Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189/11.3PAPBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
MULTA
REVOGAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 43.º E 49.º DO CP.
Sumário: I - A multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio pois tem carácter não institucional ao ser cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão a substituir.

II - Não sendo paga voluntariamente a multa de substituição e não tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados susceptíveis de execução patrimonial (cfr. art. 491º, nºs 1 e 2 do C. Processo Penal), o art. 43º, nº 2 do C. Penal impõe o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Porém, determina a 2ª parte deste nº 2 ser aplicável o disposto no nº 3 do art. 49º do C. Penal.

Assim, desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres.

III - Para aferir da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos previstos no art. 49º, nº 3 do C. Penal, ainda que a arguida não tenha indicado prova do alegado, deve o tribunal considerar os factos assentes, para o efeito relevantes, que constem da sentença condenatória.

IV - Tratando-se de arguida com 79 anos de idade, já reformada, que vive só, com uma pensão mensal de € 205 para fazer face às necessidades básicas de alimentação, vestuário, energia eléctrica, água e gás e, não resultando provado que a casa onde se aloja lhe pertença, demonstrada está a insuficiência económica e financeira da arguida, restando concluir que o não pagamento da multa de substituição não lhe é imputável, devendo ser suspensa a execução da pena de seis meses de prisão decretada na sentença proferida nos autos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No [já extinto] 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal, por sentença de 24 de Fevereiro de 2012, transitada em julgado em 26 de Março de 2012, foi a arguida A... , com os demais sinais nos autos, condenada, além do mais, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada. p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, a), com referência ao art. 132º, nº 2, b), todos do C. Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída pela pena de cento e oitenta dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 900 [fls. 19 a 38 do recurso].

Em 12 de Junho de 2012 a arguida requereu o pagamento da multa e das custas devidas em dez prestações mensais sucessivas [fls. 39 do recurso].

Por despacho de 19 de Setembro de 2012 foi deferido o requerido pela arguida e esta autorizada a pagar a multa em dez prestações mensais e sucessivas de € 90 cada, e as custas, no montante de € 753,19, em seis prestações mensais e sucessivas, agravadas de 5% [fls. 41 a 42 do recurso].

Em 21 de Janeiro de 2014 a secção concluiu o processo com a informação de estar em dívida a quantia de € 753,19, relativa a custas e a quantia de € 810, relativa à pena de multa [fls. 43 do recurso].

Por despacho de 21 de Janeiro de 2014 foi declarado o vencimento de todas as prestações em dívida, relativas a custas e à pena de multa, ordenada a notificação da arguida para proceder ao pagamento integral, sob pena de ser determinada a cobrança coerciva e, não sendo esta possível, o cumprimento da pena de prisão [fls. 43 do recurso].


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            Em 22 de Abril de 2014 foi proferido o seguinte despacho:

            “ (…).

            Atenta a cominação já efetuada (vd. despacho de fls. 214 e notificação de fls. 215) afigura-se-nos inútil nova notificação nos termos doutamente promovidos a fls. 228, 2ª parte, pelo que vai indeferida.


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Custas: nada a determinar atenta a douta promoção de fls. 228, 1ª parte.

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Por sentença já transitada em julgado a arguida A... foi condenada na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 5,00 €.

A arguida veio requerer o pagamento da multa penal em prestações, o que foi deferido, tendo procedido ao pagamento de uma prestação no valor de € 90,00, encontrando-se em dívida as demais prestações no valor global de € 810,00.

Apesar de regularmente notificada (vd. fls. 214 e 215) a arguida não efetuou o pagamento do remanescente da pena de multa.

Por outro lado, resulta suficientemente indiciada a impossibilidade de obter o pagamento coercivo da pena de multa de substituição uma vez que são desconhecidos bens ou rendimentos susceptíveis de penhora (vd. fls. 220 a 227).

De acordo com o disposto no artigo 43° n.º 2 do Código Penal se a multa não for paga o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença.

                Assim sendo, ao abrigo do preceituado no artigo 43° n.º 2 do Código Penal, haverá a identificada arguida que cumprir a pena de prisão aplicada pelo tempo correspondente a 162 dias.

Notifique.

Após trânsito passe os competentes mandados de detenção e condução da arguida ao Estabelecimento Prisional.

            (…)”.

Em 20 de Maio de 2014 a arguida, alegando a sua idade avançada, os seus problemas de saúde e a reduzida pensão auferida para justificar o não pagamento da pena de multa, e requereu, invocando o art. 49º, nº 3 do C. Penal, a suspensão da execução da prisão subsidiária, e o prazo de dez dias para comprovar, documentalmente, as circunstâncias por si alegadas [fls. 46 a 47 do recurso].


*

Em 7 de Julho de 2014 foi proferido o despacho recorrido, que tem o seguinte teor:

“ (…).

Pelo requerimento de fls. 234 e ss. dos autos veio a arguida requerer, para além do mais, a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária e o prazo de 10 dias para proceder à junção de documentação que comprove o por si alegado, quanto à situação pessoal.

O sobredito requerimento data de 20 de Maio de 2014 e, pese embora nenhum despacho tenha sobre o mesmo recaído, o certo é que já se mostra decorrido (há muito!) o prazo requerido pela arguida para proceder à junção de documentação que assevere da impossibilidade de cumprimento da pena de multa em que foi condenada.

Assim sendo, uma vez que a arguida não comprovou que o incumprimento da pena de multa se ficou a dever a facto que não lhe era imputável, o que se lhe impunha, vai indeferida a requerida suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.

Notifique e cumpra o despacho de fls. 229-230.

(…)”.


*

            Inconformada com a decisão recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

                A) O Direito ao contraditório em conjugação com o Principio "In Dubio pro Reu artº 32º da CRP foi Violado.

1. Tendo sido notificada, a arguida, anteriormente da possibilidade da revogação da pena de substituição aplicada, aquela não fez prova da sua insuficiência económica, tendo apenas a alegado posteriormente.

2. Nos autos encontra-se na matéria provada na Douta sentença a insuficiência económica da Arguida, que a arguida veio novamente alegar.

3. A não produção de prova da insuficiência económica, não implica como efeito preclusivo e automático o indeferimento da pretensão da arguida se o Tribunal conhecer, de Sua Letra, a matéria que pretende ver provada.

4. Destarte a dúvida que o Tribunal representou na verdade da alegação da Arguida, ainda que não clarificada por aquela, tinha já esclarecimento cabal na Sentença dada.

5. O Tribunal ao não conhecer factos que se encontram documentados e provados no processo, inverteu o Ónus Probatório configurando assim um efeito prec1usivo na não produção de prova da alegação, subsumindo-se tal decisão em violação do principio in dubio pro reo, art. 32 CRP.

6. Do douto despacho violou o estatuído no art. 412°, nº 1 e 2 do CPC, porquanto não levou em consideração factos alegados no requerimento de fls. 234 e dados como provados na douta sentença de fls.138 a 156 dos autos.

7. Factos esses, que se mantêm, e por si suficientes para suspender a execução da pena.

8. Ademais o Tribunal, atento aos poderes de oficiosidade que lhe são próprios teria atento à incontornável factualidade que é a provecta idade da Arguida, poderia lançar mão dos consabidos "relatórios sociais" que in casu são consubstanciadamente reveladores das circunstâncias sociais, económicas e de saúde da Arguida.

9. O douto despacho, não aplicou correctamente, o art. 49º, nº 3 do CP, visto que, com o requerimento de fls. 234 em que a arguida requeria a suspensão da aplicação da pena de prisão, cujos factos se encontram corroborados pela douta sentença de fls. 138 a 156 dos autos, deveria ter suspenso a execução da pena.

10. A cumprir-se o douto despacho que se recorre redundaria a decisão em fazer letra morta da Douta sentença que dá como provado os factos que a arguida alega no seu requerimento de suspensão da execução da pena de prisão.

Termos em que pelas razões atrás aduzidas se pugna pela revogação do Douto Despacho, devendo ser alterado por outro que suspenda a execução da pena de prisão, nos termos do art. 49º, nº 3 do Código Penal, e na decorrência não seja aplicada/ obrigada a arguida ao cumprimento de pena de Prisão efectiva.

Justiça!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público alegando, em síntese, que competia à arguida alegar e provar que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável, o que não fez, tanto mais que lhe haviam já sido concedidas facilidades de pagamento, do qual se alheou completamente durante cerca de ano e meio, até ter sido determinado o cumprimento da prisão, e concluiu pela improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, afirmando que a aplicação do disposto no art. 49º, nº 3 do C. Penal não depende de um facere da parte do visado pelo que, constando da sentença condenatória o quadro sócio-económico da arguida, seria mais razoável tê-lo em conta e fazê-la beneficiar da suspensão da execução da prisão, com sujeição a deveres de conteúdo não económico ou financeiro, e concluiu pela procedência do recurso.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela arguida, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A de saber se, não sendo paga a multa de substituição da prisão e tendo sido determinado o cumprimento desta, na apreciação do requerimento de suspensão da execução da pena principal de prisão, deve ou não, ser relevada, oficiosamente, a situação social, económica e financeira da arguida, nos termos em que se encontra fixada na sentença condenatória;

- Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, a de saber se a concreta situação social, económica e financeira da arguida, tal como resulta da sentença condenatória, é ou não suficiente para demonstrar a ausência de culpa no não pagamento da multa de substituição.


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Do conhecimento oficioso da situação social, económica e financeira da arguida, nos termos em que se encontra fixada na sentença condenatória, para os efeitos previstos no art. 49º, nº 3 do C. Penal

1. Como supra se deixou exposto, a arguida foi condenada, por sentença já transitada, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de € 5, multa que, depois de autorizado o pagamento em prestações, não foi totalmente paga, tendo, em consequência, sido proferido despacho determinando o cumprimento da pena principal, ao qual reagiu a condenada, invocando a ausência de culpa o não pagamento da multa e requerendo a suspensão da execução da prisão, o que veio a ser indeferido pelo despacho recorrido, com o fundamento de que a arguida não fez prova, como se lhe impunha, de não lhe ser imputável o não pagamento da multa, decorrido já o prazo por si requerido para a junção de prova documental do alegado.

No recurso, pretende a arguida que, porque constantes da sentença condenatória e por isso, não podendo ser ignorados pelo tribunal a quo, deveriam ter sido oficiosamente considerados os factos provados da sentença, conformadores da sua situação social, económica e financeira, justificando a falta de junção de prova documental com a circunstância de, atenta a sua idade e condição de analfabeta, não conseguir seleccionar os ‘papéis’ que deveria entregar ao Mandatário.  

A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância alegou no sentido da confirmação do despacho recorrido e nesta Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Vejamos então.

2. É sabido que as penas de substituição são o resultado da condenação político-criminal das penas curtas de prisão, depois de reconhecido o fracasso destas na satisfação das finalidades de prevenção geral, negativa e positiva, e de prevenção especial, de neutralização e socialização (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crimes, Aequitas, pág. 327 e ss.).

Por isso, o critério geral de escolha ou de substituição da pena é o de que o tribunal deve dar preferência à pena de substituição em detrimento da pena privativa da liberdade sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena de substituição se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição ou seja, a realização das exigências de prevenção geral e especial.

A multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio pois tem carácter não institucional ao ser cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão a substituir.

Não sendo paga voluntariamente a multa de substituição e não tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados susceptíveis de execução patrimonial (cfr. art. 491º, nºs 1 e 2 do C. Processo Penal), o art. 43º, nº 2 do C. Penal impõe o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Porém, determina a 2ª parte deste nº 2 ser aplicável o disposto no nº 3 do art. 49º do C. Penal.

Dispõe o nº 3 do art. 49º do C. Penal:

Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.    

Assim, desde que o condenado prove que o não pagamento da multa de substituição não se deve a culpa sua, deve ser suspensa a execução da pena de prisão decretada na sentença, subordinada ao cumprimento de deveres.

Aqui, como nota Maria João Antunes, quer a impossibilidade de pagamento contemporânea da condenação quer a superveniente levam à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP (artigo 43.º, n.º 2, do CP), quando a razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP) (Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 96). 

Compreende-se que a lei atribua ao condenado o ónus de comprovar a ausência de culpa na falta do pagamento da multa de substituição, pois, por um lado, é ele o principal interessado em evitar as consequências do não pagamento, e por outro será ele quem em melhores condições se encontrará para fazer a demonstração da ausência de culpa.

In casu, no requerimento de 20 de Maio de 2014, a arguida alegou não lhe ser imputável a falta de pagamento da multa de substituição, invocando para o efeito, problemas de saúde, problemas de locomoção, a idade avançada e a pequena pensão auferida, e requereu o prazo de dez dias para juntar prova documental do alegado. É certo que nunca juntou tal prova, mas é também verdade, como se pode ler no despacho recorrido, que nada decidiu o tribunal quanto ao deferimento ou indeferimento do prazo requerido.         

Sucede que, se a própria impossibilidade de pagamento contemporânea da sentença condenatória releva para a suspensão da execução da pena de prisão e se o cumprimento da prisão só é justificado quando sujeito à cláusula de ultima ratio, impunha-se então ao tribunal a quo verificar se na sentença condenatória constavam ou não como provados, factos que permitissem concluir pela ausência de culpa da arguida quanto ao não pagamento. Na verdade, se a arguida tivesse indicado a própria sentença como documento de prova, o tribunal não deixaria de considerar os factos dela constantes, relevantes para o efeito, a existirem. Ora, não se vê que, constando a sentença dos autos, diferente comportamento se justificasse, no caso de a arguida não fazer tal indicação, estando em causa, como está, o direito à liberdade.

Em conclusão, para aferir da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos previstos no art. 49º, nº 3 do C. Penal, ainda que a arguida não tenha indicado prova do alegado, deve o tribunal considerar os factos assentes, para o efeito relevantes, que constem da sentença condenatória.


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Da concreta situação social, económica e financeira da arguida constante da sentença condenatória e da sua suficiência para demonstrar a ausência de culpa no não pagamento da multa de substituição

             3. Na sentença condenatória foi considerado provado:

            - [14] Por acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Setembro de 2005 (…) foi decretada a dissolução, por divórcio litigioso, do casamento entre o aqui ofendido e a arguida (…);

- [15] A arguida encontra-se reformada, trabalhou anteriormente na agricultura e aufere uma pensão de reforma no valor mensal de cerca de 205 €;

- [16] Vive sozinha em casa outrora pertencente ao casal;

- [17] Não sabe ler nem escrever.   

Resulta do Relatório da sentença ter a arguida nascido a 17 de Março de 1936 e do ponto 1 dos factos provados que os factos que conduziram à sua condenação ocorreram em 21 de Julho de 2011.

Estamos perante uma arguida com 79 anos de idade, já reformada, que vive só, com uma pensão mensal de € 205 para fazer face às necessidades básicas de alimentação, vestuário, energia eléctrica, água e gás. Por outro lado, estando satisfeita a também básica necessidade de habitação, não resulta provado que a casa onde se aloja lhe pertença.

Pois bem. O somatório de cada uma das prestações em que foi autorizado o pagamento da multa de substituição com cada uma das seis prestações em que foi autorizado o pagamento das custas [e quanto a estas nem consideramos o acréscimo] ascende a [€ 90 + € 125,53 =] € 215,53. Assim, nos seis primeiros meses, os rendimentos da arguida não seriam sequer suficientes para pagar a quantia global em dívida e nos restantes quatro meses, em que só estaria em pagamento a prestação da multa, sobrar-lhe-ia a quantia de [€ 205 - € 90 =] € 115. Como pode um qualquer cidadão, por mais modestas que sejam as necessidades enunciadas, sobreviver com esta importância? Não pode!            

Deste modo, entre assegurar a satisfação das referidas necessidades básicas e, portanto, a sua própria subsistência, e assegurar a satisfação dos pagamentos em questão, não obstante a natureza de pena criminal de um deles, há que reconhecer a razoabilidade da opção da arguida e, consequentemente, a ausência de culpa na omissão verificada. 

Em conclusão, demonstrada que está a insuficiência económica e financeira da arguida, resta concluir que o não pagamento da multa de substituição não lhe é imputável pelo que, nos termos dos arts. 43º, nº 2, 2ª parte e 49º, nº 3, do C. Penal, deve ser suspensa a execução da pena de seis meses de prisão decretada na sentença proferida nos autos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.

Sendo desejável a adequação do conteúdo dos deveres ou regras a fixar à idade e concreta condição da arguida, e não existindo nos autos, designadamente, na sentença condenatória, os elementos necessários à densificação daquela condição, o que impossibilita o tribunal da Relação de determinar os deveres ou regras condicionantes da suspensão da execução da prisão, deverá a 1ª instância solicitar a elaboração do pertinente relatório aos serviços de reinserção social e após, fixar tais deveres ou regras.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Consequentemente, decidem revogar o despacho recorrido e ordenar a sua substituição por outro que, após a recepção do relatório a solicitar aos serviços de reinserção social, nos termos e para os efeitos supra referidos, determine a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão decretada à arguida na sentença proferida nos autos, condicionada aos deveres ou regras de conteúdo não económico ou financeiro consideradas adequadas.


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Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 18 de Março de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)