Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
922/11.3TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 396º E 397º, Nº 3 DO CPC.
Sumário: I – O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem por objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram consumados, visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo, assim, danos futuros – este mecanismo processual não é o meio próprio para se declarar a nulidade, a inexistência ou qualquer outra forma de invalidade, matéria que pertence ao domínio da acção principal.

II - O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem o escopo de prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações durante a pendência da acção principal com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade das mesmas.

III – Podendo as deliberações societárias continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução continuar a verificar-se, permanece o fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução, nomeadamente o seu registo.

IV - Deve interpretar-se, de acordo com o sentido que decorre do texto do n.º 3 do artigo 397.º do Código de Processo Civil, a regra aí contida, no sentido de que a partir da citação fica suspensa a executoriedade da deliberação social visada com o pedido de suspensão, no âmbito do procedimento cautelar requerido pelo sócio, nos termos dos artigos 396º e 397º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

J… instaurou a presente acção declarativa comum, sob a forma ordinária, contra A…, S.A. peticionando a declaração da:

a) a nulidade das deliberações aprovadas na Assembleia Geral de 26 de Março de 2011, porquanto tomadas em Assembleia Geral não convocada, de acordo com o artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.

A título subsidiário:

b) caso se entenda que se está apenas perante uma irregularidade na convocação da Assembleia Geral e não em face de uma não convocação da mesma, a anulabilidade das deliberações ao abrigo do preceituado no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das  Sociedades Comerciais, a título subsidiário:

c) a ineficácia das deliberações aprovadas na Assembleia Geral de 26 de Março de 2011, de acordo com o disposto no artigo 397.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

A título subsidiário:

d) a ineficácia da proclamação do resultado das deliberações em crise nestes autos pelo Presidente da mesa da Assembleia Geral.

A título subsidiário:

e) caso se entenda que a proclamação é a última fase do processo deliberativo e que, em consequência, tem valor constitutivo da deliberação, a anulabilidade das mesmas deliberações por violarem o disposto no artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

A título subsidiário:

f) por não terem sido facultados ao Autor os elementos descritos na alínea e) do artigo 289.º do CSC, durante os quinze dias anteriores à reunião da Assembleia Geral da Ré, a anulabilidade das deliberações aprovadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

Alega, para tanto e em síntese, que por morte da accionista M…, casada com o accionista B…, no regime de comunhão geral de bens, ainda não foi efectuada a partilha do património conjugal do casal, titulares de 90,76% do capital social, sendo o remanescente repartido pelos três filhos do casal, sendo o autor um deles.

Mais aduz que a assembleia-geral da ré do dia 26 de Março de 2011 teve na sua génese a convocatória publicada em 24 de Fevereiro de 2011, e em que o accionista C… (filho do referido casal) figurava como sendo titular de 71,12% do capital social da ré, enquanto que os seus dois irmãos (sendo um deles o autor) figuravam, cada um, com 14,44% desse capital.

Refere que as propostas nessa assembleia foram aprovadas por maioria de 92% do capital social, com base no sentido de voto do accionista maioritário C…, tendo o autor votado contra as referidas propostas.

Por outro lado, a referida assembleia foi convocada pelo fiscal único da ré, carecendo de competência para a convocar, e como as referidas acções de M… não foram transmitidas nem para C…, nem para terceiro, tendo este apenas 3,08% do capital social, igualmente lhe falece legitimidade para requerer a sua realização.

Mais alega que no dia 17 de Fevereiro de 2011 foi publicada a convocatória para a assembleia-geral de 19 de Março de 2011, sendo certo que o autor instaurou providência cautelar especificada de suspensão das deliberações tomadas nesta, pelo que não poderiam os membros designados intervir na assembleia-geral de 26 de Março de 2011 uma vez que a sociedade foi citada para a suspensão daquela em 25/3/2011.

Conclui, referindo que na realidade as deliberações da assembleia-geral de 26 de Março de 2011 não foram aprovadas, em virtude de o accionista que votou favoravelmente apenas possuir 3,08% do capital social contra 6,16% de quem votou contra, bem como nos quinze dias anteriores à realização daquela assembleia não foram facultados ao autor os elementos pertinentes para tomar posição acerca das propostas apresentadas.

A ré A…, S.A. apresentou a sua contestação alegando, em síntese, que a referida providência cautelar foi indeferida liminarmente, relativamente às deliberações de 19 de Março de 2011, visando o autor apenas contestar a nova política assumida pela ré, a fim de prejudicar o seu pai, causando a ingovernabilidade da sociedade, não obstante esta ter vindo a gastar destaque, quer a nível nacional, quer a nível internacional, pelo que o autor está a fazer uma utilização reprovável do processo.

Mais invoca a ilegitimidade do autor na medida em que da procedência da acção não lhe advirá qualquer benefício, sendo certo que as deliberações ocorridas na assembleia de 26 de Março de 2011 foram aprovadas com o capital de 92% e os votos contra do autor e do seu irmão D…, com, cada um, 4% do capital.

Refere, igualmente, que as deliberações e votações foram realizadas de acordo com a titularidade de capital registada à data no livro de registo de acções.

Por outro lado, a aludida assembleia decorreu de forma lícita e em conformidade com a lei e sendo certo que as deliberações objecto da citada providência cautelar foram executadas e registadas antes da citação da ré, pelo que não podem ser suspensas.

No mais, explicita que o autor teve a possibilidade de conhecer previamente as informações e contas da ré referentes ao exercício de 2010 em virtude de ter sido até 19 de Março de 2011 administrador da ré, pelo que nem sequer existia um dever de conceder essa informação face ao acesso privilegiado que dispunha.

Mais aduz que a ré não tinha à data da convocatória um presidente de mesa em funções que o pudesse fazer, pelo que é da competência do fiscal único a sua convocação, e sendo certo que qualquer um dos accionistas o poderia fazer, pois de acordo com o livro de registo de acções encontra-se registada a transmissão de acções, datada de 18 de Janeiro de 2011, de molde a que C… era titular de 71,12% do capital social, sendo certo que tal transmissão já havia produzido efeitos à data da referida convocatória e que as propostas foram aprovadas de acordo com essa repartição de capital.

Conclui, peticionando a condenação do autor como litigante de má fé e no pagamento de multa condigna ao Tribunal e indemnização à ré a liquidar em incidente de liquidação de sentença. Ou, se assim não se entender, ser a ré condenada na renovação das deliberações sindicadas nos termos do artigo 62.º do CSC, em prazo não inferior a sessenta dias, de molde a que seja assegurada a governabilidade da ré.

A 1.ª instância produziu a seguinte decisão final:

“Em face do exposto:

a) julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro a ineficácia das deliberações aprovadas na Assembleia Geral de 26 de Março de 2011.

b) absolvo o autor J… do pedido de litigância de má-fé.”.

2.O Objecto da instância de recurso

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações da recorrente A…, S.A., que assim conclui:

O apelado, J…, autor nos autos, apresenta as suas CONTRA-ALEGAÇÕES desta forma:

...

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

4. Direito

A recorrente alega, desde logo, que a interpretação que o tribunal da 1.ª instância faz do artigo 381.º, n.º 3 do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - é contrária à interpretação propugnada na doutrina e jurisprudência, porquanto no dia em que foi a Ré citada do procedimento cautelar de suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral de 19 de Março de 2013 estas já haviam sido registadas e, como tal, já haviam sido executadas.

Mais, uma vez que quer o procedimento cautelar, quer a acção principal, foram julgados improcedentes, inexiste qualquer possibilidade de fundamentar quer a ineficácia, quer a responsabilidade que daí derivaria, por isso, a decisão recorrida viola a autoridade de caso julgado decorrente da contradição com a sentença proferida no processo principal referente à assembleia geral de 19 de Março de 2011 que julgou válidas e eficazes as deliberações em crise.

Para isso, diz a apelante que os sujeitos e causa de pedir são idênticos nas duas acções, i.e., na presente acção e na acção que julgou válidas e eficazes as deliberações da assembleia-geral de 19 de Março de 2011.

Ainda, na eventualidade do Tribunal de recurso considerar as deliberações inválidas ou ineficazes, alega a Recorrente que sempre será possível a renovação das deliberações sociais nos termos do artigo 62.º do CSC.

Com interesse para o nosso decisório, escreveu a 1.ª instância:

“Da ineficácia das deliberações aprovadas na Assembleia-Geral de 26 de Março de 2011 nos termos do art.º 397º, n.º 3 do CPC:

Dispõe o art.º 397º, n.º 3 do CPC:

“3 – A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada.”

Ora, conforme tem sido entendido na jurisprudência, as deliberações sociais podem ser suspensas mesmo que já executadas, desde que sejam de execução contínua ou permanente ou, sendo de execução por um único acto, continuem a produzir efeitos danosos, ainda que tais efeitos constituam mero efeito mediato da deliberação (vide acs. do STJ de 12.11.87, in BMJ, 371, 378 e da RP de 12.02.96, in CJ, 96, I, 219 e de 11.03.96 in CJ 96, II, 191).

O que está em causa na referida providência é a suspensão dos efeitos da deliberação tomada na assembleia geral de 19 de Março de 2011 em que elegeu como presidente da mesa da assembleia geral o Dr. G… e como secretária a Dra. S…, sendo certo que este intervieram nessa qualidade na assembleia geral de 26 de Março de 2011, bem como a reformulação dos estatutos da sociedade e destituição dos membros dos órgãos sociais.

Conforme refere Abrantes Geraldes, apesar das divergências existentes na doutrina e jurisprudência parece avolumar-se o número de arestos que, privilegiando a função instrumental do direito, como sistema que deve responder às exigências da vida, dão maior realce aos efeitos práticos para justificar a utilidade da medida, ainda que restrita aos eventos futuros, o que, ainda segundo o mesmo autor, permite formular a conclusão de que a suspensão das deliberações sociais não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se à paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação seja susceptível de produzir (in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol., pag. 75).

O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem o escopo de prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações durante a pendência da acção principal com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade das mesmas.

Se as deliberações cuja validade é questionada já se encontrarem executadas, em princípio os prejuízos possíveis já terão ocorrido, nada havendo a prevenir ou a impedir nem se justificando o procedimento cautelar de suspensão.

Contudo, as deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, esgotando-se os seus efeitos danosos em um único acto. Podem ser de execução permanente ou contínua ou mesmo, sendo de execução instantânea, podem os seus efeitos danosos prolongar-se no tempo.

Se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução.

A deliberação social que destitui um gerente, um presidente da mesa, uma secretária da mesa e/ou nomeia outros é, quanto ao efeito extintivo/constitutivo da qualidade e da “situação” desses cargos, instantânea, mas opera uma mutação jurídica extinguindo uma relação e constituindo outra.

Como consequência dessa mutação o nomeado é legitimado para o desempenho dessa função.

A inactividade das pessoas destituídas e/ou nomeadas constituem efeito reflexo da deliberação, integrando a sua execução e podendo produzir efeitos danosos.

Ora, a ré foi citada para a referida providência em 25 de Março de 2011, tendo a assembleia geral ocorrido no dia seguinte.

Pelo exposto, e ao abrigo do preceito citado, temos que os actos praticados pelo presidente da mesa da assembleia geral, bem como da respectiva secretária da mesa são ineficazes, atendendo a que a deliberação pela qual foram eleitos para esses cargos encontrava-se suspensa.

Consequentemente, ficam prejudicadas, por inúteis, a apreciação das demais questões suscitadas pelo autor”.

Pensamos que o fez acertadamente.

Senão vejamos.

Como todos sabemos, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem por objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram consumados, visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo, assim, danos futuros – este mecanismo processual não é o meio próprio para se declarar a nulidade, a inexistência ou qualquer outra forma de invalidade, matéria que pertence ao domínio da acção principal.

O uso do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pressupõe uma situação litigiosa com origem numa deliberação cuja execução se pretenda evitar com a alegação dos prejuízos que daí podem decorrer.

Por isso, diz-nos o art.º 396.º do CPC que, “…se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

Serão, pois, três os requisitos de que depende a suspensão: justificação da qualidade de sócio por parte do requerente; deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social; poder resultar da execução imediata da deliberação dano apreciável.

É de salientar que o dano a evitar é o que decorre da demora da acção de impugnação da deliberação social em causa e não o que resultaria directamente da execução da deliberação.

Por outro lado, atenta a instrumentalidade típica dos procedimentos cautelares, também a providência de suspensão exerce uma função instrumental relativamente à acção de declaração de invalidade de deliberações.

A causa de pedir do procedimento será integrada pelos factos de cujo apuramento (sumário) o tribunal possa concluir, com o necessário grau de probabilidade pela verificação dos supra aludidos requisitos legais da providência.

Quanto ao pedido a enunciar será o correspondente á qualificação da providência, ou seja, o de suspensão dos efeitos da deliberação.

Como escreve Vasco da Gama Lobo Xavier - O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, na Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXII, pags. 212-215 –, “…procedimento em causa existe em função de um outro processo, cujo periculum in mora se destina a prevenir; visa, por outras palavras, obstar ao risco de prejuízos que o retardamento de uma decisão favorável pode trazer ao demandante - aos interesses que este prossegue com a acção principal, tratando-se de «garantir a eficácia prática de uma eventual sentença anulatória». Esta «possibilidade de dano a que a lei se refere não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação.

Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida. E seguramente que são diversos, na sua medida e na sua configuração, os danos imputáveis à demora do processo anulatório e aqueles que, mais latamente, a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas – isto é, de acordo com a sua eficácia própria, suposto esta não venha a ser eliminada por uma eventual anulação – são adequadas a produzir”.

 Aníbal de Castro, no seu escrito “A Caducidade”, Petrony 1984, p. 75-76, ensina que “a providência cautelar, preventiva ou conservatória, constitui simples motivo ou razão auxiliar, preliminar ou incidental, da pretensão material objecto da acção, não participando casualmente da apreciação jurisdicional daquela, por não integrar elemento ou requisito constitutivo da relação jurídica objectiva, subjacente ao direito de accionar”.

O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem o escopo de prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações durante a pendência da acção principal com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade das mesmas.

Se as deliberações cuja validade é questionada já se encontrarem executadas, em princípio os prejuízos possíveis já terão ocorrido, nada havendo a prevenir ou a impedir nem se justificando o procedimento cautelar de suspensão.

Contudo, as deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, esgotando-se os seus efeitos danosos em um único acto.

Podem ser de execução permanente ou contínua ou mesmo, sendo de execução instantânea, podem os seus efeitos danosos prolongar-se no tempo.

Como sabemos, a noção de execução das deliberações sociais para efeitos de apurar da utilidade da sua suspensão tem sido objecto de algumas flutuações jurisprudenciais, defendendo-se algumas vezes uma concepção restrita ao imediato acto executório, reduzindo, desse modo, o âmbito da respectiva providência cautelar, e pugnando-se, noutras situações, por uma noção mais ampla, na qual se incluem os actos de execu­ção que muitas das vezes perduram no tempo, assim como os efeitos sequenciais dos próprios actos de execução, justificando-se a utilidade da medida com a sua extensão a eventos danosos futuros que ainda possam ser impedidos pelo decretamento da providência cautelar de suspensão.

Aderimos à tese jurídica que perfilha o entendimento de que, se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução, incluindo o seu registo – neste preciso sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 12/11/87 (Proc. 075626, relatado pelo Cons. Pinheiro Farinha), de 06/06/91 (Proc. 080848, relatado pelo Cons. Pereira da Silva) e de 16/05/95 (Proc. 085732, relatado pelo Cons. Oliveira Branquinho); Acórdãos da Rel. Porto de 12/02/96 (Proc. 9551089, relatado pelo Des. Bessa Pacheco) e de 11/03/96 (Proc. 9551383, relatado pelo Des. Azevedo Ramos); Acórdãos da Rel. Lisboa de 17/07/2008 (Proc. 2321/2008-1, relatado pelo Des. Rui Vouga) e de 04/06/2009 (Proc. 1196/07.6TYLSB-A.L1-8, relatado pelo Des. António Valente); Acórdão da Rel. Évora de 20/09/2007 (Proc. 1502/07-3, relatado pelo Des. Acácio Neves), todos em www.dgsi.pt. Ver ainda Impugnação das Deliberações Sociais, Dr. Carlos Olavo, CJ, XIII, 3, 20/31.

Concordamos com a 1.ª instância quando, a dado momento da sua decisão, escreve:

”… Se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução.

A deliberação social que destitui um gerente, um presidente da mesa, uma secretária da mesa e/ou nomeia outros é, quanto ao efeito extintivo/constitutivo da qualidade e da “situação” desses cargos, instantânea, mas opera uma mutação jurídica extinguindo uma relação e constituindo outra.

Como consequência dessa mutação o nomeado é legitimado para o desempenho dessa função.

A inactividade das pessoas destituídas e/ou nomeadas constituem efeito reflexo da deliberação, integrando a sua execução e podendo produzir efeitos danosos”.

Neste preciso sentido, também o Acórdão desta Relação de Coimbra de 18.5.2010 (relatado pelo Sr. Desembargador Artur Dias) retirado do site www.dgsi.pt., ao decidir que a deliberação social que destitui um gerente e nomeia outro não pode considerar-se executada e, por isso, insusceptível de ser objecto da providência cautelar de suspensão apenas porque foi registada.

Por isso, teremos de dar razão ao apelado quando escreve, “…com efeito, tem sido o entendimento da jurisprudência que as deliberações sociais podem ser suspensas mesmo que alguns actos de execução, designadamente o registo das deliberações em crise, tenham já acontecido, se estas deliberações forem deliberações de execução contínua ou permanente, ou sendo de execução num único acto, continuem a produzir efeitos danosos (vd. a este respeito, e para além dos acórdãos já referidos na douta sentença, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 Maio de 2010 (Processo n.º 158/10) e do Tribunal da Relação do Porto de 22 Fevereiro de 2011 (Processo n.º 348/10)).

Estando em causa uma deliberação social que elegeu o presidente e a secretária da mesa da assembleia geral, bem como a reformulação dos estatutos da sociedade e destituição dos membros dos órgãos sociais, esta com certeza tem efeitos continuamente danosos. A este respeito, considerou o Tribunal da Relação do Porto no acórdão supra referido que “[a] inactividade do gerente destituído e/ou a actividade do gerente nomeado constituem efeito reflexo da deliberação, integrando a sua execução e podendo produzir efeitos danosos”, sendo que esta situação de destituição/ nomeação de gerente é equiparável à situação sub judice.

Bem assim, igualmente, entende Lobo Xavier que para demonstrar que visando a suspensão das deliberações sociais, paralisar a eficácia da deliberação, esta pode ser suspensa enquanto não se esgotarem todos os seus efeitos danosos sejam eles directos, laterais ou secundários, ou reflexos (cf rev. legislação 123-378; Rev. Des. XXXIII, 195 e seguintes)”.

Improcedem pois, os argumentos apresentados pela apelante.

Avançando.

Preceitua a norma do artigo 397.º, n.º 3 (agora 381.º, n.º 3) que “a partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada”.

Neste particular, escreve a apelante nas suas alegações de recurso:

“... nesta sede surge a problemática de saber se, uma vez recebida a citação de suspensão de deliberações sociais, a Sociedade requerida, neste caso a Recorrente, pode ainda assim dar cumprimento à deliberação em causa, já executada, ou, pelo contrário, deverá assumir que a deliberação está paralisada por força da citação.

Salvo o devido respeito, como melhor se demonstrará infra e atendendo ao elemento literal, sistemático e teleológico da norma, a interpretação mais adequada corresponde ao primeiro entendimento supra exposto.

De facto, o artigo 397º, n.º 3 do CPC respeita a uma proibição da Sociedade executar, após a citação, a deliberação cuja suspensão se peticionou, embora com uma importante nuance:

O efeito útil do decretamento da providência é assegurado por recurso à responsabilização civil da Sociedade pelas consequências advindas da execução da deliberação após a citação e, não, por invalidade ou ineficácia dos actos de execução, como Tribunal a quo considerou.

Em face do exposto, os alegados actos de execução praticados após a citação seriam sempre válidos e eficazes, não sendo por isso susceptíveis de serem atacados quanto à sua eficácia.

Quando muito, poderia haver lugar a responsabilidade civil, nos termos gerais, no caso de deferimento da providência cautelar.

A providência cautelar, que serve de fundamento para a declaração de ineficácia das deliberações sub judice foi indeferida, tendo já transitado em julgado, assim como foi também julgada a improcedente em 1.ª instância a acção principal no que concerne ao que aqui é discutido nos autos, Cfr. Sentença da Providência Cautelar e Sentença da Acção Principal, ambas referentes à Assembleia de 19 de Março, que ora se juntam como doc. n.º 1 e 2 e se dão por integralmente reproduzidas.

Pelo que na presente acção não se colocaria tão-pouco a questão da responsabilidade da Sociedade, uma vez que a providência de suspensão de deliberações sociais que está na base desta discussão foi julgada improcedente, também o tendo sido o respectivo processo principal de anulação de deliberações sociais.

Em consonância com o exposto, Vasco Lobo Xavier salienta que: «(...) o legislador não quis atribuir à citação a totalidade dos efeitos da própria providência cautelar, antecipando assim a paralisação da eficácia da deliberação impugnada. O alcance do n.º 4 do artigo 397.º corresponde com bastante precisão à respectiva letra. O preceito diz respeito apenas à actividade executiva, ou, de toda a maneira, à actividade a desenvolver pelo órgão executivo – isto é, pela administração social – em conformidade com a deliberação em causa.

Os efeitos deste modo ligados à citação limitam-se, em princípio, à esfera dos administradores – , como mostra a expressão «não é lícito», relevam no plano da sua responsabilidade pelo exercício da actividade referida. Teremos, pois, que, uma vez citada a sociedade, os administradores passam a responder pela execução da deliberação (...) como se a mesma estivesse suspensa. Essa responsabilidade ficará extinta, como é evidente, se vier a ser indeferido o pedido de suspensão (...)» in “O Conteúdo da Providência de Suspensão de Deliberações Sociais”, publicada na RDES, ano XXII, 1975, págs. 276 e ss.

Retomando a ideia segundo a qual o artigo 397º, n.º 3 do CPC respeita a uma proibição da Sociedade executar uma deliberação, vejamos mais detalhadamente a interpretação da norma em apreço, a qual nos permite extrair as conclusões supra referidas.

Recordemos então o disposto no art. 397º, n.º 3 do CPC: «a partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada» (sublinhado nosso).

Atendendo ao elemento literal do preceito este aponta para a (i)licitude do ato de execução – “não é lícito (…) executar a deliberação impugnada” – e, não, para a eficácia desse mesmo ato.

Ora, a licitude e a eficácia são distintas e não podem ser confundidas. A primeira gera responsabilidade civil do sujeito que pratica o ato ilícito, sem no entanto existir qualquer desvalor do ato praticado. Já a segunda, a eficácia, opera ao nível dos efeitos do próprio ato, colocando-o em crise.

Ademais, se atendermos à terminologia adoptada pelo legislador e apelando ao elemento sistemático da interpretação da norma, quando o legislador determinou que “não é lícito (...) executar” poderia ter recorrido, ao invés, à expressão «suspensão», mas não o fez.

Noutros locais do CPC, todavia, o legislador recorre – e bem – à referida expressão de suspensão para determinar a paralisia dos efeitos de determinado ato.

Veja-se a título de exemplo os embargos de terceiro, onde o despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem (cfr. artigo 347º do NCPC) ou o caso de embargos preventivos, onde existe a suspensão da diligência executiva (cfr. 350º do CPC).

Estes exemplos, aliados ao imperativo da harmonia do sistema jurídico impõem que o intérprete-aplicador retire do artigo 397º, n.º 3 do CPC um sentido diverso daquele que foi adoptado pelo douto Tribunal…”.

Teremos de aceitar que os argumentos apresentados pela apelante são fortes.

No entanto, salvo o devido respeito, entendemos que não é isso que se pretende com a dita norma.

Como supra escrevemos, o disposto no artigo 396.º visa a obstar aos efeitos danosos da execução de uma deliberação, pelo que o que interessa não é, para os fins da providência, apenas o momento da execução da deliberação, mas a eventualidade dos danos que dessa execução advenham e esses podem produzir-se e continuar a produzir-se enquanto a deliberação se mantenha eficaz porque não suspensa.

A suspensão de deliberação social destina-se a evitar os danos mais ou menos relevantes que a sua execução acarretaria.

A suspensão das deliberações sociais constitui uma providência específica que permite antecipar certos efeitos derivados da sentença declarativa de nulidade ou anulabilidade, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida, mas que apesar disso poderia ter repercussões negativas na esfera do sócio ou da pessoa colectiva.

Como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 18.5.2010 – supra citado - ”de acordo com o disposto no artº 397º, nº 3, a partir da citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada.

Salientando a expressão «a partir da citação», pergunta-se: e até à citação?

Até à citação não há, a nosso ver, qualquer fundamento jurídico para questionar o direito da associação ou sociedade de executar a deliberação, bem como para sancionar tal execução, ou quem a leve a efeito, com quaisquer consequências - A proibição de execução da deliberação questionada inicia-se com a citação da requerida – Comentários ao Código de Processo Civil, Lopes do Rego, Almedina, 1999, pág. 291. Cfr. tb. Ac. Rel. Porto de 27/10/2003 (Proc. 0354853, relatado pelo Des. Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt. -.

Isto com base, por um lado, na clareza da letra da lei e, por outro, na ideia de que não é exigível à associação ou sociedade que preveja se irá ou não ser judicialmente impugnada por algum sócio a deliberação tomada - O que tem sido discutido na doutrina e na jurisprudência é a questão de saber quais as consequências da execução da deliberação após a citação para o procedimento cautelar: se simples ilicitude da execução, com a consequente responsabilidade civil do executor, se vier a ser anulada a deliberação (Vasco Lobo Xavier, O conteúdo da decisão de suspensão de deliberações sociais, Coimbra, 1978, págs. 84-90; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2º vol., pág. 96); ou se total ineficácia jurídica da execução, tudo se passando como se a suspensão estivesse já decretada (Ac. STJ de 11/10/95, CJ(STJ), III, III, 60; Ac. Rel. Lisboa de 22/11/90, CJ, XV, V, 125; e Ac. Rel. Coimbra de 26/01/93, CJ, XVIII, I, 26)”.

Esta mesma solução resulta, do acórdão da Relação de Lisboa de 12.7.2007 – pesquisado no site www.dgsi.pt -, ao decidir que, “…tendo a requerida pedido a suspensão dessas deliberações e tendo ocorrido a citação de, pelo menos, um dos requeridos no respectivo procedimento cautelar, não podem tais deliberações ser executadas, pelo que não permitem que os requerentes nelas se fundamentem para alcançar o que propõem com o presente procedimento cautelar (artigo 397º nº 3).

Também, o Acórdão do STJ de 5.5.1992, retirado do site www.dgsi.pt, segue tal interpretação: “Deve interpretar-se não restritivamente, embora em termos hábeis mas de acordo com o sentido que decorre naturalmente do texto do n.º 3 do artigo 397 do Código de Processo Civil, a regra aí contida, no sentido de que, a partir da citação, fica suspensa a executoriedade da deliberação social visada com o pedido de suspensão, no âmbito do procedimento cautelar requerido pelo sócio, nos termos dos artigos 396 e 397 do Código de Processo Civil.

O legislador, para conseguir essa eficácia - suspensão da execução das deliberações “prima facie” viciadas (até porque o julgador a não indeferiu liminarmente) – entendeu, logo após a citação (a partir do momento em que se toma conhecimento da pendência de tal procedimento), suspender a possibilidade de as mesmas poderem ser executadas, evitando-se que a partir daí e até à decisão final fossem executadas, tirando razão de ser à providência, tornando-a num “nado morto” (a citação seria como um convite para que a demandada, em lugar de expor as suas razões a invalidar os requisitos da vida da providência, a tornar extinta por inutilidade superveniente da lide).

Ora, pensamos que um legislador, que se presume sensato, não quer esta solução.

Pode é, não ter utilizado os termos adequados, aqueles que pela sua objectividade e clareza, não permitem interpretações contraditórias.

Como escreve o Conselheiro António Abrantes Geraldes – Temas da Reforma do Processo Civil, IV, volume, 2.ª edição, pág. 86 –, a norma do artigo 381.º, n.º 3 “...é uma solução que foi introduzida na reforma de 1961, sob o pretexto de se evitarem situações de inutilidade superveniente decorrente da execução integral das deliberações, malgrado a pendência do procedimento de suspensão”.

Assim, o acto de citação praticado no âmbito do procedimento cautelar requerido pelo sócio, nos termos dos artigos 396.º e 397.º do CPC, suspende a executoriedade da deliberação social visada com o pedido de suspensão, antecipando o seu efeito.

O que dizer quanto ao caso julgado.

Como sabemos, a consequência prática do caso julgado traduz-se em dar por esgotado um “thema decidendum”.

No plano dos fundamentos de facto, preclude-se ao autor a possibilidade de, em nova acção, e dentro da mesma causa de pedir, vir carrear outros fundamentos, de facto ou de direito, não produzidos no processo anterior.

A decisão transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação - artigo 677º do Código de Processo Civil -, e a excepção de caso julgado destina-se a “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” - artigo 497º, nº2 do Código de Processo Civil -.

Como decorre do artigo 498.º, a excepção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.

A identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado – neste sentido, ver o Acórdão do STJ de 08.03.2007, publicado na CJ/STJ, Tomo I, pág. 98 e segs.-.

A identidade de pedidos ocorrerá se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter.

Quando em ambas as acções se pretenda ver reconhecida a mesma consequência jurídica ou numa outra formulação, quando a segunda acção seja proposta para exercer o mesmo direito que se exerceu mediante a primeira.

Para aferir da identidade da causa de pedir haverá que, de harmonia com o disposto no nº 4 do artigo 498º, recorrer aos factos jurídicos concretos invocados numa e noutra acção, pelo que não sendo similares os factos que integram a causa de pedir na acção em que se formou o caso julgado e naquela em que se pretende projectar a sua eficácia, através da invocação da excepção, não se poderá afirmar serem idênticas as respectivas causas de pedir.

Como refere o apelado,”... não é demais reiterar que, ao contrário do que é alegado pela Ré, ora Recorrente, a acção principal em que se encontra a ser discutida a validade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 19 de Março de 2011, não foi julgada improcedente uma vez que em Douto Acórdão datado de 19 de Fevereiro de 2013 decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra cassar a decisão de 1.ª instância e ordenar a ampliação da base instrutória.

Logo, os efeitos jurídicos que as deliberações sociais tomadas em assembleia geral de 19 de Março de 2011 – e que se encontravam suspensas aquando da assembleia geral de 26 de Março de 2011 – são susceptíveis de produzir prejuízos danosos e, como tal, enfermam de ineficácia as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 26 de Março de 2011”.

Mais, mostram os autos que “O autor apresentou providência cautelar especificada de suspensão de deliberação social contra a ré em que requereu a suspensão das deliberações sociais de 19 de Março de 2011 a fim de, entre outros, impedir qualquer dos membros dos órgãos designados de exercerem as respectivas funções e de praticar quaisquer actos em representação da ré, que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, com o n.º 894/11.4 TBPBL-A, sendo a ré citada em 25 de Março de 2011, tendo sido liminarmente indeferida por despacho de 6/6/2011, e que ainda não transitou em julgado”.

Por isso, não poderemos falar na existência de caso julgado, em relação jurídica já definida em sentença anterior.

Mas, mesmo que assim não fosse, os pedidos e causa de pedir não coincidem.

De facto, o Processo n.º 894/11.4 versa sobre a anulação/anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 19 de Março de 2011 - O que está em causa na referida providência é a suspensão dos efeitos da deliberação tomada na assembleia geral de 19 de Março de 2011 em que elegeu como presidente da mesa da assembleia geral o Dr. G… e como secretária a Dra. S…, sendo certo que este intervieram nessa qualidade na assembleia geral de 26 de Março de 2011, bem como a reformulação dos estatutos da sociedade e destituição dos membros dos órgãos sociais - e o presente debruça-se sobre a ineficácia das deliberações de 26 de Março de 2011, tendo como razão de ser a violação da norma do artigo 397.º n.º 3.

Mais, a providência está dependente, além do mais, do rumo dado ao processo principal.

É a instrumentalidade e dependência da providência cautelar em relação à acção – artigo 364.º.

Na verdade, a providência não tem vida própria. Está sujeita às vicissitudes da acção principal, o que se justifica pelo facto de a respectiva decisão só assumir a força e a segurança susceptíveis de serem transmitidas pela actividade desenvolvida no âmbito do processo principal.

Por isso, como relembra o apelado, “…se o que é julgado em sede de procedimento cautelar não aproveita para a acção principal de que depende, não aproveitará igualmente para outra acção principal, com a qual não está em relação de dependência”.

Improcedem assim, com o devido respeito, os argumentos apresentados pela apelante.

Apenas esta nota, acerca da renovação das deliberações sociais tomadas na Assembleia de 26 de Março de 2011.

Diz a apelante:

Na eventualidade de se entender que as deliberações sociais são inválidas ou ineficazes, o que se concebe por mero dever de patrocínio, mas não se concebe, as referidas deliberações seriam sempre recuperáveis através do instituto da renovação de deliberações, previsto no artigo 62º do CSC.

Assim, poderia sempre existir uma outra e nova deliberação extirpando o foco de invalidade eventualmente encontrado pelo Tribunal a quem, em consonância com o princípio do aproveitamento dos actos societários, como decorre do artigo 293.º do Código Civil ex vi artigo 2.º do CSC”.

Invoca, para tanto, o disposto no n. º 2 do artigo 62. º do CSC, no qual se estabelece o seguinte:

“A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente.

Neste particular, escreve a 1.ª instância:

“Através desta figura jurídica permite-se que uma deliberação nula por vício de natureza formal, o normalmente designado vício de procedimento, ou meramente anulável, seja recuperada através de uma outra e nova deliberação em que o foco de invalidade seja extirpado.

Segundo Carneiro da Frada “Através da renovação, os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado, concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o lugar dela”, deste modo afastando “os inconvenientes que ao desenvolvimento regular da sua actividade põe a existência de uma deliberação viciada ou, ao menos, a incerteza da sua validade”. Com a renovação “entra em cena uma nova regulamentação ou um novo comando das relações sociais cujos efeitos são (estes sim) plenamente estáveis”, desde que, naturalmente, a nova deliberação se mostre imune de qualquer vício. (Renovação de Deliberações Sociais, o artigo 62º do Cód. das Sociedades Comerciais”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXI, 1985, pág. 287, 289-290) (...) Ora, conforme resulta do supra exposto, não é convocável o instituto da renovação da deliberação na medida em que não estamos perante uma nulidade/anulabilidade da deliberação social na medida em que não se trata de um mero vício formal ou procedimental, pelo que o pretendido pela ré terá de soçobrar”.

Mais, atrevemo-nos a dizer que o pedido da apelante não pode colher, nesta instância de recurso.

De facto, tal matéria não consta do elenco das que são do conhecimento oficioso do Tribunal.

Ao dizer-se que a anulabilidade cessa quando os sócios renovam a deliberação anulável mediante outra deliberação, e que a deliberação renovatória implica a revogação “ex nunc” - uma vez que os efeitos da deliberação antecedente deixam de se poder produzir para o futuro, dando lugar aos da própria deliberação renovatório -, a deliberação terá de ser renovada pelos interessados.

Ou seja, mesmo que se conceba a possibilidade da renovação de tais deliberações, estas não o foram.

Não constam do processo.

Por isso, a sua discussão em abstracto, não pode proceder.

Terminamos, citando a 1.ª instância:

“…A boa fé significa, além do mais, que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros (Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, 55).

Ora, dir-se-á, e de forma liminar, que da factualidade dada como provada inexiste qualquer indício da verificação deste instituto por parte da conduta do autor (…) Classifica ainda este Prof. as diversas formas de litigância de má fé, sendo um dos casos a lide dolosa, caracterizada pela prática de um facto que merece censura e condenação: sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou. (in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed, pág. 259).

Ora, dir-se-á, e de forma liminar, que da factualidade dada como provada inexiste qualquer indício da verificação deste instituto por parte da conduta do autor.

Pelo que nesta parte necessariamente o peticionado pela ré, a título de litigância de má-fé, teria que soçobrar”.

Resta o habitual sumário:

 i. o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem por objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram consumados, visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo, assim, danos futuros – este mecanismo processual não é o meio próprio para se declarar a nulidade, a inexistência ou qualquer outra forma de invalidade, matéria que pertence ao domínio da acção principal.

ii. O procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais tem o escopo de prevenir e impedir os prejuízos que para o requerente adviriam da execução das deliberações durante a pendência da acção principal com a qual se buscará decisão definitiva acerca da validade das mesmas.

iii. Aderimos à tese jurídica que perfilha o entendimento de que, se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução, nomeadamente o seu registo.

iv. Deve interpretar-se, acordo com o sentido que decorre do texto do n.º 3 do artigo 397.º do Código de Processo Civil, a regra aí contida, no sentido de que, a partir da citação, fica suspensa a executoriedade da deliberação social visada com o pedido de suspensão, no âmbito do procedimento cautelar requerido pelo sócio, nos termos dos artigos 396 e 397 do Código de Processo Civil.

5.Decisão

Pelas razões expostas e na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal.

Custas pela apelante.

Coimbra, 18 de Março de 2014

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Jaime Ferreira)