Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5016/20.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
FUNDAMENTAÇÃO
REMISSÃO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
FALTAS INJUSTIFICADAS
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO BASE
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 128.º, N.º 1, ALÍNEA B), 129.º, ALÍNEA D), 262.º, N.º 2, ALÍNEA A), 351.º, N.º 2, ALÍNEA G), 357.º, N.º 4, 382.º, N.º 1 E N.º 2, ALÍNEA D), DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
Sumário: I) A decisão final proferida no procedimento disciplinar que aplique a sanção de despedimento deve ser fundamentada sob pena de invalidade do procedimento e consequente ilicitude do despedimento.

II) A fundamentação pode ser feita com remissão para a nota de culpa ou para o relatório final do instrutor, caso este exista, desde que nestas peças se encontrem devidamente individualizados os factos concretos imputados ao trabalhador, com indicação das circunstâncias de tempo e de lugar em que foram praticados e estejam explicitadas as razões que levaram o empregador a optar pela aplicação da sanção de despedimento.

III) Incorre em justa causa subjectiva de despedimento o trabalhador que falta injustificadamente ao trabalho durante dezasseis dias consecutivos, revelando uma total indiferença para com o cumprimento do dever de assiduidade e forçando a empregadora a refazer as escalas de trabalho de maneira a assegurar os serviços a seu cargo, de tudo resultando perturbação no equilíbrio da organização produtiva.

IV) A retribuição base goza da tutela da irredutibilidade, sendo ilícita a diminuição desta retribuição operada unilateralmente pelo empregador, ainda que a retribuição global paga mensalmente não tenha sofrido qualquer diminuição.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I A..., instaurou a presente Acção Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento contra, a empregadora, B..., LDª, através do formulário a que aludem os artigos 98.º- C e 98.º- D do Código de Processo de Trabalho.
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Na diligência conciliatória da audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que a empregadora foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº 4, do artigo 98º-I, do Código de Processo de Trabalho.
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A empregadora apresentou em tempo, o articulado motivador do despedimento do trabalhador e o respectivo procedimento disciplinar.
Para fundamentar o despedimento que promoveu, a empregadora alegou no articulado motivador, para além do mais e em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que o trabalhador, foi admitido ao seu serviço no dia 03.09.2018, com a categoria de motorista internacional, tendo exercido normalmente a sua actividade, sob a sua ordem e direcção até ao dia 18.08.2020 mas, desde 19.08.2020, não mais regressou ao seu local de trabalho, nem a informou sobre o motivo da sua ausência. Não se encontrava no gozo de férias, não apresentou qualquer motivo de impedimento, justificação médica ou de outra natureza.
Concluiu, a final, que se julgue provada a regularidade e licitude do despedimento do Autor, com as legais consequências, e, caso assim se não entenda, não deve o Autor ser reintegrado, nos termos do artigo 392.º do Código do Trabalho, com todas as consequências legais.
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O trabalhador contestou, suscitando como questão prévia a falta de junção do PD dentro do prazo legal, e deduziu reconvenção, concluindo a final que seja o seu despedimento declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos, e, consequentemente seja a Empregadora condenada no pagamento da indemnização em substituição da reintegração prevista no art.º 391.º do CT e bem assim a pagar as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, que à data da contestação, computam em €2.550,00 e €1.410,24, respectivamente.
Mais peticionou que seja julgado procedente por provado o pedido reconvencional e consequentemente:
a) Seja o despedimento do Trabalhador A. ser declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos, mormente os supra descritos;
b) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A., a título de formação profissional não ministrada nem paga, a importância de € 569,52;
c) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A., a título de férias vencidas com a cessação da relação laboral e não gozadas nem pagas a importância total de € 1.575,34;
d) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a retribuição de 18 dias de Agosto de 2020 no montante de € 1.272,80;
e) Declarar-se ilícita por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e do princípio pacta sunt servanda a diminuição da retribuição mensal base do A. operada e decidida unilateralmente pela R. em Janeiro de 2019 de € 850,00 para € 630,00 no ano de 2019 e € 700,00 no ano de 2020 e consequentemente a Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2019 e 2020 um total de € 4.430,00;
f) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de Cl.ª 74.ª n.º7 e 61.ª do CCT no ano de 2018 a importância total de € 1.790,98;
g) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de prémio TIR no mês de Setembro de 2018 a importância de € 105,75;
g) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. a título de cláusula 45.ª do CCT nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018 a importância total de € 56,70;
h) Declarar-se que o contrato de trabalho entre A. e R. é um contrato de trabalho sem termo;
i) Declarar-se ilícito o desconto de € 517,83 feito pela R. na retribuição do A. do mês de Julho de 2020 e a R. ser condenada a restituir ao A. essa importância;
j) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. juros à taxa legal sobre as quantias vencidas em peticionadas desde a data do respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento;
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II. Foi proferido despacho saneador no qual se admitiu a reconvenção, se dispensou a realização da audiência prévia e a selecção da matéria de facto, tendo-se relegado para a decisão final o conhecimento das excepções arguidas.
No normal prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:
“Em face do exposto, sem necessidade de mais considerandos e ao abrigo dos normativos supracitados, julgo totalmente improcedente a acção, no que concerne ao pedido de ilicitude do Despedimento, formulado pelo trabalhador, e, consequentemente:
a) Declaro lícito o despedimento do trabalhador, A..., promovido pela empregadora, B..., Ldª, com a consequente absolvição da empregadora dos pedidos formulados pelo Autor, decorrentes da alegada ilicitude do despedimento. Custas a cargo do trabalhador – artigo 527, nº 1 do CPC.
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Valor da acção: o referido no artigo 12/1-f) do RCP.
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b) Declaro parcialmente procedente, por parcialmente provado o pedido reconvencional e, consequentemente, condeno a empregadora, a pagar ao trabalhador/Autor, o montante global de €4.186,69 – quatro mil, cento e oitenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos - a título de créditos laborais devidos pela cessação da relação laboral (€286,54+€1.481,35+€927.74+€1.434,36+€56.70), nos termos supra decididos;
c) Mais condeno a empregadora a restituir ao trabalhador/Autor o montante de €517,83 – quinhentos e dezassete euros e oitenta e três cêntimos - que lhe descontou no pagamento da retribuição do mês de Julho de 2020.
d) Condeno ainda a empregadora a pagar ao trabalhador/Autor, os juros de mora à taxa legal sobre os montantes em que foi condenada, vencidos e vincendos, desde a data em que os mesmos eram devidos e até efectivo e integral pagamento, como peticionado.
e) Absolvo a empregadora do demais peticionado”.
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III – Inconformado veio o autor apelar alegando e concluindo:
(…)
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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1 - A empregadora é uma sociedade comercial que tem por objecto social, a actividade de transportes rodoviários de mercadorias, em território nacional e internacional; (certidão permanente);
2 - O trabalhador, celebrou com a empregadora, em 03 de Setembro de 2018, contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de motorista internacional, funções essas que desempenhou até ao dia 18 de agosto de 2020; (acordo das Partes);
3 - Do supra aludido contrato de trabalho, consta na cláusula 3ª, que a remuneração mensal seria de €850,00, acrescida dos valores previstos no nº7 da cláusula 74º do CCT, bem como das ajudas de custo internacionais, mediante apresentação de mapa de deslocações próprio, conforme anexo II do CCT, garantido ainda a empregadora os pagamentos a que se refere a cláusula 47º- A do CCT; (contrato de trabalho junto aos autos);
3 - Desde o dia 19 de agosto de 2020, o trabalhador deixou de comparecer nas instalações da empregadora, não se apresentando para trabalhar, nem tendo dado qualquer justificação; (doc. junto ao P.D.);
4 - Na sequência do aludido em 3), foi instaurado um Processo Disciplinar no dia 09 de Setembro de 2020;
5 - Em 09/09/20, foi enviada ao trabalhador, por carta registada com aviso de recepção a Nota de Culpa, recebida por este no dia 11.09.2020;
6 - Da Nota de Culpa constam os seguintes factos:
“ 1 - O trabalhador-arguido A..., foi admitido ao serviço da entidade patronal no dia 03.09.2018.
2 - Tem a categoria de motorista internacional.
3 - O trabalhador-arguido exerceu normalmente a sua actividade, sob ordem e direcção da entidade empregadora até ao dia 18.08.2020.
4 - Após essa data, 19.08.2020, não mais regressou ao seu local de trabalho, nem informou a entidade patronal sobre o motivo da sua ausência.
5 - Não se encontrava no gozo de férias
6 - Não apresentou qualquer motivo de impedimento, justificação médica ou de outra natureza.
7 - Isto é, abandonou o seu posto de trabalho naquela data.”
7 - O trabalhador não respondeu à nota de culpa, nem requereu qualquer diligência probatória;
8 - Por correio registado, foi enviada ao trabalhador a carta datada de 13 de Outubro de 2020, subscrita pelo instrutor do processo – Dr. C... - notificando-o da decisão de despedimento;
9 - Por correio registado, foi enviada ao trabalhador a carta datada de 22 de Outubro de 2020, assinada pela gerência da empregadora, confirmando a decisão de despedimento;
10 - Foi enviado ao trabalhador o Modelo RP5044 – Declaração de situação de Desemprego, datado de 11/11/20;
11 - Durante a execução do contrato a empregadora promoveu a Formação Profissional do trabalhador, no dia 19 de Janeiro de 2019, com o conteúdo programático, discriminado no documento, nº2, junto pela empregadora com a resposta à reconvenção, cuja, teve a duração de 4 horas;
12 - No ano de 2020 o trabalhador apenas gozou 10 dias de férias, vencidas a 01/01/2020; (acordo das Partes);
13 - A empregadora no ano de 2020, pagou ao Autor as retribuições devidas a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, até 31 de Julho de 2020, por duodécimos; (recibos de vencimento juntos pelo trabalhador);
14 - A empregadora não pagou ao trabalhador os 18 dias de trabalho do mês de agosto de 2020; (acordo das Partes);
15 - No mês de Julho de 2020, a empregadora, sem o consentimento do trabalhador, descontou, no pagamento da retribuição desse mesmo mês, cujo valor liquido, ascendia €1.302,55, o montante de €517,83 relativo ao documento junto a folhas 52 vº, pagando-lhe apenas €784,72; (acordo das partes e doc. nº 23 junto pela empregadora com a resposta à reconvenção);
16 - A empregadora pagou ao trabalhador em Setembro de 2018, a título de ajudas de custo estrangeiro, o montante de €433,37; (doc. nº2 junta com a contestação);
17 - No mesmo mês - Setembro de 2018 -, a empregadora pagou ao trabalhador, a título de cláusula 74ª, o montante de €121,50; (doc. nº 2, junto com a contestação);
18 - A empregadora não pagou ao trabalhador em cada um dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2018, a título de ajudas de custo estrangeiro, o montante de €478,12; (acordo das Partes);
19 - A empregadora, não pagou ao trabalhador, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, de 2018, o complemento salarial clª 45ª – no valor global de €56,70 - €18,90x3;
20 - A partir de Janeiro de 2019 e durante todo esse ano, passou a constar do recibo de vencimento do autor, o valor de €630,00, a título de retribuição mensal base, mas mantendo-se o pagamento global de €1.400,00/mês; (recibos de vencimento juntos pelo trabalhador);
21 - A partir de Janeiro de 2020, passou a constar do recibo de vencimento do Autor, o valor de €700,00, a título de retribuição mensal base, mas mantendo-se o pagamento global de €1.400,00/mês; (recibos de vencimento juntos pelo trabalhador);
22 - O trabalhador encontra-se inscrito no Sindicato dos trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, cujo, se encontra filiado na FECTRANS; (doc. junto pelo trabalhador – fls. 53);
23 - A empregadora, em face da ausência do trabalhador, sem qualquer informação/justificação, teve de refazer as escalas de trabalho, por forma a assegurar os serviços de transporte a cargo do mesmo.
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IV – Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objecto do recurso, importa no caso em apreciação decidir se:
1.Se há lugar à alteração da matéria de facto
2 A empregadora procedeu à junção do procedimento disciplinar no prazo a que alude ao artº 98º-I nº4 al.a do CPT
3. Se a decisão de despedimento se encontra ou não fundamentada.
4. Se ocorreu justa causa de despedimento.
5. I/licitude da redução unilateralmente da retribuição base do trabalhador.

Da alteração da matéria de facto:
(…)

Da junção do procedimento disciplinar:
Escreveu-se no Ac. desta Relação de 21.09.2021, procº 6841/19.8T8CBR.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc que nos termos do nº 3 do artº 98º-J do CPT para que opere a cominação nele estatuída, ou seja, para que seja declarado ilícito o despedimento, basta que o empregador deixe de proceder à junção do procedimento disciplinar no prazo fixado no artº 98º-I nº 4 do mesmo código.
A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro e dos vários estudos prévios elaborados sobre a matéria, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.
Apesar de o procedimento disciplinar ser um instrumento complementar ao articulado motivador do empregador - que constitui a peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos: nos casos em que existe um procedimento disciplinar interno à empresa, a lei exige a sua junção dentro do prazo de 15 dias, supondo que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa e permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa”.
A propósito da questão em análise, lê-se na sentença impugnada “em sede de contestação, o trabalhador alega, a título de questão prévia: - A Falta de junção do processo disciplinar no prazo legal, e peticiona que seja declarada a ilicitude do despedimento nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 98.º- J do CPT: Porém e como infra melhor se exporá, não assiste razão ao autor, senão vejamos: Como supra já se referiu a empregadora, após a realização da Audiência de Partes, foi notificada, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº 4, do artigo 98º-I, do Código de Processo de Trabalho, ou seja, para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas. Decorrido o prazo legal, a empregadora, apresentando o articulado a que se reporta o artigo 98 - I – nº4, alínea a), do Código de Processo de Trabalho, e juntou o Processo Disciplinar. É certo que, na parte final do seu articulado, não refere, concretamente, que junta o Processo Disciplinar, apenas referindo que junta 5 documentos, o que motivou o nosso despacho datado de 07/01/21, no sentido de juntar aos autos o original do Processo Disciplinar, com vista a aferir da regularidade da sua junção. Junto o original e analisadas as peças que compõem o mesmo, constata-se que todas elas foram juntas com o articulado motivador, pelo que se concluiu à data, ter sido regularmente junto o Processo Disciplinar, e, consequentemente foi proferido o despacho datado de 25/01/21, que refere expressamente “..… Cumprido pelo empregador o disposto no artigo 98º I, nº4 alínea a), do CPT, notifique o trabalhador para contestar, querendo no prazo de 15 dias – artigo 98º, L, nºs 1 a 3 do CPT.” Pelo exposto forçoso se torna concluir não assistir razão ao Autor”.
Sufragamos inteiramente o decidido pela 1ª instância.
Da consulta do processo resulta também para nós evidente que a empregadora com o articulado motivador juntou integralmente o PD pelo que mais nada de importante nos apraz dizer sobre a questão em apreciação não ocorrendo, por isso, a peticionada ilicitude do despedimento.

3. Da falta fundamentação da decisão final:
Nos termos do disposto no artº 357º nº 4 do CT na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351º “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”., a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
E de acordo com os nº 1 e 2 e com a alínea d) do nº 2 do artº 382º do CT “1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respectivo procedimento for inválido
2 - O procedimento é inválido se:
(…)
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358º”.
Assim, a decisão de despedimento tem de ser fundamentada, alicerçando-se nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do PD, com a limitação constante da segunda parte do nº 4 do artº 357º.
A falta de fundamentação determina a invalidade do PD e a consequente ilicitude do acto extintivo.
Admite-se contudo, a fundamentação indirecta, ou seja, por remissão para outra peça do processo (v.g. para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução, se existir)
A este propósito, escreveu-se no Ac. RE nº 205/04-2 de 30.03.04 (tirado no domínio da legislação anterior ao CT) que “suscita ainda o Recorrente a nulidade do processo disciplinar por falta de fundamentação da decisão de despedimento.
O A., alega que a decisão final, proferida no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela entidade patronal, é absolutamente omissa quanto aos factos que fundamentam o despedimento, na mesma não foram enunciados nem especificados esses factos, limitando-se a entidade patronal a afirmar que todas as acusações constantes da nota de culpa, que se dão por integralmente reproduzidas foram dadas como provadas.
Como se pode verificar, através do ponto 8 dos factos provados, a decisão final do processo disciplinar, quanto aos factos imputados ao trabalhador, remete para a nota de culpa, com a menção de que Todas as acusações constantes da nota de culpa, que se dão por integralmente reproduzidas, foram dadas como provadas”.
Os nºs 8, 9º e 10º do art. 10º do DL nº 64-A/89, de 27/2 dispõem:
- Decorrido o prazo referido no número anterior, a entidade patronal dispõe de 30 dias para proferir a decisão, que deve ser fundamentada e constar de documento escrito.- Na decisão devem ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do nº7, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a responsabilidade.
- A decisão fundamentada deve ser comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do nº3, à associação sindical
Por seu turno, o art. 12º nº3, do DL nº 64-A/89, de 27/2, estipula que o processo disciplinar só pode ser declarado nulo se:
a) Faltar a comunicação referida no nº1 do art. 10º;
b) Não tiverem sido respeitados os direitos que ao trabalhador são reconhecidos nos nºs 4 e 5 do mesmo art. e no nº 2 do art. 15º;c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos dos nºs 8 a 10 do art. 10º ou do nº3 do art. 15º.
Finalmente, o art. 15º, nº3, do DL nº 64-A/89, de 27/2, refere que a decisão do despedimento deve ser fundamentada com discriminação dos factos imputados ao trabalhador, sendo-lhe comunicada por escrito. Conjugadas estas disposições legais, importa determinar se a decisão final deve conter obrigatoriamente os factos imputados ao trabalhador, não sendo permitida a remissão para a nota de culpa.
A obrigatoriedade de proferir uma decisão fundamentada tem em vista delimitar de forma concreta e específica os factos comunicados na nota de culpa portadores da mensagem inequívoca de proceder ao despedimento. O importante, é que o trabalhador fique ciente e sem quaisquer dúvidas, acerca dos factos que lhe são imputados e que fundamentam o despedimento. Nas situações, como a dos autos, em que se provaram todos os factos constantes da nota de culpa, e só esses, parece-nos inexistir motivo para não aceitar que a decisão final faça remissão para a factualidade constante da nota de culpa.
Na verdade, o trabalhador perante tal remissão fica absolutamente ciente dos factos que lhe são imputados. Por força da remissão, os factos constantes da nota de culpa passam a fazer parte da decisão. A nota de culpa delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador e da adequação da respectiva sanção, não podendo a decisão da entidade patronal e o controle judicial da sanção disciplinar cominada fundar-se em quaisquer outros factos imputáveis ao trabalhador que não constem da mesma. Se a nota de culpa individualiza os factos concretos imputados ao trabalhador, com indicação das circunstâncias de tempo e de lugar em que foram praticados, cumpre-se o prescrito no n.º 1 do citado art.º 10 do DL n.º 64-A/89 de 27/2.
Temos de admitir que a remissão efectuada pela decisão final, para os factos constantes na nota de culpa, que dá como reproduzida, em nada impede a ponderação das circunstâncias do caso e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador. Por outro lado, também temos de admitir que tal prática, em situações em que não haja qualquer margem para dúvidas, não afecta em nada os direitos de defesa do trabalhador. O recorrente, quando recebeu a nota de culpa, teve completo conhecimento dos factos de que foi acusado, da qualificação jurídica que a entidade patronal lhes deu e da intenção de proceder ao seu despedimento. Quando recebeu a decisão final na qual constava que todas as acusações constantes da nota de culpa, que se dão por integralmente reproduzidas, foram dadas como provadas” o recorrente, face à clareza da comunicação, ficou ciente dos factos que se provaram, sem qualquer margem para suposições.
Assim, temos de concluir que a decisão final do processo disciplinar se encontra suficientemente fundamentada, não sendo de declarar nulo o processo disciplinar”.
E no Ac. STJ 1321/06.4TTLSB.L1.S1 (tirado no domínio do CT 2003) lê-se o seguinte “ora, como por este Supremo Tribunal tem sido reiteradamente afirmado, a decisão de despedimento tem de constar de documento escrito e tem de ser fundamentada, mas a lei não proíbe que a fundamentação seja feita por remissão para o relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, uma vez que, ao remeter para tal relatório, o empregador subscreve a fundamentação aí aduzida pelo instrutor, o que torna a sua decisão verdadeiramente fundamentada. Como do teor da transcrita decisão de despedimento se constata, a ré, após ter analisado cuidadosamente o processo disciplinar, “decidiu acompanhar a proposta do Senhor Instrutor e, nessa medida, aplicar ao trabalhador arguido” a sanção de despedimento com justa causa.
Ora, no contexto em que se encontra inserida, a expressão acompanhar a proposta do instrutor não pode ser interpretada à letra, mas antes valer, por força do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (o autor), pudesse deduzir do comportamento do declarante (a ré).
E para nós é evidente, que o sentido que o autor podia e devia deduzir daquela expressão era o de que a ré tinha aderido não só à proposta de despedimento vertida na parte final do relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, mas também à fundamentação – exaustiva, aliás – em que a mesma se sustenta, o que vale por dizer que a decisão de despedimento se mostra devidamente fundamentada”.
Tendo por base o entendimento jurisprudencial acabado de citar, haverá agora que saber se, no caso, a decisão final se encontra fundamentada.
Consta dos autos que, com data de 13.10.2020, o instrutor do PD comunicou ao trabalhador que “face à notificação da nota de culpa, enviada pela entidade patronal (…) e ausência da resposta à mesma, consideram-se admitidos os factos enumerados na mesma.
Motivo pelo qual, a minha decisão, enquanto instrutor do processo é a de proceder ao seu despedimento por justa causa a partir da presente data”.
Mais consta dos autos que, com data de 22.10.2020, a ré, comunicou ao autor o seguinte: “de acordo com a decisão que já lhe foi comunicada prelo instrutor do processo (…) e face à não contestação da nota de culpa, consideram-se provados os factos constantes da mesma, motivo pelo qual esta empresa decidiu aplicara como decisão o despedimento por justa causa”
Do exposto pode concluir-se que a decisão final remete para nota de culpa onde se encontram devidamente individualizados os factos concretos imputados ao trabalhador, com indicação das circunstâncias de tempo e de lugar em que foram praticados, tal como se encontram descritos no ponto nº 6 do elenco dos factos provados.
Por outro lado, na mesma nota de culpa (artºs 8º a 14º), encontra-se a fundamentação que na opinião do empregador determinou a aplicação da sanção de despedimento pelo que em nenhum momento ficaram afectados ou cerceados os direitos de defesa do trabalhador.
Aí se diz que constitui justa causa de despedimento a prática de faltas injustificadas pelo trabalhador que, em cada ano, atingir cinco seguidas ou dez interpoladas; que constitui obrigação do trabalhador a assiduidade a pontualidade; que o comportamento deste é culposo e que pela sua gravidade torna impossível a subsistência da relação laboral; que no seu entender o comportamento imputado ao trabalhador é da maior gravidade, com prejuízos inerentes para a E.P., a qual se viu obrigada a criar mecanismos de substituição através de colegas do trabalhador para serem assegurados os transportes que àquele se encontravam confiados, tendo de contratar um novo motorista para o substituir e que das ausências do trabalhador decorreu uma natural quebra de confiança na presença do trabalhador ao serviço da E.P..
Daqui decorre que o trabalhador/recorrente, quando recebeu a nota de culpa, teve completo conhecimento dos factos de que foi acusado, da qualificação jurídica que a entidade patronal lhes deu, da intenção de proceder ao seu despedimento e da fundamentação subjacente à tomada dessa decisão.
Tudo isto para concluir que o PD não é inválido por falta de fundamentação da decisão final.

Da justa causa:
Encontra-se provado que o trabalhador desde o dia 19 de agosto de 2020 deixou de comparecer nas instalações da empregadora, não se apresentando para trabalhar, nem tendo dado qualquer justificação (facto 3)
À data da dedução da nota de culpa (09.09.2020) tinham já decorrido 17 dias seguidos de ausência sem que o trabalhador tivesse apresentado qualquer justificação para o efeito, sendo que era sobre ele que recaía o ónus da prova da justificação da sua ausência.
Por isso é fora que quaisquer dúvidas que incorreu na prática de 16 dias de faltas consecutivas ao trabalho.
As faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco constituem justa causa de despedimento (alínea g) do nº 2 do artº 351º d CT).
Mas daqui não resulta necessariamente que ocorra justa causa de despedimento pois, como se sabe, o comportamento do trabalhador traduzido na prática de uma infracção disciplinar terá de ser enquadrado na cláusula geral do nº 1 do citado artº 351 do CT.
Apesar da noção de justa causa de despedimento se encontrar inserida numa cláusula geral Que alguém já denominou como “a mais geral das cláusulas gerais”, conforme dá conta Júlio Vieira Gomes “in” Direito do Trabalho”, Vol. I, págª 949., (nº1 do artº 351º), desde há muito se encontra adquirida quer na doutrina quer na jurisprudência.
Por isso, sempre seria de dispensar a referência à sua noção ou conceito.
Contudo, sempre se dirá de forma abreviada que na determinação da justa causa de despedimento, há que apurar se estão, cumulativamente, verificados três elementos fundamentais a saber: se o comportamento imputado ao trabalhador é ilícito e culposo (elemento subjectivo) violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; se ocorre uma situação de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (elemento objectivo) e se ocorre uma relação causal (nexo de causalidade) entre aquele comportamento e aquela situação de impossibilidade.
De acordo com acórdão do STJ de13-01-2010, procº 4583/06.3TTLSB.S1 “inwww.dgsi.pt/jstj Tirado no âmbito do CT de 2003 mas que mantém actualidade em face do regime consagrado no actual CT de 2009 que temos vindo a citar noutros arestos desta Relação, existe a “impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
E na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o art. 396.º, n.º 2 do Cód. do Trabalho”.
A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral ocorrerá sempre que, num juízo de prognose, se possa concluir ter ocorrido a ruptura total da relação de fidúcia que deve existir entre trabalhador e empregador, ou seja, sempre que haja uma perda total de confiança no trabalhador por parte do empregador.
Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Nas palavras de Monteiro Fernandes In “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 557, “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou como refere noutro passo, “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória” Ob. cit., pág. 575..
Há ainda a considerar que na aplicação da sanção haverá que levar em conta o princípio da proporcionalidade estabelecido no artigo 330º do Código do Trabalho: a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.
Ou seja, o despedimento deve apresentar-se como última ratio, não sendo lícito ao empregador “deitar logo mão” da “pena capital” quando tem à sua disposição outras sanções de índole conservatória que pode aplicar (artº 328º do CT).
No caso, a factualidade provada revela que o A. violou um dos elementares deveres impostos ao trabalhador pela relação laboral, designadamente o dever de assiduidade, previsto na al. b) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho, norma que estabelece, exemplificativamente, os deveres do trabalhador emergentes do contrato de trabalho.
Tendo dado 16 faltas injustificadas ao trabalho, o seu comportamento é susceptível de, objectivamente, como ficou dito, integrar justa causa de despedimento, nos termos previstos na al. g) do n.º2 do art. 351º do C.T..
Trata-se de uma conduta culposa, já que o A. não podia ignorar estar obrigado a comparecer ao trabalho, tendo “abandonado” o trabalho sem dar qualquer explicação para tal, o que revela uma total indiferença ou desprezo pelo cumprimento da referida obrigação.
A conduta do A. é grave, já que teve consequências danosas para a R. como resulta do facto 23. Com efeito, a empregadora, em face da ausência do trabalhador, sem que este tenha dado qualquer informação/justificação, o que revela uma total indiferença para com o cumprimento do dever de assiduidade, teve de refazer as escalas de trabalho, por forma a assegurar os serviços de transporte a cargo do mesmo e, presumivelmente teve ainda necessidade de contratar um outro motorista para substituir o faltoso.
Comportamento como o adoptado pelo A. não é admissível nem desculpável no âmbito da relação laboral pela perturbação que gera no equilíbrio da organização produtiva, que se deve pautar por princípios de disciplina, mútua colaboração e igualdade de tratamento do empregador para com os seus trabalhadores.
Comprometeu, assim, o trabalhador irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta.
Conclui-se, pois, pelo preenchimento de todos os requisitos do conceito de justa causa e, logo, pela licitude do despedimento promovido pela empregadora, sendo legítimo, concluir pelo incumprimento do dever de assiduidade, consubstanciado num elevado número de faltas injustificadas, comportamento voluntário e doloso, altamente nocivo, face aos prejuízos verificados, incompatíveis com a fidúcia que é elemento essencial do contrato de trabalho.
A gravidade e consequências de tal comportamento, aferidas, tanto do ponto de vista subjectivo como do ponto de vista objectivo, suscitam um fundado prognóstico segundo o qual a conduta futura do Autor, com toda a probabilidade, não se irá desenvolver em conformidade com os padrões de idoneidade inerentes ao normal e são desenvolvimento da relação laboral, dada a situação de absoluta quebra de confiança criada pela conduta do Autor.
Afigura-se, por outro lado, que as circunstâncias do caso permitem afirmar que a continuação da relação laboral representaria, para um empregador normal, um acentuado, incomportável e intolerável sacrifício, sendo que, no contexto circunstancial em apreciação, não se vislumbra como outras medidas disciplinares possam revelar-se suficientes para sancionar as faltas cometidas e/ou revelar-se adequadas a estimular, com sucesso, o cumprimento dos deveres contratuais por parte do Autor.
Conclui-se, pois, pela verificação de da justa causa de despedimento.

Da redução da retribuição base:
Pede o trabalhador/recorrente que se declare ilícita por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição e do princípio pacta sunt servanda a diminuição da retribuição mensal base do A. operada e decidida unilateralmente pela R. de € 850,00 para € 630,00 no ano de 2019 e para € 700,00 no ano de 2020 e, consequentemente, seja a empregadora condenada a pagar ao trabalhador a título de diferenças salariais na retribuição mensal base dos anos de 2019 e 2020 um total de € 4.430,00.
A 1ª instância decidiu esta questão do seguinte modo: “ …Dos factos provados resulta efectivamente que a partir de Janeiro de 2019 e durante todo esse ano, passou a constar do recibo de vencimento do autor, o valor de €630,00, a título de retribuição mensal base, mas mantendo-se o pagamento global de €1.400,00/mês e bem assim que, a partir de Janeiro de 2020, passou a constar do recibo de vencimento do Autor, o valor de €700,00, a título de retribuição mensal base, mas mantendo-se o pagamento global de €1.400,00/mês – vd. artigos 20º e 21º dos factos provados
E, partindo do pressuposto de que “é admissível a modificação da estrutura de uma retribuição complexa, em que há componentes fixas e componentes variáveis, extinguindo, por exemplo, estas últimas, substituindo-as por uma outra remuneração fixa. Mas, para que se não atinja a ofensa do princípio da irredutibilidade da renumeração, o que importa é que a modificação não acarrete uma diminuição do quantitativo da retribuição global”, considerou que não tendo ocorrido, como efectivamente não ocorreu O trabalhador sempre recebeu a quantia mensal de €1.400., uma do diminuição global da retribuição, não estava vedado à empregadora diminuir a remuneração que ao trabalhador pagava a título de retribuição base.
Não acompanhamos este entendimento pelas razões que a seguir se explicitam.
Entende-se por retribuição base, “a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho” - artigo 262.º, n.º 2, a), do CT.
Como se refere no acórdão da RL, de 16/01/2008, “a retribuição base é aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador e que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, corresponde ao exercício da actividade por ele desempenhada, de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido; é aquela que está apenas relacionada com a actividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho”.
Como refere Leal Amado Contrato de trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 304 e 305., “(…) segundo JORGE LEITE, deve entender-se por retribuição basea prestação que, de acordo com o critério das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respectivo sector ou profissão”. Em conformidade com este entendimento, serão prestações complementares “todas as restantes devidas ao trabalhador em razão de factores diferentes do da prestação de trabalho em condições consideradas normais ou comuns: por motivo de acréscimo de despesas, real ou presumido, em determinadas épocas do ano, por antiguidade na empresa ou na categoria, em razão da particular penosidade, do isolamento ou do risco em que o trabalho é prestado, em função dos lucros, etc.”
No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos art. 21º nº 1 alínea c) da LCT, 122º al. d) do CT/03 e 129º al. d) do CT/09, importa referir, desde logo, que o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido – acórdãos do STJ de 20/2/2002, revista nº 2650/01, de 25/9/2002, revista nº 1197/02, de 16/6/2004, revista nº 837/03, de 4/5/2005, revista nº 779/04, de 17/1/2007, revista nº 2188/06, de 9/1/2008, revista nº 2906/07, e de 16/1/2008, revista nº 3786/07.
Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
No mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina.
Como escreve Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, p. 595), … os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”.
Por seu turno, escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, p. 472), a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os “aditivos” específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, que “… os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento …”.
De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, p. 100), escrevem que “… a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações..
Voltando ao caso que nos ocupa, as partes acordaram contratualmente que o salário base do trabalhador seria de € 850 mensais. O contrato de trabalho junto aos autos e a matéria do facto 3 revelam sem margem para quaisquer dúvidas, que as partes fixaram no referido valor o salário base mensal do trabalhador.
O direito deste ao dito quantitativo pecuniário emerge ou radica no próprio contrato de trabalho, não sendo de chamar à colação qualquer outra fonte, como seja o IRCT aplicável, a menos que esta estabeleça um salário base mais favorável ao trabalhador (cfr. artº 476º do CT).
Dentro dos limites da lei, e no âmbito da liberdade contratual, uma vez celebrado um contrato, fica negada a cada uma das partes a possibilidade de se afastar unilateralmente dele pois os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei – artigo 406 do Código Civil.
Por isso, a empregadora não podia ter reduzido unilateralmente o montante do salário base que contratualmente se havia obrigado a pagar, salário aquele que goza da tutela da irredutibilidade.
E a esta conclusão não é contrariada pelo facto da totalidade da retribuição mensal não ter sofrido qualquer diminuição.
Basta atentar, por exemplo, numa situação em que o despedimento é ilícito e o trabalhador não quer ser reintegrado mas antes receber a indemnização.
Esta é calculada considerando o salário base do trabalhador e as diuturnidades (nº 1 do artº 391º do CT) Veja-se ainda, por exemplo, o artº 262º do CT que determina que, salvo disposição em contrário, as prestações complementares ou acessórias sejam calculadas com base no salário base e diuturnidades..
Se fosse permitido diminuir o salário base mensal mantendo-se o montante global pago mensalmente, estava encontrada a forma de contornar a lei reduzindo, por exemplo, o quantitativo indemnizatório a que o trabalhador tinha direito no caso de ter sido despedido ilicitamente o que, manifestamente, não pode ser sancionado.
É certo que a entidade empregadora pode alterar unilateralmente a estrutura da retribuição, desde que daí não resulte diminuído o seu valor total, suprimindo, alterando ou criando os seus componentes.
Mas esta alteração deve ser entendida no sentido da alteração não poder ser feita se os respectivos componentes derivarem da lei ou da regulamentação colectiva.
E resultando a tutela da irredutibilidade da retribuição base da própria lei está vedado ao empregador proceder unilateralmente à sua diminuição.
Tudo isto para afirmar que, no caso, a diminuição unilateral da retribuição base foi ilícita, tendo o trabalhador direito a receber as respectivas diferenças salariais.
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V Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente improcedente em função do que se condena a empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 4.430,00 (quatro mil quatrocentos e trinta euros) a título de diferenças salariais na retribuição base mensal dos anos de 2019 e 2020, no mais se confirmando a sentença impugnada
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Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
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Coimbra, 15 de Dezembro de 2021
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(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)