fazendo, os cortarem – resposta ao quesito sob n.º55.
56. A A., MC (…), necessita de transportar tal água da parcela onde nasce para a outra parcela – a atual III, que é de sequeiro – resposta ao quesito sob n.º56.
57. Atravessando a atual parcela II, da R. – resposta ao quesito sob n.º57.
58. Como já faziam os seus pais – resposta ao quesito sob n.º58.
59. A A. MS (…) e marido, também dela se aproveitavam, por empréstimo da sua irmã, para regar a parcela IV – resposta ao quesito sob n.º59.
60. Desde os factos referidos em 55 estão as AA. privadas do uso de tal água, para rega da suas parcelas – resposta ao quesito sob n.º60.
61. Não a podendo transportar através da atual parcela II, da R. – resposta ao quesito sob n.º62.
62. Não tendo qualquer outro lugar por onde o fazer – resposta ao quesito sob n.º63.
63. Nas partilhas, por morte dos pais, à R. coube o prédio urbano, com uma área total 2491, 26m2, onde existe uma habitação com dois pisos, cinco divisões, área de implantação de 45,00m2 e bruta de 90,00m2, no sítio do Sangrinha, Vale da Torre, freguesia de Lardosa, concelho de Castelo Branco, confrontando de norte - Joaquim Eusébio e Vicente Domingos, sul - Manuel Fernando e Passagem Privada, nascente - José Rodrigues e Conceição Pires e poente – Joaquim Eusébio, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1236 – resposta ao quesito n.º64.
64. Foram os pais das AA. e da R. que construíram a passagem tal como ela é hoje e a que se alude em 39) – resposta ao quesito sob n.º68.
65. Que se situa no lugar do Vale da Torre, tendo início no mesmo lugar, com orientação de SE a NO, virando ligeiramente a SO, virando novamente para NW por fim tem duas ramificações, uma que tem orientação de Norte a Sul outra de Nascente a Poente – resposta ao quesito sob n.º71.
66. A ramificação de Nascente a Poente segue para o Monte das areias – resposta ao quesito n.º72.
67. A ramificação de Norte a Sul, acaba numa parcela de José Rodrigues – resposta ao quesito sob n.º73.
68. A passagem a partir da estrada nacional é usada pela MC (…) sem oposição dos Réus – resposta ao quesito sob n.º78.
69. Desde há 3 anos a esta parte que o Réu se opõe a que a Autora MS (…) passe pela passagem junto à sua casa – resposta aos quesitos sob n.ºs 80 e 81.
70. A Autora MS (…) tem acesso à sua parcela pelo caminho público e pela passagem referidos na parte final do facto a indicado a 39) – resposta ao quesito sob n.º84.
71. Ficou acordado nas partilhas, por morte dos pais de AA e R, que o caminho privado serviria os prédios de (…), prédio vendido, a MC (…) – resposta ao quesito sob n.º85.
72. Pois estes não tinham acesso a caminho público – resposta ao quesito sob n.º86.
73. Assim como, foi acordado que A. MC (…) para aceder ao seu prédio faria o seu acesso por um caminho existente no prédio pertença da A. MS (…) – resposta ao quesito sob n.º87.
74. Mas, a A. MS (…) destruiu parcialmente o caminho existente, lavrando-o e semeando-o – resposta ao quesito sob n.º88.
75. Os pais das AA. e Ré tinham três poços dispersos, retirando a água conforme precisavam, conforme a proximidade, usando picota para regar, nos termos constantes em 47), 48) e 49) – resposta ao quesito sob n.º89.

                                                            III
Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 684º nº 3 do CPC/art. 635 nº 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 660º nº 2 /art.608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:
I - Da (in)existência de pressupostos da usucapião
II - Da renúncia ao direito de passagem
III - Da desnecessidade da servidão de passagem
Cumpre referir que o julgamento a efetuar nesta instância é apenas de direito, uma vez que não ocorre impugnação da matéria de facto.

I - Da (in)existência de pressupostos da usucapião
As servidões prediais, tal como definidas no artº 1543º C.Civ., pressupõem um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a um dono diferente.
Tal relação entre prédios pressupõe, todavia, quando nos ocupamos das servidões voluntárias, por contraposição às servidões legais, uma atividade humana constituinte de tal relação.
Daí que as servidões prediais possam ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família – artº 1547º nº1 C.Civ.
Pretende a apelante Ré que não estão reunidos os pressupostos no art. 1217º do C.Civ. para a aquisição por usucapião – declarada na sentença - das servidões que as AA. reclamam.
Na apreciação desta questão importa ter presente a seguinte factualidade:
Para servir os referidos 3/4 do prédio supra mencionado em 1) foi construído pelos pais dos AA e da R um caminho, com início na estrada nacional, fletindo no sentido nordeste e que atravessa a parcela I (da A. MC (…) adquirida ao irmão J (…)) e se desenvolve de nascente para poente, atravessando depois a parcela II (da R. MP (…)) .
Enquanto o pai das Autoras e da Ré foi vivo a passagem também dava acesso à parcela III (atualmente da A. MC (…)) e IV (da Autora MS (…)), e na sequência das partilhas, o utilizador da parcela III, fosse a MC (…), sua proprietária, fosse a MS (…) enquanto dona da parcela IV e usuária da parcela III que depois a explorou, também fez uso dessa parcela, até que há cerca de 3 anos o Réu se opôs a essa utilização.
 Acresce que o referido caminho passa à frente da construção rural e percorre 65 metros na parcela I da MC (…); mais 57,80 metros na parcela II da Ré até atingir a parcela III da MC (…); mais 40,50 metros até atingir a parcela IV da MS (…).
Tem cerca de 3,30 m de largura.
Provou-se ainda que era por essa faixa que os pais das AA. e Ré transitavam para os ¾ do prédio referido em 1), ininterruptamente, o que sucedia há pelo menos 60 anos, quando aquilo ainda era uma vereda, e desde há 40 anos até às suas mortes, com a configuração que agora tem, fazendo passagem a pé e de carro de burro e ainda, o transporte da azeitona, dos estrumes, de ferramentas agrícolas, primeiramente com animais, depois com trator agrícola e veículos automóveis e de todo o movimento referente à lida e amanho da terra, tudo à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
Resulta ainda dos factos provados que, com exceção da parcela I, da MC (…) outrora do irmão J (…), nenhuma das demais parcelas tem acesso à estrada nacional que passa a sul nem diretamente para um caminho público.
Assim, há que concluir, os Autores, por si e seus antecessores, vêm exercendo os atos de circulação pelo trajeto do prédio da Ré (identificado por parcela II) , com o animus de titular do direito de servidão de passagem correspondente.
Da matéria de facto provada resulta ainda que a posse dos Autores é pública (art.1262° do C.Civ.), pois que foi exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
Trata-se também de uma posse pacífica (art. 1261° do C.Civ.), uma vez que foi adquirida sem violência.
Verificado se mostra igualmente o prazo necessário à aquisição do direito de servidão de passagem por parte Autores, uma vez que há pelo menos 40 anos que vêm exercendo tal passagem nos moldes enunciados.
Sendo, pois, a sua posse (bem como a dos antecessores) pública, pacífica e de boa-fé,  no que respeita à passagem sobre o prédio da Ré (parcela II), adquirido está, por usucapião, o direito de servidão da passagem correspondente, em benefício dos seus prédios/parcelas III e IV, nos termos das disposições concertadas dos artigos 1260.º, n.º1, 1261.º, n.º1, 1262.º, 1287.º e 1296.º, todos do C.Civ.
Atento o disposto no art.1293 alª a) e art.1548º, nºs 1 e 2 do C.Civ., só as servidões aparentes podem ser constituídas por usucapião.
Como bem referiu a decisão recorrida, só é legalmente possível constituir servidões por usucapião desde que as mesmas se revelem por sinais visíveis, reveladores do seu exercício (destinados a garantir a não clandestinidade) e permanentes (por forma a revelarem inequivocamente a posse da servidão) e ainda que esses sinais sejam inequívocos no sentido de patentearem a existência da servidão (tanto para o dono do prédio dominante como para o dono do prédio serviente).
Ora, ficou provado que o caminho se revela por um percurso com 65 metros na parcela I da MC (…), 57,80 metros na parcela da Ré (até atingir a parcela III da MC (…)), 40,50 metros até atingir a parcela IV da MS (…), tem cerca de 3,30 m de largura e tem o aspeto que se pode ver das fotografias 1, 2, 6, 8, 9 e 10 da ata da inspeção judicial a fls. 190 – resposta ao quesito sob n.º27 da base instrutória.
Dúvidas não há que, face a estes elementos, existem sinais visíveis e permanentes reveladores da servidão de passagem exercida pelos Autores.
Além disso, lograram os Autores provar que, há pelo menos 40 anos, exercem a referida passagem por aquele local, pelo que nos termos do art. 1296 do C.Civ. adquiriram tal servidão por usucapião.
Atentos os factos dados como provados, verifica-se que o acesso, desde a via pública até aos prédios dos Autores (parcelas III e IV), era feito pela aludida faixa de terreno, fazendo-o, ininterruptamente a pé e de carro de burro e ainda para o transporte da azeitona, dos estrumes, de ferramentas agrícolas, primeiramente com animais, depois com trator agrícola e veículos automóveis e de todo o movimento referente à lida e amanho da terra,
Desse modo, os prédios dos Autores no respeitante às parcelas III e IV beneficiam do direito de servidão de passagem imposta ao prédio da Ré (parcela II), com o conteúdo definido pelos atos possessórios exercidos pelos Autores e seus antecessores, nos termos ora expostos.
Sucede ainda que, quando as AA. e R. adquiriram as parcelas em partilhas já a servidão de passagem estava constituída por destinação de pai de família (art. 1549 do C. Civ.).
Ora, nos termos deste artigo, constitui-se servidão por destinação do pai de família quando “em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais, visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro”; e “serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios ou as duas frações do mesmo prédio vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”.
Resulta dos factos provados que enquanto o pai das Autoras e da Ré foi vivo a passagem também dava acesso àquelas que hoje identificamos como parcelas III e IV e na sequência das partilhas, o utilizador da parcela III, fosse a MC (…) sua proprietária, fosse a MS (…) enquanto dona da parcela IV e usuária da parcela III que depois a explorou, também fez uso dessa parcela, pelo que, independentemente da constituição da servidão por usucapião, sempre estaríamos perante esta outra causa de constituição da servidão.
Relativamente à reclamada servidão de aqueduto:
Resulta da factualidade provada que a Autora MS (…) na parcela IV, tem um poço (correspondente à fotografia 16 da ata de inspeção judicial) e uma presa no seu prédio e a Autora MC (…), na parcela I, tem um poço (fotografado nas fotografias 3 e 5 da ata da inspeção judicial) e que, desde há cerca de 60 anos que o pai das Autoras e da Ré se aproveitou deles para regar, e que as Autoras MC (…) e MS (…) também o fizeram até à oposição do Réu desde há cerca de 3 anos.
Por outro lado, mais resulta que, transportavam a água dos referidos poços através de canos e tubos, ao longo do caminho supra referido, à beira do seu leito e, junto da construção rural, por detrás desta, à vista de toda a gente e de todos os possíveis interessados, de forma pacífica, contínua, sem oposição de quem quer que seja.
Até que os RR. obrigaram as AA. a retirar os canos, com a ameaça de não o fazendo, os cortarem.
Acresce que a A., MC (…), necessita de transportar tal água da parcela onde nasce para a outra parcela – a parcela III, que é de sequeiro, atravessando a atual parcela II, da R., como já faziam os seus pais.
Também a A. MS (…) e marido, dela se aproveitavam, por empréstimo da sua irmã, para regar a parcela IV.
Desde a referida ameaça que as AA. estão privadas do uso de tal água, para rega da suas parcelas, não a podendo transportar através da atual parcela II, da Ré e, não tendo qualquer outro lugar por onde o fazer.
Face ao que antecede, cumpre concluir que os Autores, por si e seus antecessores, vêm exercendo os referidos atos (corpus) com o animus de titular dos direitos de servidão de aqueduto invocados.
Estão, também neste domínio, preenchidos os dois requisitos da posse que permitem a aquisição de um direito real por usucapião, bem assim o prazo necessário à aquisição do direito de servidão de aqueduto, pois que, há pelo menos 60 anos que exerciam o referido direito, até o mesmo ser pelos Réus obstaculizado.
Pelo que, a posse pública, pacífica e de boa-fé, por parte dos Autores e dos seus antecessores, durante mais de 15 anos, conduz à aquisição, por usucapião, do direito de servidão de aqueduto, em benefício do prédio dos Autores, conforme se descreveu e de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 1260.º, n.º1, 1261.º, n.º1, 1262.º, 1287.º e 1296.º, todos do Código Civil.
Tal como na servidão de passagem, também aqui, concorre a constituição da servidão por destinação de pai de família.
Verificados estão assim os pressupostos da constituição da servidão de passagem e da servidão de aqueduto, seja por usucapião, seja por destinação de pai de família.

II - Da renúncia ao direito de passagem
Invoca a Ré/apelante que as respostas à matéria de facto permitem inferir que as ora apelantes renunciaram ao direito de passagem.
A renúncia constitui uma causa de extinção das servidões (cfr. art.º 1569.º, n.º 1, al. d) do Código Civil).
A renúncia (expressa) consiste na declaração unilateral entre vivos pela qual o sujeito ativo da servidão concretiza a sua decisão de deixar de ser titular desse direito, traduzindo-se assim na perda de um direito por vontade unilateral do respetivo titular.
E como tal, constitui um negócio jurídico unilateral, pelo que não carece de aceitação do proprietário do prédio serviente (cfr. n.º 5 do citado art.º 1569.º).
A doutrina e a jurisprudência vinham a admitir que a renúncia tanto podia ser expressa[1] como tácita[2].
Sendo expressa, devia constar de escritura pública, visto que versava sobre a extinção de direito de servidão sobre imóvel e a isso obrigava o art.º 80.º, n.º 1 do Código do Notariado, ao dispor que:
Artigo 80.º - Exigência de escritura:
1-Celebram-se, em geral, por escritura pública, os atos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.
Por sua vez, a renúncia tácita podia resultar de factos donde a mesma se deduzisse claramente (Mário Tavarela Lobo, in Manual do Direito das Águas, vol. II, 2.ª edição, pág. 321).
Temos dificuldade em admitir a possibilidade de um ato se produzir tacitamente quando, a validade de tal ato, ao assumir a forma expressa, deve sujeitar-se a um tão elevado grau de exigência formal, como é a escritura pública.
Concedemos contudo, que a expressão “celebram-se, em geral, por escritura pública”, abria as portas a essa possibilidade, e assim se vinha entendendo.
O regime legal subsequente veio, entretanto, fazer depender a validade de tal ato de renúncia, entre outros, da sua celebração por escritura pública ou da sua celebração por documento particular autenticado, dando assim uma clara indicação no sentido do afastamento da admissibilidade da renúncia tácita.
Assim, o Dec-Lei n.º 116/2008, de 4/7 (que aprovou medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de atos e processos na área do registo predial e de atos notariais complexos, em concretização do programa SIMPLEX), no seu art.º 34.º, alínea d) revogou o n.º 1 do citado art.º 80.º, do Código do Notariado.
Ao mesmo tempo veio dispor no seu art.º 22.º que:
“Sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes atos: os atos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis(subl. nosso).
Este diploma entrou em vigor em 1-1-2009 (art.º 36.º, n.º 3, alª c)).
Assim, a partir de 1/1/2009, deixou de poder verificar-se a modalidade de renúncia tácita, a qual, será de admitir apenas até 31/12/2008.
Ora, no caso, e em suporte de tal figura, faz a apelante referência à seguinte factualidade:
« 71. Ficou acordado nas partilhas, por morte dos pais de AA e R, que o caminho privado serviria os prédios de MP (…) (parcela II) e J (…) (parcela I), prédio vendido, a MC (…).
72. Pois estes não tinham acesso a caminho público.
73. Assim como, foi acordado que A. MC (…)para aceder ao seu prédio faria o seu acesso por um caminho existente no prédio pertença da A. MS (…).
74. Mas, a A. MS (…) destruiu parcialmente o caminho existente, lavrando-o e semeando-o » -
Pretende a apelante que, tal factualidade, a que a sentença não deu qualquer relevo, traduz uma renúncia (tácita, diremos nós) da servidão legal de passagem.
Cumpre-nos, primeiro realçar que os factos nºs 71 e 72 (na parte em que referem que: apenas a parcela I e II não tinham acesso a caminho público, logo, as parcelas III e IV teriam tal acesso), aparentemente, mostram-se contraditórios com o exposto no nº38, que refere claramente que, com exceção da parcela I da MC (…), nenhuma das demais tem acesso à estrada nacional que passa a sul nem diretamente para um caminho público.
Contudo, como os factos 71 e 72 se referem a uma acordo de partilhas com base num pressuposto (a falta de acesso a caminho publico por parte das parcelas I e II), válido para os herdeiros e, em tal momento, e não numa constatação, desmentida nomeadamente por inspeção ao local, cremos que, tal aparente contradição não tem implicação prática.
Ora, o acordo de partilhas supra referido, ocorreu, apenas, depois das partilhas por morte dos pais (ambos) das AA. e Ré, não se confundindo com a partilha referida no facto 11, que ocorreu entre o dia 4 de Janeiro de 1980 e o dia 14 de Janeiro de 1985, por morte do pai, mas ainda em vida da mãe.
Considerando que os autos deram entrada 17-04-2009 e que a morte da mãe ocorreu 22 anos antes, é de admitir que tal acordo tenha ocorrido em data anterior a 31-12-2008. Data que, como vimos, marca temporalmente a diferença de regimes no respeitante às formas de renúncia da servidão.
No caso dos autos, inexiste uma renúncia expressa, feita sob qualquer uma das aludidas modalidades de forma – escritura pública ou documento particular autenticado, nem  a mesma foi alegada pelos Réus ou recorrente.
Quanto à renúncia tácita, permitida até 31/12/2008, não foi feita prova de factos que permitam o seu reconhecimento, pois que, o acordo supra referido haveria de ter sido materializado em atos de renúncia inequívocos.
O factos 73 e 74 inculcam exatamente o contrário, pelo que, tal acordo terá efeitos meramente obrigacionais, que não reais.
Assim, quer quanto à servidão de passagem, quer quanto à servidão de aqueduto, não ocorreu por parte das Autoras abandono dos atos possessórios, sendo que, os atos em vez de induzirem uma renúncia, induzem antes a intenção de manutenção dos direitos de servidão.
Não tendo ocorrido renúncia (válida) improcede, por consequência tal questão de recurso.

III - Da desnecessidade da servidão de passagem
Preceitua o art. 1569º do C.Civ. que «as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante».
Assim, não só a declaração de desnecessidade tem de ser requerida como, os elementos necessários à avaliação da desnecessidade têm de ser alegados pelo requerente da extinção.
No caso, tal requerimento haveria de ter sido feito em sede de reconvenção, o que não ocorreu.
Mas, ainda assim, a factualidade dada como provada, não permitiria dar procedência a tal pretensão.
A desnecessidade ocorre quando a servidão tenha deixado de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, o que no caso, não se verifica, nem relativamente à parcela III nem relativamente à parcela IV.
Desse modo, por falta de factos que a sustentem, improcede igualmente tal questão de recurso.

Em suma:
- O Dec-Lei n.º 116/2008, de 4/7 (SIMPLEX) veio fazer depender a validade do ato de renúncia da servidão, entre outros, da sua celebração por escritura pública ou da sua celebração por documento particular autenticado, dando assim uma clara indicação no sentido do afastamento da admissibilidade da renúncia tácita da servidão.
- A declaração de desnecessidade da servidão tem de ser requerida e os elementos necessários à avaliação da desnecessidade têm de ser alegados pelo requerente da extinção.

                                                            IV
Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Anabela Luna de Carvalho ( Relatora)
 João Moreira do Carmo
 José Fonte Ramos

[1] Ac. TRP, P. 0022302, data: 28-03-1989, in www.dgsi.pt:
« I - Para produzir a extinção do direito de servidão de passagem, a renúncia deve constar de escritura pública.
   II - A renúncia tácita desse direito pode produzir eficácia meramente obrigacional».
[2] Ac. TRP, P. 2616/09.0TBVCD.P1, data: 18-01-2011, in www.dgsi.pt:
   I - As servidões prediais podiam ser extintas por renúncia expressa ou tácita até 31/12/2008, sendo que, a partir daí, só o podem ser mediante renúncia expressa feita através de escritura pública ou por documento particular autenticado.