Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
334/12.1PAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE - 3.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 521.º DO CPP; ART. 53.º1º DO CPC; ART. 10.º DO RCP
Sumário: I - O recurso de despacho do qual a lei estabelece expressamente a irrecorribilidade constitui incidente manifestamente improcedente.

II - A definição da sanção, dentro dos limites previstos, depende do grau da “manifesta improcedência do requerimento” e do grau da omissão da “diligência devida”.

III- A taxa a fixar deve mostrar-se proporcional ao despropósito da pretensão formulada e ao grau de violação do dever de diligência. Em tal situação, não está em causa o exercício de um direito mas o seu exercício manifestamente abusivo e contra legem.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.


A..., arguido nos autos, recorre do despacho em que – por não ter admitido o recurso interposto do despacho que indeferiu, em sede de instrução, a reinquirição de testemunhas já ouvidas na fase de inquérito, com o fundamento de que nos termos do art. 291°, n°2 do C.P.P., de tal despacho apenas cabe reclamação sendo irrecorrível o despacho que a decidiu – condenou o recorrente, pela anomalia do requerimento, no pagamento da quantia equivalente a 5 UC.

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Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:

A - O Tribunal "o quo", ao julgar extemporâneo o Recurso interposto pelo ora Recorrente, condenou em 5 UC.

B - O Recorrente entendeu interpor Recurso porque é um Direito que lhe assiste e está consagrado no Constituição da República Portuguesa.

C - Interpôs o competente Recurso porque entende que tem esse Direito.

D - O Tribunal "o quo" ao condenar o Recorrente em 5 UC, não afigurou os condições sócio económicos do arguido.

E - O Recorrente é um jovem que se encontro numa situação económico desfavorável, vive em caso dos seus pois à procura de emprego.

F - Neste contexto serão os pais do Recorrente que terão de efectuar o pagamento da referida multa de 5 UC.

G - A decisão em proferida pelo Tribunal "a quo" foi excessiva e o Recorrente entende que o montante de multa deveria ter sido dado pelo mínimo, ou seja de 3 UC.

H - Sob pena, aliás, de se verificar a inconstitucionalidade dos artigos 145° do CPP e 107°-A do CPP, por violação do Princípio da Igualdade e do Acesso ao Direito sem restrições devidas a razões económico-financeiras pessoais - na medida em que um cidadão com possibilidades económicas pagaria de imediato e o seu acto intempestivo resultaria válido, ao passo que o cidadão modesto, ou mesmo pobre, apesar de ter a seu favor uma norma segundo a qual pode pagar a multa na conta final, veria o seu acto manter-se inválido, por razões económicas;

I - Situação por via da qual as normas ordinárias em causa levam à violação não "apenas" da Constituição, mas também das Convenções Internacionais que vinculam o Estado português nesta matéria e, designadamente, a propósito do direito de qualquer cidadão a ter um Processo Justo e Equitativo, sendo que aqui a reivindicação do direito a um Processo equitativo se prende precisamente com a diferença de tratamentos que se verificaria entre o parte que não pode pagar de imediato ou seja dentro das suas capacidades - e, por outro lado, a contra-parte que pode pagar de imediato (ou que nem sequer precisa de pagar, porque está, por assim dizer. dispensado ou isento - como acontece com certas entidades assim 'positivamente' discriminadas na Lei, eventualmente com o próprio Ministério Público, que é aqui, no fundo, a contraparte do Recorrente),

J - Termos em que deve o presente Recurso merecer provimento; e, em consequência, ser o douto despacho recorrido declarado nulo por ilegal, por violação do disposto no nº3 do art. 28° do R.C.P.; e, do mesmo passo, ser declarada a inconstitucionalidade do art. 145° do CPC e do art. 107°-A do CPP, se puderem ser entendidos como permitindo que, por razões de carência económica (como não poder pagar uma multa que 'validaria o acto extemporâneo, convertendo-o em tempestivo), o Recorrente deixe de ter acesso ao direito em pé de igualdade com outra parte no processo com estatuto económico de possidente (ou, até, de isento, como é o caso, apenas por exemplo, do Ministério Público).

Nestes termos:

Deve a presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:

- Deve ser revogada a multa de 5 UC aplicada ao Recorrente; Caso ainda Vª Exas., não entendam;

- Deve ser reduzida o valor da multa de 5 UC aplicada ao Recorrente para o montante mínimo legal.

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Respondeu o MºPº junto do tribunal recorrido sustentando a improcedência do recurso.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no mesmo sentido.

Corridos vistos, cumpre decidir.


II.


O despacho onde se insere a condenação ora impugnada é do seguinte teor:

“Conforme resulta dos autos de fls. 672 foi indeferida a reinquirição de todas as testemunhas indicadas no requerimento de abertura de instrução apresentada a fls. 659 pelo arguido A..., por se tratar de testemunhas inquiridas em sede de inquérito, não tendo sido invocada qualquer omissão de formalidades na inquirição das referidas testemunhas em conformidade com o disposto no art° 291°, nº 3 que refere que os actos e diligências de prova prestadas na fase de inquérito só são repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou quando a repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução.

Mais refere o art° 291°, n° 2 do C.P.P., que tal despacho apenas cabe reclamação sendo irrecorrível o despacho que a decidiu.

Como é bem assim de ver a reclamação do despacho é para o próprio Juiz de Instrução Criminal.

Em conformidade não se admite o recurso interposto pelo arguido a fls. 694 e seguintes por tal decisão ser irrecorrível.

Custas do incidente que se fixam em 5 UC., pois que se nos afigura que a lei é clara ao não admitir o recurso na senda da jurisprudência mais recente do Tribunal da de Coimbra.

No que concerne a reclamação igualmente se verifica que só por manifesta lapso a mesma é dirigida ao Exmo. Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, já que o preceito em causa 291°, n°2 do C.P.P., admite reclamação para a entidade que proferiu o despacho que indefere as diligências pretendidas, ou seja em causa nos autos, para o Juiz de Instrução Criminal.

Contudo e uma vez que se trata de reclamação dirigida ao Exmo. Juiz Presidente do Tribunal Relação de Coimbra determino o seu desentranhamento de fls. 712 e seguintes e que seja autuado por apenso devendo oportunamente ser aberta conclusão no apenso de reclamação”.

Vistas as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, não está em causa o despacho que não admitiu o recurso daquele que indeferiu a reinquirição, em instrução, das testemunhas ouvidas na fase de inquérito preliminar – despacho esse que foi objecto de reclamação para o Exmo. Presidente deste Tribunal que foi indeferida – cfr. fls. 27-29.

Mas apenas o segmento do mesmo que sancionou o recorrente, pelo procedimento anómalo, no pagamento de 5 UC.

Alega o recorrente, em suma, que “o montante de multa deveria ter sido dado pelo mínimo, ou seja de 3 UC. Sob pena, aliás, de se verificar a inconstitucionalidade dos artigos 145° do CPP e 107°-A do CPP, por violação do Princípio da Igualdade e do Acesso ao Direito sem restrições devidas a razões económico-financeiras pessoais”.

Postula o artigo 521º do CPP:

1- À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.

Por outro lado, a taxa sancionatória excepcional é fixada, pelo art. 10º do RCP, entre 2 e 15 UC.

Por último, materialmente, a sanção em causa é aplicada, nos termos do art. 531º do CPC, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida.

Assim, a definição da sanção, dentro dos limites previstos, depende assim do grau da “manifesta improcedência do requerimento” e do grau da omissão da “diligência devida”. 

No caso, o incidente em causa, consistiu no recurso de despacho do qual a lei estabelece expressamente a irrecorribilidade – art. 291º, nº1 do CPP - cuja obediência ao texto constitucional, na vigência da redacção dada pela Lei 59/98 de 25.08, foi afirmada em múltiplos arestos do TC, em jurisprudência firme e uniforme, como afirmado no Ac. 79/2005, DR IIS de 06.04.2005.

Acresce que o recorrente, além do recurso não admitido, no mesmo requerimento veio reclamar para o Exmo. Presidente da Relação que devolveu o expediente ao Mº JIC por ser o competente. E estava em causa o recurso/reclamação do despacho que indeferira o requerimento de reinquirição, genérica, de todas as testemunhas já ouvidas para repetirem o que já tinham afirmado na fase anterior do processo.

Trata-se, pois de sucessivos pretensões, manifestamente infundadas que deram azo a assinalável actividade processual inútil.  

Assim, a taxa fixada mostra-se assim de um lado, proporcional ao despropósito da pretensão formulada na sua contextualização com a pretensão inicial de ouvir em bloco todas as testemunhas já ouvidas, sobre matéria a que tinham deposto. E de outro lado ao grau de violação do dever de diligência, vista a insistência no afrontamento da lei processual. Por outro lado, não está em causa o exercício de um direito mas o seu exercício manifestamente abusivo e contra legem.

O invocado princípio da igualdade envolve a aplicação de tratamento igual a situações essencialmente iguais. Mas proíbe também, necessariamente, como correspectivo, tratamento igual para situações desiguais – neste sentido v. designadamente Ac. TC 186/90, 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados, respectivamente, no DR IIS de: 12.09.1990; 03.03.88;12.09.90; 30.07.93; o6.10.93; 19.01.94; e 30.08.94.

Tudo está em saber se a pretensa diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, ou é materialmente infundada – é este aspecto que releva para aferir a violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzido na ideia geral de proibição do arbítrio, na leitura, por exemplo do Ac. TC n.º213/93, DR IIS de 01.06.1993, depois seguido pelo AC. n.º 47/95 – citação do Ac. TC 27/2006 de 10.01.2006, DR IIS –A de 03.03.2006

Ora, o recorrente não foi discriminado em relação a ninguém, foi apenas sancionado por uma conduta culposa e abusiva. Aliás o argumento invocado pelo recorrente é reversível: se quem não dispõe de meios económicos não pudesse ser sancionado pelos atropelos processuais cometidos, tal equivaleria a desresponsabilizá-lo de toda e qualquer conduta processual por mais torpe que pudesse revelar-se.

Por último, não está em causa qualquer prisão por dívidas mas apenas uma sanção de natureza pecuniária não convertível em prisão. Dependendo sempre a sua cobrança, da efectiva existência de bens ou rendimentos na titularidade ou património do devedor.

Assim, mostrando-se a taxa sancionatória fixada (5UC) dentro da moldura abstracta aplicável (2 a 15 UC) proporcionalmente à gravidade do atropelo processual e da diligência omitida, a decisão recorrida não merece censura.


III.


Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, nos termos do art. 513º do CPP, nº1 do CPP, fixando-se a taxa de justiça, ao abrigo da Tabela III anexa ao RCP, em 3 (três) UC.

Coimbra, 22 de Outubro de 2014

(Belmiro Andrade - relator)

(Abílio Ramalho - adjunto)