Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
266/10.8TBTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: NATUREZA DA INFRACÇÃO
PERMANENTE
INSTANTÂNEA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 81.º, N.º2, ALÍNEA E) DO D.L. N.º 226-A/2007, DE 31 DE MAIO E 5º DO RGCO
Sumário: Imputando-se à arguida a construção nas suas instalações de uma lagoa que serve para armazenar água no seguimento de uma linha de água, tal infracção consuma-se não no momento em que foi efectuada a fiscalização mas sim no momento em que a arguida executou a obra, por se tratar de uma infracção de consumação instantânea com efeitos duradouros, o que releva, designadamente para efeitos de apuramento da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Decisão Texto Integral: 1. Nos autos de recurso de contra-ordenação nº 266.10.8TBTCS, em que é arguida

            XX... –, S.A., com sede na …, Trancoso
por decisão proferida pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, foi aplicada à recorrente – a supra arguida - a coima de € 15.000,00 pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. nos termos do artigo 81.º, n.º 2, alínea e) do Decreto-Lei  n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável com coima de € 15.000,00 a € 30.000,00 nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º, da Lei n.º 50/2006, de 21 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2000, de 31 de Agosto, e ainda a admoestação pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos  81.º, n.º 3 , alínea a) do Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável com coima de € 38.500,00 a € 70.000,00, em caso de negligência, e de € 200.000,00 a € 2.500.000,00, em caso de dolo, nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 21 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.

            2. A arguida impugnou a decisão, recorrendo para o tribunal de comarca competente, no caso, o T. Judicial de Trancoso.

            O recurso foi apreciado por despacho, uma vez que não houve oposição de qualquer dos sujeitos processuais – recorrente e Ministério Público.

            3. Pelo Tribunal a quo foi decidido:

            - absolver a arguida da prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, relativo  à falta de licença para a captação de água do domínio hídrico.

            - manter a decisão administrativa  no que concerne à contra-ordenação p. e p. pelo artigo 81.º, n.º2, alínea e) do D.L. n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, na qual foi condenada na coima de € 15.000,00, (quinze mil  euros).

            4. Desta decisão judicial recorre agora a arguida formulando as seguintes conclusões:

1. Por decisão administrativa veio a recorrente acusada, além do mais, da prática da contra-ordenação prevista pela alínea e) do nº 2 do artigo 81º do DL 226-A/2007, de 31 de Maio, que dispõe que:

“constitui contra-ordenação ambiental grave a execução de obras, infra-estruturas,

plantações ou trabalhos de natureza diversa, com prejuízo da conservação, equilíbrio das

praias, regularização e regime de rios, lagos, lagoas, pântanos e mais correntes de água”.

2. Em sede de defesa a recorrente alegou que a lagoa em causa foi executada há mais de 20 / 25 anos e que a mesma apenas se destinava ao aproveitamento de águas pluviais. Mais referiu que ali não existe qualquer linha de água, pois, conforme ficou consignado no auto de notícia e resultou como facto provado, a linha de água ali aparente encontrava-se seca, quer para montante, quer para jusante da dita lagoa, não chegando a alcançar a mesma, concluindo pela verificação da extinção do presente procedimento contra-ordenacional, por efeito da prescrição.

3. Indicou como testemunhas A... e B..., as quais vieram a ser ouvidas e acabaram por confirmar os factos alegados pela recorrente.

4. A decisão administrativa deu como integralmente reproduzidos os depoimentos destas testemunhas e a propósito da “prova dos factos” mencionou também os respectivos autos de inquirição.

5. Porém, não elencou os factos alegados pela defesa e confirmados pelas referidas testemunhas como provados ou como não provados, o que se impunha em ordem à correcta aplicação do Direito.

6. Por essa razão, suscitando a nulidade da decisão decorrente de omissão de pronúncia e falta de fundamentação e concluindo pela verificação da prescrição do presente procedimento, a recorrente interpôs recurso de impugnação, que, nesta parte foi julgado improcedente.

7. Sustenta a decisão ora recorrida que a decisão administrativa cumpriu integralmente os requisitos exigidos no artigo 58º do RGCO, tendo efectuado um exame crítico sobre as provas que concorreram à formação da sua convicção, defendendo que não é relevante a data da construção da referida lagoa, sendo tão só relevante que essa lagoa existe no momento da fiscalização, concluindo que tais factos alegados pela defesa estão em franca oposição com os factos dados como provados e que não há norma que atribua à arguida a faculdade de utilizar o recurso hídrico por o já fazer há muitos anos.

8. Ora, em primeiro lugar, a decisão nada referiu quanto aos factos alegados na defesa e resultantes da produção da prova testemunhal.

9. Em segundo lugar, quanto a este último argumento da Mª Juíza a quo, com o devido respeito e que é muito, parece confundir-se os elementos objectivos da infracção de que a recorrente vem condenada prevista na aliena e) do nº 2 do artigo 81º do citado DL 226º-A/2007 – a de proceder à execução da dita lagoa – com os elementos objectivos da infracção prevista na aliena a) do nº 3 do mesmo artigo – a de utilizar os recursos hídricos –.

10. E, uma coisa é a condenação da recorrente por ter executado uma infra-estrutura com prejuízo da regularização ou regime das correntes de água, outra coisa bem diferente é a condenação da recorrente por utilizar o recurso hídrico (e da prática desta ultima contra-ordenação a Mª Juíza absolveu a recorrente, por esta estar em tempo de, e por se encontrar a regularizar a situação).

11. Por outro lado, no que respeita ao facto de, para a consumação da contra-ordenação pela qual a recorrente vem acusada e respectiva condenação, se considerar irrelevante a circunstância da lagoa ter sido executada já há mais de 20/25 anos com o fundamento de que o que importa é que a lagoa existe no momento da fiscalização, dir-se-á que:

12. A Lei prevê causas de extinção da responsabilidade contra-ordenacional, entre elas a prescrição, a qual se opera logo que sobre a prática da infracção hajam decorridos determinados prazos.

13. E, no que respeita ao momento da prática da infracção, dispõe o nº 5 do RGCO que o facto se considera praticado “no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido”,

14. Além disso, atento o princípio da legalidade consagrado no artigo 2º do RGCO “só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima com lei anterior ao momento da sua prática”.

15. Dispondo ainda o nº 1 do artigo 3º do RGCO que “a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende”.

16. Quer isto significar que, ao contrário do consignado na douta decisão recorrida, a data da construção da lagoa descrita nos autos é de todo relevante para a boa apreciação e decisão da causa, podendo consistir e, consistindo efectivamente, uma causa de extinção do presente procedimento contra-ordenacional. Com efeito,

17. No que respeita ao prazo da prescrição da presente infracção, tendo em conta que a infracção é punível com coima entre €15.000,00 a €30.000,00, o mesmo é de três anos (cfr. alínea b) do artigo 27º do RGCO).

18. Ora, no caso dos autos, a infracção considera-se praticada na data da execução da infra-estrutura ou lagoa e, conforme resulta dos depoimentos dados por integralmente reproduzidos, a construção da dita lagoa ocorreu há mais de 20/25 anos. Aliás, conforme resulta do documento que ora se junta e cuja junção se torna agora necessária em virtude do julgamento feito pelo Tribunal a quo, a recorrente já em 25/10/2001 pediu o licenciamento da utilização daquela lagoa já ali construída e existente.

19. Pelo que, forçoso será de concluir que o presente procedimento contra-ordenacional se encontra e se encontrava prescrito.

20. De todo o modo, uma vez que o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente, A... e B... foi dado como integralmente reproduzido e uma vez que estas testemunhas são ainda mencionadas a propósito da "prova dos factos" constante da decisão administrativa recorrida seria importante essa análise crítica, mesmo que breve, explicando-se os motivos que levaram a determinada resposta para perceber o processo lógico da autoridade administrativa sobre aquela factualidade e questão, por forma a ser assegurado o direito do arguido ver sindicalizada a razoabilidade da opção sobre a conveniência de recorrer.

21. A recorrente não se limita a confirmar os factos que lhe foram imputados, apresentando outrossim factos que podem afastar a consumação da contra-ordenação e, mais ainda que, podem prejudicar o conhecimento do respectivo procedimento contra-ordenacional. Assim,

22.  Os factos alegados pela recorrente não podem considerar-se liminarmente irrelevantes, pois para além de eventualmente poderem servir de causa de exclusão da responsabilidade, podem ser úteis para a determinação da medida da coima.

23. Pelo que, se impunha a concomitante consideração desses factos como provados, com as devidas consequências jurídicas.

24. Ao decidir-se de outro modo, foi violado o direito de defesa da recorrente, quer consagrado no artigo 50º do RGCO, quer constitucionalmente consagrado no artigo 32º da CRP, donde emerge a nulidade da decisão recorrida por força da aplicação do disposto no artigo 379º nº 1 al. c) do CPP.

            Sem prescindir,

25. Como se disse, à recorrente foi condenada na infracção consubstanciada na execução de obras, infra-estruturas, com prejuízo da conservação, equilíbrio das praias, regularização e regime de rios, lagos, lagoas, pântanos e demais correntes de água.

26. Porém, do elenco dos factos considerados provados não decorrem factos suficientes para o preenchimento do elemento objectivo desta contra-ordenação.

27. Pois, nem do auto se noticia, nem da decisão resulta que a infra-estrutura em causa prejudicou, de qualquer forma, a conservação, equilíbrio e regime dos recursos hídricos.

28. Pelo contrário. Dos factos provados resulta que a linha de água, quer a montante, quer a jusante, encontrava-se completamente seca, não chegando a alcançar a lagoa da recorrente.

29. Logo, se a linha de água se encontrava seca, a montante, e não alcançava a lagoa, esta também não poderia prejudicar, como de facto, não prejudicou a regularização, regime ou curso de tal linda de água.

30. Além disso, era também necessário que fosse feita a concretização da conduta imputada à recorrente. Isto é: era preciso que do auto de notícia constasse a concreta imputação dos elementos objectivos do tipo de ilícito contra-ordenacional em causa, não bastando referir-se e dar-se como provado que “constatou-se que nas instalações existe uma lagoa”.

31. Daqui resulta, também, a nulidade da decisão, pelo que, ao decidir de modo diferente, a decisão ora recorrida violou, além do mais, as disposições supra citadas.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso de impugnação proceder por provado e, em consequência deve revogar-se a decisão proferida.

            5. Respondeu o Ministério Público ao recurso, dizendo, em síntese:

            5.1. A decisão administrativa preenche todos os requisitos do artigo 58º do DL nº 433/82.

            5.2. O relevante, na contra-ordenação em que a recorrente foi condenada, é que a infra-estrutura exista no momento da fiscalização, mantendo-se, pois, a contra-ordenação enquanto aquela se mantenha.

            5.3. Pelo que não se verifica, no caso, qualquer decurso do prazo de prescrição.

            5.4. Deve, assim, ser julgado improcedente, o recurso.

            6. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder.

            7. Colhidos os vistos legais teve lugar a conferência.


II

1. O tribunal a quo na apreciação que fez da questão deu como assentes os seguintes factos:

Factos provados:

1. A arguida “XX... –, S.A.”, pessoa colectiva n.º …, com sede na …, Trancoso, explora um estabelecimento sito no local da sua sede, onde se dedica à produção de lacticínios;

2. No dia 27 de Novembro de 2008, pelas 10H00, constatou-se que nas instalações da arguida, referidas em 1., existe uma lagoa que serve para armazenar água e que foi construída no seguimento de uma linha de água.

3. Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar referidas em 2, a linha de água encontra-se, para montante da lagoa, seca.

4. Percorrida a linha de água, ainda mais, para montante da empresa, a cerca de 700 metros, existe água.

5. A linha de água referida em 2. está cartografada à escala de 1:25000.

6. A jusante das instalações da empresa, a mesma linha de água seguia para os terrenos da arguida.

7. Todas as linhas de água existentes junto da unidade fabril da arguida e que passam nos seus terrenos encontravam-se secas.

8. Da lagoa referida em 2. é captada água que é conduzida a um depósito que funciona como regularizador do fluxo de abastecimento à rede de distribuição do estabelecimento industrial  e serve apenas para as utilizações correntes, nomeadamente lavagens e limpezas, sendo previamente sujeita a um tratamento, através de um sistema de carvão activado.

9. A lagoa referida em 2. foi construída em domínio hídrico.

10. Ao proceder à construção de uma lagoa para captação de água com prejuízo da conservação da linha de água, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz.

2. E procedeu à fundamentação e enquadramento jurídico da questão nestes termos, tendo em conta o teor da impugnação da arguida[1]:

Da nulidade da decisão administrativa por falta de pronúncia:

Alega a recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre todos os argumentos por si apresentados aquando do exercício do seu direito de defesa, nomeadamente que a infra-estrutura em causa foi executada há mais de 20/25 anos e que se destinava ao aproveitamento de águas fluviais e que não procedia à utilização ou captação de quaisquer recursos do domínio hídrico, estando ferida de nulidade.

Ora, ao contrário do alegado, a falta de menção expressa dessa factualidade nos factos provados e/ou nos não provados não consubstancia qualquer nulidade da decisão administrativa.

Com efeito, apesar do incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa poder constituir a nulidade da mesma, o que não sucede no caso em apreço, o certo é que “tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade, aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença”, (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 04/06/2003, CJ XXVIII, 3, pág. 40).

            A este respeito dispõe o artigo 58.º do RGCO, a respeito da decisão condenatória, que:

            …

           

Ora, a decisão proferida cumpriu integralmente os requisitos legais previstos no transcrito preceito legal, expondo as razões de facto e direito que levaram à condenação, tendo efectuado um exame crítico sobre as provas que concorreram à formação da sua convicção, afastando igualmente todos os argumentos aduzidos pelo recorrente na sua defesa.

Ou seja, face aos factos dados como provados pela autoridade administrativa, impõe-se concluir que não há qualquer nulidade por não ter invocado, expressamente, que a lagoa foi ou não construída há mais de 20/25 anos e que não estava a usar os recursos hídricos, pois estes ou estão em franca oposição com os factos dados como provados, ou não são, de todo, relevantes para a consumação da contra-ordenação pelo qual a arguida vem condenada.

Senão vejamos.

A contra-ordenação prevista no artigo 81.º, n.º2, alínea e), do DL n.º 226-A/2007, consuma-se com a mera existência de infra-estrutura que cause prejuízo na conservação, equilíbrio nas praias, regularização e regime de rios, lagos, lagoas, pântanos e mais correntes de água.

 Destarte, não é, assim, relevante a data da construção da referida lagoa, é tão só relevante, que esta lagoa existe no momento da fiscalização e que cause prejuízo nos termos referidos. Com efeito, não há qualquer norma que atribua à arguida a faculdade de utilizar o recurso hídrico por já o fazer há muitos anos. Como também não invoca qualquer situação em que já tenha sido condenada pela prática dos mesmos factos.

Por outro lado, é notório que a arguida utilizava o recurso hídrico. Na verdade, e neste concernente, é suficiente dar como provado que a referida infra-estrutura, lagoa, foi construída no seguimento de uma linha de água, logo em domínio público, e que a água dessa lagoa é conduzida a um depósito que funciona como regularizador do fluxo de abastecimento à rede de distribuição do estabelecimento industrial e serve apenas para as utilizações correntes, nomeadamente lavagens e limpezas, sendo previamente sujeita a um tratamento, através de um sistema de carvão activado, para se demonstrar, para se concluir que a arguida usava o recurso hídrico.

Segundo o Ac. do STJ de 10.11.1991, acessível in www.dgsi.pt, “a falta de indicação de matéria de facto não provada, só constitui nulidade prevista no artigo 379.º do CPP quando respeita a factos relevantes para a qualificação jurídico-criminal da conduta atribuída ao arguido”.

Face ao que ficou dito, cremos que a não menção expressa dos factos que a arguida invoca na sua defesa, na decisão administrativa, - como provados ou não provados –  não releva para a qualificação jurídico-criminal da conduta atribuída à arguida, que, por sua vez, mostra-se suficientemente balizada perante os factos dados como provados pela autoridade administrativa.

Deste modo, considera-se que a decisão sob censura não padece de qualquer nulidade, designadamente, de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi do art. 41.º, n.º 1, do RGCO.

Da nulidade da decisão por nela não constar a data, hora e local em que a contra-ordenação imputada foi supostamente praticada, prejudicando assim o direito de defesa do arguido já que não tem conhecimento concreto dos factos que lhe são imputados, e falta de apreciação do teor dos depoimentos prestados pela testemunhas de defesa

O art. 50.º, do RGCO, consagra o direito de audição e defesa do arguido, dispondo que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

O direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. A concessão destes autónomos direitos processuais, legalmente definidos, corresponde ao reconhecimento do arguido como sujeito e não como objecto de processo. Os actos processuais do arguido deverão ser, assim, expressão da sua livre personalidade e da cidadania.

“Como sujeito processual penal assistem ao arguido relevantes direitos, entre os quais se contam o direito de audiência, o de presença, o de assistência do defensor e o de interposição de recursos. Aspecto importante da sua defesa material é exactamente o seu direito de, em qualquer momento e em qualquer fase do processo, apresentar requerimentos, exposições ou memoriais que tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, desde que se contenham dentro dos limites do processo, e tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais”, (cfr. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in “Notas ao regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 4.ª Edição, Almedina, pág. 151).

Por seu turno, o art. 32.º, n.º 10, da CRP (Constituição da República Portuguesa), determina que “nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

Esta norma visa garantir aos arguidos os direitos de audiência e de defesa, em quaisquer processos de natureza sancionatória, o que significa que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas, (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 363).

Neste sentido, tem o arguido o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e sobre a sanção ainda na fase administrativa, podendo requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em sede de inquérito relativamente à autoridade judiciária.

Sucede que, no caso sub judice, considera-se que a entidade administrativa deu cabal cumprimento ao direito de defesa do arguido, não padecendo a decisão recorrida de qualquer nulidade a este respeito.

Ademais, note-se que a entidade administrativa não está, nem pode estar, obrigatoriamente sujeita à realização de todas as diligências de prova que são sugeridas pela arguida, podendo, ainda que fundadamente, fazer um juízo de conveniência acerca da realização das mesmas.

Na realidade, como referem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, (in ob. cit., pág. 153), no domínio do ilícito contraordenacional a sua não estreita equiparação ao ilícito penal confere uma maior maleabilidade na confrontação concreta das garantias constitucionais a que corresponde à menor ressonância ética do ilícito contraordenacional por contraposição às rigorosas exigências de determinação válidas para o ilícito penal. Em consonância com o exposto, defendem os referidos autores, posição com a qual concordamos, que a autoridade administrativa não está obrigada à prática dos actos requeridos pelo arguido, uma vez que, sendo aquela entidade quem preside à investigação e instrução, apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir, necessariamente, com os actos propostos.

Se não está obrigada à prática de todas as diligências requeridas pelo arguido, por maioria de razão, também não tem que fundamentar a sua decisão com base nas testemunhas indicadas pela defesa, desde que, claro está, já possua os factos corroborados pelos elementos de prova necessários.

De qualquer forma, sempre se dirá, que tais depoimentos em nada contradizem ou contrariam os fundamentos da condenação, tal como já supra referiu. Não revela a data, hora em que a lagoa foi construída – até porque se afigura manifestamente impossível concretizar tais factos – mas sim que a mesma estava construída, o que foi constatado aquando a fiscalização realizada no dia 27 de Novembro de 2008, pelas 10H00.

A lei não estipula qualquer prazo, a partir do qual é licito extrair águas inseridas em domínios hídricos, nem a arguida invocou qualquer condenação anterior pelos mesmos factos, sendo por isso irrelevante saber se a infra-estrutura foi ou não construída há mais de 20 anos. No dia 27 de Novembro de 2008 a lagoa existia e estava construída no seguimento de uma linha de água, tal é o relevante.

Deste modo, como acima se referiu, considera-se que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade invocada.


III

            Questão a apreciar:

 A nulidade da decisão recorrida por violação do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP.


IV


Apreciando:

1. Entende e alega a recorrente que foi violado o seu direito de defesa, quer consagrado no artigo 50º do RGCO, quer constitucionalmente consagrado no artigo 32º da CRP, donde emerge a nulidade da decisão recorrida por força da aplicação do disposto no artigo 379º nº 1 al. c) do CPP.

Retira estas conclusões essencialmente do facto de que quer a entidade administrativa quer o tribunal a quo não relevarem os factos por si alegados de que a lagoa, objecto da contra-ordenação, foi construída/executada, há mais de 20 ou 25 anos, tendo arrolado prova nesse sentido, a qual não foi valorada, não constando tal matéria quer do factualismo provado quer do não provado. E tal facto é relevante na medida em que o mesmo conduz à verificação do decurso do prazo de prescrição da contra-ordenação com as consequências legais para a recorrente, de ver assim extinto tal procedimento.

Conforme resulta do teor do despacho recorrido, não considerou o julgador existir qualquer nulidade por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação da entidade administrativa que aplicou a coima respectiva. E também não considerou o tribunal a quo apurar tais factos, em sede de matéria provada ou não provada, em suma, da fundamentação fáctica, na medida em que os mesmos são de todo irrelevantes para apreciação da questão colocada à apreciação do tribunal, pois que a contra-ordenação se verifica, existe, independentemente do momento em que a lagoa foi edificada. Relevante relevante, é que no dia 27 de Novembro de 2008, data da fiscalização, a lagoa em causa existia. Tanto basta para o caso, já que a contra-ordenação se consuma com a sua mera existência da lagoa no acto de fiscalização.

Contrapõe a recorrente, com veemência, dizendo que:

 A Mª Juíza a quo, com o devido respeito e que é muito, parece confundir os elementos objectivos da infracção de que a recorrente vem condenada prevista na aliena e) do nº 2 do artigo 81º do citado DL 226º-A/2007 – a de proceder à execução da dita lagoa – com os elementos objectivos da infracção prevista na aliena a) do nº 3 do mesmo artigo – a de utilizar os recursos hídricos –.

Uma coisa é a condenação da recorrente por ter executado uma infra-estrutura com prejuízo da regularização ou regime das correntes de água, outra coisa bem diferente é a condenação da recorrente por utilizar o recurso hídrico (e da prática desta ultima contra-ordenação a Mª Juíza absolveu a recorrente, por esta estar em tempo de, e por se encontrar a regularizar a situação).

2. O equacionamento do problema pelo tribunal a quo assenta na consideração de que se está perante um ilícito de natureza permanente por contraposição ao ilícito de natureza instantânea e, por sua vez, ao ilícito de natureza instantânea com efeitos duradouros, podendo-se desde já dizer que a decisão incorre em erro no que concerne à classificação conceptual da infracção verificada, confundindo infracções de natureza duradoura ou permanente com infracções de efeito duradouro.
           
Assim, nos ilícitos permanentes o estado antijurídico é mantido pelo agente e a sua permanência gera a realização ininterrupta do tipo, renovada por acção da vontade do agente, o que distingue estes ilícitos das infracções instantâneas, mas de efeitos duradouros ou permanentes, em que o agente se liberta da acção inicial sucedendo-se os efeitos mas à margem de qualquer resolução criminosa - Jescheck, Tratado, II, pág. 999.
 

Relevante se afigura o teor da decisão sumária de 13.1.2010, proferida no proc. nº 1180/09.5TBFIG.C1, sobre esta temática, que merece a nossa adesão:

“Luís Osório, duma forma simples mas elucidativa, distingue assim entre crimes instantâneos e crimes permanentes: Os crimes serão instantâneos ou permanentes “conforme se prolonga ou não, depois de produzidos, a mesma actividade que os produziu - Cfr. Notas ao Código Penal Português, vol. I.
            Tipos de crimes permanentes - A distinção foi originariamente gizada para os crimes, mas aplica-se nos mesmos termos às infracções de natureza contra-ordenacional., no dizer de Eduardo Correia - Cfr.
“Direito Criminal”, Vol. I, pag. 309, Ed. de 1971, cuja exposição acompanhámos de perto na redacção deste parágrafo., que cita como exemplo o crime de cárcere privado (actualmente, crime de sequestro), “são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo” e em que é possível distinguir duas fases: uma primeira fase correspondente à produção de um estado antijurídico, sem nada de característico em relação a qualquer outro crime; e uma outra, típica, correspondente à permanência ou à manutenção do evento, “… que consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compressão de bens ou interesses jurídicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz”.

Figueiredo Dias, numa visão mais actual, clarifica os conceitos nestes termos: “O crime não será instantâneo, mas antes duradouro (também chamado, embora com menor correcção, permanente) quando a consumação se prolongue no tempo, por vontade do autor. Assim, se um estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de por termo a esse estado de coisas, o crime será duradouro. Nestes crimes, a consumação, anote-se, ocorre logo que se cria o estado anti-jurídico; só que ela persiste (ou dura) até que um tal estado tenha cessado. O sequestro (art. 158º) e a violação de domicílio (art. 190º-1) são exemplos desta espécie de crimes” - Cfr. “Direito Penal”, Parte Geral, tomo 1, pag. 314.
           
Os crimes permanentes são assim designados por contraposição aos crimes instantâneos, ainda que estes possam ter efeitos permanentes.     A diferença entre os dois tipos de ilícito reside na consumação (ou, com maior propriedade, na relação entre os efeitos do crime e a sua consumação). Assim, por exemplo, no crime de sequestro, “a pluralidade de actos necessários à detenção e encerramento da vítima, à manutenção da privação da sua liberdade e ao impedimento da fuga constitui uma única acção (típica) de sequestro” - Idem, a fls. 984, a propósito da unidade típica de acção.. Enquanto se mantiver a privação da liberdade da vítima subsiste a consumação do crime (a sua consumação material inicia-se com a efectiva privação da liberdade e só termina com a libertação da vítima) - Cfr. Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, anot. ao art. 158º, pag. 409.. Daí que relativamente aos crimes permanentes, o prazo de prescrição só corra desde o dia em que cessar a consumação [art. 119º, nº 2, al. a), do Código Penal]. Já no crime de furto, que é um crime instantâneo, a consumação ocorre com a pacífica apropriação do bem pelo agente, ainda que subsistam os efeitos do crime (subsiste o desapossamento do proprietário relativamente ao bem furtado). Trata-se, como refere Maia Gonçalves, de “… infracções em que a reunião dos seus elementos constitutivos (…) se adquire num determinado momento e só as suas consequências se prolongam no tempo, tratando-se, apesar das aparências, de uma verdadeira infracção instantânea que deve reputar-se definitivamente cometida na data da sua realização”. - Cfr. “Código Penal Português”, anot. ao art. 13º, Ed., pag. 63”.

3. Definidos os limites conceptuais entre estas duas figuras jurídicas[2], vejamos em que termos exactos a lei tipifica a contra-ordenação em que a recorrente foi condenada:

“Constitui contra-ordenação ambiental grave:     

…                                           

e) Execução de obras, infra-estruturas, plantações ou trabalhos de natureza diversa, com prejuízo da conservação, equilíbrio das praias, regularização e regime de rios, lagos, lagoas, pântanos e mais correntes de água” - alínea e) do nº 2 do artigo 81º do DL 226-A/2007, de 31 de Maio.

Por sua vez, dispõe o nº 3, alínea a), do mesmo artigo e diploma (correspondente à outra contra-ordenação em que a recorrente foi incialmente condenada mas absolvida pelo tribunal a quo):

“Constitui contra-ordenação ambiental muito grave:        

a) A utilização dos recursos hídricos sem o respectivo título.

4. Da conjugação ou comparação destas duas contra-ordenações, conclui-se que têm as mesmas um campo de aplicação diferente.

Enquanto que a primeira prevê a execução, a construção ou implantação da obra, no caso a construção da lagoa, já a segunda prevê a utilização dos recursos hídricos sem título legalmente exigido.

Para uma melhor interpretação dos conceitos e consequente conclusão sobre o momento de consumação da contra-ordenação em apreciação – objecto primeiro deste recurso -, importa referir que estas transgressões se integram no regime de utilização dos recursos hídricos e respectivos títulos, ou seja, o Dec. Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, vem regular e regulamentar a Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, pretendendo-se com ambos os diplomas, fazer-se uma gestão global dos recursos hídricos existentes no País, consagrando-se vários objectivos e protecções ambientais, regulando o relacionamento entre o Estado e os utilizadores dos recursos hídricos, visando ainda um aproveitamento económico desses mesmos recurso hídricos, preocupando-se com o interesse público na gestão de todos os recursos e preocupando-se finalmente com uma inventariação não só dos recursos hídricos mas também dos utilizadores, por forma a proceder-se a uma gestão racional e sustentável dos recursos hídricos e que todo o utilizador esteja identificado e titulado, autorizado e licenciado nessa sua utilização.

É dentro deste enquadramento jurídico que o Dec. Lei nº 226-A/2007 exige, pois, logo no artigo 4º que, sempre que o uso privativo dos recursos hídricos implique a realização de obras pelo interessado, cabe a este submeter o respectivo projecto à aprovação.

E, por sua vez, o artigo 10º daquele diploma prevê a atribuição de um título de utilização dos recursos hídricos, fazendo o artigo 19º depender de licença prévia a utilização privativa dos recursos hídricos.

Em síntese, neste diploma regula-se essencialmente a gestão dos recursos hídricos através da autorização da realização de obras com vista à captação bem como o licenciamento dessa utilização, consubstanciando-se esta num título em que serão definidos todos pormenores dessa utilização: natureza, prazo, quantidades, finalidades, condições de utilização e outras.

Pelo que as contra-ordenações supra referenciadas, traduzem dois momentos diferentes nesta gestão de autorização de obras para captação de recursos hídricos e consequente utilização ou uso desses recursos mediante licenciamento.

Pese embora a estreita conexão entre estes dois momentos ou situações são, no entanto, independentes e não coincidentes. Poderá existir uma autorização para captação de recursos hídricos – como seja a construção de um lago ou lagoa ou um furo subterrâneo – sem que se siga uma imediata utilização. Esta poderá ocorrer apenas algum tempo posterior à captação. Contudo, esta nunca poderá ocorrer sem o licenciamento prévio, apesar da inicial autorização para a captação. Podendo também ocorrer uma utilização imediata e posterior cessação: ou por falta de licenciamento ou por desinteresse ou desnecessidade da utilização dos recursos hídricos.

E não deixa de ser relevante a posição legislativa quanto à gravidade das infracções: qualifica de grave a realização da obra de captação mas qualifica de muito grave a utilização dos recursos hídricos sem o respectivo título.

Regressando ao tema inicial desta análise, a contra-ordenação imputada à recorrente traduz-se, segundo o legalmente estipulado, em execução de obra. Não se refere ou exige, a manutenção de tal obra. Ou seja, podia exigir a execução e manutenção, a execução ou manutenção ou apenas esta (manutenção).

Não é o caso. Ao exigir expressamente e tão só a execução da obra, temos que interpretar e inferir que, com a dita execução da obra (sem a respectiva autorização, pois existindo esta não fará sentido falar em qualquer infracção), se consuma a contra-ordenação.

Segundo o raciocínio supra desenvolvido, após esta execução, o infractor tem duas vias ou possibilidades à sua frente: passa a utilizar os recursos hídricos conseguidos com a execução da obra e, se o fizer sem licenciamento ou título cometerá outra infracção; ou simplesmente nada faz, não utiliza os recursos hídricos ( não retira ou consome água do lago, não retira água do furo ou poço…). Nesta situação, fica-se pela primeira infracção da execução da obra.

Daí entender-se que existe alguma confusão ou falta de rigor técnico, quando na decisão recorrida se afirma:

Destarte, não é, assim, relevante a data da construção da referida lagoa, é tão só relevante, que esta lagoa existe no momento da fiscalização…

Por outro lado, é notório que a arguida utilizava o recurso hídrico. Na verdade, e neste concernente, é suficiente dar como provado que a referida infra-estrutura, lagoa, foi construída no seguimento de uma linha de água, logo em domínio público, e que a água dessa lagoa é conduzida a um depósito que funciona como regularizador do fluxo de abastecimento à rede de distribuição do estabelecimento industrial…para se concluir que a arguida usava o recurso hídrico.

Este último facto se é relevante ou determinante para justificar a aplicação da contra-ordenação do nº 3, alínea a), do artigo 81º, já não o é para justificar a aplicação da contra-ordenação em causa neste recurso. Porque são duas situações bem distintas, como se referiu.

Pelo que é legítimo concluir que a dita contra-ordenação se consuma com a execução da obra em si, sendo uma infracção de consumação instantânea por contraposição a infracção duradoura. E será infracção instantânea com efeitos duradouros, pois que como se anotou, a manutenção – ou existência no dizer da decisão recorrida - da obra ilícita não constitui elemento do tipo - neste sentido, v. decisão sumária de 13.1.2010, supra citada. Bem como os acs deste TRC de 5.1.2011, proferido no proc. nº 604/10.3TALRA.C1[3] e de 4.6.2008, proferido no proc. nº 2631/07.9TBPBL[4], ambos consultáveis na base de dados do ITIJ.

Embora possa parecer que uma solução destas deixa sem protecção jurídica a manutenção ou existência da lagoa construída sem autorização, logo ilegal, não tem esta dedução, fundamento. Pelo simples facto de que a ordem jurídica, no caso o Dec. Lei nº 226-A/2007, tem solução, desde logo no disposto no artigo 4º, nº 4, com a demolição compulsiva da obra realizada sem projecto aprovado, sem prejuízo das outras sanções que couberem ao caso.

5. Postos estes considerandos, é altura de afirmar que a infracção se consumou não no momento em que foi efectuada a fiscalização mas sim no momento em que a arguida executou a obra, de acordo com o princípio ou regra do artigo 5º do RGCO quando diz que o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.

O que significa, por sua vez, que a data exacta ou pelo menos aproximada de tal execução, se mostra relevante e determinante para apreciação da alegada excepção de prescrição por decurso do tempo respectivo.

Caindo por terra o argumento do tribunal a quo de que tal data não relevava para a apreciação da conduta da recorrente. Fazendo todo o sentido aplicar o decidido no ac. do STJ de 10.11.1991, acessível in www.dgsi.ptcit. pelo julgador a quo – entre muita outra jurisprudência neste sentido, de que “a falta de indicação de matéria de facto não provada, só constitui nulidade prevista no artigo 379.º do CPP quando respeita a factos relevantes para a qualificação jurídico-criminal da conduta atribuída ao arguido”.

Sendo certo que também sempre seria possível aqui vislumbrar o vício do artigo 410º, nº 2, alínea a), de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.


V

Decisão

Pelo exposto, decide-se anular a decisão de condenação da recorrente pela prática da contra-ordenação que resulta dos autos e ainda, ao abrigo do artigo 426º, do CPP reenviar o processo para novo julgamento parcial que apure os factos sobre o exacto momento ou o mais aproximado possível da execução das obras – lagoa -,  com vista à apreciação da questão do decurso do prazo de prescrição invocado pela recorrente.

Para o efeito, deverão realizar-se as diligências de prova necessárias e consideradas oportunas, nomeadamente as indicadas pela recorrente no seu recurso de impugnação.

Sem custas.

Luís Teixeira (Relator)

Calvário Antunes


[1] Apenas se transcreve a parte relevante para a presente apreciação.
[2] Ilícito duradouro ou permanente e ilícito instantâneo com efeitos duradouros.

[3] Onde se decidiu:

“Não constituindo a manutenção da obra ilícita elemento da contra-ordenação da realização de operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento ou autorização sem o respectivo alvará, a prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, correspondente à data da conclusão da obra”.

[4] Onde se afirma o seguinte:

“Tendo sido imputada ao arguido uma infracção consubstanciada na construção de uns anexos sem que tivesse previamente obtido a competente licença camarária a infracção consuma-se com a finalização das obras, ainda que os efeitos da infracção se prolonguem no tempo. Estamos, assim, perante um ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros”.