Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
503/09.1TBLNS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO NATURAL
MORA
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART.º 566.º DO CC
Sumário: I- Ficando a indemnização em dinheiro, nos termos do n.º 1 do art.º 566.º do CC, reservada para os casos de impossibilidade, insuficiência e inidoneidade (por excessiva onerosidade) da restauração natural, a reparação dos bens danificados e, bem assim, a substituição dos que pereceram por acção do lesante, inscrevem-se ainda no âmbito da restauração natural.

II- Constituindo-se o lesante em mora quanto à sua obrigação de reposição natural, nada obsta a que seja o lesado a ordenar tal reparação e a adquirir tais bens de substituição à custa daquele.

III- O princípio da reposição natural, funcionando como limite da obrigação de indemnizar, impede o enriquecimento do lesado à custa do obrigado à indemnização, pelo que o valor a entregar é o valor pecuniário necessário à aquisição de um bem com características semelhantes ao perdido.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial da comarca de Nelas, A... e mulher, B... , residentes na Rua ...Nelas, vieram instaurar contra

C..., residente na Av. ... Nelas, e

D..., casada, residente na ... Nelas, acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia de € 5 171,26 (cinco mil, cento e setenta e um euros e vinte e seis cêntimos), acrescida dos juros legais contados da citação.

Em fundamento alegaram, em síntese útil, que são os donos do prédio urbano sito no .L.., em Nelas, no qual se encontra instalado o estabelecimento comercial de restauração denominado “ T...”.

Por acordo celebrado no dia 1 de Abril de 2007, para vigorar até 28 de Fevereiro de 2009, obrigaram-se a ceder às RR a exploração do aludido estabelecimento, mediante o pagamento por estas de uma contrapartida mensal no montante de € 600,00, acrescido de Iva, ficando as cessionárias obrigadas, nos termos da cláusula 9.ª, a restituir aos AA, findo o contrato, o aludido prédio, bem como as máquinas, móveis e utensílios que o equipam, tudo em bom estado de conservação e sem deteriorações, ressalvadas as decorrentes do seu uso normal.

Sucede, porém, que as demandadas não cumpriram o acordo celebrado, tendo entregado as chaves do imóvel apenas no dia 10 de Março de 2009, pelo que são devedoras da renda relativa a este mês. Acresce que não só danificaram diversas máquinas que equipavam o estabelecimento, como levaram consigo as máquinas registadora e de lavar louça, obrigando os AA a suportar o custo de diversas reparações e ainda o da aquisição de novas máquinas para substituição daquelas, em ordem a colocar o estabelecimento de novo em funcionamento. Também no imóvel as RR provocaram estragos, que obrigaram a diversas reparações, impondo o encerramento do estabelecimento, que só em Junho ficou pronto a reabrir. Tendo as aludidas despesas sido custeadas pelas AA, ascendem os prejuízos sofridos, incluindo os lucros cessantes, ao montante de € 5 171,26, que reclamam ao abrigo do instituto da responsabilidade civil, que expressamente invocam ou, quando assim se não entenda, sempre a obrigação de restituir que impende sobre as demandadas encontra assento no regime do enriquecimento sem causa.
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Regularmente citadas, as RR contestaram nos termos da peça que consta de fls. 42 a 50 dos autos, arguindo a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, com fundamento no facto de não serrem responsáveis perante os AA, uma vez que formalizaram o contrato ajuizado nos termos que dele constam em virtude de deterem a qualidade de sócias e gerentes da sociedade T... de Nelas, Lda., constituída precisamente com o único propósito de explorar o estabelecimento cedido, devendo entender-se ser a sociedade e não as demandadas, em seu nome pessoal, a cessionária do mesmo. E tanto assim foi que os AA sempre emitiram os pertinentes recibos em nome da sociedade, dela recebendo as rendas respectivas, tendo sido a sociedade e não as contestantes quem usou e fruiu o estabelecimento cedido.

Por impugnação, alegam que a entrega do estabelecimento e conferência das existências ocorreu apenas a 10 de Março de 2009 por causa imputável aos demandantes, sendo falso que tenham retirado do estabelecimento máquinas a estes pertencentes ou tenham provocado no imóvel quaisquer estragos, assim concluindo pela sua absolvição dos pedidos formulados.
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Os AA responderam à matéria de excepção.
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Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi a excepção da ilegitimidade julgada improcedente, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo que da acta consta, e decidida a matéria de facto sem reclamação das partes, veio a ser proferida sentença que, decretando a parcial procedência da acção, condenou as RR a pagar aos AA a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros), acrescida dos juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, no mais as absolvendo.
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Inconformados com a decisão, dela apelaram os AA para este Tribunal, oferecendo alegações que remataram com as seguintes conclusões:

“1.ª- A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que condene as RR no pagamento aos AA de valor não inferior a € 4.161,08;

2.ª- Os AA consideram este valor, atendendo aos factos que foram dados como provados pelo tribunal e que deverão conduzir a uma indemnização a pagar pelas RR superior à que o Tribunal de primeira instância decidiu fixar;

3.ª- A Decisão a proferir terá sempre de levar em linha de conta o processo no seu todo, de modo a que pondere a matéria de facto dada como provada e a postura que as partes assumiram em relação aos factos em si mesmos;

4.ª- Na verdade, na sentença reconhece-se de forma expressa que, “in casu”, se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil -facto imputável, dano, culpa e nexo de causalidade entre o facto e o dano- artigos 483, 562, 563, 564 e 566 do Código Civil;

5.ª- E de igual modo se dão como provados os factos que as RR praticaram, os danos que provocaram e o valor necessário à reparação dos danos pelas mesmas provocados;

6.ª- Toda a tónica da decisão assenta na interpretação que o Tribunal fez -no entender dos recorrentes de forma errada- da possibilidade da reparação e reconstituição natural por parte das lesantes;

7.ª- Provado que está que as RR sempre negaram nos seus articulados e em sede de depoimento de parte -no qual não confessaram os factos em causa- que existissem no estabelecimento objecto da cessão de exploração uma máquina de lavar louça e uma máquina registadora propriedade dos AA e as que as mesmas retiraram do estabelecimento;

8.ª- E negado pelas RR durante todo o processo que tenham tido algum comportamento que provocasse danos no grelhador e no forno, provocados por um uso indevido dos mesmos;

9.ª- E de igual modo negado pelas mesmas que o estabelecimento necessitasse de reparações para a sua reabertura;

10.ª- E considerando-se ainda que, decorrido todo este tempo desde a entrega do estabelecimento em Março de 2009 até à data da sentença e posteriormente, não se operou a entrega da máquina de lavar louça e/ou da máquina registadora, deveria o Tribunal concluir que a reparação natural “in casu” era, e é, impraticável;

11.ª- As RR negam que tenham retirado as máquinas do estabelecimento e mantêm essa postura no desenrolar do próprio processo judicial, sinal inequívoco e que o Tribunal tem de valorar, no sentido de concluir que a reparação natural “in casu” não foi possível;

12.ª- Aliás, de igual modo em relação aos equipamentos danificados, pois que sempre que as RR negaram que algum comportamento seu tivesse provocado, por uso indevidos dos bens ou electrodomésticos, danos que elas tivessem de solucionar ou de reparar;

13.ª- Tratando-se, como se trata, de um estabelecimento comercial, não é exigível aos AA lesados que aguardem durante meses e anos a reparação natural dos danos se e quando as RR a pretendessem realizar;

14.ª- Pelo que, “in casu”, considerando os factos alegados pelas RR nos articulados, o seu depoimento de parte em que não admitem ter retirado do estabelecimento as máquinas em causa ou ter danificado os equipamentos, e bem assim a própria fundamentação da matéria de facto, impõe-se que se conclua pela impossibilidade da reposição natural;

15.ª- Aliás, para que a indemnização em dinheiro fosse impraticável, teria de se considerar e provar que as RR quiseram proceder à reparação natural e tal lhes foi negado pelos lesados, o que manifestamente não se verifica “in casu”;

16.ª- Há nos autos provas suficientes, pela postura das RR e pelos factos dados como provados, de que nunca as RR pretenderam ou pretendem proceder à restauração natural, pois quem nega os danos e quem nega ter retirado máquinas que não lhe pertencem de um estabelecimento e mantém essa postura ao longo do tempo, não vai, nem quer, proceder à reparação natural;

17.ª- Não se podendo considerar que seria de exigir aos lesados um comportamento de espera pela reparação dos danos e pela entrega dos bens de elevado valor, pois que as RR negam mesmo a origem dos danos e os factos ilícitos, pelo que, consequentemente, negam a sua obrigação de reconstituição natural;

18.ª- Não pode o tribunal afirmar que nada foi referido sobre se as RR impediram a restauração natural a que estavam obrigadas ou se havia urgência por parte dos AA na reconstituição do imóvel, pois que resulta do processo que as RR negam a existência da máquina de lavar louça e da máquina registadora e a sua retirada ilícita do estabelecimento e, bem assim, negam ter retirado as prateleiras do frigorífico ou ter causado danos em qualquer equipamento pelo uso indevido do mesmo;

19.ª Logo, nunca poderá ou poderia esperar-se de quem tem tal postura que proceda à reparação natural, entregando as máquinas e prateleiras e fazendo as reparações;

20.ª Nem pode exigir-se aos donos de um estabelecimento comercial que aguardem meses e anos por essa vontade de reconstituição natural;

21.ª Pelo que, considerando a factualidade dada como provada nos autos, o depoimento de parte das RR, que não assumiram os factos constantes dos pontos 3.º, 4.º. 5.º, 7.º, 9.º. 11. e 15.º da base instrutória, e ainda a fundamentação da resposta à matéria de facto, a prova  documental e testemunhal produzidas e ainda os articulados das RR, teremos de concluir que não havia possibilidade, no caso concreto, de obter a reparação natural de danos que os próprios lesantes não admitiam nem admitem ter provocado;

22.ª Devendo assim considerar-se que, estando afastada a possibilidade de uma reconstituição natural, opera, no caso concreto, a indemnização em dinheiro, e torna-se assim exigível e devida a indemnização nos termos reclamados e provados;

23.ª Devendo condenar-se as RR no pagamento aos AA dos valores de € 1 900,00 gastos por estes na compra de uma máquina de lavar louça e uma máquina registadora para substituir aqueles que, indevida e ilicitamente, foram retiradas e não entregues pelas RR;

24.ª Devem ainda ser condenadas no pagamento aos AA dos valores despendidos por estes na reparação dos equipamentos que se deu como provado terem sido danificados pelas RR por uso indevido dos mesmos, no valor de € 101,08, correspondente a € 28,48, € 37,60, e mão de obra pela reparação do grelhador e do forno;

25.ª Devem ser condenadas no pagamento de indemnização pelos danos provocados pelo encerramento do estabelecimento até à reparação dos equipamentos, aquisição dos materiais e obras no espaço, que ficou dado como provado só ter sido possível reabrir em Junho de 2009, e pois deverão ser condenadas em montante não inferior a € 1 440,00 pelos prejuízos causados neste aspecto;

26.ª A sentença proferida não teve em consideração os factos alegados pelas partes, a postura das RR ao longo do processo, o depoimento de parte das mesmas, negando factos essenciais para a situação de inviabilidade e impossibilidade da reparação natural e, bem assim, os factos dados como provados, a fundamentação da resposta à matéria de facto, a prova que no seu todo foi produzida, e as regras da experiência comum;

27.ª Deverá assim considerar-se que, no caso concreto, os AA poderiam e deveriam ter pedido a indemnização em dinheiro, nos montantes supra indicados e já corrigidos, atenta a prova feita nos autos, em que os AA não lograram provar todos os danos efectivamente sofridos e seus valores, pois de outro modo violam-se as regras da responsabilidade civil previstas nos art.ºs 483 e 563 e SS do Código Civil;

28.ª E concluir-se assim pela condenação das RR no pagamento de indemnização no valor de € 4.161,08, acrescida dos juros nos termos peticionados, e com a consequente alteração da condenação em custas, tal como foi fixada em primeira instância.

29.ª Por mera cautela se indica que na sentença recorrida falta a expressão pagamento, devendo ser as RR condenadas no pagamento da quantia de, como se fez constar da mesma, por lapso.

Com tais fundamentos pretendem a revogação da sentença proferida e sua substituição por outra que condene as RR no pagamento da quantia de € 4.161,08 e nas correspondentes custas.
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As RR contra alegaram, defendendo a manutenção do julgado.
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Sabido que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, como resulta do preceituado nos art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A do CPC, constitui única questão a decidir indagar se o Tribunal “a quo” fez errada interpretação do art.º 562.º do Código Civil, devendo ser arbitrada aos recorrentes indemnização no valor de € 4 161,08, ao invés dos € 720,00 fixados na 1.ª instância.
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II. Fundamentação

A. De facto

Apesar dos recorrentes terem circunscrito o recurso à enunciada questão jurídica, afirmando expressamente conformar-se com a matéria de facto consignada na sentença, pode este Tribunal da Relação, dentro dos limites fixados pelo art.º 712.º do CPC, alterar oficiosamente a decisão proferida em função da aplicação de regras de direito probatório material, sempre com observância dos limites que emergem dos art.ºs 664.º e 684.º, n.º 4 do mesmo diploma legal.

No caso em apreço os AA alegaram -vide art.ºs 35.º, 36.º e 37.º da petição inicial[1]- terem interpelado as RR para restituírem todas as máquinas e equipamentos que tinham em seu poder e pagarem os prejuízos causados, o que inclusivamente fizeram por escrito, mediante carta que para o efeito a estas foi enviada pelo seu Mandatário, tendo junto os documentos n.ºs 6 e 7 -missivas endereçadas às RR para moradas na vila de Nelas- para comprovação do assim alegado.

Na sua contestação, e no que tange a esta matéria, as RR limitaram-se a impugnar genericamente, no art.º 38.º, “o alegado pelos AA nos art.ºs 7 a 40”, sendo certo que, no desenvolvimento do articulado, tendo impugnado de forma motivada os diversos artigos da petição inicial, omitem qualquer referência mais concreta -e concretizada- em relação aos artigos aqui em causa, nada tendo dito quanto aos documentos juntos pelos demandantes.

Conforme é sabido, como efeito processual decorrente da citação, o réu tem o ónus de contestar e o ónus de impugnar, sob pena de se haverem como provados os factos alegados pelo autor (art.º 484.º do CPC), ressalvadas as excepções previstas no preceito imediato.

Como anota o Prof. Lopes do Rego, in “Comentários ao Código do Processo Civil”, Almedina, pág. 327, a reforma introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, veio introduzir alguma maleabildade no funcionamento do ónus da impugnação, que deixou de ser qualificada como “especificada”, dispensando a lei que a impugnação se faça facto por facto. Todavia, podendo ser dirigida, tanto a uma espécie factual como a um grupo de factos, a impugnação pressupõe que o réu tome posição definida perante os factos articulados na petição inicial (vide n.º 1 do art.º 490.º do CPC), ou seja, “A impugnação, para ser processualmente relevante e eficaz, tem de traduzir-se numa posição definida do impugnante perante os factos que pretende impugnar, nos termos do n.º 1 do art.º 490.º do CPC, o que exige uma posição clara, frontal e concludente”. [2]

Retornando ao caso em apreço, e ainda a admitir que tal ónus foi cumprido no que respeita aos factos vertidos nos artigos em causa, a verdade é que os assinalados documentos não foram impugnados. Tratando-se de documentos particulares, a sua força probatória é estabelecida pelo art.º 376.º do Código Civil[3], nos termos do qual “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida (...) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (…)”.

Todavia, conforme decorre do n.º 2 do preceito, tal prova plena só diz respeito aos factos que forem desfavoráveis ao declarante pois, quanto aos restantes, o documento é livremente apreciado pelo julgador[4].

De harmonia com os citados preceitos, a não impugnação pelas recorridas das cartas cuja cópia foi junta tem assim o sentido de admitir a sua subscrição pelo então mandatário dos AA e o subsequente envio para as moradas conhecidas das demandadas, sem prejuízo de lhes não poder ser atribuído o valor de reconhecimento da verdade ou verosimilhança do respectivo conteúdo, por se tratar de factos expressa e concretamente postos em crise.

No entanto, a aludida factualidade, assim demonstrada, não foi inserida no elenco dos factos assentes (nem tão pouco na base instrutória), sendo certo que, em nosso entender, assumindo virtualidade para, valendo como interpelação, constituir as RR em mora, assume relevância para a decisão da causa.

Deste modo, sendo aplicáveis aos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, “ex vi” do disposto no n.º 2 do art.º 713.º, as regras prescritas para a elaboração da sentença, incluindo o disposto no n.º 3 do art.º 659.º, ao abrigo do disposto na al. a) do art.º 712.º, pertencendo todas as disposições ao CPC, adito ao elenco dos factos a considerar ainda o seguinte:

“Com data de 6 de Abril de 2009 o então Il. Mandatário dos AA enviou às RR, para moradas sitas em Nelas, a missiva cuja cópia consta como docs. n.ºs 6 e 7, com o seguinte conteúdo: “Informa-me o m/ cliente acima identificado que V.ªs Ex.ªs não cumpriram o que se encontrava estabelecido na cláusula 4.ª do contrato celebrado em 1.4.2007.

Por outro lado, retiraram do estabelecimento a máquina de lavar louça e a registadora que deverão aí colocar, bem como as chaves da máquina do tabaco e do armário de exposição do menu.

Informa-me ainda aquele meu cliente que diverso equipamento se encontra avariado, cuja reparação ascende a € 943,00, conforme orçamento que se junta.

Caso as situações apontadas não sejam regularizadas no prazo de 10 dias, o meu cliente optará pela decisão que julgar mais adequada.”
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São os seguintes os factos a considerar, incluindo os fixados na primeira instância e o agora aditado (convenientemente ordenados, do ponto de vista lógico e cronológico):

A. Os A.A. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano sito no .L.. na vila de Nelas, inscrito na matriz sob o art.º 87 da Freguesia de Nelas destinado à indústria de restauração denominado “ T...” (al. A).

B. Em 01 de Abril de 2007, foi celebrado um acordo denominado de “Cessão de Exploração”, do qual consta o seguinte:

“Entre:

Os PRIMEIROS OUTORGANTES: A... e mulher B... (…)

As SEGUNDAS OUTORGANTES: C... e D..., que constituíram sociedade que é dada pelo nome de T... DE NELAS LDA. (…), é aceite a seguinte cessão de exploração.

1.º

Que pelo presente contrato os primeiros outorgantes cedem aos segundos outorgantes, e estes aceitam, a exploração do seu estabelecimento comercial denominado “ T...”, instalado no prédio urbano sito ao .L.., composto por rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz sob o art.º 87 da freguesia de Nelas, incluindo-se nessa cessão os móveis comerciais, máquinas e utensílios que fazem parte do aludido estabelecimento comercial e constantes de um documento complementar que faz parte integral do presente contrato.

2.º

A presente cessão de exploração tem início no dia 1 de Abril de 2007, é celebrada pelo prazo de 2 anos e tem o seu termo no dia 28 de Fevereiro de 2009, prazo que poderá ser prorrogado, no fim do seu termo, por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado por qualquer das partes.

(…)

4.º

Os cessionários poderão sempre denunciar o presente contrato, findos os primeiros vinte e três meses da sua vigência, com trinta dias de antecedência do seu termo, mediante carta registada dirigida aos cedentes.

5.º

O preço da exploração durante aquele período de tempo de dois anos é de 14.000,00€ (catorze mil e quatrocentos euros), respeitante a 24 prestações mensais no valor de 600,00€ (seiscentos euros) cada, acrescidos de IVA, que são entregues no domicílio dos primeiros outorgantes até ao dia 8 de cada mês.

6.º

Que os cessionários não poderão efectuar no estabelecimento quaisquer obras ou modificações, sem o consentimento dos primeiros outorgantes, mas em caso de autorização para as efectuar, no fim do período de cedência tais obras e benfeitorias revertem a favor dos primeiros outorgantes sem direito a qualquer pagamento ou indemnização, devendo ainda no fim do contrato, entregar-lhes o referido prédio em bom estado, sem deteriorações, salvo aquelas que derivarem do seu uso normal, bem como todas as máquinas, móveis e utensílios que constam da relação anexa e ficam na posse dos cessionários para uso exclusivo no estabelecimento.

(…)

13.º

E porque os outorgantes estão de acordo, vão assinar

Nelas, 1 de Abril de 2007.

OS PRIMEIROS OUTORGANTES

OS SEGUNDOS OUTORGANTES

C... (assinatura manuscrita sem qualquer carimbo)

D... (assinatura manuscrita sem qualquer carimbo)” (al. B).

C. Em data anterior ao acordo referido em B., os AA. celebraram com a R. C... e o marido, José Alberto Pinto da França Raposo, um outro acordo denominado de “ Cessão de Exploração”, do qual consta:

“1.º

Que pelo presente contrato os primeiros outorgantes cedem aos segundos outorgantes e estes aceitam a exploração do seu estabelecimento comercial de denominado “ T...”, instalado no prédio urbano sito ao .L.., composto por rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz sob o art.º 87 da freguesia de Nelas, incluindo-se nessa cessão os móveis comerciais, máquinas e utensílios que fazem parte do aludido estabelecimento comercial e constantes de um documento complementar que faz parte integral do presente contrato.

2.º

A presente cessão de exploração tem início no dia 1 de Fevereiro de 2007, é celebrada pelo prazo de dois anos e tem o seu termo no dia 31 de Janeiro de 2009, prazo que poderá ser prorrogado, no fim do seu termo, por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado por qualquer das partes.” (al. D)

D. Pela AP. 14/20070329, foi registada a constituição da sociedade “ T... de Nelas, Lda.”, que teve como sócias as RR., às quais incumbia a gerência (al. E).

E. As RR. constituíram a Sociedade “ T... de Nelas, Lda.”., de forma propositada para exploração do estabelecimento dos AA. (resposta ao art.º 21.º).

F. Foi em nome desta Sociedade que os AA. sempre emitiram os respectivos recibos das prestações mensais relativas à exploração do estabelecimento (resposta ao art.º 23.º).

G. Foi a Sociedade que contratou com fornecedores na prossecução da actividade de exploração do estabelecimento e criou postos de trabalho (respostas aos art.ºs 24.º e 25.º)

H. Em nome da Sociedade foi feita a escrituração comercial decorrente do exercício da actividade desenvolvida no estabelecimento (resposta ao art.º 26.º).

I. A Sociedade pagou a luz, o gás, a água e telefone do estabelecimento, decorrente do exercício da actividade, bem como os respectivos encargos fiscais (respostas aos art.ºs 27.º e 28.º).

J. Por razões económicas, o estabelecimento encerrou em 10 de Setembro de 2008 (resposta ao art.º 29.º).

L. As RR. entregaram aos AA. as chaves do estabelecimento referido na cláusula 1.º do acordo referido em B) no dia 10 de Março de 2009 (al. C).

M. As RR. não efectuaram o pagamento da prestação constante da cláusula 5.ª do acordo referido em B) correspondente ao mês de Março de 2009, no valor de € 720,00 (resposta ao art.º 2.º).

N. As RR., quando saíram do estabelecimento, levaram consigo a máquina registadora e a máquina de lavar louça (quesito 3.º).

O. As referidas máquinas pertenciam aos AA. e sempre se encontraram no estabelecimento (resposta ao art.º 4.º).

P. Com data de 6 de Abril de 2009 o então Il. Mandatário dos AA enviou às RR, para moradas sitas em Nelas, a missiva cuja cópia consta como docs. n.ºs 6 e 7, com o seguinte conteúdo: “Informa-me o m/ cliente acima identificado que V.ªs Ex.ªs não cumpriram o que se encontrava estabelecido na cláusula 4.ª do contrato celebrado em 1.4.2007.

Por outro lado, retiraram do estabelecimento a máquina de lavar louça e a registadora que deverão aí colocar, bem como as chaves da máquina do tabaco e do armário de exposição do menu.

Informa-me ainda aquele meu cliente que diverso equipamento se encontra avariado, cuja reparação ascende a € 943,00, conforme orçamento que se junta.

Caso as situações apontadas não sejam regularizadas no prazo de 10 dias, o meu cliente optará pela decisão que julgar mais adequada.”

Q. Os AA., para voltarem a pôr o estabelecimento a funcionar, tiveram que comprar uma máquina registadora e uma máquina de lavar louça, tendo despendido em tal compra a quantia de € 1 900,00 (respostas aos artigos 5.º e 6.º).

R. As RR. danificaram o grelhador e o forno (resposta ao art.º 7.º).

S. Os AA. repararam o balcão frigorífico, o grelhador, o forno, a máquina do café e a arca frigorífica, sendo os valores da reparação de, respectivamente, € 15,00; € 28,48; € 37,60; € 4,82; € 63,95, ao que acresceu a quantia de € 70,00 relativa a mão-de-obra, tudo num total de € 219,85 (resposta ao art.º 8.º).

T. Os AA. repararam também o motor do frigorífico, no que despenderam € 130,00 (respostas aos art.ºs 9.º e 10.º).

U. As RR. levaram consigo as prateleiras do frigorífico (resposta ao art.º 11.º).

V. Os AA. tiveram que proceder à substituição, no estabelecimento, de mosaicos, e pintaram as paredes (resposta ao art.º 15.º).

X. Só no início do mês de Junho de 2009, os AA. conseguiram abrir o estabelecimento (resposta ao art.º 16.º).
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B. De direito

Não vem questionado que AA e RR celebraram acordo, a qualificar juridicamente como de cessão de exploração de estabelecimento comercial, nem tão pouco que o mesmo cessou a sua vigência pelo decurso do prazo, persistindo litígio circunscrito à questão da indemnização que os AA reclamam, assente que está também a prática pelas demandadas de ilícito gerador da obrigação de indemnizar.

Estabilizada a matéria de facto, e entrando no âmago do recurso, dir-se-á liminarmente, no que tange à pretendida indemnização pelo facto do estabelecimento ter permanecido encerrado nos dois meses subsequentes à sua entrega, que a resposta negativa ao art.º 17.º da base instrutória, aqui não impugnada, cortou cerce e de forma definitiva a pretensão dos recorrentes. Com efeito, não tendo os AA logrado fazer prova de que sofreram prejuízo, ónus que sobre eles inquivocamente recaía (art.º 342.º, n.º 1), inexiste obrigação de indemnizar[5].

Acresce que, conforme sem dissêndio vem sendo entendido à luz do preceituado no art.º 563.º, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Conforme anotam os Profs. Pires de Lima e A. Varela (CC anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 578) “A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo: o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar, deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores –a doutrina da causalidade adequada (…)”. Daí que, mesmo a admitir a existência de prejuízo pelo encerramento -o que, repete-se, não resultou provado-, a ausência da demonstração do indispensável nexo causal sempre faria naufragar a pretensão indemnizatória dos recorrentes, tal como se deixou explicitado na decisão recorrida, que neste segmento se confirma.

Quanto ao pedido de condenação das RR no pagamento das quantias despendidas na aquisição de uma máquina de lavar louça e de uma máquina registadora para substituir aquelas que as RR levaram consigo e não restituíram, e na reparação dos equipamentos danificados em razão do uso indevido que dos mesmos fizeram, no total de € 2 001,08 (€ 1900,00 + € 101,08), não se discute o acerto da decisão recorrida quando proclama o primado da reconstituição in natura face à indemnização pecuniária, à luz do que dispõe o art.º 562.º.

Assim, os Profs. Pires de Lima e A. Varela, em anotação ao preceito em referência[6], referem expressamente “Estabelece-se neste artigo, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não tivesse sido produzido o dano (princípio da reposição natural). Assim, um automóvel danificado deve ser consertado, o muro destruído deve ser levantado, o objecto subtraído deve ser entregue ou restituído em género, se se tratar de coisa fungível”.

E, tal como citado na sentença sob recurso, o Prof. A. Varela entende que “O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real[7] à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.

Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente”, ficando a indemnização em dinheiro reservada para os casos em que “a reconstituição natural não é sequer possível, a par de outros em que não é meio bastante para alcançar o fim da reparação ou não é idóneo para tal.” [8].

À luz do preceituado no art.º 566.º, “A indemnização em dinheiro (…) tem assim carácter subsidiário. Ela tem lugar, nos termos deste artigo, apenas quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, quando ela não repare integralmente o dano, ou seja excessivamente onerosa para o devedor.”.[9]

Sendo deste modo exacto que a indemnização em dinheiro fica por lei reservada para os casos de impossibilidade, insuficiência e inidoneidade da restauração natural, já não concordamos com a Sr.ª Juíza “a quo” quando entende terem os AA optado por pedir uma indemnização em dinheiro, posto que o valor da reparação dos equipamentos e da aquisição de outras máquinas em substituição daquelas que as RR retiraram do estabelecimento e levaram consigo há-de considerar-se ainda reconstituição da situação anterior à lesão[10].

Questão diversa desta é saber sobre quem recai o dever de proceder à reparação da coisa danificada ou aquisição de uma outra para operar a substituição daquela que desapareceu por acção do lesante. Defende-se na sentença recorrida que “A prioridade da reconstituição natural implica que o lesante não pode ser remetido ao papel de quem simplesmente “paga a factura”. Assim, é o lesante quem deve encarregar-se da reparação, efectuando-a ele próprio, ou mandando efectuá-la e/ ou na entrega dos objectos que foram retirados, pois é nisso que consiste a reconstituição natural”.

Sustenta-se assim na decisão recorrida que o referido primado da reconstituição natural exigiria o pedido de condenação a efectuar a reparação necessária e não meramente a custeá-la.

Sendo nosso entendimento, conforme supra expendido, que a reparação da coisa danificada e entrega dos objectos retirados e/ou substituição dos perdidos corresponde ainda à restauração natural, já não concordamos que a circunstância de terem sido os lesados a promover a remoção do dano através da reparação dos bens danificados e aquisição de outros em substituição dos perecidos inviabilize a condenação das RR no seu custeio, tanto mais que, mesmo a entender-se que recaía sobre estas, em primeira linha, a obrigação de proceder a tais reparação e aquisição, certo é que a não cumpriram, apesar de para tal terem sido interpeladas, assim se constituindo em mora. 

A este propósito assumem ainda pertinência os considerandos expendidos no aresto da Relação de Lisboa de 4/6/2009 antes citado que, em resposta a objecção similar, ponderou como se transcreve: “Sucede que na situação dos autos, com os elementos de que se dispõe, não se afiguraria pertinente que se viesse a condenar a R. na execução do muro, pois que seria certamente o caminho mais rápido para que as partes de novo se viessem a desentender, fosse a respeito das características específicas daquele, fosse a propósito do prazo da execução, etc. Acresce que, como é notório, a R. dispôs já de um largo período de tempo para satisfazer o interesse dos AA. na estabilização do talude e não o fez, nem sequer tentou, e, bem pelo contrário, desinteressou-se sempre daquele interesse. Não parece pois conveniente à satisfação do interesse dos credores que a R. fosse condenada na execução do muro.

E é, também aqui, o interesse dos credores que deve nortear o caminho para a obtenção da reposição natural, não podendo deixar de ser irrelevante o destino que o credor venha a dar ao dinheiro quando o devedor seja condenado a custear uma reparação. O que importa é que esta reparação seja efectivamente necessária para satisfazer aquele interesse do credor.

O escopo da reparação natural é o de tutelar o património do lesado, e não apenas no seu valor, mas também na sua composição e consistência, pelo que é ele quem deve escolher se prefere a condenação do devedor no custeio da reparação, ou se prefere que seja o devedor a proceder a esta a expensas suas.
E este nada terá que opor, a menos que tenha um interesse especial, digno de protecção, em ser ele próprio a efectuar a reparação (…)”
.[11]

Ora, no caso em apreço, nada alegaram as demandadas no sentido de terem um interesse especial em serem as próprias a efectuar a reparação, donde não existir óbice à sua condenação nas quantias despendidas pelos lesados na eliminação do dano.

Todavia, obrigando a lei à reconstituição “da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, a reposição da situação anterior, funcionando como limite ao dever de indemnizar, exclui o enriquecimento do lesado à custa do lesante. Daí que, conforme salienta Calvão da Silva[12] a propósito da perda dos veículos, entendimento que temos por aplicável à perda de qualquer bem fungível, “o valor de substituição (…) será o valor pecuniário de um veículo de substituição de características semelhantes ao sinistrado no momento anterior ao acidente, por forma que, com esse valor, o lesado possa adquirir no mercado (normalmente de ocasião ou de usados), um veículo que lhe permita continuar a circular e assim satisfazer as necessidades de giro pessoal (…) o seu verdadeiro interesse (…). Deste modo (mas só deste modo) se reconstituirá a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização (…)”.

Transpondo tal doutrina para o caso sob apreciação, conclui-se terem os demandantes direito a haver das RR quanto despenderam na reparação do grelhador e forno, nos valores de, respectivamente, € 28,48 e € 37,60, a que acresce mão-de-obra. Reclamam os AA a este título o valor de € 35,00, correspondendo a metade do que despenderam, uma vez que o preço cobrado incluía a reparação da máquina do café e da arca frigorífica. Tendo-se assim por ajustado o mencionado valor, atento o critério consagrado no n.º 3 do art.º 566.º, acresce o mesmo às quantias supra, tudo ascendendo a € 101,08.

No que concerne ao dispêndio com a aquisição das máquinas de lavar louça e registadora, tendo os AA adquirido máquinas novas sem fazer prova da impossibilidade de adquirirem equipamentos de substituição, com o sentido e alcance supra fixado, não pode tal valor ser-lhes atribuído, uma vez que não fizeram prova de que o dano provocado tivesse esta extensão. Assim, e em conformidade com o que se deixou exposto, na ausência de elementos que permitam ao Tribunal determinar o valor pecuniário de equipamentos com características semelhantes àqueles a que as RR deram descaminho, há que remeter para posterior liquidação o seu apuramento, como permite o n.º 2 do art.º 661.º do CPC, o que se determina sem violação do disposto no n.º 1 do preceito uma vez que, tendo os demandantes peticionado o valor de substituição tendo por referência equipamentos novos, a condenação tem por objecto o valor de substituição de equipamentos idênticos aos perdidos, com o limite do valor peticionado. E se se reconhece que a condenação é, de algum modo, duplamente indeterminada, posto que não se apuraram as características das máquinas em causa, o incidente da liquidação é, ainda aqui, o local próprio para o seu apuramento.

Sobre as quantias arbitradas são devidos juros desde a citação nos termos dos artigos 804.º e 805.º, n.º 3, “in fine”, computados à taxa de 4% (n.º 1 do art.º 559.º e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
*

III Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em alterar a decisão recorrida, condenado em conformidade as RR C... e D... a pagar aos AA A...e mulher, B... a quantia de € 821,08 (oitocentos e vinte e um euros e oito cêntimos), acrescida do montante que se vier a apurar corresponder ao valor pecuniário de uma máquina de lavar e uma outra de registar, com características semelhantes às existentes no estabelecimento dos AA, até ao máximo de € 1 900,00 (mil e novecentos euros), tudo acrescido de juros de mora contados da citação à taxa supletiva legal de 4% e até integral pagamento.

Custas em ambas as instâncias a cargo de AA e RR na proporção dos seus decaimentos no que se reporta ao valor do pedido, deduzido da quantia de € 1 900,00; quanto a este montante, as custas serão suportadas provisoriamente em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação.
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Relator: Maria Domingas Simões
Adjuntos:
1º - Nunes Ribeiro
2º - Helder Almeida


[1] Com o seguinte exacto teor:
“35.ºAs RR foram por diversas vezes interpeladas para restituírem todas as máquinas e equipamentos que têm em seu poder;
36.º E para pagarem os prejuízos causados aos AA;
37.º Inclusivamente através do seu mandatário (docs. 6 e 7).”

[2] Do aresto do Tribunal Central Administrativo do Sul de 24/5/2012, processo n.º 04056/08 CA. 2.º juízo, sendo relatora a Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Ana Celeste Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[4] Sublinhando este aspecto, v. Prof. A. Varela e outros, in “Manual de Processo Civil”, pág. 507.
[5] Definitivamente decidida está também, por arredada do objecto do recurso, a questão da indemnização reclamada pela remoção e descaminho das prateleiras do frigorífico, denegada pela 1.ª instância, e que os AA deixaram transitar.
[6] in Código Civil anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 576.

[7] “Entende-se por dano real o prejuízo que o lesado sofreu em sentido naturalístico (“in natura”), que pode analisar-se nas múltiplas formas possíveis de ofensa de interesses alheios juridicamente protegidos, de ordem patrimonial ou não patrimonial” por contraposição ao dano de cálculo, consistente “na expressão pecuniária de tal prejuízo” (in Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 390).
[8] Prof. Antunes Varela, “Direito das Obrigações”, 4.ª ed., vol I, pág. 876, e também Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 9.ª edição, pág. 891, segundo o qual “Da articulação destas duas normas [562.º e 566.º] resulta uma clara primazia da reconstituição “in natura” sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer que é primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização.”.
[9] Pires de Lima e A. Varela, CC anotado, anotação ao art. 566.º.
[10] Neste sentido, aresto Rel. Lisboa, processo n.º 2141/06.1 TBPDL 4.2, sendo relatora a Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Teresa Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt., no qual se concluiu que “ Desde o momento em que, o que os AA. pretendem através da construção do muro é, a anulação do seu dano real, estar-se-á ainda no campo da restauração natural. Diferente seria a situação, se os AA., admitindo a perda “in natura” sofrida, e não a pretendendo superar, quisessem ser indemnizados dos prejuízos que tal perda lhes implicava. Aí sim, haveria indemnização por equivalente.”.
Em idêntico sentido, com recenseamento de diversas decisões sobre a questão, aresto da mesma Relação de Lisboa de 4/6/2009 (processo n.º 3564/05.9 TVLSB. L 12), relatado pelo Ex.mº Sr. Juiz Desembargador Vaz Gomes, acessível no mesmo sítio.
[11] Acórdão proferido no processo 2141/06.1. TBPDL identificado na nota anterior.
[12] RLJ 137 (2007), pág. 64, citado por Menezes Leitão, in ob. cit., nota 893 na pág. 420.