Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
665/10.5TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 27º, Nº 1, AL. C) DO DECRETO-LEI Nº 291/2007, DE 21/08
Sumário: I – De acordo com o artº 27º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08, “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso … contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.

II - Das diferentes redacções da al. c) do artº 19º do Decreto-Lei nº 522/85 e da al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007 afigura-se-nos que o legislador não pretendeu dizer o mesmo por diferentes palavras.

III - Sabedor da controvérsia jurisprudencial passada e da prolação do Ac. Unif. Jur. do STJ nº 6/2002, se fosse vontade do legislador manter a situação existente teria deixado inalterada a expressão “tiver agido sob influência do álcool”.

IV - Conscientes do melindre jurídico da questão, adoptamos o entendimento de que a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007, nomeadamente da al. c) do nº 1 do artº 27º, postergou a orientação que, na vigência da al. c) do artº 19º do Decreto-Lei nº 522/85, decorria do AUJ do STJ nº 6/2002 e, portanto, que nos acidentes a que seja já aplicável o regime do Decreto-Lei nº 291/2007, para ser reconhecido direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização basta ter sido alegado e provado que o condutor/segurado deu causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, dispensando-se a alegação e prova de nexo de causalidade adequada entre a etilização e o acidente.

Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 665/10.5TBVNO.C1

         Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

“A. – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua …, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum e forma sumária, contra F…, residente na Rua …, pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 8.378,70, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento.

 Alegou para tanto, em síntese, que: no exercício da sua actividade seguradora, celebrou com o Réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel através do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula …-LB; no dia 7 de Dezembro de 2008, pelas 20h15, no cruzamento da Rua de Santa Luzia com a Rua de Santa Clara, em Fátima, Ourém, ocorreu um acidente de viação tendo como intervenientes o referido veículo de matrícula …-LB, segurado na autora e conduzido pelo réu, e o veículo de matrícula …-DL, conduzido por P…; o réu circulava na Rua de Santa Luzia, no sentido Santa Luzia/Cova da Iria e ao chegar ao cruzamento com a Rua de Santa Clara não respeitou o sinal STOP que se lhe opunha e foi embater no veículo DL; tal colisão foi da inteira responsabilidade do condutor do veículo seguro, ora réu, que não prestou a devida atenção aos demais veículos e sinalização que regulamentava a circulação na via tendo entrado no cruzamento abruptamente e cortando a linha de trânsito ao veículo DL sem respeitar o sinal B2 que se lhe opunha; em consequência desse embate o veículo DL teve diversos danos, cuja reparação importou no montante de € 8.272,70 (oito mil duzentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos) que a Autora pagou à sociedade “L…”, acrescida da quantia de € 106,00 (cento e seis euros) que a autora pagou em tratamentos aos ferimentos sofridos pela lesada e transportada pelo réu, D…; o réu na data do acidente apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,86 g/l, o que lhe provocava uma imoderada confiança em si próprio (euforia), a diminuição da acuidade visual e da percepção das distâncias, falta de destreza, aumento do tempo de reacção aos obstáculos, desprezo pelo risco natural da condução, perda de vigilância em relação ao meio envolvente, perturbação das capacidades sensoriais, lentidão da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga, o que foi causal do acidente; satisfeitos aqueles pagamentos pela autora tem esta direito de regresso contra o ora réu, nos termos do art.º 19.º, al. c) do DL 522/85 de 31 de Dezembro, bem como pela circunstância de o réu se ter obrigado contratualmente a tal, nos termos do contrato de seguro que firmou com a autora.

O R. contestou impugnando a factualidade alegada pela A., à qual contrapôs a sua versão do acidente, da qual resulta que a culpa pela ocorrência do mesmo não recai sobre si. E sustentou que não basta que o agente conduza sob o efeito do álcool para automaticamente ser culpado por qualquer acidente em que seja interveniente, pelo que, no caso, a autora não é titular de direito de regresso.

Saneada, condensada e instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido despacho respondendo aos quesitos da base instrutória e dessa forma decidindo a matéria de facto controvertida.

Foi depois emitida sentença julgando a acção procedente e condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 8.378,70, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e até integral pagamento.

Inconformado, o R. interpôs recurso, tendo encerrado a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

A apelada respondeu defendendo a manutenção do julgado.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

***

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas essencialmente as seguintes duas questões:

         a) Alteração da decisão sobre a matéria de facto;

         b) Culpa pela eclosão do sinistro;

c) Direito de regresso da A.

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         2.1.1. Factualidade considerada provada pela 1ª instância

...

         2.1.2. Alteração da decisão sobre a matéria de facto

         2.2. De direito

2.2.1. Culpa pela eclosão do sinistro

Como foi já referido, o sinal B2 (STOP), previsto no artº 21º do Regulamento de Sinalização do Trânsito aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10, – paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento – indica que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar[1].

A prescrição decorrente daquele sinal vertical de regulamentação de cedência de passagem integra-se no princípio geral sobre cedência de passagem ínsito no artº 29º, nº 1 do Cód. da Estrada, norma segundo a qual o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste.

Ou seja, de acordo com as regras estradais referidas, devidamente conjugadas, não basta ao condutor que depara com o sinal de STOP parar antes do cruzamento ou entroncamento como se se tratasse de observar um mero ritual ou simples formalidade. A paragem imposta pela lei tem em vista criar condições para o total respeito pela imposição seguinte, também compreendida na prescrição do dito sinal: ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar, de forma a permitir que prossigam a sua marcha sem necessidade de alteração da velocidade ou direcção.

Se o condutor pára no lugar devido[2] e, de seguida, prossegue a marcha sem ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar, não cumpre verdadeiramente a obrigação que o sinal lhe impunha. E se, mercê de tal actuação, ocorre um embate entre o seu veículo e outro que circulasse na dita via e a quem a passagem não foi cedida, a culpa não pode, em princípio, deixar de recair sobre o incumpridor.

No caso em apreciação, mesmo que o R. lograsse – que não logrou – provar que parou perante o sinal de STOP sempre se mostraria extremamente difícil afastar dele a culpa. Com efeito, o outro interveniente no acidente – que nada na factualidade provada inculca ter violado qualquer regra estradal – não pode ali ter surgido instantaneamente e a ocorrência do embate demonstra suficientemente que a passagem não só não lhe foi cedida como até lhe foi obstruída.

Nega-se, portanto, razão ao recorrente quanto à questão da imputação da culpa pelo deflagrar da colisão, sufragando-se o entendimento da 1ª instância no sentido de que tal culpa só a ele, inteiramente, pode ser imputada.

         2.2.2. Direito de regresso da A.

Tendo o acidente ocorrido em 07/12/2008, é aplicável ao caso o Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08, entrado em vigor em 20/10/2007 (cfr. respectivo artº 95º), diploma legal esse que revogou o Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12.

De acordo com o artº 27º, nº 1, al. c) do mencionado Decreto-Lei nº 291/2007, “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso … contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.

Esta formulação da lei permite a dúvida interpretativa que se suscitou na vigência do artº 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 522/85, consistente em saber se a existência de direito de regresso por parte da seguradora que pagou a indemnização se basta com a mera constatação de que o condutor exercia a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou se, para além disso, pressupõe e exige um nexo de causalidade adequada entre a alcoolemia e a ocorrência do acidente.

Na vigência do aludido artº 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 522/85[3] a larga controvérsia jurisprudencial que se gerou só com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nº 6/2002, de 28/05/2002, publicado no D.R., I Série-A, nº 164, de 18/07/2002, foi resolvida[4].

Com efeito, através do referido Acórdão foi uniformizada a jurisprudência no sentido de que “a alínea c) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

         A pergunta que naturalmente se coloca é, logicamente, a de saber se com a alteração da lei – saída de vigência do Decreto-Lei nº 522/85 e entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007 – permanece válida a orientação que do mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência decorria.

         É que o legislador falava, anteriormente [al. c) do artº 19º do Decreto-Lei nº 522/85] em o condutor ter “agido sob a influência do álcool” e, actualmente [al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007], em “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.

         Terá querido dizer o mesmo por diferentes palavras – e a orientação anterior continuaria válida – ou, pelo contrário, quis dizer coisa diversa, tomando, ainda que discretamente, posição quanto ao rumo que vinha sendo seguido pela jurisprudência?

         São já algumas as decisões judiciais dos nossos tribunais superiores que abordaram a questão.

         Apesar de ao caso ali apreciado ser ainda aplicável o artº 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 522/85, no seu Acórdão de 08/10/2009[5], o Supremo Tribunal de Justiça deixou exarado o seguinte:

“O que o novo diploma diz – e não é despiciendo trazê-lo aqui para comparar – é que (art.27º), satisfeita a indemnização, a empresa de seguros tem apenas direito de regresso (c) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida

Agora, as coisas são claras – o condutor dá causa ao acidente (qualquer que seja a causa) e, se conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, a seguradora tem direito de regresso contra ele.

Antes, ao tempo do acidente de que nos ocupamos, e é o regime desse tempo o que nos importa, as coisas eram o que eram e o direito de regresso da seguradora (interpretado o art. 19º, al. c ) do Dec.lei nº 522/85 pelo acórdão PUJ nº 6/2002) exigia por parte desta a prova de um duplo nexo de causalidade – a prova da causa do acidente em si mesma, a prova de que o álcool tinha sido a causa dessa mesma causa.

Só assim podia ficar provado o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.”

Mas no seu Acórdão de 06/07/2011[6], o mesmo Supremo Tribunal, igualmente ao decidir um caso a que era ainda aplicável o artº 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 522/85, adoptou entendimento diverso, tecendo, relativamente à redacção do artº 27º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/2007, as seguintes considerações:

“Esta redacção suporta duas interpretações:

Uma no sentido de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, se der causa a um acidente, relacionado ou não com a etilização, a seguradora tem direito de regresso;
Outra com o entendimento de que não basta o condutor etilizado ter dado causa ao acidente, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização.

O condutor etilizado que vê uma pessoa conhecida no passeio ao lado e se distrai a olhar para ela, não reparando que está a entrar numa passadeira por onde passa um peão, que atropela, sem que o seu comportamento tenha algo a ver com a alcoolização, teria contra si o direito da seguradora na primeira das interpretações e não o teria na segunda.

Ainda que mais apegada à letra da lei, a primeira das interpretações tem contra ela os mesmos argumentos que já ficaram referidos em VII[7]. Acrescentados dum de índole histórica, pois, estando firmado o entendimento de que tinha que haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento, se se pretendesse romper com ela, a redacção havia de ser muito mais categórica. A referência “quando tenha dado causa” não encerra um alargar da previsão a todos os casos em que o condutor tenha dado causa ao acidente, mas antes o consagrar, em texto legal, do que faltara ao texto anterior e já vinha sendo entendimento constante.

Perfilhamos, assim, a segunda interpretação.”

E o nº 1 do sumário deste aresto é inequívoco:

“O artigo 27.º do Decreto-Lei n.º291/2007, de 21.8 deve ser interpretado de modo a continuar o entendimento de que o direito de regresso da seguradora, nos casos de condução sob o efeito do álcool, só surge se tiver havido uma relação causal entre a etilização e a produção do evento.”

Também a Relação do Porto tomou já – sintomaticamente de forma divergente – posição sobre a questão em apreciação. Assim, no Acórdão de 13/12/2011[8], entendeu-se, como decorre do respectivo sumário, que “agora, com o novo regime legal introduzido pelo Dec. Lei n° 291/2007, de 21.8, art. 27°, n° 1, al. c), para que o direito de regresso da seguradora proceda exige-se tão só que alegue e prove a culpa do condutor na produção do acidente e que este conduzia, com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei” e que “já não se lhe impõe, que alegue e prove factos donde resulte o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.”

Por sua vez, no Acórdão de 19/01/2010[9], decidiu-se que “para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool, exige-se a alegação e prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre o estado de etilizado e o acidente de que resultaram os danos do terceiro por ela indemnizados, segundo a melhor interpretação do art.º 27.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 291/2007, de 21/8.”

A discrição do legislador ao alterar a lei ressuscitou, se bem vemos, a antiga controvérsia jurisprudencial, não sendo muito ousado vaticinar que, a não surgir interpretação autêntica, vai, mais cedo ou mais tarde, ser necessária nova uniformização.

Entretanto o tribunal não pode abster-se de julgar (artº 8º, nº 1 do Cód. Civil), pelo que se impõe, “in casu”, tomar posição.

Das diferentes redacções da al. c) do artº 19º do Decreto-Lei nº 522/85 e da al. c) do nº 1 do artº 27º do Decreto-Lei nº 291/2007 afigura-se-nos, com todo o respeito, que o legislador não pretendeu dizer o mesmo por diferentes palavras.

Sabedor da controvérsia jurisprudencial passada e da prolação do AUJ do STJ nº 6/2002, se fosse vontade do legislador manter a situação existente, teria deixado inalterada a expressão “tiver agido sob influência do álcool”.

         Ao substituir aquela expressão por “conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”, o legislador não foi “categórico”, mas deixou suficientes indícios de que não era vontade sua que a situação decorrente do Ac.Un.Jur. se mantivesse.

         Com efeito, enquanto a antiga expressão tem uma carga subjectiva, quase podendo dizer-se que verdadeiramente relevante era, independentemente da taxa de álcool no sangue (TAS) ser maior ou menor, a influência do álcool sobre a actuação do condutor e, consequentemente, sobre o eclodir do acidente, a nova expressão abandona essa carga subjectiva, objectiva-se claramente, retirando importância aos efeitos da etilização sobre o comportamento do condutor e sobre o deflagrar do sinistro e bastando-se com a constatação material de que o condutor era portador de uma TAS superior à legalmente permitida (artºs 81º, nºs 1 e 2, 145º, nº 1, al. l) e 146º, al. j) do Cód. da Estrada e artº 292º do Cód. Penal). Ou, por outras palavras, o regime anterior preocupava-se com a influência da alcoolemia sobre o concreto condutor em apreciação, enquanto o regime actual se preocupa com o grau objectivo da alcoolemia, independentemente do efeito que o mesmo tenha sobre o condutor visado.

         É certo que, em casos de TAS que pouco ultrapassem o máximo admitido e/ou que o condutor tenha uma especial resistência aos efeitos do álcool, as seguradoras poderão beneficiar de um direito de regresso que, em bom rigor, não lhes era devido.

         Esse inconveniente, contudo, parece não ter incomodado o legislador, porventura mais sensibilizado pelo desincentivo que a modificação não deixará de ter, a prazo, sobre a condução com TAS superior à legalmente admitida, com a previsível diminuição de acidentes de viação daí adveniente.

Conscientes do melindre jurídico da questão, adoptamos, pois, o entendimento de que a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007, nomeadamente da al. c) do nº 1 do artº 27º, postergou a orientação que, na vigência da al. c) do artº 19º do Decreto-Lei nº 522/85, decorria do AUJ do STJ nº 6/2002 e, portanto, que, nos acidentes a que seja já aplicável o regime do Decreto-Lei nº 291/2007, para ser reconhecido direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização basta ter sido alegado e provado que o condutor/segurado deu causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, dispensando-se a alegação e prova de nexo de causalidade adequada entre a etilização e o acidente.

Nega-se, por conseguinte, também quanto à questão acabada de analisar, razão ao recorrente.

Assim, soçobrando todas as conclusões da alegação do recorrente, tem de improceder a apelação e, consequentemente, de manter-se a sentença recorrida.

Sumário (artº 713º, nº 7):

I – Não cumpre o sinal de STOP (sinal B2 previsto no artº 21º do Regulamento de Sinalização do Trânsito), violando a respectiva prescrição, o condutor que pára no local devido mas retoma a marcha sem ceder a passagem a veículo que transitava na via em que ia entrar.

II – Nos acidentes a que seja já aplicável o regime do Decreto-Lei nº 291/2007, nomeadamente a al. c) do nº 1 do artº 27º, para ser reconhecido direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização, basta ter sido alegado e provado que o condutor/segurado deu causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, dispensando-se a alegação e prova de nexo de causalidade adequada entre a etilização e o acidente.

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

         As custas são, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, a cargo do recorrente.

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo (Voto vencido porque, pese embora a questão seja duvidosa, parece-me, no confronto de  ambos os tópicos argumentativos, ser de acolher a tese expendida no Ac. STJ de 6/7/2011 (proc. Nº 129/08.7TBPTL) sobre a interpretação do art.º 27- 1C/ do DL 291/2007 no sentido da relação causal entre a condução sob o efeito de álcool e a produção do evento.)


[1] Acórdãos do STJ de 13/01/2005 (Proc. 04B3882, relatado pelo Cons. Lucas Coelho) e de 03/06/2006 (Proc. 06A2625, relatado pelo Cons. Azevedo Ramos), ambos em www.dgsi.pt.
[2]  Que, se bem vemos, pode não ser exactamente junto do sinal de STOP, bem podendo suceder que tenha de ser alguns metros depois, em sítio com visibilidade para os dois lados da via em que se pretende entrar, mas sempre antes de tal entrada.
[3] Cuja redacção era a seguinte:
  “Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso … contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado.”
[4] Mal resolvida, segundo João Valente Martins, Contrato de Seguro, Notas práticas, Quid Juris 2006, pág. 103. Aí diz o Autor que “Ao obrigar-se as seguradoras a terem de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e a produção do acidente, este Acórdão veio pura e simplesmente desculpabilizar os condutores que habitualmente abusam do álcool e são causadores de muitos incapacitados e inúmeras mortes. E prossegue: “Efectivamente, não se compreende o objectivo, o sentido e menos ainda a justificação de um Acórdão desta natureza num país com uma taxa de sinistralidade automóvel tão elevada, causada em grande parte pela condução sob o efeito do álcool”. Finalmente, depois de apelar à intervenção do legislador, conclui que “nos casos da condução sob o efeito do álcool deveria ser estabelecida uma presunção de culpabilidade do condutor.
[5] Proc. 525/04.9TBSTR.S1, relatado pelo Cons. Pires da Rosa, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Proc. 129/08.7TBPTL.G1.S1, relatado pelo Cons. João Bernardo, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Essencialmente, que a não exigência de nexo de causalidade entre a alcoolemia e a ocorrência do acidente “levaria, inaceitavelmente, a um objectivar, em benefício da seguradora, das consequências da condução sob a influência do álcool, assacando ao condutor responsabilidades que não tinham a ver com a conduta culposa consistente na perturbação etílica”.
[8] Proc. 592/10.6TJPRT.P1, relatado pelo Des. Rodrigues Pires, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Proc. 774/10.0TBESP.P1, relatado pelo Des. Teles de Menezes, consultável em www.dgsi.pt.