Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
539/19.4T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
Data do Acordão: 03/31/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 255, 1251, 1261, 1279 CC, ARTS.362, 366, 377, 379 CPC
Sumário: I- Para deferir a restituição provisória da posse, a violência, caracterizadora do esbulho, pode ser exercida sobre pessoas e sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação.

II- Se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana.

III-Há esbulho, para efeito de aplicação do referido art.º 377º do Código de Processo Civil, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar.

IV-O acto de vedar um prédio , com rede e postes de suporte, com alarme a câmaras, e aterrar a mina, impossibilitando a condução da aludida água até ao prédio dos requerentes, /impedindo os requerentes de aproveitar a água proveniente da mina), traduz-se num acto de esbulho violento, dado intimidarem o possuidor, coagindo-o a suportar o desapossamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

          M (…), herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…) aqui representada pelos herdeiros, residentes no lugar da rua  (...), em (…), vieram propor contra M (…), J (…), residentes na rua (…), (…), e M (…) e marido A (…)  residentes na rua (…)., (…), o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, da água que brota de uma mina localizada no prédio dos requeridos, de onde é derivada e encaminhada para os prédios dos requerentes.

Para sustentar a sua pretensão, os requerentes alegam que há mais de 50 anos estão no uso e fruição da água que brota no prédio dos requeridos, para gastos domésticos e rega dos seus prédios (urbano e rústico), cuja água é represada e encaminhada no tanque e daí conduzida, através de um rego a céu aberto para prédios os rústicos dos requerentes e requeridos, existindo entre a mina e o tanque, uma caixa onde a água era dividida, em partes iguais e daí conduzida para as habitações dos requeridos e dos requerentes, da qual estes últimos se vêm privados desde o verão passado, em virtude dos requeridos terem vedado o seu prédio, com rede e portões, tendo aterrado a mina e arrasado o tanque, impedindo os requerentes de regar o seu rústico e de utilizar a água para gastos domésticos, colocando em causa o cultivo das suas novidades. A referida água era a que abastecia o prédio rústico dos requerentes, que dela fruíam de forma ininterrupta e diária para uso doméstico e rega do rústico, há mais de 50 anos, de forma contínua e sem oposição de quem quer que seja, actuando no exercício de um direito próprio, desde segunda-feira até quinta-feira, durante todo o ano, através do prédio dos requeridos, ao qual acediam por forma a derivarem as águas.

          Instruído o processo e inquiridas a as testemunhas arroladas pelos requerentes foi proferida decisão inicial nos seguintes termos: «… nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a pretensão dos requerentes procedente e, em consequência:

a) decretar a restituição provisória de posse aos requerentes da água que brota da mina e do tanque localizados no prédio dos requeridos, onde é derivada, represada e encaminhada por tubos até atingir os prédios dos requerentes e a favor dos mesmos, inscritos nas matrizes sob os artigos 20 e 540-K (identificados no ponto 1 dos factos provados), diariamente para consumo doméstico e para rega do seu rústico, cada ano, desde as 8 horas de segunda-feira até às 8 horas de quinta-feira, com a consequente condenação dos requeridos a efectuarem os trabalhos necessários à reposição e fornecimento da água, com a colocação dos tubos para o seu encaminhamento e a não perturbarem o livre exercício de tais servidões, abstendo-se de praticar actos que privem os requerentes de utilizar a referida água.

b) condenar os requeridos no pagamento da quantia de € 100 (cem euros), por cada dia de incumprimento da providência ora decretada, a título de sanção pecuniária compulsória;

c) condenar os requerentes nas custas do presente procedimento cautelar, a atender a final na acção respectiva, nos termos do artigo 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

*

Aquando da restituição provisória de posse decretada deverão os requeridos ser expressamente advertidos, ficando a constar do respectivo auto, que incorrem na pena do crime de desobediência qualificada se vierem a infringir a providência ora decretada, nos termos previstos no artigo 375.º, do Código de Processo Civil.

*

Após a restituição provisória de posse decretada, notifique os requeridos nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 1 do Código de Processo Civil…»(sic).

           

 Os requeridos (…) vieram opor-se à providência cautelar decretada nestes autos, alegando, em síntese, que realizaram obras na mina em causa, após acordo com os requerentes, e que, após as mesmas, a água da mina secou, não tendo os requeridos tido qualquer intervenção neste evento.

Concluem, pugnando pela revogação da decisão que decretou a presente providência e pela condenação dos requerentes como litigantes de má fé, por apresentarem ao tribunal um relato inverídico dos factos.

          Foi proferida a sentença recorrida que decidiu nos seguintes termos: «.. Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, impõe-se manter, in totum, os termos em que foi decretada a providência requerida e absolver os requerentes do pedido de condenação em litigância de má fé.

Valor da providência: € 15 000.00

Custas pelos requeridos, a atender na acção principal – art. 539º do CPC.

Registe e notifique. ..»(sic).

                                                           *

Inconformados com a predita decisão, vieram os requeridos interpor o presente recurso, o qual foi admitido.

Os requeridos com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «…4- CONCLUSÕES:

1- A tese dos requeridos é que a falta de água proveniente da mina ocorreu sem que os mesmos para tal tivessem contribuído com qualquer ação afeta requerentes e requeridos.

2- A escassez da água foi notada no verão de 2018, tal como resulta do que alegam os requerentes quando fazem referência a uma reunião nessa altura, facto que também é referido pelos requeridos na sua oposição.

3- O tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre os factos alegados pelos requeridos nos números 52º e 54º da oposição e que é a seguinte: “Conferidos pelos requerentes e pelos requeridos e terminados os trabalhos acima identificados foi a boca da mina tapada com material em betão pré-esforçado; (…) e só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada e animais e inertes e para segurança de pessoas”.

4- Deu como indiciariamente provado e em simultâneo como indiciariamente não provado o seguinte facto: “os requeridos não percorreram toda a extensão da mina com medo que a mesma pudesse assapar”. (nº 6 dos factos provados e alínea j) dos factos não provados), o que representa uma contradição, tornando nula, nesta parte a decisão, nos termos do artº 615º, nº 1. al. c), última parte do CPC.

5- O Tribunal “a quo” não pode cindir o depoimento de todas as testemunhas, acreditando, apenas, numa parte dos seus depoimentos, dividindo os de acordo com a matéria que entendeu dar por assente.

6- O depoimento das testemunhas deve ser entendido como uno e incindível e se o Tribunal entende que a testemunha lhe merece credibilidade pelo depoimento que prestou, não sê vê que razões existirão para nele não acreditar na sua totalidade.

7- O tribunal ao dar como assente o modo e execução das obras feitas pelos requeridos na mina, só poderia dar como assente os demais factos que as testemunhas relataram.

8- O tribunal não poderia ter dado por assente que os requerentes, no verão de 2017 executaram obras de aproveitamento de água da mina – nº 4 da fundamentação de facto-, porque tal não foi sequer alegado. O que se demonstrou foi que, por acordo entre os requerentes e requeridos, que se executaram obras de aproveitamento da água da mina, tendo em conta a escassez de água.

9- As testemunhas responderam de forma isenta, com conhecimento dos factos e com razão de ciência.

10- Os requerentes tinham, como sempre tiveram conhecimento da execução das obras na mina, no entubamento das águas e na condução das mesmas até à sua casa de habitação, a elas tendo anuído e consentido, porque, como é evidente, antes da sua execução não existia água na dita mina.

11- E também tiveram conhecimento, depois da confirmação da divisão das águas do emparedamento da boca da mina.

12- Aqueles que participaram nos trabalhos, nas obras, e que foram as testemunhas indicadas e ouvidas são quem melhor pode informar o Tribunal do que passou.

13- A matéria de facto deve ser alterada, aditando-se à matéria assente o seguinte:

a) No verão de 2017, tendo em conta a escassez de água, os requerentes e requeridos chegaram a acordo para executarem obras de aproveitamento da água da mina; (artº 20º da oposição)

b) Todas as obras elencadas nos factos assentes foram feitas na presença dos requerentes, com o seu consentimento, autorização e anuência, tendo manifestado o seu contentamento pela forma como tinham sido executadas; (artº 51º)

c) Conferida a divisão da água pelos requerentes pelos requeridos e terminados os trabalhos foi a boca da mina tapada com material em betão pré-esforçado; (artº 52º)

d) Só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada de animais e para segurança de pessoas. (art 54º)

14- As obras executadas não tiveram por finalidade impedir os requerentes de aceder à água, mas sim fazer um melhor aproveitamento da água da mina.

15- O tribunal considerou como indiciariamente provadas as obras alegadas pelos requeridos, e por eles executadas, mas nada diz quanto ao seu tempo de execução e à sua duração, limitando-se a dizer que não ficou demonstrado que terminam em Março de 2018.

16- Deve considerar-se como provado que as obras referidas e executadas na mina terminaram em Março de 2018, acrescentando-se esse facto à matéria dada como assente.

17- A restituição provisória de posse tem lugar, nos termos do artº 377º do CPC, no caso de esbulho violento, devendo o possuidor alegar os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência, pressupondo a verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.

18- A ação de restituição da posse, caduca, se não for intentada dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho. (artº 1282º do Cód. Civ.)

19- O esbulho ocorre quando o possuidor se vê privado do uso da coisa, ou de continuar a exercer a posse.

20- Os requerentes não estão impedidos de se deslocar à mina.

21- No caso em concreto, nenhum ato praticado pelos requeridos traduz um esbulho. As obras que se executaram não impedem os requerentes de aceder à mina.

22- Os requerentes não identificaram um qualquer ato praticado pelos requeridos que seja turbador da sua posse, não o tendo circunstanciado, nem localizado no tempo e no espaço.

23- O único facto que alegam é que não têm a água da mina. Mas isso também acontece aos requeridos.

24- O esbulho para servir de fundamento ao pedido de restituição provisória de posse tem que ser violento, entendendo-se que o conceito de violência se mostra definido no n.º 2 do art.º 1261º do CC.

25- A coação moral verifica-se quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal, mal esse que tanto pode respeitar à sua pessoa como à sua honra ou fazenda ou de terceiro (art.º 255º do CC), enquanto a coação física supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada, o que não acontece no caso.

26- A violência contra as coisas só releva se com ela se pretende intimidar a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor, o que não está demonstrado nos autos.

27- Para deferir a restituição provisória da posse, a violência sobre as coisas só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação, o que não é o caso.

28- As obras executadas na mina foram presenciadas pelos requerentes, com o seu conhecimento, consentimento e autorização.

29- Ninguém medianamente sagaz compreende que a envergadura e extensão das obras, tal como ficou demonstrado e que o tribunal deu por assentes tendo decorrido durante algum tempo, não tenham sido do conhecimento dos requerentes.

30- O desconhecimento dos requerentes da execução das obras é inverosímil e só a falta de cuidado na análise da prova pode justificar a resposta negativa a esse facto.

31- Não é credível que os requerentes, durante o período de execução das obras não se apercebessem que a água não lhes chegava a casa e que durante esse período nada tivessem feito.

32- Não está, no caso em apreço, configurado o esbulho e muito menos que seja violento, uma vez que o eventual desapossamento foi o resultado de ação concertada entre requerentes e requeridos.

33- A ação deu entrada em juízo no dia 17 de Maio de 2019, como se infere do requerimento inicial.

34- Os requerentes tiveram conhecimento do eventual esbulho logo no período em que decorreu a execução das obras, ou seja, em Março de 2018.

35- Decorreu mais de um ano desde o momento em que poderia ter ocorrido a turbação da posse dos requerentes.

36- Nos termos do artº 1282º do C.C. a restituição da posse caduca se não for intentada dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho.

37- A matéria dos autos não se subjaz ao procedimento cautelar especificado de restituição de posse.

38- Os requerentes teriam ao seu dispor, para o caso de não chegarem a qualquer entendimento com os requerentes, uma ação com processo comum, destinada a obter do tribunal decisão que obrigasse os requeridos a participar nas despesas de reabertura da boca da mina, captação e orientação da sua água e na sua reparação, porque, nos termos do artº 2º, nº 2 do CPC “ a todo o direito (…) corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, (…)”

39- Não é este o meio processual adequado para os requerentes fazerem valer em juízo o seu direito se o mesmo não fosse respeitado pelos requeridos.

Termos em que;

Na procedência do recurso, revogando a decisão em crise e julgando a oposição procedente por provada, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA..»(sic).

           

Os requerentes juntaram contra-alegações, nas quais consta, as conclusões: «…IV. CONCLUSÕES:

1ª Na sentença proferida e aqui sindicada pelos Recorrentes foi decidido manter, in totum, os termos em que foi decretada a providência requerida e absolver os requerentes do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Importa dizer, desde já, que a douta sentença recorrida é demonstrativa da apurada perceção sensorial da Mma Juiz na aquisição e análise da prova e do excelso labor empregue em todo o processo, na audiência de julgamento e elaboração da sentença, não merecendo qualquer reparo ou censura.

Pelo que, é desprovida de fundamento toda a argumentação expendida pelos ora recorrentes, que com a interposição deste recurso mais não pretendem do que eximir-se do cumprimento da providência decretada, protelando, mais uma vez, uma decisão que bem sabem ser inevitável.

Ora vejamos, no caso em apreço, a total falta de razão dos Recorrentes:

Os Recorrentes vêm pugnar por aditamentos aos factos dados como provados e ainda considerar que os factos constantes das j) e k), dos factos não provados, afinal devem ser dados como provados.

Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nada disto é possível, pois, nenhum destes factos se provou, nem as testemunhas apresentadas pelos Recorrentes merecem qualquer credibilidade, pois, o seu depoimento foi revelador de total falta de isenção e objetividade, além disso, houve uma clara tentativa de corroborar a versão apresentada pelos Recorrentes.

Pelo exposto, fica prejudicada a pretensão dos Recorrentes, não podendo, por isso, ser acrescentada a matéria constante dos artigos 20º, 51º, 52º e 54º da oposição aos factos dados como provados na douta sentença.

Por outro lado, consideramos que não se fez qualquer prova quanto ao términus das obras, designadamente, que estas tenham terminado em Março de 2018, pelo que se deve manter a alínea j) dos factos dados como não provados.

8ª Relativamente à prova testemunhal, não venham os Recorrentes dizer que a Mma Juiz não pode cindir o depoimento das testemunhas, acreditando apenas numa parte do seu depoimento – pois, tal argumentação não tem qualquer nexo nem qualquer fundamento, porquanto, o Tribunal decide de acordo com as regras da experiência e da livre convicção, podendo assim dar maior ou menor credibilidade ou fiabilidade ao depoimento de cada testemunha.

No caso em apreço, face à prova produzida em sede de julgamento, o Tribunal recorrido não teve qualquer dúvida quanto aos trabalhos que foram realizados, mas já não ficou convencido quanto ao alegado acordo por parte dos ora Recorridos e quando ao términus das obras. Aliás, os trabalhadores na data da inquirição, ainda faziam ali trabalhos.

10ª

Assim, face ao exposto, cremos que a douta sentença não carece de qualquer

alteração da matéria de facto, porquanto, está dentro do respeito da livre apreciação das provas. Ademais, não verificamos, no caso em apreço, que a Mma Juiz a quo tenha incorrido em manifesto e ostensivo erro na apreciação dessa prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal sobre essa mesma matéria de facto.

11ª

Ademais, não há na sentença qualquer motivo, por mínimo que seja, que permita concluir por uma apreciação arbitrária das provas produzidas ou verificadas ou sequer podemos pensar (porque verificarmos o contrário) que houve qualquer afrontamento às regras da experiência, pelo que, chegamos à conclusão que não há qualquer desconformidade entre as provas existentes nos autos, a que a Mma. Juiz deitou mão e valorou, e a decisão sobre a matéria de facto, que há-de por isso manter-se.

12ª Tal como acima demonstramos, os três requisitos da restituição provisória da posse, nos termos do art. 377º do CPC, estão verificados cumulativamente, a saber: a posse, o esbulho e mesmo a violência.

13ª

Logo, também não assiste qualquer razão aos Recorrentes quando referem que não podia ter sido decretada a restituição provisória da posse por falta de preenchimento dos requisitos.

14ª

Relativamente à alegada caducidade da ação de restituição da posse, diremos que, no caso em apreço, não restam dúvidas que os Recorridos intentaram o procedimento cautelar de restituição provisória da posse dentro do prazo legal de um ano…»(sic).

                                                                     *

Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos

 Sendo legalmente admissível (cf. artigo 629º, n.º 1, do Novo Código do Processo Civil), tendo sido interposto em tempo (cf. art. 638º, n.º 1, do CPC), por quem para tanto tem legitimidade (cf. art. 631º, n.º 1, do CPC) e estando acompanhado da correspondente alegação (cf. art. 637, n.º 2, do CPC), admito o recurso apresentado pelos requeridos da decisão do tribunal que pôs termo ao processo.

Tal recurso é de Apelação (cf. art. 644º do CPC), subirá nos próprios autos (cf. artigo 645º, n.º 1, al. a) do CPC) e tem efeito suspensivo da decisão recorrida, atenta a caução dos autos.

                                                                     *

          Após os vistos legais e  nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar:



A- Impugnação da matéria de facto e nulidade nos termos do artigo 615 alínea b) e c) do CPC.

B- Caducidade da Providência.

C- Mérito da providência.

D- A providência não ser adequada á pretensão dos requerentes.

                                       ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação terá uma natureza provisória, visto que o recurso versa sobre a matéria de facto pugnando pela sua alteração.

Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto:« … Vistos os autos, e tendo em conta os elementos de prova carreados para o processo, com relevância para a discussão da causa, de entre a matéria alegada em sede de requerimento de oposição, considero indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Os Requeridos são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico de cultura, situada no lugar (…), freguesia de  (...), concelho de (…), com a área de 6.375 m², confrontado a norte e poente com os aqui Requerentes, a nascente e sul com caminho público, inscrito na respectiva matriz sob o número 520º K e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 170/19880121-  (...).

2. Tal prédio adveio à titularidade dos Requeridos em 13/03/2013 por compra a L (…) e mulher (…).

3. E está registado a seu favor na CRP.

4. No verão de 2017, tendo em conta a escassez de água, os requerentes executaram obras de aproveitamento da água da mina.

5. Nesse sentido, os requeridos fizeram obras de desaterro na boca da mina e escavaram cerca de 7 metros na direcção da sua boca para o seu interior.

6. Os requerentes não percorreram toda a extensão da mina, por receio que a mesma pudesse assapar.

7. Depois de limpa a boca da mina e feito o desaterro, os requeridos procederam ao seu encapelamento.

8. Para tanto, colocaram peças em betão pré-fabricadas, tendo cada uma delas cerca de 1, 60 de altura, por 60 cm de largura.

9. Após o encapelamento da mina, procedeu-se à construção de uma caixa para depósito da água que se juntava na mina, com as dimensões 60 cm de largura por igual medida de comprimento.

10. Tal caixa foi depois subdividida em duas caixas mais pequenas com as dimensões de 60cm de comprimento por 30 cm de largura aproximadamente.

11. Na primeira caixa de depósito de águas, considerando sentido interior da mina para o seu exterior caía toda a água que se acumulava na mina.

12. A caixa seguinte, considerando o sentido acima indicado foi subdividida em mais duas pequenas caixas, com as dimensões de 30 cm de largura por igual comprimento (aproximadamente).

13. Procedeu-se então ao entubamento/canalização da água da mina para a que se designa como primeira caixa.

14. Aqui chegada a água passou a mesma a ser dividida em igual quantidade para as caixas seguintes, de modo a que a água depositada fosse em igual débito, considerando o sentido interior da mina / exterior da mesma.

15. Os tubos de captação da água foram colocados ao mesmo nível e à mesma cota, de modo a que a divisão fosse feita em igual quantidade para requerentes e requeridos.

16. Cada uma das caixas mais pequenas passaram a ser de uso exclusivo, uma para os requentes e outra para os requeridos.

17. Nestas caixas foram colocadas em cada uma delas dois tubos de saída de água e que se destinavam a encaminhar as águas para aproveitamento dos requerentes e dos requeridos, respectivamente.

18. Na saída da mina foram os 4 tubos envolvidos por um tubo de protecção e de maior secção, o qual foi enterrado numa profundidade aproximada de 1 metro no terreno dos requeridos desde a boca da mina até ao tanque que lhe fica a cerca de 45 metros na direcção norte/sul.

19. Um dos tubos que sai directamente da caixa mais pequena na boca da mina segue até à casa de habitação dos requerentes.

20. E o outro tubo, que sai da outra caixa mais pequena, segue até ao prédio urbano dos requeridos.

21. Os outros dois tubos ligam directamente as caixas pequenas ao tanque a que se alude nos autos.

22. A água não consumida em cada um das habitações era depois acumulada no tanque onde está o fim dos outros dois tubos.

23. O acesso dos requentes ao tanque era feito através do prédio dos requeridos, tendo estes colocado na confinância dos dois prédios um portão.

24. O portão está ligado a um sistema de vigilância.

25. Os requeridos não possuem a chave do portão.

26. Terminados os trabalhos acima identificados os requeridos taparam a boca da mina com material em betão pré-esforçado.

27. E procederam ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada de animais e inertes e para segurança de pessoas.

Factos que não resultaram indiciariamente provados

a) As obras mencionadas em 4 a 22 bem como a divisão da água ali indicada obteve o acordo dos requeridos;

b) A água do tanque era aproveitada pelos requerentes e requeridos de acordo com os dias a que cada um deles tinha direito.

c) Os requerentes utilizavam a água de segunda-feira a quarta-feira e os outros dias eram destinados aos requeridos.

d) O sistema mencionado em 24 era desligado nos dias em que os requerentes acediam ao tanque para utilizarem a água, nos termos acordados;

e) o mesmo estava sempre aberto naqueles dias e o alarme desligado.

f) Todas as obras foram feitas na presença dos requeridos, com o seu consentimento, autorização e anuência, tendo manifestado o seu contentamento pela forma como tinham sido executadas.

g) A divisão de água foi conferida pelos requerentes e requeridos;

h) Tal divisão foi verificada depois de feitas todas as ligações dos tubos e na presença dos requerentes.

i) Em tais trabalhos os requeridos despenderam em material e mão-de-obra a quantia de €. 6.650,00 e que só eles suportaram.

j) Os requeridos não percorreram toda a extensão da mina com medo que a mesma pudesse assapar.

k) Os trabalhos acima indicados terminaram em Março de 2018.

l) Após as obras, a água corria da mina pelos tubos já referidos até à casa de habitação dos requerentes e até ao tanque.

m) No Verão de 2018 a água começou a escassear até que secou completamente. ..»(sic).

 
*

                                                 *

O Sr. Juiz da 1ª instância decidiu invocando a seguinte motivação:«.. Motivação

A convicção do tribunal adveio da prova documental junta aos autos bem como das declarações prestadas pelas testemunhas.

Com efeito, serviu-se o Tribunal da escritura de fls. 85 e ss. e da certidão do registo predial de fls. 92 e ss. para responder aos factos 1 a 3, sendo que tal matéria não se mostra controvertida.

Relevaram ainda as fotografias juntas para melhor apreensão das obras realizadas pelos requeridos, em conjugação com o depoimento das testemunhas.

Foi ouvido R (…), construtor civil que trabalhou por conta dos requeridos na execução das obras descritas, tendo esclarecido o tribunal quanto ao seu objecto, finalidade e modo de execução. Relativamente a este segmento do seu depoimento, o tribunal considerou o seu relato credível, mas já não quanto à intenção de convencer o tribunal que os requerentes estavam sempre presentes, com frequência diária, na obra, a fim de verificarem o que era executado e que assistiu a conversas mantidas entre as partes no sentido de acordarem quanto às obras em causa e divisão da água. Desde logo, a testemunha, sem ser concretamente interrogada a propósito, introduziu a temática do acordo dos requerentes com as obras e o acordo quanto à divisão da água. Por outro lado, não se afigura crível que a testemunha, andando a executar trabalhos, que produzem ruido, se encontre atenta a supostas conversas tidas entre as partes e se recorde das mesmas. Note-se que a testemunha referiu estar zangado com a requerente, por esta lhe ter dito que ele andava a roubar, quando se encontrava na obra. Ora, se havia acordo e até elogio à obra em curso, mal se compreende esta postura da autora. Ademais, esta testemunha referiu não ter ainda apresentado as contas destas obras aos requeridos.

P (…), carpinteiro, refere ter realizado vários serviços para os requeridos, concretamente, as obras em causa na mina, tendo referido que o autor M (…) se queixou da água ter secado e que, por causa disso, pretendia abrir a mina. Esta testemunha, de forma algo atabalhoada, referiu que o autor sabia de tudo e a tudo tinha dado o seu acordo, tendo conhecimento que o mesmo lá ia ver o que se passava porque “de manhã via as pegadas”. Ora, esta ilação só é possível efectuar por alguém (no caso, a testemunha) que não vê o facto que quer narrar, servindo-se de uma justificação esdruxula para o efeito e que não pôde deixar de causar estupefacção ao tribunal. Daí apenas se ter relevado o seu depoimento no segmento atinente à execução das obras e seu propósito.

J (…), refere ter andado a trabalhar no prédio dos requeridos, a manusear uma máquina para cavar a mina. Esta testemunha, com excepção do por si referido quanto às obras não mereceu a credibilidade do tribunal, uma vez que, por sua iniciativa, introduziu o tema da divisão das águas e do acordo dos requerentes, sem que tivesse sido questionado a propósito, o que denota da sua parte, parcialidade.

Quanto à matéria de facto não provada, a mesma resulta de ausência de prova, nos termos mencionados quanto à divisão de águas, e acordo quanto às obras e ainda do que foi relatado pelas testemunhas quanto ao portão.

Acresce que não o tribunal também não ficou convencido quanto à data de conclusão das obras coincidir com a alegada e narrada pelas testemunhas. Não é crível que o empreiteiro – a testemunha R(…) conclua umas obras em Março de 2018 e em Outubro de 2019 ainda não tenha apresentado a conta e isto ainda que tenha realizado outros trabalhos. Quanto ao facto de a água correr até à casa de habitação dos requerentes e tanque, nenhuma testemunha mencionou ter visualizado tal ocorrência, a não ser uma única vez para o tanque na altura da ligação…» (sic)

                                                                     ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A- Alteração da matéria de facto e nulidade da sentença

Os requeridos/recorrentes invocam a nulidade da sentença por violação do disposto na al. b) e c) do art. 615º do n.C.P.Civil, alegando que que por um lado a sentença recorrida não se pronunciou sobre os factos 52 e 54 da oposição e que deu como provado e não provado que os requeridos não percorreram toda a extensão da mina com medo que a mesma pudesse assapar, e que tal geraria nulidade.

O artigo 615 do NCPcivil estabelece os casos de nulidade de sentença: a) falta de assinatura; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Ancorando-nos nos ensinamentos de Fernando Manuel Pinto de Almeida (Juiz Desembargador Acção de formação do CEJ para Juízes Estagiários realizada na sala de audiências do Tribunal da Relação do Porto, disponível em http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_fundamentacaosentencacivel.pdf): «.. A fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga[1], tem actualmente assento constitucional.».

          Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.

          Nos termos do art. 607 do CPCivil a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar e seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

 Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito.

Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada.

Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado:

Identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.

                                                 *

          As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art.º 615º, sendo nula a decisão quando: a) não contenha a assinatura do juiz;  b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

De facto a sentença final deve apresentar-se sob a forma de um silogismo ao menos implicitamente enunciado, por forma a que exista um nexo lógico entre as premissas e a conclusão - cfr. RE 6.10.88, CJ, t.2 , pg. 257.

          Fazendo aqui um paralelismo com a causa de pedir resulta que em tal silogismo a premissa maior é constituída pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é preenchida com as razões de facto e o pedido corresponderá à conclusão daquele silogismo. Por isso mesmo a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido e, como afirma A.Varela (in RLJ, ano 121º,122 ), «a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e desdizer simultâneos, uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu », ou seja, uma contradição intrínseca ou substancialmente insanável (Ac STJ, de 14.03,90, AJ., 2º, /90, pg.14), contradição esta que é dada ao julgador através da norma aplicável à pretensão formulada. (no mesmo sentido, (Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1987, pg. 491, Rodrigues Bastos, “ Notas”, I, pg.390.

                                                           *

          Invocam os recorrentes que o tribunal, não se pronunciou sobre a factualidade alegada pelos requeridos nos números 52 e 54 da oposição e que é seguinte: “Conferida pelos requerentes e pelos requeridos a divisão da água e terminados os trabalhos acima identificados foi a boca da mina tapada com material em betão pré- esforçado; (…) e de seguida, só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada e animais e inertes e para segurança de pessoas”.

          Desde logo resulta que o tribunal na sentença recorrida se pronunciou sobre a matéria alegada nos pontos 52 e 54 da contestação nos pontos 26º) e 27º da matéria de facto provada e pontos a), g) e h) da matéria não provada, atenta a matéria relevante alegada nesses pontos para a decisão da causa.

Pelo exposto, não existe nenhuma omissão ou nulidade na sentença.

Por outro lado, os recorrentes alegam que a decisão deu como indiciariamente provado e em simultâneo como indiciariamente não provado o seguinte facto: “os requeridos não percorreram toda a extensão da mina com medo que a mesma pudesse assapar”. (nº 6 dos factos provados e alínea j) dos factos não provados).

Igualmente verifica-se que não existe nenhuma contradição dado que o ponto 6º dos factos provados indica que os requerentes não percorreram toda a extensão da mina e o ponto j) dos factos não provados refere-se aos requeridos.

Pelo exposto, sendo sujeitos diversos não existe nenhuma contradição, improcedendo a invocada nulidade.

          Invocam por outro lado os recorrentes que o tribunal deu por assente que os requerentes, no verão de 2017 executaram obras de aproveitamento de água da mina – nº 4 da fundamentação de facto. Mas que esse facto não foi alegado e questionam o seu fundamento.

Todavia resulta manifesto que os requeridos na oposição invocam no ponto 20º) da sua contestação que no Verão de 2017, tendo em conta a escassez de água, que os requerentes e os requeridos chegaram a acordo para executarem obras de aproveitamento da água da mina.

Assim, nesse segmento não existe nenhuma nulidade no teor do ponto 4º) dado que o tribunal deu como provado que os requerentes executaram obras de aproveitamento da água da mina, sendo que o restante atinente ao acordo entre as partes não foi considerado provado.

Assim, esse facto foi alegado pelas partes e o tribunal considerou provado parte desse segmento e fundamentou a sua motivação e nessa medida não existe nenhuma nulidade.

                                                           +

Na parte restante das alegações de recurso os requeridos também invocam como fundamento do seu recurso um extenso e abrangente erro da decisão sobre a matéria de facto, será no quadro do previsto no art. 662º do n.C.P.Civil  (“modificabilidade da decisão de facto”) que a questão será por nós substancialmente apreciada, ao que se procede de seguida.
                                                       *

Nas alegações de recurso vieram os apelantes, para além da referida questão prévia acima analisada, requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm actualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

 Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) Indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exacta das passagens da gravação erradamente valoradas.

          O recorrente, sob pena de rejeição do recurso, deve determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

          Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC (Relator: CARLOS MOREIRA) de 10-09-2019:«Sumário:        I - A não discriminação, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, quer do início e fim dos depoimentos na gravação, quer, muito menos, das concretas passagens dos mesmos em que o recorrente funda a sua pretensão, implica a liminar rejeição do recurso sobre a decisão da matéria de facto – artº 640º nº 1 al. b) e nº2 al. a) do CPC.

II - A simples discordância, por exegese diferenciada, do teor dos depoimentos não impõe – salvo lapso material ou erro lógico patente do julgador na apreciação dos mesmos – a censura da sua convicção…»

                   

                     Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “ […] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.

          Para outros desenvolvimentos, vide o  Ac da RC (Relator: CARVALHO MARTINS) de 02-12-2014: «Sumário:..   3- Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. A efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil…»

                     Conforme defende Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 396 do Código Civil). O tribunal da Relação quando reaprecia a prova deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com os outros meios de prova e verificar se foi ou não cometido erro de apreciação da prova que deva ser corrigido (vide, A. Geraldes, in Recursos, pág. 299).

          No caso dos autos os recorrentes impugnaram a matéria de facto e indicaram a factualidade impugnada, a prova a apreciar e a decisão sugerida, estando assim respeitados os pressupostos de ordem formal para proceder á reapreciação desse segmento da decisão.

                                                           *

          Conforme resulta das alegações de recurso, os recorrentes argumentam ter sido incorrectamente apreciada a materialidade plasmada em vários pontos que iremos enunciar e ulteriormente analisar.

          Em resumo os recorrentes alegam que a  matéria de facto deve ser alterada e dando-se como assentes os seguintes factos a acrescentar á decisão de facto:

-  No verão de 2017, tendo em conta a escassez de água, os requerentes e requeridos chegaram a acordo para executarem obras de aproveitamento da água da mina; (artº 20º da oposição)

- Todas as obras elencadas nos factos assentes foram feitas na presença dos requeridos, com o seu consentimento, autorização e anuência, tendo manifestado o seu contentamento pela forma como tinham sido executadas; (artº 51º)

- Conferida a divisão da água pelos requerentes pelos requeridos e terminados os trabalhos foi a boca da mina tapada com material em betão pré-esforçado; (artº 52º)

- Só depois de todos estarem de acordo é que se procedeu ao emparedamento da boca da mina, tendo a mesma sido tapada, no sentido de evitar a entrada de animais e para segurança de pessoas. (art 54º).

E igualmente deve dar-se como provada a data da conclusão das obras:  que os trabalhos indicados terminaram em Março de 2018.

                                                           *

Esta Relação procedeu à audição integral de toda a prova produzida em audiência de julgamento atinente á oposição, conjugando-os com a restante prova, sendo que se irá analisar a impugnação da matéria de facto.

Os requeridos consideram em síntese que o tribunal não poderia valorar os depoimentos das trêses testemunhas inquiridas quanto aos trabalhos e obras feitas e não considerar provado o acordo das partes na realização das obras na mina e o conhecimento dessas obras por parte dos requerentes e quanto á data do fim das obras.

Todavia, resulta que o facto de o tribunal ter considerado o depoimento dessas testemunhas quanto aos trabalhos e obras que foram feitas e já não quanto ao acordo ou consentimento dos requerentes e data do final é perfeitamente legitimo face ao principio da livre apreciação da prova e face á forma como as testemunhas se pronunciam sobre a factualidade invocada.

Resulta do depoimento da testemunha R (…) que o mesmo descreveu os trabalhos realizados na mina e isso foi aceite pelo tribunal, mas que o mesmo por um lado não sabia de forma segura ou objetiva a data do fim das obras e por outro lado prestou um depoimento vago quanto ao alegado acordo e conhecimento dessas obras por parte dos requerentes.

 Neste segmento resultou de forma objectiva que a testemunha estava de relações cortadas com a requerente (deixou de falar com a requerente devido a este processo porque a requerente lhe disse que « ..andou a roubar para os outros..») e que prestou um depoimento vago e conclusivo quanto a um alegado acordo entre as partes ou consentimento quanto ás obras realizadas. Por um lado a testemunha não indicou de forma objectiva com quem se teria feito o alegado acordo nem os seus termos nem se presenciou alguma conversa objectiva atinente a todos os trabalhos realizados ou divisão da água ou alegado consentimento, sendo que inversamente se constatou que a testemunha devido a este processo se encontra de relações cortadas com a requerente e que só recebia ordens dos requeridos e que o pagamento dos trabalhos era a cargo dos requeridos.

Quanto á data do fim da obra essa testemunha não prestou nenhuma declaração objectiva ou segura sobre esse aspecto, sendo de referir que resultou do seu depoimento que ainda não apresentou as contas relativas á obra referida aos requeridos.

Assim, é patente que a matéria indicada como aditar aos factos provados não poderia ser considerada face ao depoimento desta testemunha.

Quanto á testemunha P (…) ( irmão da testemunha (…)) resultou que a mesma só tem conhecimento das obras realizadas já que quanto á parte atinente ao alegado acordo com consentimento dos requerentes quanto ás obras a mesma revelou que apenas viu as partes a conversar sobre a mina e agua mas não sabe o teor da conversa (de resto referiu a expressão «houve bocas..» o que colca em causa qualquer alegado acordo).Quanto a datas a mesma igualmente não tem conhecimento e nessa medida essa factualidade nunca poderia estar provada.

Por fim, quanto á testemunha J (…) (manobrou uma máquina aquando das obras) a mesma apenas revelou saber das obras realizadas e declarou que não assistiu a nenhuma conversa entre as partes quanto á mina e água e nessa medida é manifesto que nunca poderia ficar provada essa factualidade. Igualmente essa testemunha não revelou ter conhecimento quando as obras terminaram.


Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, não existe nenhuma razão para se realizar qualquer alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida. 
A prova produzida não impõe nos termos do artigo 662 do CPCivil decisão diversa quanto á matéria de facto.

Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.

                                                           *


B- No que diz respeito á questão da caducidade dado que a mesma se baseava na alteração da matéria de facto quanto ao fim das obras, improcede neste segmento o recurso, visto que os requeridos não lograram demonstrar que as obras ocorreram há mais de um ano ou que os requerentes tinham conhecimento há mais de um ano atenta a data da propositura da acção e o teor do artigo 1282 do CCivil.

                                                           *

C- Os recorrentes alegam em resumo não existirem os pressupostos da providência de restituição provisória de posse dado o esbulho ocorrer quando o possuidor se vê privado do uso da coisa, ou de continuar a exercer a posse. E referem que os requerentes não estão impedidos de se deslocar à mina, nem as obras que se executaram impedem os requerentes de aceder à mina. Mais referem que os requerentes não identificaram um qualquer ato praticado pelos requeridos que seja turbador da sua posse, não o tendo circunstanciado, nem localizado no tempo e no espaço. Alegam por outro lado que não existe violência dado que as obras executadas na mina foram presenciadas pelos requerentes, com o seu conhecimento, consentimento e autorização.

Resulta que foi proferida decisão inicial que deferiu a providência cautelar e que ulteriormente os requeridos deduziram oposição e o recurso versa sobre a decisão que decidiu manter a providência decretada.

 Atento o objecto do processo importa decidir se a providência decretada deve ou não ser mantida, ou ser revogada, atento o teor do artigo 372, do CPCivil o qual estabelece que quando a parte contrária não tiver sido ouvida antes do decretamento da providência é-lhe lícito em alternativa e após a notificação do artigo 366º do CPC: recorrer do despacho que decretou a providência quando entenda que face aos elementos apurados a mesma não devia ter sido decretada; ou deduzir oposição quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução (aplicando-se o disposto nos artigos 367 e 368 do CPC).

No caso de oposição á providência cautelar decidida, produzida a prova deve o tribunal decidir da manutenção redução ou revogação da providência decretada, decisão essa que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

                   
          A oposição ao procedimento cautelar, nas circunstâncias do mesmo ser decretado sem prévia audição da parte contrária, tem por objecto a alegação de factos ou a produção de provas não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Dispõe o art. 372 do CPC que quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa:

- Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido deferida;

- Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tido em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.

Como afirma A. Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, III, 1ª ed., 232], a oposição pressupõe sempre a alegação de novos factos ou de novos meios de prova não considerados pelo tribunal no primeiro momento e que tenham a virtualidade de uma vez provados, determinarem o afastamento da medida cautelar decretada.

Sem prejuízo da valoração dos meios de prova produzidos na primeira fase e no âmbito da oposição, o certo é que o objectivo fundamental deste meio de defesa não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso da decisão.

Na oposição não se trata, pois, de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos elementos de prova ou de novos factos com que o tribunal não pôde contar .

Assim, produzida a prova, três soluções são possíveis:

- se nenhum argumento de facto ou meio de prova for considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a convicção será mantida a decisão;

- se os novos elementos carreados para os autos determinarem a formação de uma convicção oposta à que anteriormente fora fundada nos primitivos elementos, a decisão será revogada;

- pode também o tribunal atenuar os efeitos da medida decretada, com redução da providência aos limites necessários e suficientes para afastar a situação de periculum in mora verificada nos autos (cfr. art. 372 do CPC).

É sobre o requerido que recai o ónus da prova dos factos que possam levar ao afastamento da providência ou à sua redução [Abrantes Geraldes, Ult. Ob. Cit., 285 e 286 e Ac do STJ de 22.3.2000, BMJ 495-271].

Assim, resulta que a matéria de facto a ter em conta é a que consta da decisão recorrida e já acima referida e igualmente a que consta da decisão inicial que se irá transcrever:«… A) FACTOS INDICIARIAMENTE PROVADOS:

1. Encontra-se inscrito a favor da requerente M (…) e J (…), o rústico, situado em  (...),  (...), composto de cultura arvense de sequeiro, regadio e pereiras, a confrontar do norte com (…), do sul com (…), do nascente com caminho público e do poente com (…), inscrito na matriz sob o art.540-K e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o n.º 2113/20030711; o prédio urbano, com a área de 200 m2, com dois pisos, sito no lugar  (...),  (...), a confrontar do norte com (…)do sul com caminho público, do nascente com (…) e do poente com (…), inscrito na matriz com o art. 20 e não descrito na Conservatória do Registo Predial;

2. Os referidos prédios estão na posse dos requerentes, por si e seus antepossuidores, há mais de 20 anos, benfeitorizando-os, pernoitando no urbano que destinaram à sua habitação, cultivando e colhendo os frutos do respectivo rústico, à vista de todos, de forma pacífica, contínua, sem oposição de ninguém, assim actuando como seus donos e de não lesarem direitos de outrem;

3. Encontra-se inscrito a favor dos requeridos, o prédio composto por mato, cultura arvense de sequeiro, de regadio e árvores de pomar, situado em “ (...)”,  (...), a confrontar do sul e nascente com caminho, do norte com (…) e do poente com (…), inscrito na matriz sob o artigo 520 K e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 170/19880121;

4. Os prédios rústicos referidos em 1 e 3 confinam entre si;

5. Há mais de 40 anos que os requerentes, por si e seus antecessores, exploram a água que brota da mina localizada no prédio referido em 3, de onde era derivada numa caixa, por um cano, diariamente, para consumo doméstico dos requerentes e requeridos e dela conduzida para um tanque em pedra, construído no prédio dos requeridos, a cerca de 20 m da mina e aí era represada e conduzida primeiramente por um rego a céu aberto e posteriormente por um tubo até ao prédio dos requerentes, para rega, desde as 8h de segunda-feira às 8h de quinta-feira, todos os anos;

6. Na saída do referido tanque existia uma caixa em cimento que permitia a derivação da água para os prédios dos requeridos e dos requerentes, o qual dista do prédio destes últimos, cerca de 30 m;

7. Os requerentes, acediam à dita mina e ao tanque, através da estrema do prédio dos requeridos, pelo bordo do rego da água referido em 5, abrindo e tapando a água nos seus dias;

8. Os requerentes, por si e seus antepossuidores, desde há 30 anos, que encanaram a água proveniente da mina directamente para a sua habitação e do tanque, utilizando-a para gastos domésticos e rega do seu rústico, pela forma descrita em 5, 6 e 7, de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, pacificamente e sem oposição de quem quer que seja;

9. Na convicção de exercerem direito próprio e de não lesarem os direitos de outrem;

10. No verão de 2018, os requeridos vedaram o prédio descrito em 3, com rede e postes de suporte, com alarme a câmaras, aterraram a mina, tapando-a com pedras e arrasaram o tanque com pedras do muro e bem assim os regos, talhadoiros e caixas de derivação da água, impossibilitando a condução da aludida água até ao prédio dos requerentes;

11. Os actos referidos em 10 impedem os requerentes de consumir a água que brota no prédio dos requeridos, não dispondo de outra alternativa que não seja a de socorrer-se da água cedida por amigos;

12. Desde há cerca de um ano que os requerentes estão impedidos de aproveitar a água proveniente da referida mina para consumo doméstico e do dito tanque para rega do seu rústico, onde tinham plantadas batatas, feijão e cebolo.

*

Não existem outros factos que resultassem provados com interesse para a decisão da causa…»(sic).

*

          Dispõe o artigo 377.º do Código de Processo Civil que: “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

A restituição provisória de posse exige para a sua procedência a verificação cumulativa de vários pressupostos: a) Posse, b) Esbulho, c) Violência ( vide, Moitinho de Almeida, Restituição de Posse, pagina 22).

A posse é um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real - art. 1251º do C. Civil.

          O  esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.

          Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coacção física ou moral, nos  termos do art. 255º do C. Civil, se forem praticados actos que constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao desapossamento.

          Noutros termos, o esbulho caracteriza-se, pela privação total ou parcial, do poder do possuidor de exercer os actos correspondentes ao direito real que se traduzem na retenção, fruição do objecto da coisa ou da possibilidade de o continuar a exercer.

          Mas esta privação só pode constituir fundamento de restituição provisoria de posse se for ilícita ou violenta - artigo 1279 do Código Civil.

          A exequibilidade prática de tal direito encontra-se garantida pelo disposto nos art.s 377º  do C. P. Civil  e agora, mesmo que não exista violência, também pelo processo cautelar comum, previsto nos art.s 362 e segs. do mesmo código por via do disposto no art. 379º.

Quanto á posse a mesma é aceite pelos recorrentes, sem prejuízo de se referir que os  requerentes, por si e seus antecessores, há mais de 30 anos utilizam a água proveniente da mina e do tanque existentes no prédio dos requeridos e procedem ao seu encaminhamento nos termos apurados, em benefício dos seus prédios, pelo que, inegavelmente, os requerentes provaram ter posse há mais de um ano e, como tal é protegida.  E porque adquiriram tais direitos reais, à vista de toda a gente, sem violência, ininterruptamente há mais de 30 anos, assim actuando de forma correspondente a tais direitos reais.

O segundo elemento necessário para que seja decretada a restituição provisória da posse é o esbulho.

O esbulho supõe que o possuidor ficou privado da posse que tinha. Nesse ponto resulta dos factos dados como provados que os requerentes, desde a vedação e destruição do tanque e aterro da mina pelos requeridos no seu prédio, estão a ser turbados no seu direito de posse, por actos daqueles, tendo sido privados de utilizar a água que dele provém.

Assim, é manifesto que existe esbulho dado que os requerentes estão impedidos de se deslocarem á mina, ao contrário do alegado pelos recorrentes nas alegações.

Por fim, invocam os recorrentes que não existiu violência dado que as obras na mina foram presenciadas e autorizadas pelos requerentes e que não está demonstrado nenhum acto de destruição. Porém, é manifesto que os requeridos não lograram demonstrar que as obras hajam sido acordadas ou autorizadas entre as partes e nessa medida não ficou demonstrado esse segmento da oposição.

No âmbito desta providência é necessário, ainda, que o esbulho seja violento, nos termos do artigo 393.º do CPC e do artigo 1279.º do Código Civil, segundo o qual “o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.”

A violência está definida no artigo 1261.º, n.º 2, do Código Civil. Segundo aí se refere “considera-se violenta a posse, quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255.º”.

É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor. ----

A violência está definida no art. 1261°, n.º 2, do Código Civil, considerando-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255°.----

Ora, de acordo com o n.º 2 do citado artigo, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro. ----

Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da acção do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afecta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no artigo 1279º do Código Civil, não se limita ao uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de acção violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.

Deve  também considerar-se violento o acto de esbulho quando o possuidor fica impedido de contactar com a coisa como resultado dos actos empregues pelo esbulhador. ----

Teremos de ter em atenção que uma acção concretizadora de esbulho se não pode confundir com um acto de turbação da posse, porquanto se, porém, o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (Guerra da Mota; Acção Possessória; pág. 134). ----

Só de acções de restituição provisória de posse ou acções de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê de acto violento, perde o contacto com a coisa possuída. Se o possuidor apenas for perturbado ou turbado na sua posse, pode ele recorrer a tribunal para nela ser mantido ou restituído (art.º 1278.º do C.Civil). ----

A  actuação dos requeridos consubstancia um comportamento violento dirigido à coisa dado que cortraam a água e destruindo depósito para onde era represada e nessa medida estão preenchidos os requisitos desta providência cautelar.

C-Por fim os recorrentes invocam que este não é o meio processual adequado para os requerentes, caso os requeridos não tivessem respeitado os alegados direitos, dado que os mesmos deveriam instaurar  uma ação com processo comum, destinada a obter do tribunal decisão que obrigasse os requeridos a participar nas despesas de reabertura da boca da mina, captação e orientação da sua água e na sua reparação, se fosse caso disso, porque, nos termos do artº 2º, nº 2 do CPC “ a todo o direito (…) corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.

Todavia, resulta que no âmbito do principio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes que face ao pedido formulado nos autos (restituição de posse e não uma acção de condenação no pagamento de qualquer quantia) que este é o meio processual adequado á causa de pedir e pedido.

Pelo exposto, improcede este segmento do recurso.

           

                                                           ***

          O presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.

           

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes/recorrentes (art. 527º, nºs 1 e 2).

                    Coimbra, 31 de Março de 2020.

Ana Vieira ( Relatora )

António Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.