Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4416/03.2TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: HONORÁRIOS
LAUDO
CONTRATO-PROMESSA
EFICÁCIA REAL
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.100 EOA, 413 CC, 271 CPC, 3, 6, 11, 34, 53 CRP
Sumário: I. Não é condição da acção de honorários a existência de um laudo da Ordem dos Advogados sobre o valor dos honorários pedidos.
II. Se for claro que é em resultado do trabalho prestado pelo advogado que o efeito útil obtido com o serviço prestado é diminuto ou praticamente inexistente (por ter deixado caducar o registo da execução específica do contrato-promessa), o valor a pagar por tal serviço prestado terá necessariamente de repercutir, e substancialmente, tal facto.

III. A execução específica de um contrato-promessa, para ter eficácia real, tem de estar registada e manter-se registada até ao registo da sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              A (…) intentou a presente acção sumária contra AP (…) e mulher, MP (…), pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe 6577,19€, acrescidos de juros a partir da citação.

              Alega, para tanto, que foi procurado pelo réu pelo incumprimento de um contrato-promessa; que teve que ser fixado judicialmente o prazo e depois executada a promessa; entretanto o prédio objecto da promessa foi vendido no decurso da acção e por isso foi mandatado para participar criminalmente contra o promitente e intentar uma acção cível contra este e os terceiros compradores; a meio disto, o réu desistiu e recusa-se a pagar o que falta dos serviços relativos à execução específica, à queixa-crime e à petição da nova acção; alega também, para responsabilizar a ré mulher, o proveito comum do casal nestes serviços; no articulado da petição não se descriminam os valores referentes aos vários serviços).

              Os réus contestaram, no essencial dizendo que, por causa do autor, o réu não tinha retirado qualquer efeito útil da execução específica, pois que, devido à caducidade do registo da mesma, o prédio objecto do contrato-promessa tinha sido transmitido e registado a favor de terceiros; o réu não mandatou o autor para a nova acção; as notas de honorários não estão descriminadas; não percebem como é que o autor chega ao valor em dívida; não lhes é possível saber se devem algum valor ao autor. Pedem a sua absolvição do pedido.

              O autor respondeu e pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé.

              Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando os réus a pagar ao autor 400€ (relativos à queixa crime), acrescidos dos juros à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento e julgando improcedentes os restantes pedidos formulados pelo autor, deles absolvendo os réus.

              O autor recorreu desta sentença, pedindo a sua substituição por outra que a julgue totalmente procedente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         I. Consta em 23 dos factos provados que os honorários e despesas, relativamente à acção n.º ..., são, respectivamente, de 10.000€ e 1.138,76€, a que acresce o IVA, no montante de 2.100€.
         II. Ou seja, feita a soma de 10.000€ + 1.138,76€ + 2.100€ chega-se ao montante de 13.238,76€ que, deduzido dos 7.952,54€, que o réu entregou, fica reduzido ao montante peticionado, de 5.286,22€ (cfr. doc. n.º 10, junto com o petitório, o art. 33.º deste e o pedido deduzido).
         III. De resto, o réu recebeu a respectiva nota de despesas e honorários de tal acção e dela não reclamou, nem pediu qualquer esclarecimento, tendo feito aquela(s) entrega(s).
         IV. Assim, não tinha o tribunal que, em face da matéria assente e provada, pronunciar-se quanto à “caducidade do registo”, como sendo um “ingrediente” a ter em conta no “cálculo” dos honorários e despesas e respectivo IVA, devidos na respectiva acção.
         V. Tanto mais que não é verdade que a “utilidade” conseguida na acção para os réus seja “muito diminuta” pois aquela foi julgada (totalmente) procedente e, por via dela, têm aqueles o direito a haverem para si o prédio urbano em causa, a registá-lo em seu nome e reivindicá-lo dos terceiros ocupantes, nos termos da acção cível a intentar contra estes, conforme o petitório de fls. 31/41.
         VI. Além da factualidade dada como provada, relativamente à acção cível a propôr contra os terceiros ocupantes da fracção, nos termos daquele petitório mencionado, tem ainda de considerar-se como provado que o réu não assinou, de imediato, a respectiva procuração, no escritório do autor, como o fez em relação à destinada à queixa-crime, em virtude de a mesma carecer de assinatura, para o efeito, da sua mulher, ora ré e, por isso, a levou (cfr. depoimentos de parte do réu e da testemunha (…), atrás transcritos).
         VII. Deverá, de igual modo, dar-se também como provado, em resposta ao art. 3.º da base instrutória, que a propositura daquela acção cível foi acordada, entre o autor e o réu (…), na reunião havida no escritório daquele, em Dezembro de 2007, em face da ocupação da fracção por aqueles e da sua recusa em a entregar aos réus, após trânsito em julgado da sentença naquela acção de execução específica e que só passados cerca de dois meses (em Fevereiro de 2008) é que o réu prescindiu dos serviços prestados por via (da instauração) da aludida acção cível.
         VIII. Aliás, o réu tinha perfeito conhecimento daquela ocupação pelos ditos terceiros (cfr. cartas juntas aos autos, registo provisório da aquisição daquela fracção pelos aludidos terceiros, de 10/02/2002, bem como dos depoimentos do réu e da testemunha (…), atrás transcritos).
         IX. Daí que tal acção cível, a intentar pelos réus contra aqueles terceiros ocupantes da fracção, fosse necessária e útil, em face desta ocupação, para, afinal, poderem vir fazer valer a sua pretensão, que era, a entrega daquela.
         X. Aliás, os réus não puseram em causa nem os serviços prestados, nem as despesas, por via de tal acção a intentar contra os aludidos terceiros, que ficaram provados, tendo apenas alegado que os mesmos não estão “discriminados” na nota respectiva (cfr. doc. n.º 6, junto com a petição inicial) e não lhes ser possível “verificar” se devem “algum valor” ao autor… (cfr. arts. 41, 44, 60 e 62 da contestação).
         XI. Em face de todo o exposto, e considerando o disposto no art. 100 do EOA, entende o autor como justa e adequada a fixação em 830€ dos honorários e em 60,97€ das despesas, dos serviços prestados e despesas feitas por causa daquela acção cível, valores esses deveras “proporcionais” ao valor fixado pela sentença (de 400€), referente à queixa-crime, em face de muito mais tempo consumido no estudo, investigação e elaboração da petição inicial e nos contactos efectuados e na muito maior complexidade da dita acção, em comparação com aquela queixa-crime.
         XII. A sentença recorrida violou, pois, além do mais, o disposto no art. 100 da Lei  15/2005, de 26/01 (EOA), nos arts. 1157, 1058/2 e 1167, als. b) e c) do CC e art. 659, n.ºs 2 e 3, do CPC.

              Os réus contra-alegaram e levantaram a questão prévia da intempestividade da interposição do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa resolver: da intempestividade do recurso; se os factos referidos nas conclusões VI a VII devem ser considerados como provados; se o montante dos honorários podia ser discutido nesta acção; se, podendo, a de saber se o resultado obtido pelo autor deve ser considerado e com que efeito.

                                                                 *

              Quanto à questão prévia da intempestividade do recurso:

              O autor foi notificado da sentença por carta de 23/03/2010.

              O autor tinha dez dias para recorrer (a considerar que fosse aplicável o CPC na redacção anterior a 2007).

              Presume-se notificado no dia 26/03/2010 (a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja - art. 255/3 do CPC).

              O prazo processual,  estabelecido na lei,  é contínuo,  suspendendo--se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo excepções que não têm lugar no caso (art. 144/1 do CPC).

              As férias da Páscoa foram (art. 12 da Lei 52/2008, de 28/08) de 28/03/2010 (Domingo de Ramos) a 05/04/2010 (segunda-feira de Páscoa).

              Assim, os dez dias para recorrer terminariam a 14/04/2010.

              Como o recurso foi interposto nesse dia, está em tempo.

                                                                 *

              Foram os seguintes os factos dados como provados (alguns dos factos referem o envio de cartas, sem as deixar transcritas, e outros referem as cartas e dão-nas como reproduzidas; nestes casos, elas são mesmo, agora, reproduzidas…; nos outros não, a não ser que, por força das alegações de recurso ou do conhecimento de outras questões oficiosas tal de mostre necessário, caso em que se discutirá se podem ou não ser tomadas em consideração):
         1. O autor exerce a profissão de advogado há cerca de 33 anos.
         2. Nessa qualidade, foi, nos princípios de Janeiro de 2002, procurado no seu escritório pelo réu, por via de um contrato-promessa que havia celebrado em 1999 com (…) e Filhos Lda, e, até então, incumprido por esta.
         3. Porque, em tal contrato-promessa, não havia sido fixado prazo para a venda da fracção autónoma da moradia bifamiliar prometida, foi aquela sociedade avisada pelo autor, já na qualidade de mandatário do réu, para resolver o assunto até ao dia 15 daquele mês de Janeiro, sob pena de recurso à via judicial competente para o efeito.
         4. E como aquela sociedade não tivesse dado qualquer satisfação ao solicitado, o réu, patrocinado pelo autor, requereu a fixação judicial de prazo para a feitura do contrato definitivo (venda) da aludida fracção – proc. ..., que correu termos no 2º juízo cível deste tribunal.
         5. Após contestação daquela sociedade, veio a ser celebrada transacção judicial, homologada por sentença, ficando a mesma de, no prazo de 30 dias, a contar da data daquela (23/06/2003), outorgar na dita escritura de venda.
         6. Porém, não o fez, apesar da insistência do réu para o efeito, daí que, em 11/12/2003, o réu, com procuração passada ao autor, instaurou contra aquela sociedade a acção de condenação, sob a forma ordinária, pedindo a execução específica daquele contrato promessa (proc. ... deste juízo).
         7. Tendo a sociedade contestado foi deduzida réplica nos termos que daquela peça processual consta.
         8. Procedeu-se de imediato ao registo da acção.
         9. Proferido o despacho saneador, foi dado conhecimento atempado do mesmo ao réu e pedido a este a prova testemunhal, de acordo com a base instrutória fixada.
         10. Entretanto, foi deduzida pelo réu reclamação à selecção da matéria de facto, quer no que toca à matéria assente, quer à base instrutória.
         11. Designada data para julgamento, dela deu o autor conhecimento ao réu.
         12. Já em plena audiência, como aquela sociedade tivesse mostrado vontade de chegar a acordo com o réu, foi pedida a suspensão da instância para o efeito.
         13. Goradas as expectativas de tal acordo, foi pelo autor, em representação do réu, requerido o prosseguimento da instância, com a designação de nova data para o julgamento, que veio a ser marcado para o dia 10/05/2007, de que o autor deu conhecimento ao réu.
         14. Efectuado aquele julgamento, foi designado o dia 18/05/2007 para as respostas à matéria da base instrutória, que foram efectivamente dadas.
         15. Em 19/07/2007, o autor enviou ao réu a carta junta a fls. 26 e ss com as notas de despesas e honorários de fls. 92 e 93
         Naquela escreveu:
            Referência: Proc. n° ... /(…)Tribunal judicial de ... / 3° juízo Cível (p. 105)
            Ex.mo Senhor:
            Conforme é do v/conhecimento e de acordo com as respostas à matéria da base instrutória e da já constante da matéria assente, o tribunal condenará a (…). no pedido da n/acção, ou seja declarando-se Vª Exª dono da fracção B (composta por cave destinada a garagem, rés-do-chão destinada a habitação e logradouro, constituido por uma parcela de terreno localizada nos alçados principal, lateral direito e posterior e descrita na conservatória respectiva sob o nº .../ ... ...) do prédio edificado no lote n°5, situado na freguesia de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° .../ ... ....
            Como Vª Exª se recordará, registamos atempadamente a n/acção, com tal pedido, para evitar que comprador(es) incauto(s) pudesse(m) adquirir, ou ser enganado(s) pela ré.
            Quanto à aquisição do tal terceiro da respectiva fracção B, a mesma caducou e, portanto, nada impedirá que, proferida a sentença, nós reivindiquemos e tomemos conta da mesma.
            É certo que o tal terceiro, que lá estará a viver, poderá vir invocar o direito de retenção, por se encontrar a usufruir da fracção, em virtude de eventual contrato-promessa de compra e venda e efectiva ocupaçao da mesma.
            Porém, tal terceiro, como já várias vezes referi a Vª Exª, terá que demonstrar que está de boa fé, sendo certo que aquela aquisição provisória caducou e ele tem conhecimento do registo da n/acção.
Depois, terá de provar quanto é que ele pagou à promitente vendedora (a ora ré na n/acção), mas tendo de descontar todos os montantes de renda que teria de ter pago pela ocupação sem título, de uma fracção igual, todo este tempo.

            Em suma, terá o tal terceiro de negociar connosco, sob pena de o obrigarmos a desocupar aquilo que, por sentença, foi declarado ser v/propriedade.
            Aliás, continuamos à espera que o tal terceiro ou alguém a seu mando nos contacte ou contacte Vª Exª para aquela eventual negociação, como prometeram os dois mandatários que estiveram presentes no julgamento.
            Porém, até hoje, tal não ocorreu, pelo menos connosco.
            Logo que recebida a sentença, que não deve demorar, enviaremos fotocópia a Vª Exa.
            Aproveitamos, também, para enviar a Vª Exª as notas finais de despesas e honorários, quer na acção especial de fixação judicial de prazo n° ..., quer nesta acção de processo ordinário n° ..., cujos saldos, a n/favor, são, respectivamente, de 692,46€ e 8.888,76€, que terá a amabilidade de mandar liquidar, o mais urgente possível.
            Junta-se: duas notas de despesas e honorários.

= NOTA DE HONORÁRIOS E DE DESPESAS =
Proc. n° ... - Fixação Judicial de Prazo
Tribunal judicial de .../ 2°juizo Cível_
         HONORÁRIOS                                                                       1.250,00€*
                 DESPESAS
                 - Articulados 8,98 €

                 - Requerimentos 17,96€
                 - Fotocópias 15,65€
                 - Telefonemas 66,00 €
                 - Cartas 28,46 €
                 - Registos 4,40 €
                 - Certidões 70,06 €
                 - Taxas de justiça 79,81 €
                 - Imposto de Selo 4,99 €
                 - Fax 19,95€
                 TOTAL DAS DESPESAS 316,26 €
                                                                                     TOTAL 1.566,26 €
Entregas a deduzir nesta nota final 873,80 €
Saldo a n/ favor 692,46 €
*Ainda sem IVA incluído à taxa legal (21%).

                                                                         ..., 19 de julho de 2007
= NOTA DE HONORÁRIOS E DE DESPESAS =
Proc. n° ... - Acção de Processo Ordinário
_Tribunal judicial de .../3°Juizo Cível_

HONORÁRIOS                                                                     10.000,00€ *
DESPESAS
- Articulados 22,50 €
- Requerimentos 21,50 €
- Fotocópias 27,60 €
- Telefonemas 57,20 €
- Canas 21,50€
- Registos 18,26€
- Certidões 5,06 €
- Registo da Acção 125,00€
- Taxas 817,64€
- E-mail 20,00€
- Fax 2,50€
                 TOTAL DAS DESPESAS 1.138,76 €
                                                                                   TOTAL 11.138,76 €
 
Entregas a deduzir nesta Nota Final                                          2.250,00 €

Saldo a n/favor                                                                           8.888,76€
sem IVA incluído à taxa legal (21%).

                                                                    ..., 19 de Julho de 2007


         16. E, em 31/07/2007 foi proferida sentença, notificada ao autor em 10/09/2007, julgando a acção procedente e considerando substituída a declaração da (…) e Filhos, Lda, a vender ao réu, a dita fracção autónoma.
         17. O autor deu de imediato conhecimento ao réu da referida sentença (doc. de fls. 29 e 30).
         18. O autor remeteu ao réu e este recebeu a carta de fls. 48 que tinha anexa a nota de despesas e honorários de fls. 49.
         19. O autor recebeu em 06/02 a carta do réu marido de fls. 50.
         20. Tendo o autor respondido a essa carta com a carta de fls. 51. e ss, com o seguinte teor:
            ..., 6 de Fevereiro de 2008
            Havíamos já enviado uma carta a Vª Exª, de que juntamos fotocópia e cujo teor reiteramos.
            Por isso, ficamos a aguardar o pagamento urgente (o mais tardar até ao dia 15 do corrente mês) daquelas notas de despesas e honorários ou, findo o prazo, daremos entrada, sem mais avisos, à competente acção de honorários.
            Com efeito, com a v/carta, por nós hoje recebida, demonstra que não tem dignidade, nem frontalidade, nem a boa fé, que todo o cidadão deveria ter com quem se relaciona.
            Se tem uma sentença favorável, a nós e só a nós Vª Exª o deve.
            Se bem se lembra, a seguir o v/raciocínio e o v/querer, de quem joga em águas turvas, tínhamos posto uma acção de dívida, a pedir o excedente sobre o montante constante do contrato-promessa.
            Como, porém, Vª Ex.a não tinha quaisquer provas na transacção e a outra parte tinha fotocópias dos cheques a devolver-lhe todo o pagamento referente ao contrato-promessa, ficava com cara de pau e sem receber nada.
            De resto, mesmo que a ré viesse a ser condenada a pagar-lhe a tal diferença, se a provasse, aí sim, ficariamos com uma sentença para encadernar, pois não encontraríamos bens para penhorar.
            Lembra-se disso, (…)?
            E não se lembra também que fomos nós engendrar a execução específica no sentido de conseguirmos a “escritura” da venda da fracçao consubstanciada na sentença?
            E não sabia, (…), que se os ocupantes não devolvessem a bem a fracção, de posse da sentença, transitada, teríamos de ir reivindicar deles aquilo que o Tribunal disse que é vosso?
            Não escrevemos primeiro, aos ocupantes para entregarem, voluntáriamente, tal fracção?
            Não combinamos de que, face à atitude deles, teríamos de propôr a tal acção de reivindicação e participar criminalmerne contra o legal representante da ré, (…)?
            Não demos cópia a Vª Exª daquela acção, bem como da participação-crime?
            Não concordou Vª Exª de que daríamos entrada a tais acção e procedimento e não passou, aliás, procuração?
            Só começaram o impasse e a hesitação de Vª EXª, quando lhe pedimos provisão, pois Vª Exª pensou que seria o escritório a adiantar as taxas de justiça e as despesas com estes procedimentos.
            Foi ou não foi assim?
            Não andou Vª Exª aqui no escritório, por várias vezes, a fazer-se desentendido, quanto à prioridade da entrada do processo-crime em vez da acção e/ou vice-versa?
            Não prometeu Vª Exª que viria cá ao outro dia entregar a provisão para a acção e que no fim do mês de Janeiro entregaria o resto para o processo-crime?
            Alguém o obrigou a tal?
            Porque é que Vª Exª não teve a dignidade, a seriedade, a franqueza de, logo nessa altura, dizer o que, cobardemente agora, põe na sua carta?
            Por tudo isto é que nós não toleraremos que Vª Exª demore um dia a mais que seja em relação ao prazo dado para pagamento do restante da nota de despesas e honorários há tanto em dívida, bem como do montante dos honorários relativos à feitura daqueles articulados (acção e queixa-crime).
            É que nós, profissional sério e honesto, que muito prezamos ser, gostamos de ser pagos daquilo que, com saber e brio fazemos, em representação e beneficio dos clientes.
            Se Vª Exª agora, ignorante e aleivosamente e/ou aconselhado por “advogados do borralho”, que o levaram a fazer ou lhe fizeram tal carta, põe tudo em causa, terá de assumir a responsabilidade por tal atitude e não arranjar desculpas de mau pagador.
            De resto, nem merecia Vª Exª que estivéssemos a perder tanto tempo com estas explicações e duvidarmos que as entenda sequer...
            Tanto mais que não aceitamos lições de ninguém e muito menos de Vª Exª, desafiando quem quer que seja para nos demonstrar que tudo o que fizemos, na acção e agora iríamos fazer, não o foi com saber e rigor e de acordo com a lei.
            Aliás, a ignorância de Vª Exª e/ou de quem o anda a aconselhar (mal), não entende que o que interessava, no v/caso, era demonstrar a má fé (também) dos ocupantes da fracção, ao celebrarem a escritura de compra, sabendo que estava a decorrer (e tinha, nesse dia, sido proferida a decisão da matéria de facto, a dar-lhe razão) a v/acção, de execução especifica daquele contrato-promessa, relativo a tal fracção.
            E que, além dessa má fé, que era suficiente, a acção foi efectivamente por nós registada, antes da compra deles, não tendo qualquer valor, para o efeito, a circunstância da acção não ter sido julgada e/ou o registo renovado dentro de três anos, posteriores àquele registo.
            Insiste-se, os ocupantes tinham perfeito conhecimento dessa acção, da sua pendência e do registo, não relevando em nada, pois, a eventual não renovação daquele registo para o mérito da causa, que foi procedente, como se viu e os efeitos de caso julgado em relação àqueles terceiros (ocupantes).
            Tudo isso está bem claro no petitório de que Vª Exª tem cópia.
            Daí o último parágrafo da v/carta ser patético, desafiando-o, então, a demonstrar que, da n/parte, houve qualquer incúria na defesa dos v/interesses, altura em que terá de pagar essa calúnia.
            Se assim pensa, porque não ter proposto a acção de reivindicação contra os ocupantes, como nós a delineámos e só depois se veria, a final, se aquela não renovação do registo da acção teria sido óbice à condenação daqueles a entregar-vos a dita fracção?
            Em suma, o odioso e a responsabilidade das atitudes insensatas e maledicentes ficam para quem as tem. E Vª Exª tinha a obrigação de ser uma pessoa de coluna bem direita e de uma só cara e não vergá-la ou mudá-la, invocando subterfúgios e desculpas, com fins inconfessáveis, nomeadamente de mau pagador.
            Enfim, mal haver por bem fazer.
            Mas fique sabendo que encontrou pela frente alguém que “antes quebrar que torcer” e que o desafia, pois, a vir demonstrar aquela alegada “incúria” de que, pela primeira vez, em mais de trinta anos de exercício da profissão, alguém ousou acusar-nos.
            Junta-se: uma fotocópia.
            Com os n/melhores cumprimentos,
         21. O réu enviou e o autor recebeu a carta de fls. 56.
         22. A que o autor respondeu com a carta de fls. 57.
         23. Os honorários no montante de 500€ (sobre os quais incidiu o IVA de 105€) e despesas no montante de 316,26€, apresentados ao réu, relativamente à acção especial de fixação judicial de prazo, foram pagos pelo mesmo.
         24. Os honorários e despesas relativamente à execução específica do contrato-promessa, proc. n.º ... são respectivamente de 10.000€ e 1.138,76€, a que acresce o IVA, no montante de 2100€ e o réu pagou pelo menos a quantia de 7952,54€.
         25. O réu é reformado bancário.
         26. Pela ap. 12 de 12/12/2003 foi efectuado o registo da acção cujos autores são os aqui réus e ré (…) & Filhos, LDA, correspondente à inscrição F, referente ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ..., ficando provisório por natureza nos termos do art. 92, n.º 2, al. b).
         27. Por anotação oficiosa de 09/04/2007, foi averbada a caducidade do registo referido em 26.
         28. Até à presente data o autor emitiu pelo menos dois recibos:

                    - Um a título de honorários no valor de 605€ (já com IVA incluído).
                    - Outro, a título de adiantamentos para despesas, no valor de 316,26€.
         29. O réu não fez qualquer pagamento referente a honorários e despesas atinentes à acção cível a propor contra terceiros e à queixa-crime contra o gerente da (…) e Filhos Lda.
         30. O réu conferiu procuração ao autor para instauração de processo-crime contra (…) (doc. de fls. 47 do p.p.).
         31. Transitada em julgado a sentença da acção de execução específica, o autor escreveu aos ocupantes daquela fracção ((…)e mulher) para que entregassem a mesma ao réu marido, sob pena de recurso à via judicial para o efeito.
         32. Repetiu tal pedido à mandatária daqueles terceiros, após contacto desta, insistindo por uma resposta àquela solicitação.
         33. A resposta foi no sentido de que os seus constituintes haviam adquirido e pago tal fracção antes da propositura da acção. Chegou a ser perspectivada e debatida, pelo autor e pelo réu, a propositura de uma acção cível contra aqueles.
         34. Para além do referido em 4 e 6 o autor elaborou e entregou ao réu a queixa crime referida em 29 e 30, após passagem da procuração referida em 30 pelo réu, não tendo os réus passado qualquer procuração ao autor para a propositura de uma acção cível contra os terceiros ocupantes daquela fracção, cuja petição inicial foi elaborada pelo autor.
         35. O autor pediu provisão ao réu para ambos aqueles procedimentos, no montante de 1000€ para a acção cível e 500€ para o processo-crime.
         36. O autor despendeu um número não concretamente apurado de horas na acção n.º ..., nomeadamente nos contactos com a outra parte antes da propositura da acção, com o mandatário, com o réu e no estudo e elaboração dos articulados, na preparação da transacção e do julgamento, na feitura deste e na elaboração e produção de alegações.
         37. O autor despendeu um número não concretamente apurado de horas no estudo e investigação dos temas subjacentes à acção cível, referida em 33, contra os terceiros ocupantes da fracção e à queixa-crime contra o representante legal da promitente vendedora, na elaboração da petição inicial daquela acção e da mencionada queixa crime.
         38. E gastou tempo nos contactos com esses terceiros e sua mandatária e com o réu a esse respeito.
         39. A sentença referida em 16 transitou em julgado.
         40. A experiência, o bom nível técnico e a competência profissional do autor são reconhecidos no meio profissional em que se insere.
         41. Enquanto vigoraram os mandatos mencionados nos autos e teve lugar toda a prestação de serviços referidos, era praxe da comarca fixar o montante de honorários tendo por referência 15% do valor real das acções, embora o quantitativo dessa forma alcançado pudesse sofrer variações em função das características de cada caso em concreto e da situação dos mandantes.
         42. Os réus recebem mensalmente pelo menos 1500€ da reforma do réu, para além de uma renda de 143€.
         43. Os mandatos e toda a prestação de serviços referidos destinavam-se a dar proveito ao casal constituído pelos réus.

                                                                 *

              Quanto aos factos:
         (…)

              Improcede, por isto, a conclusão VI, procede parcialmente a conclusão VII e é irrelevante para o efeito a conclusão VIII.

                                                                 *

                                                                 *

              Quanto ao direito:

              A sentença recorrida dividiu a situação em causa em três partes.

              Uma primeira respeitante à acção ordinária ... (execução específica do contrato-promessa):

              O que aí se decide segue por este caminho:
         O réu mandatou o autor para exigir o cumprimento de um contrato--promessa relativo à venda de um prédio. O autor fez intentar a acção e conseguiu a execução específica e depois apresentou os honorários e as despesas respectivas. O réu, como mandante tem de pagar a retribuição e reembolsar as despesas. No cálculo dos honorários, há que ter em conta o resultado obtido com o serviço prestado, por força do art. 100 do EOA. O resultado é diminuto, visto que a acção destinada à execução específica tinha que ser registada. O autor deixou caducar o registo, pelo que o prédio em causa pôde ser vendido a terceiros antes do registo da sentença favorável às pretensões do cliente do autor. Ora, diz-se na sentença: estando em jogo os direitos inerentes a um contrato promessa, [tal venda] impossibilita que os réus consigam adquirir o prédio, que era afinal o objectivo da acção. Evidentemente que a sentença produzida poderá ter utilidade nomeadamente para efeitos da indemnização a fixar. Simples-mente, o objectivo da execução específica era justamente adquirir o pró-prio imóvel e não um montante indemnizatório […] Assiste, por isso, razão aos réus quanto a este concreto ponto. Face ao exposto, atendendo a todos os vectores supra descritos, nos quais se englobam as horas dedicadas ao assunto, as despesas efectuadas, a complexidade do assunto e o resultado obtido, o tribunal considera adequado e proporcional o montante já pago pelos réus, ou seja 7952,54€, não havendo por isso qualquer quantia a acrescer a esta.”

              O autor nas suas conclusões I a V diz que
         O réu recebeu a respectiva nota de despesas e honorários de tal acção e dela não reclamou, nem pediu qualquer esclarecimento, tendo feito entregas de quase 8000€ (para um total de cerca de 13.200€) Assim, não tinha o tribunal que, em face da matéria assente e provada, pronun-ciar-se quanto à “caducidade do registo”, como sendo um “ingrediente” a ter em conta no “cálculo” dos honorários e despesas e respectivo IVA, devidos na respectiva acção; de qualquer modo, discute depois a utilidade da acção e diz que o réu, com a sentença, passou a ter o direito a haver para si o prédio urbano em causa, a registá-lo em seu nome e reivindicá-lo dos terceiros ocupantes, nos termos da acção cível a intentar contra estes que fez. E nas alegações tinha ainda dito: se os honorários em causa não estivessem já devidamente assentes nos autos, seria a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Superior, a entidade competente a ser solicitada para a elaboração de Laudo (Cfr. art. 43.º, n.º 3, al. e); arts. 1.º e 2.º do Regulamento dos Laudos de Honorários - publicado no Diário da República, II Série, n.º 98, de 20 de Maio de 2005; e art. 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º15/2005, de 26 de Janeiro).

              Quanto à questão da competência para o laudo - um parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável e o presente regulamento -, ela não tem qualquer relevo: a afirmação da compe-tência para um laudo, não quer dizer que tenha que haver um laudo. De nenhuma das normas citadas pelo autor, resulta que numa acção não se possa discutir o cálculo dos honorários do advogado em causa sem que haja aquele laudo invocado. Ele poderia existir e nesse caso seria tomado em causa. Mas não existe e não há norma que imponha que ele exista. Ou seja, o parecer em causa não é necessário. Nem, aliás, é vinculativo (neste último sentido, vejam-se, apenas como exemplos, os acs. do STJ de 02/10/2008 [08B2337 da base de dados do ITIJ]: O laudo da Ordem dos Advogados tem natureza não mais que orientadora, consubstanciando um mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador; e de 19/09/2002 [02B1962 da base de dados do ITIJ]: O laudo da ordem dos advogados é de livre apreciação do tribunal - tem o valor informativo próprio de qualquer perícia pese embora a especial qualificação de quem o emite).

                                                                 *

              Quanto ao facto de o réu ter recebido a respectiva nota de despesas e honorários de tal acção e dela não ter reclamado, ou pedido esclareci-mento, daqui não se pode retirar nenhum acordo tácito (art. 217 do CC) no sentido de o réu ter aceite que o valor total  reclamado pelo autor era a compensação adequada para os serviços em causa. O máximo que se tirará é tal acordo em relação à quantia que pagou.

                                                                 *

              Assim, importa então saber se o valor já pago pelo réu é um valor já suficientemente adequado para compensar o serviço prestado pelo autor (art. 100/1 do EOA: Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados […]) ou se o valor adequado é o valor pedido por este. 

              O resultado obtido é, sem dúvida, por força da lei, um dos ingredientes a ter em conta (art. 100/3 do EOA: a fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais).

              Não é que, como o recusa também a sentença recorrida “perder uma acção ou um incidente constitua necessariamente erro de ofício”, até porque este resultado pode derivar de falta de prova ou de um erro da decisão (aceita-se pois a conclusão do já citado ac. do STJ de 02/10/2008 [08B2337], que corresponde a jurisprudência corrente: na predita fixação […] os elementos a, sobremaneira, sopesar, são, não o(s) resultado(s) obtido(s), antes o tempo gasto e a dificuldade dos(s) assunto(s)). Aliás, no caso dos autos, o cliente do autor nem sequer perdeu a acção.

                   Mas se for claro que é em resultado do trabalho prestado pelo advogado que o efeito útil obtido com o serviço prestado é diminuto ou praticamente inexistente, o valor a pagar por tal serviço prestado terá necessariamente de repercutir tal facto.

              Se, devido àquilo que se deixou de fazer e que se tinha que fazer, aquilo que se visava com a prestação de serviços não é obtido, não se vê como é que tal não deve ter um relevo muito substancial no montante dos honorários a pagar.

                                                                 *

              Posto isto, passa-se à questão do resultado obtido:

              Uma execução específica de um contrato-promessa, para ter eficácia real, tem de estar registada e manter-se registada até ao registo da sentença que, substituindo-se à declaração de vontade do faltoso, forma o contrato que é o facto aquisitivo do direito de propriedade sobre o imóvel prometido vender.

              Sem aquele registo (por não ter sido feito ou por ter caducado), a sentença já não pode ser registada se entretanto tiver sido inscrito no registo qualquer outro facto aquisitivo incompatível com aquela.

              Foi o que sucedeu no caso: o registo da acção de execução específica caducou e por isso terceiros puderam registar um facto aquisitivo de tal imóvel.

              Tendo estes terceiros, agora, a seu favor a presunção de propriedade derivada do registo, o réu, se aparecesse na conservatória para registar a aquisição decorrente do contrato completado pela sentença, seria recambiado: não poderia registar uma compra feita a quem já não era proprietário (a sentença completou a compra já depois de estar registada a compra do prédio feita pelo terceiro). A tal se oporia o princípio do trato sucessivo (art. 34/1 do CRP: “o registo definitivo de aquisição de direitos […] depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera”]), que o conservador teria de observar (art. 68 do CRP).

              Como explica Galvão Telles no seu Direito das Obrigações, 7ª edição, 1997, Coimbra Editora, pág. 147 (e nos estudos por ele citados na nota 1):
         “[…] a sentença que, mediante o mecanismo da execução específica, supra um contrato registável, é também ela registável, uma vez passada em julgado. E esse registo – definitivo – pode ser precedido do registo – provisório – da respectiva acção judicial. Feito o registo da acção, há lugar à execução específica (se tiver fundamento), mesmo que já antes daquele registo ou depois dele tenha ocorrido acto a favor de terceiro que não se mostre registado ou só o haja sido após o registo da acção. Prevalecerá a sentença que decrete a execução específica, desde que se requeira o seu registo depois de transitada em julgado e antes de se deixar caducar o registo da acção: os efeitos da sentença retroagem à data deste registo. Tudo isso resulta do disposto no art. 3/1, als. a) e c), art. 11/2, art. 53, art. 59/3 [o autor está-se a referir à norma na redacção anterior a 1999; esta norma depois passou ao nº. 4 e agora ao nº. 5 do artigo - parenteses deste ac. do TRC; as sucessivas redacções do artigo foram lidas no sítio da PGD de Lisboa na internet], art. 92/1a) e 3 (este último número na redacção do Dec. Lei 355/85, de 02/09), todos do Código de Registo Predial.
         Significa o exposto que o direito de execução específica, que não possuía eficácia real nos termos a referir de seguida, a adquire contudo através do registo da acção intentada para o fazer valer” (os itálicos são do original; o sublinhado é deste acórdão do TRC).

              Não tem pois razão o autor quando diz o contrário do que antecede na conclusão V.

              Isto tudo tendo em conta – o que se considera aqui, ao abrigo dos arts. 659/3 e 712/3 do CPC, por as partes estarem de acordo com isso – ser um pressuposto das posições assumidas - e o facto estar provado por documento autêntico (certidão registral – doc. 1 da contestação) – que a aquisição da fracção predial em causa foi registada a favor do terceiro em 05/06/2007, quando, como se vê do facto 27, o registo da acção de execução específica tinha sido declarado cadudado em 09/04/2007.

                                                                 *

              Note-se que a posição do Prof. Galvão Telles tem um ponto que será discutível, para além da questão da natureza do direito. O ponto discutível é o da afirmação de que, “feito o registo da acção, há lugar à execução específica […] mesmo que já antes daquele registo […] tenha ocorrido acto a favor de terceiro que não se mostre registado.”.

              Com efeito, contra esta posição existe hoje jurisprudência uniformizada, pelo acórdão do STJ n.º 4/98, de 05/11/1998: A execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos temos do artigo 830 do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a acção de execução específica, ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção; o registo da acção não confere eficácia real à promessa.

              No mesmo sentido, veja-se a anotação favorável do Prof. Almeida Costa a tal acórdão, publicada na RLJ 131, págs.  244 a 246.

              Mas esta discrepância não é favorável ao autor, no caso dos autos, precisamente porque se pode considerar que a venda feita a terceiro foi feita antes do registo da acção, ou mais precisamente, foi feito num momento em que este não se podia considerar existente por ter caducado.

              Ou seja, nem o acórdão do STJ referido, nem o Prof. Almeida Costa põem em causa que, como explica este último naquela anotação:
         “cabe registo da sentença transitada em julgado que, através da execução específica, concretiza um negócio registável (por ex,, a venda de umprédio). E esse registo definitivo pode ser precedido do registo provisório da acção correspondente. Em tais situações, por força dos princípios registais, a sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação feita a terceiro, depois do registo da acção […] o registo da acção […] amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-a eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que adquiram direitos sobre a coisa na pendência do pleito” [e aqui Almeida Costa invoca o disposto no art. 271/3 do CPC e artigos 3/1, als. a) e c), 6, nºs. 1, 3 e 4, 11, nº. 2, 53 e 59, do CRP].

               Sublinhe-se: tendo em vista esta discussão, o que sobressai, para o caso dos autos, é que o réu poderia invocar a aquisição decorrente da sentença se… conseguisse o registo da sentença, que teria de se basear num registo provisório. Ora, este registo provisório deixou de existir com a sua caducidade, pelo que não pode ser invocado para nenhum efeito e por isso não pode servir de base ao registo da sentença. Aliás, o registo da decisão final da acção de execução específica tem de ser feito por averbamento à inscrição da mesma (art. 101/1 e 2b) do CRP).

                                                                 *

              Diz o autor que a sentença faz caso julgado contra terceiro. Não faz. Nenhum sentença faz caso julgado contra terceiro, excepto nas acções relativas ao estado das pessoas (art. 674 do CPC).

              O que ela podia ter era efeitos práticos contra terceiros (por força da ampliação de que fala Almeida e Costa). Se o registo da sentença fosse possível… mas não é, como se viu. E esses efeitos práticos derivariam da eficácia real decorrente do registo [e ao menos a partir deste] da execução específica a que aquela sentença teria dado procedência, como se viu, ou, como se verá de seguida, da eficácia real decorrente do registo da promessa. 

                                                                 *

              Também não tem razão o autor quando invoca o disposto no art. 271 do CPC: as normas deste artigo dizem respeito à transmissão da coisa ou do direito litigioso. Na acção o que se discutia era a execução específica de um contrato-promessa. Não havia pois uma coisa em litígio. O que estava em causa era um direito e este era o direito à execução específica. Este direito não foi transmitido a ninguém. Ninguém sucedeu neste direito.

              Como diz o Prof. Manuel Henrique Mesquita (Obrigações reais e ónus reais, Almedina, 1990:
         “Se A promete vender determinado imóvel a B, nada se convencionando no contrato quanto à eficácia do direito do promissário, a relação que assim se cria reveste, sem a menor sombra de dúvida, natureza meramente obrigacional. B fica apenas com o direito de exigir ao promitente uma prestação de facere: a realização do contrato-prometido ou, mais rigorosamente, a emissão da declaração de venda imprescindível à celebração deste contrato. 
         É certo que B, se A incorrer em mora, poderá, na falta de convenção em contrário, obter judicialmente a chamada execução específica do contrato, requerendo ao tribunal a prolação de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso. Este direito à execução específica, porém, outra coisa não visa senão a realização coerciva, ope judicis, da prestação obrigacional do promitente. […] Não se trata, portanto, de um direito que incida sobre uma coisa, mas antes de um direito a tornar mais consistente uma prestação creditória. Possibilitando a sua satisfação in natura sem a cooperação do devedor ou até contra a vontade deste” (págs. 233/234).

              A questão seria diferente se ao contrato-promessa tivesse sido atribuído eficácia real, como a lei o permite no art. 413 do CC. Aí, como a promessa tinha que ser registada, o registo da promessa torná-la-ia oponível a terceiros.

              Como diz Henrique Mesquita (págs. 252/254)
         “encontrando-se, porém, tal direito inscrito no registo, torna-se, por essa via, oponível a terceiros […]. Se, por conseguinte, alguém adquirir do promitente o direito real que este se obrigou a transmitir ao promissário [..], tal aquisição não produz efeitos em relação ao beneficiário da promessa”.

              Mas aqui a situação seria resolvida com recurso ao artigo 413 do CC e às regras do registo, sem recurso ao art. 271 do CPC.

              Como explica mais desenvolvidamente Henrique Mesquita (pág. 255):
         “Sendo a promessa, após a sua inscrição no registo, oponível a terceiros, qualquer acto de alienação praticado pelo promitente que o impossibilite de cumprir a obrigação assumida (a obrigação de realizar o contrato definitivo) é ineficaz em relação ao promissário e, por isso, este poderá fazer valer o seu direito – direito de crédito, insista-se -, pela via da execução específica, como se nenhuma alienação houvesse sido realizada, A ineficácia tem precisamente como consequência que tudo deverá passar-se, nas relações entre promissário e promitente, como se o objecto do contrato prometido continuasse a pretencer a este. O promitente não pode, portanto, afastar a execução específica com o fundamento de que está impossibilitado de cumprir, por ter alienado a favor de terceiro a coisa que se obrigou a transmitir ao promissário. E o terceiro, por seu turno, também não pode alegar que a sua aquisição foi feita e inscrita no registo em data anterior à da celebração, pela via da execução específica, do contrato prometido, uma vez que essa aquisição é ineficaz em relação ao promissário. Este pode agir e fzer valer o seu direito (num primeiro momento, o seu direito de crédito em relação ao promitente; num segundo momento, o direito real decorrente do contrato definitivo) como se tal aquisição não existisse”.          

              Tudo isto, repete-se, agora no caso de contrato-promessa dotado de eficácia real.

                                                                 *

              Mas, mesmo no entendimento do autor, a aplicar-se o art. 271 do CPC, a posição do mesmo não era correcta, já que voltaria a interpôr-se o problema do registo, por força do nº. 3 desse artigo. É que um registo só existe enquanto não tiver caducado. Pelo que o registo do terceiro, depois da caducidade do registo da acção, nunca poderia ser considerado um registo posterior ao da açcão. Este é como se não existisse.

                                                                 *

              O art. 291 do CC não tem aplicação ao caso dos autos. Ele trata das subaquisições com invalidade substantiva (isto na posição doutrinal que maior alcance dá ao artigo, com relevo no caso dos autos – neste sentido veja-se o trabalho de José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, Coimbra Editora, Maio de 2006, págs. 111 a 114).

                                                                 *

              O que se poderá invocar é o problema da “dupla disposição”, situação que pode ser construída com base no art. 5 do CRP (veja-se o mesmo autor, pág. 112, com referência à posição do Prof. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 5ª edição, Coimbra Editora, págs. 372 a 378).

              Aqui, alguém regista uma coisa que comprou a alguém que não é titular dela mas ainda está registado como tal. Oliveira Ascensão entende que ele a adquire, apesar disso, se puder invocar a boa-fé. Aqui, como explica Oliveira Ascensão, “logo o pseudo-adquirente, beneficiário de uma inscrição inexacta, adquire pelo registo. C [que adquiriu de A depois de A ter vendido a B conseguindo C registar primeiro qu B], beneficiário de uma inscrição inexacta, adquire pelo registo. C, que recebe do pseudo-titular, A, adquire logo; não é apenas D, subadquirente deste, quem vê a sua situação consolidada” [o parenteses recto é deste ac. do TRC reproduzindo o exemplo de Oliveira Ascensão na pág. anterior].

              É nesta situação que se fala em boa fé do pseudo-adquirente e do conceito de terceiros para efeitos de registo.

              Mas esta não é a situação dos autos. O réu não é o B. O terceiro não é o C. O terceiro comprou ao A antes do réu. Foi o réu que comprou ao A depois do terceiro. É o réu que é o C e o terceiro o B. O terceiro comprou antes ao A.

              Ou seja, a que propósito é que o autor poderia vir a arguir a nulidade da venda feita ao terceiro, se quem vendeu a fracção a este era, para todos os efeitos, proprietário da fracção? Note-se: a venda feita ao terceiro é feita antes da “sentença/venda” ao réu e registada também antes desta “sentença/venda” e depois do registo da acção ter deixado de existir. Compra e registo anteriores à venda que resulta da sentença. Esta sim (a venda resultante do contrato completado pela sentença) é que é nula, por se traduzir numa venda de bens alheios (art. 892 do CC).

              Relembre-se que ao contrato-promessa não foi atribuída eficácia real e que o registo da sentença não pode ser feito por ter caducado o registo da acção, pelo que, no caso, não se pode vir a dizer, com Galvão Telles, que o direito de execução específica, que não possuía eficácia real, a adquire contudo através do registo da acção intentada para o fazer valer.

              Ora, como diz Henrique Mesquita, obra citada, pág. 234: “o tribunal não pode transmitir para o promitente-comprador, em execução do contrato-promessa, a propriedade de uma coisa que não pertence já ao promitente-vendedor”.

                                                                 *

              Chegados aqui pode-se concluir que todo o serviço prestado pelo autor ou foi feito ou estava a ser feito com vista a um resultado alcançável por uma via que se sabe que não tem a mais pequena probabilidade de a ele conduzir. Ou seja, sem discutir a existência ou não de outras vias que pudessem ou ainda possam ser seguidas, o que é certo é que a que o foi, e cujo  pagamento está a ser pedido, não pode conduzir a qualquer resultado útil para os réus. 

              Perante isto, volta-se à questão inicial: o valor já pago pelo réu pelos serviços prestados pelo autor já é ou não compensação adequada para os mesmos?

              A sentença já disse que sim e disse-o bem.

              Pelos quatro serviços prestados, todos destinados, no fundo, à mesma finalidade, o autor pediu de facto, ao réu, que pagasse, de honorários, o total de 1.250€ + 10.000€ + 400€ + 830€ + 21% de tudo isto. Ou seja, 12.480€ + 2.620,80€ (note-se que o facto 23 refere-se ao que o réu já pagou, não ao valor dos honorários da acção para fixação de prazo, como se pode comprovar da nota de honorários referida no facto 20).

              E de despesas o autor está a pedir 316,26€ + 1.138,76€ + 60,97€ (=  1.515,99).

              Num total, a suportar pelos réus, de 16.616,79€.

              O réu já pagou 605€ + 316,26€ + 7.952,54€, ou seja: 8.873,80€ e já está condenado a pagar mais 400€ com trânsito em julgado.

              O autor foi contactado pelo réu para lhe prestar um serviço relativo ao incumprimento de um contrato promessa, serviço esse que, nos dizeres da carta do autor para o réu respeitava apenas ao excedente sobre o montante constante do contrato-promessa.

              O valor já pago pelo réu corresponde, para além do pagamento de todas as despesas invocadas pelo autor (1.515,99€) e tirando ainda o IVA pago pelo réu, a mais de 50% dos honorários pedidos (pois que estes são de 12.480€; assim ½ é 6.240€, o que corresponde a 1.310,40€ de IVA, com o total de 7.550,40€; ora o réu já pagou, tirando aquelas despesas, 7.357,81€, para além dos 400€ que está condenado a pagar).

              Ora, considerando que o que já foi obtido ou a obter, pela via seguida pelo autor, em mais de 7 anos de acções nos tribunais, não tem qualquer utilidade, e que para vir, eventualmente, a obter um efeito prático qualquer (que o autor não diz qual possa vir a ser nem como), ainda se terá de intentar mais alguma acção (em qualquer caso voltando-se ao início de tudo…), com os inerentes gastos, entende-se perfeitamente adequado, o valor que os réus já pagaram e estão condenados a pagar. 

              E tudo isto reporta-se também, pelas razões invocadas, ao trabalho pela petição inicial elaborada.

              Improcedem, por isso, as conclusões IV e IX a XII. As conclusões I a III são meras descrições, não razões a terem que ser consideradas para além do que antecede.

                                                                 *

              Sumário:

              I. Não é condição da acção de honorários a existência de um laudo da Ordem dos Advogados sobre o valor dos honorários pedidos.

              II. Se for claro que é em resultado do trabalho prestado pelo advogado que o efeito útil obtido com o serviço prestado é diminuto ou praticamente inexistente (por ter deixado caducar o registo da execução específica do contrato-promessa), o valor a pagar por tal serviço prestado terá necessariamente de repercutir, e substancialmente, tal facto.

              III. A execução específica de um contrato-promessa, para ter eficácia real, tem de estar registada e manter-se registada até ao registo da sentença.

                                                                 *

              Pelo exposto, julgam-se improcedentes a questão prévia deduzida pelos réus e o recurso interposto pelo autor, mantendo-se a decisão recorrida.

              Custas do recurso pelo autor.

             


Pedro Martins ( Relator )
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira