Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
492/11.2T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - ÍLHAVO - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 28º D) DO RGCO
Sumário: Vale como causa de interrupção do procedimento contraordenacional a data que consta da decisão administrativa e não a da sua notificação ao recorrente.
Decisão Texto Integral:

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I.
Nos presentes autos de contra-ordenação, recebidos os autos em juízo, o Mº juiz proferiu despacho – exarado a fls. 63-65 / despacho ora recorrido – no qual, considerando que “a decisão administrativa de que a arguida recorre, embora datada de 08.06.2011 apenas foi notificada à arguida em 04.07.2011 e por esta recebida em 06.07.2011” e que para efeito da causa de interrupção da prescrição prevista no art. 28º, n.º1, al. d) do RGCC apenas conta a data da notificação e não a data da decisão o disposto, entendeu não se verificar a aludida causa de interrupção e, tendo-se completado o prazo da prescrição antes de operada a notificação, decidiu julgar extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional, determinando o arquivamento dos autos.
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Recorre do aludido despacho o digno magistrado do MºPº sustentado que a causa de interrupção da prescrição prevista no art. 28º, n.º1, al. d) do RGCC se reporta à data da decisão e não á data da notificação, violando o despacho recorrido aquele preceito legal. Cita, no sentido propugnado, o Ac. do TRC de 29.09.20110, recurso n.º 179/10.0T2ILH.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/, proferido em processo da mesma comarca.
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Notificada, a arguida juntou procuração forense mas não apresentou resposta.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, manifestando a sua concordância com a motivação do recurso se pronuncia no sentido de que deve obter provimento.
Corridos vistos, cumpre decidir.
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II.
Constitui entendimento pacífico que são as conclusões que definem o objecto do recurso, balizado, por sua vez, pela decisão objecto de recurso.
Está assim em causa, no presente recurso, atenta a decisão recorrida e o erro de interpretação que lhe é assacado no recurso, a interpretação do art. 28º, n.º1, al. d) do RGCC.

Preceitua o aludido artigo 28º:
1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

Questiona-se no recurso se vale como causa de interrupção do procedimento prevista no aludido dispositivo legal:
- a data da decisão administrativa em si (como é defendido na motivação do recurso); ou, antes
- a data da notificação dessa decisão ao interessado (como decidido no despacho objecto de recurso).
A razão de ser da prescrição do procedimento está em que, não exercitando o Estado os meios legais ao seu dispor ou não conseguindo identificar e punir os responsáveis num lapso de tempo razoável (definido na lei, proporcional à gravidade do delito), não se justifica, mais, o procedimento. Na salvaguarda da estabilidade das relações jurídicas e da paz social no sentido de que, após o decurso de determinado lapso de tempo, proporcional à gravidade do ilícito, este caiu no esquecimento e a comunidade já exige, por isso, mais a perseguição do possível agente – se não foi perseguido e castigado em tempo oportuno, a balança passa a inclinar-se no sentido de que pelo tempo decorrido, não houve zelo que tal indicia e por isso o procedimento já não faz sentido.
Face à natureza dessa presunção, existem situações, definidas pelo legislador que, apesar do decurso do tempo, demonstram, objectivamente, diligência e interesse na punição e que esta só não foi conseguida por motivos alheios ao procedimento. Afastando, por isso, a presunção de desinteresse ou de esquecimento ínsita no espírito do instituto da prescrição – daí as causas da interrupção e da suspensão da prescrição por objectivamente demonstrativas do interesse e da exercitação do procedimento com vista ao reconhecimento e sancionamento dos agentes.
O n.º 1 do citado preceito contém causas de interrupção do procedimento relativas ao conhecimento (notificação/comunicação) de actos inequívocos do interesse e exercitação desse interesse na punição – al. a). E causas relativas à actuação dos agentes do Estado representativos desse interesse - alíneas b) e c).
Neste ultimo caso [alíneas b) e c)] não está em causa a “notificação/comunicação” ao agente mas apenas o acto dos agentes do Estado em si.
No caso que nos ocupa - al. c) do preceito – trata-se da decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
Decisão que constitui, aliás, o acto formal, solene, de apreciação e reconhecimento/declaração da acção constitutiva da contra-ordenação e do reconhecimento do seu agente, o acto supremo da fase administrativa do processo. Demonstrativo, de forma inequívoca e fundamentada, por excelência, do interesse punitivo do Estado na declaração e no sancionamento do agente.
Não está em causa a notificação da decisão mas sim a decisão/declaração.
Apontando assim, claramente a letra da lei no sentido de que está em causa a decisão, que não a notificação.
A interpretação efectuada na decisão recorrida, vendo notificação onde a lei refere decisão, mostra-se também desajustada à inserção sistemática da norma nas demais alienas do mesmo preceito relativo às causas de interrupção. Ligadas, umas à comunicação/notificação [al. a)]; e outras apenas a actos/decisão [enunciados na alíneas b) e c)].
Esbarrando ainda a interpretação sindicada no espírito do preceito uma vez que se trata realidades objectivas distintas (uma realidade é o acto direccionado para a perseguição do agente de determinada infracção, outra, distinta, é, após a identificação, a notificação subsequente, formal, desse agente para qualquer acto) além de previstas, autonomamente, como causas distintas de interrupção da prescrição.
Apesar da clareza do texto legal, escuda-se a decisão recorrida, em que a interpretação em causa viola o princípio da igualdade e da universalidade.
No entanto, a norma em questão, na interpretação sufragada, é susceptível de aplicação, em abstracto, a todo e qualquer caso, indistintamente, por igual. Não se vendo, por isso, em que possa afrontar o princípio da igualdade.
Aliás a decisão recorrida aponta como lastro de tal asserção que “já aconteceu encontrarmos uma data de proposta de decisão posterior à que constava da própria decisão”. Fundamento este que, além de reportado a uma situação não identificada, nada tem a ver com o caso dos autos. Pois que nem a decisão recorrida o refere nem existe qualquer elemento probatório que aponte em tal sentido – não alegado, sequer.
Mesmo que pudesse verificar-se a apontado situação, o procedimento a adoptar seria o de verificar e reconhecer que a data efectiva não coincide com a real, e tirar daí (da data real da decisão), sem mais, as consequências em termos de contagem do prazo. E não tirar consequências de uma suposta causa não verificada em concreto – o que, isso sim, violaria o princípio da igualdade e da verdade. Por repousar numa premissa abstracta não verificada em relação ao agente em concreto.
Conclui-se, pois, em conformidade com o citado Ac. do TRC de 29.09.20110, recurso n.º 179/10.0T2ILH.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/.
Impondo-se daí a procedência do recurso.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando a sua substituição por outra que, considerando verificada a apontada causa de interrupção da prescrição, dê seguimento ao procedimento. ---
Sem tributação.