Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1515/10.8TBLRA-AP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
CONFISSÃO
COMISSÃO DE CREDORES
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - 1ª SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 55 CIRE, 352 CC, 567, 568 CPC
Sumário: 1- O art.55º nº8 do CIRE, constitui uma possibilidade, mas também uma limitação nos poderes processuais do Administrador de Insolvência.
2- Não obtendo previamente a concordância da comissão de credores, aquele não pode confessar e não pode o seu silêncio, num processo judicial em que a massa insolvente é parte, ser tido como admissão dos factos alegados pelo autor.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A Massa Insolvente de L (…) Lda., e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), C.R.L., esta última na qualidade de Presidente da Comissão de Credores da primeira e sua credora, vieram interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos da al.d) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, pedindo a revogação da sentença proferida no apenso com as letras AK e transitada em julgado, para que se ordene a repetição de todos os atos a partir da citação da Massa Insolvente.

Para tanto, alegam que a condenação proferida no apenso AK, que julgou o pedido formulado pelo autor procedente, por ausência de contestação, procede de violação do artigo 55.º n.º 8 do CIRE.

O tribunal recorrido indeferiu liminarmente o pedido, por entender que os factos que constituem a causa de pedir da ação declarativa comum que subjaz à sentença condenatória, de que pretendem os recorrentes a sua revisão, encontravam-se no âmbito de conhecimentos diretos e pessoais do Sr. Administrador de Insolvência, podendo este, no uso dos seus poderes funcionais, não contestar a ação e sem que esta sua omissão se considere ineficaz em face da Massa Insolvente.


*

            Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

I. Discute-se se em acção declarativa intentada por credor da massa insolvente (autor) contra a massa insolvente (ré), a falta de contestação por parte desta dá lugar ao reconhecimento dos factos alegados pelo credor (autor) e à consequente condenação da massa insolvente (ré) sem que, para esse efeito, seja necessária a prévia notificação da Comissão de Credores da massa insolvente (ré), para que a mesma preste ou não a sua concordância.

II. O Tribunal a quo andou mal ao dar como não provado (ponto 2.2. da Sentença):

“2.2.1. Que só após a nomeação do novo Administrador de Insolvência, o Sr. Dr.C (...) , é que a Comissão de Credores e os demais credores da insolvente tenham tido conhecimento da pendência da ação referida em 2.1.1..”

III. Entendeu o Tribunal a quo que tendo sido publicados éditos nos autos (com advertência para a cominação legal para a não contestação do pedido com a alusão ao regime legal estatuído no artigos 146º a 148º do CIRE) os credores e o

Administrador de Insolvência tiveram conhecimento da acção e ainda assim não

contestaram.

IV. Os autos subjacentes ao recurso extraordinário de revisão tiveram início como se de uma Acção de Verificação Ulterior de Créditos se tratasse, tendo sido publicado edital de citação aos credores da insolvente.

V. Todavia (tal como consta nos pontos 2.1.3. e 2.1.4, dos factos provados) por despacho judicial de 06.11.2013, foi ordenada a repetição da autuação para a forma processual de acção de processo comum prevista no art. 89.º do CIRE e a posterior e nova citação da Massa Insolvente, em conformidade, na pessoa do Sr.Administrador Judicial, na altura o Sr. Dr. A (...) .”

VI. Os éditos a que o Tribunal a quo se refere tiveram lugar numa altura em que a acção se encontrava configurada como Acção de Verificação Ulterior de Créditos, pois de outra forma não faria sentido a citação dos credores da insolvente (o que configuraria acto inútil).

VII. Os credores da insolvente (e não a Comissão de Credores) tiveram, pois, conhecimento de uma Acção de Verificação Ulterior de Créditos e não da acção proposta nos termos do art.º 89º do CIRE, que deu lugar à prolação da Sentença que mereceu a apresentação do recurso extraordinário de revisão.

Por outro lado e ainda que assim não se entendesse,

VIII. A citação dos credores da insolvente não se confunde com a citação da comissão de credores da mesma insolvente.

IX. A Comissão de Credores, pese embora seja formada por um conjunto de pessoas, todas elas credores da insolvente, é um órgão da insolvência colegial que em nada se confunde com os seus membros quando vistos isoladamente (art.ºs 66º e ss, do CIRE).

X. As comissões de credores não são citadas para as acções, sejam elas nos termos do art.º 146º e ss. ou do art.º 89º, ambos do CIRE (e daí que tenham de ser notificadas para prestar o seu consentimento às acções em que as massas

insolventes sejam partes).

XI. A totalidade dos factos constantes da matéria de facto dada como não provada terão que vir a ser incluídos na matéria de facto dada como provada.

XII. Os argumentos usados pelo Tribunal a quo para motivar a decisão ora recorrida (ponto III. Motivação), conduzem a um resultado diferente daquele que foi tomado. Vejamos,

XIII. (§ 4º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – O Administrador da Insolvência deve promover o exercício e satisfação de todos os direitos de carácter patrimonial que integram a massa, a fim de repartir o produto obtido, na medida do que seja possível, pelos credores do Insolvente (cfr. arts. 55º, 158º e 172º e segs. do CIRE). E tais incumbências devem ser exercidas com a cooperação e sob fiscalização da Comissão de Credores, se existir (cfr. arts. 55º, nº 1 e 68º do CIRE), bem como pelo juiz da insolvência (art. 58º do CIRE).

XIV. (§ 5º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – Tal fiscalização deve ser exercida dentro dos limites legalmente estabelecidos e, claro está, sem colocar em causa o exercício real e efectivo dos poderes cometidos ao administrador da insolvência, os quais devem ser exercidos com autonomia, aspecto este que é reforçado pela regra da sua responsabilidade pessoal consagrada no art. 59.º do CIRE.

XV. (§ 6º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – A este respeito referem Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, 2013) que “cabendo a administração e liquidação da massa ao administrador, as limitações e constrangimentos à sua iniciativa têm carácter excepcional e devem, por isso, ser observados nos precisos termos em que a lei os contemple”. Pois que no actual regime da insolvência, a competência do administrador nesta matéria foi reforçada pelo legislador, ficando-lhe inclusivamente confiada, em exclusivo, a escolha da modalidade da venda dos bens da massa, não estando dependente de qualquer outro interveniente ou órgão da insolvência, por regra, para promover a liquidação do activo. De igual modo as suas decisões deixaram de ser impugnáveis perante o juiz, tendo o legislador estabelecido um sistema de responsabilização pessoal do administrador (cfr. arts.161º e 59º do CIRE).

XVI. (§ 8º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – Daí que nas atribuições do administrador da insolvência caibam, designadamente, os poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes (art. 55º, no 8, do CIRE, redacção que lhe foi dada pela Lei 16/2012 de 20 de Abril).

XVII. (§ 9º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – No exercício das respectivas funções, o administrador de insolvência pode ainda ser coadjuvado, sob a sua responsabilidade, por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão. Contudo, nem todos os seus actos se

encontram sujeitos a esse regime. Só os actos que se mostrem especialmente decisivos ou relevantes, pela sua dimensão ou implicações na massa, ou na situação dos credores, é que necessitam da prévia consulta da comissão de credores ou do juiz. Será assim, nomeadamente, com os actos que a lei qualifica de especial relevo nos termos do art.º 161º, n.ºs 1 a 3, do CIRE.

XVIII. (§ 10º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – No caso em apreço não se põe em causa a relação subjacente ao processo de cuja sentença condenatória se pretende a revisão, para que o aludido normativo possa ser chamado à colação, mas antes em saber se a revelia do Sr. Administrador de Insolvência ao não ter contestado a acção, para que foi citado em representação da massa insolvente, se deve considerar operante face ao estatuído no art.º 55.º n.º 8 do CIRE.

XIX. (§ 11º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – A este respeito José Lebre de Freitas (A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pag.73) doutrinava a respeito do regime falencial pretérito que o administrador da falência não estava legitimado a fazer confissões em nome do falido ou do insolvente, mas reconhecia, que estando aquele legitimado a propor acções em nome da massa insolvente e a representar esta nos processos que se mostrassem pendentes e/ou apensos ao processo falimentar, Proc. N.º 1515/10.8TBLRA-AP a falta de impugnação dos factos alegados nestas acções pelas partes contrárias, redundaria na admissão dos factos invocados. E acrescentava com actualidade. “O regime, quanto à confissão, compreende-se. O administrador de falência ou insolvência não pode ser considerado, a partir da sentença que o declare, titular dos poderes de disposição dos direitos do falido ou insolvente, juntamente com o síndico e com o tribunal, a não ser na medida indispensável à realização do fim da falência ou insolvência: a liquidação da massa em benefício dos credores. Do mesmo modo, ainda que que lhe compita a administração geral dos bens apreendidos, com sujeição às normas do mandato...”

XX. (§ 13º, do ponto III. Motivação, da Sentença) – Em linha com o disposto no art. 81.º n.º 4 do CIRE que estatui que o administrador da insolvência

assume a representação do devedor para todos os efeitos patrimoniais que interessem à massa insolvente, nomeadamente a sua representação em juízo, fazendo uso dos poderes funcionais que lhe assistem que devem ser exercidos no justo equilíbrio entre os interesses de terceiros, credores, do insolvente, e em determinados casos o agregado familiar deste.

XXI. A lógica dos argumentos usados pelo Tribunal a quo apontam, claramente, no sentido de que a representação da Massa Insolvente constitui um poder funcional do Administrador de Insolvência, todavia, no que respeita à confissão, tal poder encontra-se condicionado à concordância da Comissão de Credores.

XXII. Não podem considerar-se confessados os factos alegados na petição inicial, por aplicação do regime do cominatório semipleno estatuído no art.º 567º n.º 1 do CPC.

XXIII. Uma relação de crédito/débito entre um credor e um insolvente não é confundível com uma relação crédito/débito entre um credor e uma massa insolvente, pois apesar de ambas constituírem um encargo no produto final da liquidação que deverá ser repartido entre os credores, na primeira hipótese temos um crédito que entra em rateio com os demais créditos sobre a insolvente e, na segunda hipótese, temos um crédito que sai precípuo do produto e que se sobrepõe aos demais credores.

XXIV. Sendo que os créditos sobre a insolvente estão sobre o escrutínio dos credores por via da impugnação da lista definitiva de credores.

XXV. O mesmo vale para o incidente de qualificação de insolvência, pois que os credores da insolvente poderão apresentar as suas alegações, “controlando” assim este incidente.

XXVI. Pelo que o argumento de que o reconhecimento dos créditos não reclamados mas que constam da contabilidade do insolvente, ou que a apresentação de parecer qualificando a insolvência de culposa ou de fortuita, entre outros exemplos, não carecem de autorização prévia da parte dos credores, não pode colher.

XXVII. Todas as relações processuais que envolvam o insolvente e os seus credores ficam adstritas ao crivo dos próprios e restantes credores do insolvente, que, por exemplo, nas reclamações de créditos podem impugnar a lista definitiva de credores, nas acções de Verificação Ulterior de Créditos são citados por éditos e têm oportunidade para contestar, que no que ao Incidente de Qualificação de Insolvência podem apresentar alegações, que nas sentenças de Verificação e Graduação de Créditos podem interpor recurso e que nos mapas do rateio podem apresentar reclamações…

XXVIII. O mesmo não se passa com as acções instauradas por um credor contra a massa insolvente, na medida em que os credores do insolvente não são citados. Aqui o crivo que filtra a actuação do Administrador da Insolvência é obrigatória e inevitavelmente a Comissão de Credores, pois os credores, do ponto de vista individual, não são chamados à acção.

XXIX. Assim se explica que as alterações introduzidas no ano de 2012 tenham vindo a consagrar expressamente a necessidade de concordância da Comissão de Credores para o caso de desistência, confissão ou transacção por parte do Administrador da Insolvência.

XXX. A desistência, a confissão ou a transacção, assumem particular relevo, pois que, a não serem fiscalizadas pela Comissão de Credores, em muito poderiam lesar os interesses que se pretendem proteger com o processo de insolvência.

XXXI. Basta para isso, configurar como hipótese académica da existência de conluio entre um pseudo credor da massa insolvente e o Administrador da Insolvência.

XXXII. A concordância da Comissão de Credores nos casos de desistência, confissão ou transacção quando a massa insolvente esteja na posição de ré ou de executada assume uma maior importância, na medida em que implica uma diminuição do produto da liquidação a repartir pelos credores da insolvência, posto que as dívidas da massa insolvente saem precípuas.

XXXIII. A ré é uma massa insolvente que teve origem na declaração de insolvência da devedora L (...) , S. A. ocorrida em 26.03.2010.

XXXIV. Na sentença de declaração de insolvência da devedora, para exercer as funções de Administrador da Insolvência (adiante designado abreviadamente por AI), foi nomeado o Sr. Dr. A (...) .

XXXV. O CIRE é um código que contem normas substantivas e normas adjectivas, sendo que todas elas têm um carácter especial, sobrepõe-se, pois, às de carácter geral.

XXXVI. A confissão ficta e a confissão expressa, embora diferentes na sua génese, na medida em que a primeira assenta numa inactividade processual e a segunda numa declaração negocial, não deixam de, no seu resultado, corresponder a uma efectiva confissão.

XXXVII.O direito à confissão, in casu, não estava na disponibilidade apenas do AI.

XXXVIII. O comando legal contido no art.º 55º, n.º 8, do CIRE, é imperativo e por isso inderrogável.

XXXIX. Ao agir da forma como agiu o Tribunal a quo violou o disposto no comando legal contidos no art.º 55º, n.º 8 do CIRE e art.º 699, n.º 1, do CPC.

XL. Deveria o Tribunal a quo ter-se abstido de prolatar a Sentença ora em crise e, por seu turno, ter proferido despacho que ordenasse a notificação do recorrido para responder no prazo de 20 dias, nos termos do art.º 3, do art.º 699º, do CPC.


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            Citado o requerido para os termos do processo (e recurso), não apresentou contra-alegações.

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            Questões a decidir:

            A reapreciação do facto não provado em 2.2. da sentença recorrida;

           

Considerando o disposto no art.55º, nº8, do CIRE, saber se é admissível fazer funcionar o efeito cominatório da ausência de contestação (art.567º do Código de Processo Civil), numa ação declarativa comum apensa ao processo de insolvência, contra a Massa Insolvente, representada pelo Administrador Judicial.


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            Factos considerados provados pelo tribunal recorrido:

1.1. J (…) instaurou no dia 08.07.2013 uma ação, sob a forma de processo sumário, para reconhecimento de um crédito sobre a Massa Insolvente de L (…), Lda., nos termos do art.89.º do CIRE, pedindo a condenação desta ao pagamento de 86.583,00 €, acrescido de juros de mora vencidos no valor de 5.189,65 € e os demais vincendos até ao seu integral pagamento.

1.2. Que quando distribuída foi autuada como ação especial de verificação ulterior de créditos, nos termos do artr.146.º do CIRE.

1.3. A Massa insolvente da L (…), Lda., foi citada a 15.07.2013 na pessoa do Administrador de Insolvência, e os demais credores por éditos de 5 dias, para, querendo, em 20 dias contestarem a ação.

1.4. Por despacho judicial de 06.11.2013 foi ordenada a repetição da autuação para a forma processual de ação de processo comum prevista no art.89.º do CIRE e a posterior e nova citação da Massa Insolvente, em conformidade, na pessoa do Sr. Administrador Judicial, na altura o Sr. Dr. (…)

1.5. Tendo a citação sido expedido para a morada profissional do Sr. Administrador de insolvência e o aviso de receção sido assinado por terceira pessoa 12.11.2013 e 18.11.2013, tendo nesse seguimento sido expedida a 26.11.2013 nova carta registada com a advertência a que alude o art.233.º do CPC.

1.6. Foi dado cumprimento à notificação a que alude o art.567.º do CPC.

1.7. Por sentença datada de 23.01.2014, transitada em julgado, foi decidido que «…III.Atenta a falta de contestação da Ré, têm-se por reconhecidos

os factos alegados pelo Autor na sua petição, os quais determinam o reconhecimento do crédito invocado, na sequência, aliás, dos fundamentos alegados na petição inicial (artigo 567º, nº 3 do nCPC)», e, consequentemente, julgou «…procedente a presente acção e, em consequência, decide-se condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 86.583,00 (oitenta e seis mil quinhentos e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora, sendo os vencidos (à data da propositura da acção – 08.07.2013) no montante de € 5.189,65 (cinco mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos). (…).»


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            A reapreciação do facto não provado em 2.2. da sentença recorrida.

O tribunal recorrido deu como não provado que só após a nomeação do novo Administrador de Insolvência, o Sr. (…), é que a Comissão de Credores e os demais credores da insolvente tenham tido conhecimento da pendência da ação referida em 1.1.

A reapreciação da prova relativa a este facto não se mostra necessária porque o tribunal recorrido não tirou dele qualquer ilação. Para o indeferimento liminar, a questão limitou-se à supra enunciada: a possibilidade de serem admitidos por acordo factos invocados numa ação contra a Massa, por não ter o Administrador desta contestado.

Veremos infra que para a solução deste recurso não se mostra necessário ajuizar sobre aquele facto considerado não provado.

Também é certo que a citação edital dos credores, na ação primeiramente configurada como “verificação ulterior de créditos” (art.146º do CIRE), não legitimava o efeito cominatório, já que o art.568º, b), do Código de Processo Civil o impede.


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O art.55.º, nº8, do CIRE preceitua que “o administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.”

Esta norma foi introduzida no Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas pela Lei n.º 16/2012, de 20.4 e vigorava à data dos factos aqui em apreço.

            Comecemos por dizer que a admissão de factos por acordo, que resulta de uma abstenção de impugnação, não pode ter um valor superior ao da própria confissão de um facto. (Ver Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, páginas 289 e 290.)

            Por isso se aceita o recurso às normas do instituto da confissão, previstas nos artigos 352º e seguintes do Código Civil.

            Na compreensão dos poderes do Administrador da Insolvência, C. Fernandes e J. Labareda (CIRE Anotado, Quid Juris, 2009, página 257) consideram que “cabendo a administração e liquidação da massa ao administrador, as limitações e constrangimentos à sua iniciativa têm carácter excepcional e devem, por isso, ser observados nos precisos termos em que a lei os contemple”.

            O art.55º, nº8, em análise, será expressão de uma limitação aos poderes do Administrador, no conjunto de outras espalhadas pelo CIRE, como por exemplo as previstas no nº3 daquele artigo e no art.161º, nº1.

            Entender-se-á que a confissão pode constituir um desvio às suas atribuições, por implicar aceitar factos desfavoráveis aos credores, impondo-se então a intervenção da comissão de credores.

            No caso existe a comissão de credores.

            Quando não exista esta comissão, poderia ser defensável que a competência pertenceria à Assembleia de Credores (art.80º do CIRE).

Não o entendem assim os Anotadores referidos, nas páginas 334 e 335, pelo “carácter excepcional da exigência da prévia intervenção de outros orgãos para a prática de certos actos pelo Administrador”.

Mas, sendo assim, poderá dizer-se que, na falta da Comissão, dada a natureza da confissão (art.352º do Código Civil), o Administrador, só por si, não pode confessar.

Pode ainda dizer-se que não faz sentido impor o ónus de impugnação ao Administrador por não estarem em causa na insolvência e seus apensos os mesmos pressupostos da tramitação do processo declarativo comum. No âmbito da insolvência e dos seus processos especiais não estaremos perante um normal processo de partes, não sendo o administrador o réu, nem a sua intervenção neles se faz através de contestação.

Consideremos agora as relações processuais previstas no CIRE:

No processo de verificação de créditos, apesar dos poderes atribuídos ao Administrador, que tem colocado algumas dificuldades de conjugação com os poderes do juiz, há sempre a possibilidade de impugnações (art.130º);

O mesmo vale para o processo de restituição e separação de bens (art.141º);

No processo de verificação ulterior de créditos (art.146º), esta é proposta contra o devedor, a Massa e credores;

Também a resolução em benefício da Massa (art125º) e os incidentes de qualificação (art.188º) são impugnáveis.

Estes processados e composições processuais dão acrescidas garantias.

O mesmo não se passa com as ações instauradas por um credor contra a massa insolvente (é deste tipo aquela que está em causa), na medida em que o Administrador da Insolvência está desacompanhado de qualquer outro credor.

A lei, no art.55º, nº8, em aplicação, não distingue soluções conforme os tipos de ação, sendo certo que as primeiras, por estarem dotadas de acrescidas garantias, não permitem retirar argumentos de exclusão da exigência para a última.

Nesta (ação contra a Massa), a possibilidade de prejuízo para os credores é até aumentada, porque temos um crédito que sai precípuo do produto e que se sobrepõe aos demais credores (não é considerado em rateio com os demais créditos) (art.172º, nº1, do CIRE).

            Poderia dizer-se, como o faz o tribunal recorrido, que é possível a confissão de factos posteriores à declaração de insolvência e estritamente relacionados com a administração, na estrita medida em que deles tenha conhecimento pessoal o Administrador.

Porém, esta hipótese, fazendo sentido, parece esbarrar na previsão do art.55º, nº8, que não faz distinção na confissão e entre os processos em que a parte seja a Massa ou o Insolvente.

Sendo assim, este artigo constiui uma possibilidade mas também uma limitação nos poderes processuais do Administrador de Insolvência.

Não obtendo previamente a concordância da comissão de credores, aquele não pode confessar e não pode o seu silêncio, num processo judicial em que a massa insolvente é parte, ser tido como admissão dos factos alegados pelo autor.

Conforme determina o artigo 574.º, nº2, do Código de Processo Civil:

“2 — Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se …(…), se não for admissível confissão sobre eles”…

O tribunal não tem que notificar a Comissão de Credores e é o Administrador, sendo seu interesse, quem deve obter declaração daquela concordância. Nada parece impedir, na falta da Comissão, que o Administrador obtenha a concordância da Assembleia de Credores.

Noutro plano, poderíamos dizer que a confissão, com a consequência de ato desfavorável à Massa, pode ser entendida como ato de especial relevo para o processo de insolvência (art.161º do CIRE). “Na qualificação de um acto como de especial relevo atende-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa.”

Face a esta norma, numa ação contra a Massa, a potencial oneração ou insatisfação dos direitos dos credores já reconhecidos (art.172º, nº1, do CIRE), decorrente da confissão (de atos desfavoráveis), reafirma a exigência do consentimento da Comissão. A norma diz ainda, se não existir a Comissão, o ato depende do consentimento da assembleia de credores.

O art. 359.º (Nulidade e anulabilidade da confissão) do Código Civil prevê:

“1. A confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação.

2. O erro, desde que seja essencial, não tem de satisfazer aos requisitos exigidos para a anulação dos negócios jurídicos.”

Aqueles termos gerais são os dos artigos 240º e seguintes da mesma lei, sendo, para o caso, de especial relevo o art.246.º: “A declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la.”

No caso, entendeu-se que o Administrador da Insolvência emitiu uma declaração, mas ele não a emitiu e não a poderia emitir sem vir acompanhada de declaração de concordância da Comissão de Credores.

Ter o tribunal acionado o efeito cominatório para a falta de contestação, quando não o podia fazer, constitui uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, por ter dado como assentes factos que o não estavam.

Tudo isto serve para concluir que o tribunal recorrido não podia ter indeferido liminarmente o pedido com o fundamento com que o fez.

Revogada a decisão, ouvido o requerido, seguem-se os termos do processo comum (art.700º, nº2, do Código de Processo Civil.)

Apesar da regra da substituição prevista no art.665º desta última lei, não é possível e adequado, no caso, o seu uso porque aqueles termos processuais ainda não foram completamente produzidos, podendo ainda existir questões não ponderadas (já que o despacho liminar é específico), sendo certo que estaríamos também a suprimir quase por completo uma instância.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se o indeferimento liminar recorrido e ordena-se o prosseguimento dos autos nos termos do art.700º, nº2, do Código de Processo Civil.

           

Custas conforme for decidido a final.

            Coimbra, 2015-3-17

Fernando Monteiro ( Relator )

Luís Cravo

Carvalho Martins