Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/08.0FANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADO O DESPACHO
Legislação Nacional: ARTIGO 97º Nº 5 CPP
Sumário: 1.- O ato decisório, deve ser fundamentado, nos termos do disposto nos termos do disposto no artigo 97.°, nº 5, do Código de Processo Penal;

2.- A obrigação do juiz fundamentar os despachos tem em vista a não permissão de decisões arbitrárias e a correspondente possibilidade de os destinatários poderem conhecer e compreender devidamente as razões que determinaram a decisão;

3.- Sempre que o despacho deixe claro que se ponderaram as questões suscitadas e que o destinatário compreendeu bem o que se decidiu, mostra-se ele devidamente fundamentado.

Decisão Texto Integral:             Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
                                                           ***
            O arguido, A..., vem interpor recurso do despacho proferido a fls 407 que indeferiu a realização de nova perícia, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
            1. O ora recorrente não se conforma com o conteúdo do despacho de fls. 407 dos autos.
2. Por despacho a fls. 382 dos autos, e no que aqui importa, foi indeferida a realização de nova perícia requerida no articulado contestação.
3. O recorrente coligiu para os autos requerimento a arguir a violação do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, cuja consequência seria a nulidade prevista no artigo 120º, n.° 2, alínea d), parte final, do mesmo Código.
4. O despacho de fls 407, padece de nulidade, até porque, o crime imputado ao arguido se estriba fundamentalmente no relatório pericial carreado para os autos, sendo que, a realização de nova perícia se afigura a todas as luzes como essencial e determinante para a descoberta dia verdade material e boa decisão da causa.
5. O conteúdo do relatório pericial junto aos autos, não foi em momento algum, dado a conhecer ao arguido.
6. O que limita as suas possibilidades de defesa, designadamente a possibilidade de contraditá-lo.
7. O recorrente questionou, as conclusões vertidas no relatório pericial, posto que, o mesmo é ambíguo, pois que, por um lado, considera a máquina como sendo apta a desenvolver jogos ilícitos e por outro lado, afirma não ter sido possível colocar em funcionar a aplicação onde alegadamente se encontrava o jogo ilícito.
8. Ademais, o recorrente na sua contestação, insurgiu-se particularmente contra as denominadas comparações veiculadas no relatório de exame pericial.
9. As anteditas comparações foram efetuadas entre as imagens alegadamente extraídas da máquina, com fotografias do jogo de vídeo-póker a que as mesmas estão associadas, através do recurso a fotografias do aludido jogo retiradas de outras máquinas com o jogo em desenvolvimento.
10. Por outro lado, o relatório pericial é peremptório ao afirmar não ter sido possível colocar em pleno funcionamento os jogos pretensamente existentes no equipamento.
11.Assim sendo não pode o relatório pericial junto aos autos apresentar-se como um meio probatório válido, atenta a especificidade e natureza do crime que ao arguido é imputado.
12. O despacho de fls. 382, não se mostra minimamente fundamentado, até porque no essencial reproduz uma decisão proferida em sede instrutória e que perfilhou o inusitado argumento de que o momento próprio para o arguido requerer nova perícia sempre seria o da sua inquirição como tal, quando na realidade nem sequer lhe foi dado conhecimento da existência de um exame pericial...
13. Desta forma, e atendendo a todo o processado, impõe-se por se afigurar essencial e até mesmo decisivo para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa a realização de um novo exame pericial, que esclareça concludentemente os resultados conclusões do primeiro exame pericial.
14. Possibilitando desta forma a cabal estruturação da defesa do recorrente.
15. O despacho recorrido padece da mais absoluta falta de fundamentação, factual e/ou legal, sendo, além do mais, meramente conclusivo.
16.Na medida em que indeferiu um requerimento de produção de prova apresentado pelo arguido ao abrigo dos artigos 32.º, n.° 1, da Constituição, e 340.º do CPP, o despacho recorrido nem sequer cumpriu (violando-o, nessa medida) o previsto no n.° 4 do artigo 340.° do CPP.
17.Não se tendo, sequer, pronunciado concludentemente pela substância do requerimento apresentado pelo recorrente, sendo em consequência meramente conclusivo, o despacho recorrido violou disposto nos artigo; 340.°, n.° 1, do CPP (por omissão) e nos artigo 20.°, n.°s 1 e 4 e 32.°, n.°s 1, 5 e 7, da Constituição.
            18.Violou igualmente, as garantias constitucionais e legais de defesa do arguido, bem como o direito a intervir processualmente e o próprio princípio do contraditório foram assim gravemente desrespeitados violados.
19.O poder de o tribunal recusar a admissão e produção de prova requerida pela defesa ou pela acusação, é limitado pela sua inadmissibilidade irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória.
20.Ora, em concreto não estamos perante nenhuma das descritas situações, pelo que se impunha o deferimento do meio probatório requerido, mormente a
realização de nova perícia.
21.O relatório pericial junto aos autos, não habilita de modo algum o julgador a proferir uma decisão justa, até porque, o mesmo é contraditório e escora as suas conclusões em comparações, que seguramente não se coadunam com a emissão de um juízo técnico — cientifico.
22.Ademais, e tal como expressamente decorre do disposto nos art.°s
155° e 156.° do CPP o arguido tem a prorrogativa de querendo, nomear consultor técnico da sua confiança, para acompanhar a realização da perícia e se, entendesse necessário, enunciasse observações e objeções, inclusive a formulação de quesitos, de modo a constarem dos autos, faculdade esta que no momento da realização da perícia, não podia ser exercida pelo arguido, justamente por ainda na figurar no processo como arguido.

23.Pelo menos, deveria ter siso dado conhecimento do resultado do relatório pericial, o que objetivamente, não aconteceu.
24. O despacho recorrido violou o disposto nos art.° 120º, n.° 2, alínea d), 158° e art.° 340 n.°1(por omissão) e n° 4 do CPP 20.°, n.°s 1 e 4 e 32.°, n.°s 1, 5 e 7 da Constituição.
Nestes termos
E nos demais de Direito, e sempre com o Mui Douto suprimento dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores, deve:
A) Ser declarado nulo o despacho recorrido devendo, em consequência, ser substituído por outro que defira a requerida realização de nova perícia
Fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!
             
            O recurso foi admitido para subir a final, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

                                                                       xxx
            No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
            Condenou o arguido A...pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo artº 108º nº 1, do DL nº 422/89 e 02/12, na redacção introduzida pelo DL nº 10/95 de 19/01, na pena de 15 (quinze) meses de prisão.
            Ao abrigo do disposto no artº 50º do Cod. Penal, suspendeu-se a execução da pena por igual período de tempo.

            Desta sentença interpôs recurso o arguido, A...:
            São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:
            A) O presente recurso, interposto por o arguido não se conformar com sentença proferido nos autos que o condena nos termos para os quais se remete, tem por objecto a decisão proferida sobre a matéria de direito e também a impugnação da matéria de facto.
B) Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o presente recurso tem por objecto a sentença que julgou “a acusação procedente, por provada e, consequentemente” condenou o arguido nos termos constantes da sentença recorrida, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no que respeita à prática do “de um crime de exploração ilícita de jogo”.
C) A Audiência de julgamento foi gravada através do sistema integrado de gravação digital áudio, disponível na aplicação informática do Tribunal Judicial de Leiria, como aliás tinha de ser, pelo que, este douto Tribunal da Relação está, assim, em condições de poder sindicar a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, quanto àquela matéria de facto.
D) Quanto à matéria que se pretende modificada no que respeita à acusação: os factos números 11, 12, 13, 14, 15 e 16 referentes à pronuncia não se coadunam, minimamente, com a prova efectivamente feita em sede de Audiência de discussão e Julgamento, pelo que devem ser dados como não provados, sendo certo que devia ainda ter sido dado como provado que “a máquina foi vendida em finais de 2003, inícios de 2004 a C... que desde então a passou a explorar em seu proveito exclusivo”
E) A Mma Juiz desatendeu completamente a tudo o que foi dito pelas testemunhas E... e F..., ao ponto de não incluírem na matéria de facto provada matéria essencial para o julgamento da causa e para a descoberta da verdade material.
F) A convicção do Tribunal baseou-se, no que às potencialidades da máquina respeita, no relatório de exame pericial realizado à máquina, o qual e em bom rigor afirma peremptoriamente não ter sido possível visualizar em pleno funcionamento o jogo alegadamente desenvolvido pela aplicação informática existente na máquina.
6) Sendo certo que, do relatório pericial consta expressamente não ter sido
possível colocar a aduzida aplicação em funcionamento.
            H) Seguramente que a existência de ficheiros não executáveis, não possuem a virtualidade de abarcar tal conclusão, justamente por não terem sido executados, ou seja, somente foi possível retirar imagens em formato bmp e nada mais do que isso, ao que acresce a circunstancia de não se ter conseguido colocar o pretenso jogo em pleno funcionamento e muito menos precisar, se aquela aplicação alguma vez desenvolveu jogos ilícitos.
            I) Neste contexto, é de todo fundamental por um lado, esclarecer que o relatório pericial bastou-se com a simples extração de meras
imagens em formato bmp, sem que tenha sido possível, por qualquer forma ou meio, desenvolver o pretenso jogo nela existente, ao passo que, o sobredito relatório pericial se fundou É falta de mais e melhores elementos na comparação entre as imagens recolhidas da leitura do disco rígido, com fotografias (extraídas de outras máquinas que não a dos autos) de um jogo de vídeo póquer desenvolvido por máquinas com idêntico software, mas não necessariamente iguais.

            J) Posto isto, uma única conclusão se impõe: ao não ser possível colocar o pretenso jogo em pleno funcionamento é de todo impossível, sem dar um verdadeiro salto no desconhecido, afirmar ou concluir com a certeza que se impõe, que estamos perante uma máquina classificada pela Lei como de fortuna ou azar, sendo certo que tal conclusão, baseia-se tão só em comparações fotográficas com outras máquinas que desenvolviam um jogo de vídeo-póquer, quando em concreto não foi sequer possível visualizar em pleno funcionamento o jogo alegadamente existente na aplicação informática existente na máquina.
            K) Quanto à validade da prova pericial, aqui se dão por reproduzidos fundamentos vertidos no Douto recurso, defensando-se a sua nulidade.
            L) Não fiou minimamente demonstrado, por não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido, que a máquina à época da apreensão, fosse ainda propriedade do ora recorrente, ao invés, foi produzida prova demonstrativa que a máquina em 06.08.2008, já não era propriedade do arguido, ora recorrente.
            M) A testemunha E..., afirmou claramente que foi ele a colar a máquina no estabelecimento, por ordem do seu proprietário e explorador. C...,
            N) Ora, articulando o depoimento do arguido com o da testemunha E..., deveria o Tribunal recorrido valorado tais elementos no sentido de considerar como não provado o ponto 11 dos pontos da matéria de facto considerados provados, ou seja, que a máquina era propriedade do Sr. C... e por este explorada.
            O) Ademais, na motivação da sentença, nada consta acerca da credibilidade, isenção e clareza do depoimento da testemunha, o que constitui uma verdadeira falta de fundamentação, cuja consequência é fulminada pela Lei com a nulidade.
            P) Consabido é que, a motivação de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento, devendo antes de assegurar que o processo de decisão seja inteligível, de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível, o que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do “ thema decidendum”.
            Q) Na decisão recorrida não se indicou circunstanciadamente o sentido das declarações e dos depoimentos prestados, nem tão pouco o relevo relativo que o tribunal lhes deu, na sua opção pela relevância das provas a que atendeu, não tendo quando inclusive ajuizado da sintonia delas com a experiência comum.
            R) Com base nessa motivação muitas dúvidas se suscitam sobre a forma de aquisição dos factos dados como provados e sobre os factos em si mesmos.
            S) Ao considerar provado que a máquina era propriedade do aqui recorrente, facilmente se dó conta de que o tribunal errou manifestamente na apreciaç5o e valoraç5o que fez das provas produzidas em julgamento.
            T) Não se escrutinam quaisquer elementos probatórios que levem a crer que o arguido praticou o crime pelo qual vem condenado.
            U) Deste modo, estamos perante um erro notório na apreciação da prova, caracterizado como um verdadeiro vício da sentença que existe e é relevante quando o homem médio facilmente se dá conta de que o tribunal errou manifestamente na apreciação e valoração que fez das provas produzidas em julgamento.
            V) Em concreto, mostram-se violadas as regras da experiência comum, seja porque se baseou em critérios ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios, seja ainda por incipiente fundamentação.
             W) Tal teria por certo levado o tribunal a descartar da imputada propriedade da máquina, logo ali, considerando como não provados os pontos da matéria de facto constantes dos números 11, 12, 13, 14, 15 e 16 como ora se impõe e questão que se suscita expressamente, alicerçando-se tal conclusão nos sobreditos depoimentos em todos os demais elementos probatórios coligidos para os autos.
            X) Em obediência ao princípio in dubio pro reo o qual se identifica com o princípio da presunção de inocência, o que significa que, na dúvida razoável sobre factos incertos, o tribunal terá de decidir em favor do arguido, o que em concreto não sucedeu.
            Y) A convicção do julgador, no tocante à propriedade da máquina não se pode fundar exclusivamente em títulos de registo que remontam aos anos de 2001 a 2003, para a final concluir que sendo a máquina em tais períodos propriedade do recorrente, também o seria em 2008.
            Z) A presunção veiculada na sentença recorrida colide frontalmente com o princípio in dubio pro reo.
            AA) Também a matéria de facto constante dos números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e l0 dos factos provados deve ser modificada para não provada, de acordo
com a prova efectivamente feita em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, pelo que devem ser dados como não provados.

            BB) A testemunha G..., inspetora de jogos que realizou a perícia à máquina afirmou não ter sido possível colocar o jogo alegadamente constante de uma aplicação existente no disco, em pleno funcionamento –
            CC) Mais salienta a aduzida inspetora G...que o relatório pericial assenta em grande medida na comparação entre as imagens recolhidas da leitura do disco rígido da máquina, com fotografias (extraídas de outras máquinas que não a dos autos) de um jogo de vídeo— póquer.
            DD) Sendo certo que, aquando da realização da perícia não foi possível desenvolver qualquer jogo, apenas e só se lograram extrair imagens que, por sua vez foram comparadas com as retirados de outras máquinas que desenvolviam o jogo em apreço
            EE) O que equivale a dizer que não desenvolveu qualquer jogo, tal como expressamente refere, ao passo que igualmente afirma não saber se aquela máquina alguma vez desenvolveu um jogo de vídeo-póquer.
            FF) Acresce ainda que as conclusões do relatório pericial, alicerçam-se em grande medida em comparações efetuadas entre imagens extraídas da máquina com fotografias retiradas de outras máquinas no momento em que desenvolviam o jogo alegadamente existente na máquina dos autos.
            GG) Certo é que, não foi possível desenvolver qualquer jogo de vídeo-póquer, justamente por a aplicação não ser executável.
            HH) Com determinante relevância para a descoberta da verdade material no que ao relatório de exame pericial diz respeito e conclusões ai vertidas
a testemunha perito informático F..., afirmou que o relatório pericial é um copy past de outros relatórios.

            II) As imagens retiradas do máquina, encontravam-se numa aplicação não executável.
            JJ) Tais imagens podem surgir nos equipamentos, através da internet e incorporar-se na disco rígido através de vírus informáticos.
            KK Aliás, se o pretenso jogo existente na máquina fosse executável, também o seria em um qualquer computador, designadamente nos da Inspeção Geral de Jogos, o que não sucedeu.
            LL) Ou seja, das duas, uma: ou o ficheiro é executável e deste modo pode desenvolver jogos ou não o é, e neste caso não é possível o desenvolvimento de quaisquer jogo.
            MM) Ora, conjugando o depoimento das testemunhas F... e G..., afigura-se-nos que a matéria constante dos factos dados como provados nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8. 9 e 10, não poderiam ter sido considerados como tal, impondo-se a sua alteração de tal matéria para não provada.
            NN) Tendo em conta a alteração dos factos provados acima propugnada, deve o Arguido ser absolvido do crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado.
            OO) O Tribunal a quo, ao dar como provado o que deu no ponto 11, ainda que da forma conclusiva como faz, violou o disposto no art.127.° do C.P.P. e o princípio in dúbio pro reo e incorreu no erro notório na apreciação da prova a que alude o art. 410.°, n.° 2, al. a), do C.P.P.
            PP) O mesmo se diga relativamente ao vertido nos pontos 12,13 14, 15 e 16, e relativamente a estes de forma igualmente flagrante, pois que nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
            QQ) Aliás, não resulta da motivação da matéria de facto da sentença, os elementos probatórios que levaram a considerar o recorrente como proprietário da máquina e muito menos que este em associação de meios e esforço com o B..., propiciassem a realização de jogo e dividissem os lucros daí resultantes, pelo que não se percebe qual o fundamento para se considerarem provados os pontos 11, 12, 13, 14, 15 e 16.
            RR) Tais circunstâncias, não resultam minimamente indiciada do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ao que acresce o manifesta falta de fundamentação da factualidade considerada provada, o que gera a nulidade da mesma.
            55) Como já se aludiu supra, da decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação da matéria de facto, e as referências que na mesma são feitas aos depoimentos das testemunhas, no âmbito da imediação e da oralidade, verifica-se que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto constante do ponto 11 — único ponto onde se faz menção, de forma conclusiva e não fundamentada, à propriedade da máquina, seguiu um raciocínio ilógico, arbitrário contraditório, por si só e conjugado com as regras da experiência comum, de onde se pode concluir, com absoluta segurança, pela existência de um erro notório na apreciação da prova ou de
violação da livre apreciação da prova.
            TT) Em suma, na sentença em crise verificam-se, pois, com a intrínseca violação das normas atinentes, a existência dos vícios referidos na alíneas do n.° 2 do artigo. 410º C.P.P., com a inerente violação do disposto no
artigo 127.° do C.P.P e
ainda o disposto no art.° 108° n° 1, do DL n° 422/89 de 02/12, no redacção introduzida pelo DL n° 10/95 de 19/01.
            Nestes termos, nos mais de Direito e com o douto suprimento de
V. Exas. deve ser julgada procedente o presente recurso e, consequentemente, tendo em conta a alteração dos factos provados acima propugnada, deve o arguido ser absolvido do crime que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


            O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

            Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

            Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso intercalar e pela procedência parcial do recurso interposto da sentença.

            Respondeu o arguido pugnando pela procedência do recurso.
                                                                       xxx
            Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

            O recurso abrange matéria de direito e de facto uma vez que as declarações prestadas encontram-se documentadas.

            Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

            1. O estabelecimento comercial denominado «Café X..., Lda. NIF (...) na Guimarota é explorado pelo arguido B....
            2. No dia 6 de agosto de 2008, pelas 21 h, na cave do referido estabelecimento, detinha uma máquina de marca modelo «Playcenter » que contém  além do software, um aplicação correspondente ao ficheiro pcenter. exe.
            3. Aplicação que consiste num jogo vídeo-póker.
            4. Cujo resultado depende fundamentalmente da sorte do jogador.
            5. É acionado pelo jogador com a introdução de uma moeda de um euro.
            6. E através de código.
            7. Além da apresentação gráfica e botões próprios do software original da máquina.
            8. Para execução daquele jogo, contém, ainda, apresentação gráfica com imagens das cartas.
            9. E os botões de «BET, DEAL, TAKE, DOUBLE, SMALL e BIG, correspondentes ao jogo de vídeo-poker.
            10º Os quais:
            «BET»: regista o número de créditos que o jogador quer arriscar em cada jogada;
            «DEAL»: botão de start, o jogador pede cartas;
            «TAKE»: credita os créditos de uma jogada premiada;
            «DOUBLE»: permite optar pela opção da dobra;
            «SMALL»: aposta depois do jogador ter decidido dobrar os créditos ganhos numa carta, pertencente ao conjunto de cartas «baixas»;
             «BIG»: aposta depois de o jogador ter decidido dobrar os créditos ganhos, aposta numa carta, pertencente ao conjunto de cartas “altas”.
            11. A máquina é propriedade do arguido A....
            12. Que, com autorização de B... a instalou no Café X...
para ser utilizada pelos clientes do estabelecimento;
            13. Dividindo entre si os lucros da sua exploração.
            14. Propiciavam a realização do jogo, atraíam e angariavam clientela.
            15. Aproveitando-se dessa circunstância para aumentar as vendas, nomeadamente de bebidas e outros produtos de cafetaria.
            16. Com o que aumentavam os lucros do estabelecimento.
            17. Na altura a caixa de recolha das moedas continha 35 euros em moedas de um euro.
            18. Não existia licença de exploração para máquinas de diversão, com as características supra referida.
            19. O arguido agiu livre, conscientemente e deliberadamente.
            20. E com perfeito conhecimento de que não era detentor de qualquer jogo.
            21. E que a sua conduta era proibida.
            22. Do certificado de registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações:
            Por factos praticados a 14.6.96 e decisão de 5.6.98, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 113/97.4TBLRA 2° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração  ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa, que pagou;
            Por factos praticados a 6.6.95 e decisão de 23.10.98, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 63/97.4TBLRA da 2° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por multa, que pagou;
            Por factos praticados a 23.8.94 e decisão de 31.5.99, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 875/96.6TBLRA do 2° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 110 dias de multa á razão diária de 800$00 que pagou;
            Por factos praticados a 9.94 e decisão de 6.4.00, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 461/95 do 1° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita d jogo, o arguido foi condenado na pena de um ano de prisão suspenso na sua execução pelo período de 2 anos;
            Por factos praticados a 4.4.99 e decisão de 5.3.02, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 331/99.OPBLRA 3° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de difamação calúnia e injuria, o arguido oi condenado na pena de 150 dias de multa á razão diária de 6€, que pagou;
            Por factos praticado a 2.5.98 e decisão de 11.6.02, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 365/98.2TALRA do 1° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 140 dias de multa á razão diária de 5€ que pagou;
            Por factos praticados a 8.2.97 e decisão de 28.11.02, transitada em julgado, no âmbito & Proc. n° 222/97.OTALRA do 1° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano e 100 dias de multa á razão diária de 4€, que pagou;
            Por factos praticados a 7.01 e decisão de 25.7.06, transitada em julgado, no âmbito do Proc. no 35/01.6FAFIG do 3° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, o arguido foi condenado na pena de 150 dias de multa á razão diária de 5 € e 11 meses de prisão em regime de PHVE;
            Por factos praticados em 2011 e decisão de 4.2.11, transitada em julgado, no âmbito do Proc. n° 2/11.IFDCBR do 5° Juízo Criminal de Leiria, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, o arguido foi condenado na pena de 200 dias de multa á razão diária de 5 €;
            23. Consta ainda de fls. 425 a fls. 431, informação sobre os antecedentes criminais do arguido pedido ao Registo Central de Penados Y Rebeldes de Espanha.
            24. O arguido tem dois processos pendentes um no Tribunal Judicial de Viseu e outro Tribunal Judicial de Soure.
            25. O arguido aufere entre 2.000 a 3.000 e vive com a mulher que se encontra a estudar.
            26. O casal tem dois filhos menores.
            27. O arguido tem a 10º ano de escolaridade.
           
            Factos não provados:
            Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa, constantes da contestação junta a fls. 363 e ss nomeadamente que, a máquina deixou de ser propriedade do arguido, em finais de 2003, em virtude da venda do equipamento a C....

            Motivação da decisão de facto:


            In casu, a convicção do Tribunal formou-se com base na análise do auto de apreensão de fls. 5, título de registo de fls. 7, registo de máquina de diversão de fls. 8, registo de máquina de diversão de fls. 9 e 10, oficio da Câmara Municipal de Leiria de fls. 25, relatório pericial de fls. 46 a 49 e na análise do certifica de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 410 a 431. No depoimento do arguido que referiu ao Tribunal que foi proprietário da máquina em questão, mas que em 2004 vendeu ao seu irmão C... e afirmou ainda que a máquina não é de fortuna e de azar e esclareceu o Tribunal quanto á sua situação sócio económica.    Sopesado o depoimento das testemunhas: H..., que procedeu inspeção e constatou a existência de uma máquina de fortuna e de azar em funcionamento no “Café X...”, motivo pelo qual levantou o auto e removeu a referida máquina, uma vez que muito embora a mesma pudesse estar legalizada, os jogos nela instalados não o estavam I... , doméstica, confirmou a existência da máquina no estabelecimento. E.... confirmou ter instalado máquina no “Café X...”, por ordem de C.... G..., inspectora de jogos, esclareceu que o disco rígido foi retirado da máquina foi analisado tendo sido detetada uma aplicação informática que não pertence ao “playcenter” concluído com segurança que havia um jogo de fortuna e de azar ali instalado, tendo o software original da máquina sido adulterado. F..., informático, referiu que relatório que se encontra junto aos autos, não pertence á máquina em questão e afirmou que todos os relatórios são iguais.
            A Srª inspetora, que elaborou o relatório junto aos autos a fls. 46 e ss, fez um relato isento, coerente, sem contradições, esclarecedor e credível, que logrou convencer o Tribunal. Por outro lado, a testemunha arrolada pelo arguido, F..., não logrou esclarecer o Tribunal do porquê da afirmação por si feita de que o referido relatório não pertence á máquina em questão.
            Com efeito do relatório de fls. 46 e ss, resulta que foi realizada comparação entre as imagens recolhidas da leitura do disco rígido, com fotografias do jogo de vídeo-poker a que as mesmas estão associadas, através do recurso a fotografias do aludido jogo retiradas de máquinas com o mesmo software e com jogo em desenvolvimento, sendo que a apresentação gráfica das cartas e dos botões, não se encontram em qualquer jogo de diversão, inclusos no software original das máquinas. Além do mais, concluiu-se que para além do software original da máquina a mesma continha uma outra aplicação -- pcenter.exe -onde se encontram recursos necessários para o desenvolvimento de um outro jogo, sendo que tais recursos são aplicados apenas e só num jogo de vídeo-poker.
            Em conclusão, a convicção do Tribunal sobre os factos foi determinada pela consideração de toda a prova produzida, interpretada de acordo com juízos de experiência comum.
                                                                      *
  Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

            Questões a decidir:          
            -Se foi violado o disposto no artº 120, nº 2 al d) do CPP, por não admissão de prova pericial requerida pelo arguido;
            - Se foi violado o disposto no artº 374 nº 2 do CPP;
            - Se foi violado o principio in dubio pró reo;

            1º recurso

            Sustenta o recorrente que o despacho recorrido ao indeferir a prova pericial requerido pelo arguido violou o disposto no artº 120 nº 2 al d) do CPP.
            Ora, basta ler tal disposição para ver que não houve violação de tal normativo na medida que quer a fase de inquérito, quer a fase de instrução já foram ultrapassadas. E nas referidas fases de inquérito e de instrução não houve omissão de quaisquer diligências, nem omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se de essenciais.
Diz o prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal II Vol. Pg 84 e sobre a insuficiência de inquérito que é de questionar-se a utilidade desta nulidade num processo em que o inquérito é dirigido pelo Mº Pº e a lei não impõe, em geral, a prática de quaisquer actos típicos de investigação.
Mais refere que a “insuficiência de inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa.
A omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Mº Pº”.
Regra geral a consequência do Mº Pº ter deduzido acusação com insuficiente prova será a não pronúncia ou a absolvição do arguido.
            No caso vertente foram efectuadas todas as diligências necessárias, incluindo, exame pericial à máquina aqui em causa.
            Contudo, o recorrente, com a sua contestação requer a repetição do exame pericial.
            Ora, basta ler o relatório pericial junto aos autos para, também concluirmos que o exame agora pretendido será inútil face ao relatório pericial de fls 46 a 90 onde se refere que foi efectuado uma análise ao suporte dos jogos, disco rígido, tendo-se concluído que este contém, para além de uma cópia do software original das máquinas PAYCENTER (…) uma outra aplicação (…). Aludidos recursos são utilizados apenas e só num jogo de vídeo-póker.
            Como ainda é referido no relatório pericial e, também, no parecer do Mº Pº, Não foi possível colocar em funcionamento tal aplicação, onde se encontra dissimulado o jogo ilícito, pcenter, por só ser possível abri-la com um código de acesso.  
            Como bem refere o Mº Pº o exame pretendido pelo Mº Pº só tem interesse se este disponibilizasse o código de acesso, o que não fez até agora, nem é previsível que o faça, na medida em que o fornecimento do código só o prejudicará na medida em que vai confirmar aquilo que os autuantes visionaram no ecran da máquina, quando o jogo estava aberto, ou seja, um jogo denominado “Poker”.
            Portanto, sem o referido código de acesso o exame pretendido pelo arguido é um acto inútil e que nada mais trará aos autos.
Sustenta o recorrente que o despacho recorrido não se encontra suficientemente fundamentado.
Antes de mais temos de salientar que estamos perante um despacho e, como tal, não obedece aos critérios rigorosos de fundamentação exigidos para uma sentença.
O art 97 do Código Processo Penal, consagra o princípio geral de que os actos decisórios devem ser fundamentados.
A obrigação do juiz fundamentar os despachos tem em vista a não permissão de decisões arbitrárias e a correspondente possibilidade de os destinatários poderem conhecer e compreender devidamente as razões que determinaram a decisão.
Sempre que o despacho deixe claro que se ponderaram as questões suscitadas e que o destinatário compreendeu bem o que se decidiu, mostra-se ele devidamente fundamentado (AcRC de 10/4/2002, proferido nos autos de recurso nº 115/2002, in http://www.trc.pt/trc05283.html).
Ora, o despacho aqui em causa de forma sintética e clara explica as razões que levaram ao indeferimento do exame requerido pelo arguido, o que o recorrente entendeu.
            Embora de forma sintética o despacho recorrido está suficientemente fundamentado.
            Assim é de manter o despacho recorrido.
            Custas pelo recorrente.
           

Recurso da sentença

            Entre os requisitos obrigatórios da sentença criminal, deparamo-nos com os do art. 374º, do Cód. Proc. Penal, onde consta o da fundamentação (antecedida pelo relatório e seguida do dispositivo), a qual, nos termos do n.º 2 desse normativo, deve constar da “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
            “Estas exigências, decorrentes do princípio geral de fundamentação das decisões judiciais com assento constitucional e legal, respectivamente, nos arts. 205º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 97º n.ºs 1 e 5, do Cód. Proc. Penal, constituem, tal como vem sendo sufragado pelo nosso mais Alto Tribunal, um factor de legitimação do poder jurisdicional, potenciando a desejável adesão dos seus destinatários e da comunidade em geral, e uma garantia de observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção.
Daí que, a inobservância da obrigação de fundamentação, em qualquer das vertentes legalmente plasmadas, seja fulminada com nulidade de conhecimento oficioso, por força do estatuído no art. 379º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Proc. Penal, o último na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25/8, que veio esclarecer definitivamente as dúvidas que até aí se suscitavam, afastando-se do regime previsto no Código de Processo Civil onde continua a vigorar o princípio da livre disponibilidade das partes no que concerne à arguição dos vícios da sentença” (AcRP 7/9/2011 nº 1147/09.3PJPRT.P1, que seguiremos de perto).

            “Todavia, não estabelecendo a lei um modelo rígido de fundamentação, traçando apenas as respectivas linhas estruturais, é óbvio que os termos da explicitação dos motivos de facto e de direito que necessariamente a integram há-de ter em conta a complexidade e circunstâncias particulares de cada caso.
Relativamente à enumeração da matéria de facto provada e não provada, é pacificamente aceite que tal obrigação se restringe aos factos essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes – v., a este propósito, entre outros, o Acórdão do STJ, de 15/1/97, CJ-STJ, Ano IV, Tomo I, págs. 181/182 – nenhuma censura merecendo, nessa parte, a decisão recorrida.
E, sabendo-se que o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127º, do Cód. Proc. Penal, não se confunde com arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos, sem qualquer ponto de contacto com a realidade, sendo balizado pelas regras de experiência, o exame crítico da prova é imposto pela necessidade de explicitar e reconstituir o substrato racional que conduziu à formação da convicção do tribunal, designadamente a credibilidade atribuída a cada meio probatório produzido na audiência e respectivos fundamentos, levando-o a proferir sua decisão em determinado sentido, sendo insuficiente para o efeito a mera referência ou enumeração dos mesmos, verificando-se nulidade não só nas hipóteses de total omissão de motivação mas também quando a fundamentação da convicção do tribunal for insuficiente para efectuar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado”.

            “Assim, na esteira da abalizada jurisprudência do STJ, a motivação não terá que revestir a forma de uma “assentada” das declarações e depoimentos produzidos em audiência mas deverá ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superar o exame do processo lógico ou racional, que lhe subjaz, pela via de recurso, e, extraprocessualmente, deverá assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e na própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”.
            “Havendo exteriorização clara e inequívoca do raciocínio seguido pelo tribunal na formação da convicção e sendo aquele consentâneo com as regras de normalidade do acontecer, terá que concluir-se pela adequação e suficiência do exame crítico da prova, independentemente da sua maior ou menor extensão ou profundidade de análise.
            Com efeito, a aplicação do direito ao caso concreto pressupõe sempre uma dimensão subjectiva, um papel criador do juiz, mas a motivação impossibilita a conversão da subjectividade em voluntarismo, individualismo ou arbítrio, buscando o reconhecimento da decisão através de uma objectivação consistente na capacidade de se impor aos outros, por via da persuasão e razoabilidade”.
            No caso vertente o tribunal a quo indicou claramente os meios probatórios em que alicerçou a sua convicção, exarando que atendeu às declarações do arguido, á prova testemunhal e à prova documental e pericial junta aos autos.
            O Tribunal dá como provado nos pontos 11 a 16 que a máquina é propriedade do arguido A... e que dividia os lucros da sua exploração com o co-arguido B..., no entanto, da prova produzida e referida na motivação da convicção sobre a decisão de facto não se retira em que prova se baseou o tribunal para dar como provada esta materialidade, quando, sobre ela, apenas refere as declarações do próprio arguido que refere que a máquina em questão não é dele por a ter vendido em 2004 ao seu irmão C..., e as declarações da testemunha E..., que confirmou ter instalado a máquina no “Café X...”, por ordem de C....

            Relativamente à prova documental e pericial, limitou-se a fazer o rol da mesma - análise do auto de apreensão de fls. 5, título de registo de fls. 7, registo de máquina de diversão de fls. 8, registo de máquina de diversão de fls. 9 e 10, oficio da Câmara Municipal de Leiria de fls. 25, relatório pericial de fls. 46 a 49 e na análise do certifica de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 410 a 431 -  nada dizendo que permita sequer intuir os termos e âmbito da valoração efectuada relativamente a cada um deles.
            O Tribunal deveria ter explicitado o valor atribuído a essa prova documental e pericial, bem como circunscrever o âmbito da valoração relativamente às várias informações que cada documento e perícia contém, e concatená-la com os demais meios probatórios invocados, de forma a perceber-se qual o peso de cada um deles no tocante aos factos objecto do processo.
            Não foi feito qualquer exame critico sobre os documentos que se encontravam na máquina apreendida e que se encontravam juntos a fls 7, 8, 9 e 10 que atestam que a máquina está registada na Inspecção Geral de Jogos, desde 31 de Janeiro de 2001, em nome de K..., SL e desde 23 de Março de 2001, em nome do arguido, no Governo Civil de Braga, como máquina de diversão multi-jogos, e que o arguido teve licença de exploração no café Central Y..., Pombal, concedida pelo Governo Civil de Leiria, e que, em 23 de Janeiro comunicou a mudança para o café restaurante Z..., Pombal, e que neste estabelecimento teve licença de 12 de Setembro d 2002 a 12 de Setembro de 2003 Não foi feita qualquer referência e portanto desconhece-se se esta prova foi considerada para dar por provada a propriedade e a exploração da máquina pelo arguido.
            Também se desconhece se a testemunha H..., que é um dos autuantes e que no auto de noticia consignou que o arguido B... disse que a máquina era de um indivíduo conhecido por ‘espanhol”, de nome A..., contribuiu para esclarecimento sobre a propriedade da máquina, já que a motivação da sentença sobre a decisão sobre a matéria de facto nada refere, nomeadamente se averiguou a identidade do proprietário com base nessas indicações, tal como nada refere se o arguido é sócio gerente da sociedade K...,S.L.
            Os pontos 3 a 10 da matéria de facto dada por provada também não se encontra devidamente fundamentada havendo lacunas que deviam ser colmatas com os documentos junto aos autos.
            Conclui-se, pois, pela inobservância do estatuído no art. 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o que acarreta, na parte afectada, a nulidade do acórdão, bem como a invalidade dos demais actos que dele dependam e que possam ser afectados por aquele vício, e que terão de ser repetidos (v. arts. 379º n.º 1 a) e 122 nºs 1 e 2), do mesmo diploma legal. A validade da prova produzida não é afectada, a menos que o tribunal recorrido considere necessário reabrir a audiência para produção de prova suplementar.
            E, com a procedência desta questão, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.

                                                           *
            DECISÃO
            Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, em anular, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 379º n.º 1 a) e 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, a sentença recorrida que deve ser reformulada e expurgada do vício enunciado
Na eventualidade de vir a ser considerada necessária a produção de prova suplementar, com a reabertura da audiência, mostrando-se impossível reconstituir o tribunal, os efeitos da nulidade estender-se-ão ao julgamento que, nesse caso, deverá ser repetido.

            Sem tributação.                                                                   
                                                                                 
           
                                                                                 

                                                                       Alice Santos - Relatora

                                                                       Belmiro Andrade