Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
756/07.0TACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
AUSÊNCIA
ASSISTENTE
PRAZO
RECURSO
Data do Acordão: 11/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO, PARA A CONFERÊNCIA, DA DECISÃO SUMÁRIA
Legislação Nacional: ARTIGO 411.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CPP
Sumário: I - Devendo-se a falta de comparência do assistente e seu mandatário ao acto de leitura da decisão instrutória de não pronúncia a facto só a eles imputável, o prazo de recurso dessa decisão inicia-se no dia seguinte àquele em que foi lida.

II - O envio, no tribunal da 1.ª instância, para o assistente e seu mandatário, de cópia da decisão instrutória, apenas pode/deve ser entendido como um acto de cortesia e/ou de transparência/informação, não constitutivo de qualquer direito ao alargamento do prazo concedido pela lei para a interposição de recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal), do Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO
1. Nestes autos de Instrução nº 756/07.0TACTB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, em que são arguidos A... e B... e em que é assistente C... , na sequência de instrução requerida por ambos os arguidos (que pelo Ministério Público tinham sido acusados, cada um deles, de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137º nº 1 e 10º nº 2, do Código Penal), a Mma Juiz, em 06/12/2012, proferiu decisão instrutória de não pronúncia dos arguidos.
2. Inconformado com tal despacho de não pronúncia, o assistente (por requerimento, de fls. 756 e segs., enviado por correio registado no dia 14.01.2013 (cfr. talão de registo aposto na parte inferior de fls. 756), interpôs recurso, retirando da correspondente motivação as conclusões seguintes (transcrição):
CONCLUSÕES:
1.ª - A M. Juíza não pronunciou os arguidos, pelos crimes, de que vinham acusados pelo M.° P.°, por entender que, não havia indícios de sinais da ocorrência, donde se possa formular um juízo de prognose favorável à futura condenação.
2.ª - Com o devido respeito, o recorrente entende que há indícios, quer no que respeita à prova recolhida, no âmbito do inquérito e que conduziu à Acusação Pública, quer em sede de instrução.
3. ª - Além do mais, à douta decisão falecem os elementos essenciais, que conduzem à imprescindível fundamentação, que deve ser clara, inteligível e congruente.
4.ª - Não obstante ter efectuado uma análise crítica da prova, não indica, de forma sintética, sequer, os factos, que possibilitam chegar à conclusão da insuficiência da prova indiciária, como impõem os art.°s 283.°, 3 e 308.°, 2 do Cód.Proc.Penal.
5.ª - Tão pouco, se explicitam, no douto despacho recorrido, os factos não indiciados e a razão da insuficiência.
6.ª - Outrossim, os elementos objectivos e concretos, contidos no Relatório do IGAS e no relatório pericial, concatenados com os depoimentos, impunham uma fundamentação de facto e de direito, que é inexistente.
7.ª - Para mais, a Prova Pericial é a de maior relevo, porque adequada à descoberta da verdade, demonstrando a desconformidade com a legis artis, bem como, a ausência de diligências, necessárias para evitar a morte da paciente, no caso concreto e que foi desvalorizada.
8.ª - Trata-se, assim, de nulidade, que, aqui, se invoca — cfr. art.°s 283.°, 3 e 308.°, 3 do Cód.Proc.Penal.
9.ª - Acresce que, os arguidos detectaram a febre, edemas, as crepitações pulmonares, aumento do coração ao RX, leucocitose, com neutrofilia evidente e progressiva e com sinais de infecção generalizada e sistémica, teve ALTA.
10.ª - Foi excluído o enfarte agudo do miocárdio, mas não foi efectuado o ecocardiograma de urgência e já que, só às segundas-feiras é possível realizá-lo, poderia e deveria ter sido enviada para o Hospital mais próximo.
11.ª - A doente morreu, na Enfermaria, sem estar monitorizada.
12.ª - Não houve quaisquer medidas terapêuticas e de suporte hemodinâmico, nem de vigilância e controlo dos sinais vitais, num quadro de infecção sistémica.
13.ª - O relatório pericial, bem como, o do IGAS, não foram tomados em consideração, no que à violação dos cuidados, diligências e acompanhamento da doente se exigia.
14.ª - O depoimento do Perito Médico, de 2 de Novembro de 2012, das 14.30.33 às 15.46.46 horas, mantém o teor do Relatório Pericial, junto aos autos, onde se evidenciam as gravíssimas faltas de atenção, cuidados e diligências, em completa articulação, que foi desprezada.
15.ª - Os diagnósticos têm de ser efectuados, com cuidado, atenção e de acordo com os conhecimentos e instrumentos ao dispor, tal como, as prescrições e acompanhamento da terapêutica adequada e pedir a colaboração de colegas da especialidade e o concurso de unidades hospitalares, em face da ausência de meios.
16.ª - Naquele hospital, só às segundas-feiras, eram e são, efectuados ecocardiogramas, que, face à urgência, impunham a presença do médico, para ser efectuado e na sua ausência, a evacuação da doente para outro hospital, o que não foi efectuado.
17.ª - O sofrimento da doente estava patente nas dores precordiais, na angústia e ansiedade reveladas, encontrando-se bem, no período das 72 horas, que antecederam a sua morte, tendo tido ALTA, com sinais de infecção sistémica.
18.ª - Todo e qualquer médico, além dos deveres profissionais, tem o dever de tratar qualquer doente, independentemente da idade, com humanidade e compreensão, suavizar-lhe o sofrimento e prolongar-lhe a vida.
19.ª - A conjugação dos documentos, em sede de inquérito e de instrução, com os depoimentos do Senhor Perito, apontam para conclusão diferente da que consta do douto despacho recorrido.
20.ª - Foram violados os art.°s 283.°, 3 e 308.° do C.P.Penal e art.°s 137.°, 1 e 10.º do Cód. Penal.
Termos em que, deve o douto despacho recorrido ser substituído por outro, que pronuncie os arguidos, com o que se fará
JUSTIÇA.
                                         *
3. O arguido B..., a fls. 795 a 801vº, respondeu ao recurso terminando com as seguintes (transcritas) conclusões:
“CONCLUSÕES
1ª O recurso apresentado é extemporâneo;
2ª Na instrução não existe prova em sentido próprio de cuja decisão possa haver impugnação;
3ª Não é aplicável ao recurso da decisão instrutória o alargamento de prazo previsto no n.º 4 do art.411º do CPP;
4ª Não existe qualquer nulidade na decisão instrutória;
5ª Não se impõe ao despacho de não pronúncia, como se percebe, o cumprimento do previsto no art. 283°, n.º 3, CPP;
6ª O despacho de não pronúncia tem uma natureza similar ao despacho de arquivamento, bastando serem claros e fundamentados os motivos de Direito e de facto que conduziram ao resultado;
7ª Na decisão em crise se faz uma extensa análise da factualidade apurada na instrução e uma aturada explicitação dos meios que lhe estão na base, elencando-se, para cada capítulo, a matéria de prova que se teve em consideração de forma particularmente clara;
8ª Não existem quaisquer indícios da prática pelo arguido do crime de que vinha acusado;
9ª Não foi o arguido que “passou a observar e a tomar as decisões clínicas relativas à doente”;
10ª O arguido apenas se encontrava escalado para a prestação desse serviço de apoio à urgência no período das 8 às 20h, do dia 11;
11ª Limitou-se a pedir análises de enzimas e dar indicação de que se as mesmas estivessem bem podia ser dada alta, do ponto de vista da Cardiologia, à utente;
12ª Os resultados das análises só foram conhecidos após a sua de servido do arguido;
13ª Essas análises não tinham marca de doença cardíaca mas de infeção do foro da Medicina Interna;
14ª Só nessa altura foi afastada a hipótese de enfarte agudo do miocárdio, pelo que, no entender do perito, só após esta exclusão fazia sentido continuar o estudo com a realização de um ecocardiograma;
15ª Tal obrigação não impedia sobre o arguido, que já não se encontrava ao serviço;
16ª Não existe nos autos qualquer prova de que a utente tenha sofrido de uma pericardite;
17ª Essa é apenas uma hipótese, entre diversas outras possíveis causas de morte;
18ª Não existe também uma relação causal direta entre a suposta pericardite e a morte.
Nestes termos e demais de Direito deve o recurso:
1. Ser recusado por extemporâneo ou, caso assim se não entenda;
2. Ser julgado totalmente improcedente no que ao arguido B... se refere
Com o que se fará a costumada
JUSTIÇA”

4. O Ministério Público junto da 1ª instância, a fls. 803 a 813, também respondeu ao recurso, terminando com as seguintes:
“CONCLUSÕES:
1. Da prova produzida na fase de instrução não resulta qualquer indício da violação por parte dos arguidos de qualquer dever objectivo de cuidado.
2. Com efeito, essa prova, produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo tribunal suportam objectivamente a decisão de não pronúncia dos arguidos e ainda, a insuficiência da prova indiciária.
3. A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.
Termos em que julgando os presentes recursos improcedentes farão V.ªs Ex.ªs como é de lei.

5. O arguido C... não respondeu ao recurso.
6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito (foi-lhe atribuído efeito suspensivo certamente por lapso dado que o efeito correcto era o meramente devolutivo), foram os autos remetidos a este Tribunal.
7. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, a fls. 825 e 826, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
9. Aquando do exame preliminar, o aqui relator, por considerar verificada uma questão prévia relacionada com a extemporaneidade do recurso, nos termos do artigo 417º nº 6 al. b) do Código de Processo Penal, a fls. 830 a 848, proferiu decisão sumária que culminou com o seguinte dispositivo:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se em rejeitar o recurso, por extemporâneo.
Nos termos do disposto no artigo 420º nº 3 do Código de Processo Penal, condena-se o recorrente na importância correspondente a 4 (quatro) UC´s.”
                                                      *
10. Não se conformando com a assim decidida extemporaneidade do recurso, o assistente, nos termos do artigo 417º nº 8 do Código de Processo Penal, apresentou reclamação para a conferência, pelos fundamentos constantes de fls. 854 a 856 (fax, sendo que o original consta a fls. 858 a 860) que se passam a transcrever:
“1. Com o devido respeito, foi suscitada uma questão prévia, relacionada com a extemporaneidade do recurso, obstando ao conhecimento do objecto do recurso, mas de forma infundada.
2. Com efeito, a decisão foi notificada ao Assistente, com data de 7 de Dezembro de 2012, contendo a indicação expressa do art. 113.°, 2 do C.P.P.
3. Isto é, o Assistente foi notificado em 10 de Dezembro de 2012.
4. Contados os prazos legais e na tese sufragada pela douta decisão, os 20 dias expiraram, justamente, no dia 12 de Janeiro de 2013, um sábado e daí, o registo do correio, no 1.º dia útil, isto é, 14 de Janeiro de 2013.
5. Ora, não obstante a leitura da decisão estar marcada para o dia 6 de Dezembro de 2012, a mesma não estava disponível, completamente, em texto e daí, o envio pelo Tribunal, com a expressa notificação, nos termos do art. 113.°, 2 do C.P.C.
6. O mandatário esteve presente em todas as sessões da instrução, como das actas se comprova e no dia aprazado, em face de diligência noutro Tribunal e não afectar a data da leitura da decisão, anunciou isso mesmo ao Tribunal, que notificou a decisão, em 7 de Dezembro de 2012, como dos autos se constatará.
7. A aplicação concreta do direito, a concreta realização do justo não pode ficar à mercê de um formalismo estreito, em detrimento da justiça material e que deve ser apreciada, de harmonia com as motivações e conclusões, que constam do recurso interposto e que, aqui, se dá por reproduzido.
8. Pretende-se que a Conferência julgue em conformidade, verificando e valorando os factos e aplique o direito.
9. As decisões relativas à acusação, decisão instrutória, designação da data de julgamento, sentença e pedido de indemnização civil, devem ser notificadas aos sujeitos processuais e o Assistente foi-o, através da notificação de 7 de Dezembro de 2012. — cfr. art. 113.°, 9 e 10 do C.P.P.
10. Há erro de interpretação e aplicação daqueles normativos legais, nos termos do art. 419.° do C.P.C., julgado o Recurso, dando-se-lhe provimento, com o que se fará
JUSTIÇA”

11. O Ministério Público e o arguido A... não responderam.

12. Em resposta à reclamação, o arguido B..., a fls. 865 a 867, manifestando o entendimento de que o prazo de recurso da decisão instrutória se iniciou com a leitura da decisão oral e que a falta de presença à leitura daquela decisão apenas pode ser imputável aos que não comparecem (que no momento da notificação para a mesma não suscitaram qualquer impossibilidade de comparência), e que a suposta notificação postal se tratou de um acto de cortesia da Secretaria Judicial não atributiva de extensão de prazo de recurso, termina concluindo no sentido de «que deve ser mantida integralmente a Decisão Sumária da qual foi apresentada Reclamação».
13. Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.
                                                      *
II. APRECIANDO.
Na sequência da reclamação apresentada, a questão que ora importa apreciar e decidir consiste em saber se é de manter ou alterar a decisão que havia rejeitado, por extemporâneo, o recurso que havia sido interposto pelo assistente.
Na decisão sumária posta em crise, a dado passo, pelo relator foi dito o seguinte (transcrição em caracteres ligeiramente mais reduzidos e incluída na caixa que segue, para diferenciar do restante):

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir, reportadas essencialmente à discordância - por parte do recorrente - quanto à matéria de facto recolhida quer em sede de inquérito quer em sede de instrução, mas também invocando nulidade por falta de fundamentação ou de explicitação dos factos não indiciados, visam a pronúncia dos arguidos pelo crime de homicídio negligente p. e p. pelos artigos 137º nº 1 e 10º nº 2, do Código Penal.

Porém, há que decidir desde já uma questão prévia relacionada com a extemporaneidade do recurso (extemporaneidade que na respectiva resposta foi suscitada pelo recorrido B...) e cuja procedência obsta ao conhecimento do objecto do recurso, questão essa que deve ser apreciada nesta altura tanto mais que a Lei nº 48/2007, de 29 de Setembro, atribuiu ao relator poderes de decisão sumária sobre o recurso, tendo-se já reconhecido que esta nova competência do relator é compatível com o direito ao recurso do arguido, o direito do ofendido de participação no processo e de acesso aos tribunais e o direito das partes civis e dos outros participantes processuais de acesso aos tribunais e, designadamente, de acesso aos tribunais de recurso previstos nos artigos 20º nº 1 e 32º nºs 1  e 7 da Constituição da República Portuguesa (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, Universidade Católica, pag 1157 e jurisprudência aí citada.
Os poderes do relator de decisão sumária sobre o recurso incluem o conhecimento dos fundamentos de rejeição de recurso, ou seja, os previstos no artigo 420º nº 1 do Código de Processo Penal, como decorre da alínea b) do nº 6 do artigo 417º do mesmo diploma.
Com efeito, nos termos do artigo 417.º, n.º 6 do Código de Processo Penal “Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
a) (…);
b) O recurso dever ser rejeitado”.
E de acordo com o artigo 420º nº 1 do mesmo diploma, “o recurso é rejeitado sempre que:
(…)
b) Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º;
A interposição do recurso fora de tempo, constitui uma das causas de não admissão/rejeição do recurso, sendo que a decisão que o admita, que lhe determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida, não vincula o tribunal superior – cf. artigo 414.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.

O presente recurso incide sobre o despacho de não pronúncia dos arguidos.
Incumbe, então, desde já indagar acerca da tempestividade ou intempestividade do recurso.
Dispunham os nºs 1, 3 e 4 artigo 411º do Código de Processo Penal (na redacção vigente quer à data do despacho recorrido quer à data do apresentação do recurso, ou seja, na redacção anterior à Lei nº 21/2013, de 21 de Fevereiro), que tem como epígrafe “Interposição e notificação do recurso”, na parte que aqui nos interessa:
1 - O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
2 – (…)
3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na acta, ser apresentada no prazo de 20 dias, contado da data da interposição.
4 - Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.
Com relevância para a decisão a proferir, em relação à questão prévia suscitada, há que explanar o que resulta dos autos quanto à tramitação/evolução do processo no âmbito da instrução, desde a inquirição de testemunhas, passando pelo debate instrutório, leitura da decisão instrutória e sua notificação, até à interposição de recurso.
Compulsados os autos, constata-se que:
- A inquirição de testemunhas nesta fase de instrução (cujos depoimentos foram objecto de gravação áudio) teve lugar nos dias 27.09.2012, 15.10.2012, 02.11.2012 (cfr. fls. 661-662, 666 e 711, respectivamente);
- O debate instrutório, teve lugar no dia 15/11/2012, tendo, logo após tal debate, sido proferido despacho a fixar o dia 06.12.2012, pelas 14 horas, para leitura da decisão instrutória [cfr. acta de fls. 722, da qual decorre terem estado presentes e sido notificados da data para a leitura da decisão instrutória, para além do Ministério Público, dos arguidos e respectivos mandatários, também o assistente e respectivo mandatário, sendo que em tal acta também ficou consignado que a leitura da decisão instrutória seria naquela data (06.12.2012, pelas 14 horas) “e não antes por impossibilidade de agenda dos Ils Mandatários da partes.”]
- Por requerimento-fax que deu entrada no tribunal no dia 16.11.2012, o ilustre mandatário do assistente veio informar que, no dia 06.12.2012 estaria impedido em audiência de julgamento no processo que como nº 118515/0YIPRT que corre termos pelo Tribunal da Comarca de Reguengos de Monsaraz. E nesse mesmo requerimento, no ponto 4. referiu “Não quer o signatário impedir a colaboração com o Tribunal, pelo que, requer que a decisão lhe seja enviada por fax, após a sua prolação” (cfr. fls. 723 e 624).
- A leitura da decisão instrutória teve lugar naquele agendado dia 06.12.2012, sendo que à mesma faltaram quer o assistente quer o seu ilustre mandatário (cfr. acta de leitura de decisão instrutória de fls. 748).
- Em 07.12.2012, por via postal registada (e sem que tivesse sido proferido qualquer despacho a determiná-lo), a secretaria do tribunal a quo enviou cópia da decisão instrutória para o ilustre mandatário do assistente (cfr. fls. 749):
- Também em 07.12.2012, por via postal simples com prova de depósito (e sem que tivesse sido proferido qualquer despacho a determiná-lo), a secretaria do tribunal a quo enviou cópia da decisão instrutória para o assistente (cfr. fls. 750).
- O recurso do despacho de não pronúncia foi enviado para o tribunal a quo, por correio registado no dia 14.01.2013 (cfr. talão de registo aposto na parte inferior de fls. 756)

Feita esta resenha da evolução dos autos, importará então, na sequência da questão prévia suscitada, decidir se o recurso é ou não extemporâneo.
Antes, porém, e por forma a poder responder a essa questão é necessário saber outras duas coisas:
a) A partir de que momento se conta o prazo de interposição de recurso?
b) Após a resposta a tal questão, há que saber qual o prazo de recurso: 20 ou 30 dias?
Tratemos então de responder à questão agora suscitada na alínea a).
Decorre do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal (na redacção vigente à data da decisão recorrida e da data de interposição de recurso) que o prazo para interposição de recurso se conta:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.”

A decisão instrutória proferida nestes autos (e constante de fls. 728 a 747vº) foi lida no dia 06.12.2012. Com efeito, compulsada a “ACTA DE LEITURA DE DECISÃO INSTRUTÓRIA” (constante de fls. 748) da mesma decorre, a dado passo:
 “Quando eram 14 horas e 10 minutos, pela Mma Juiz de Direito foi declarada aberta a presente audiência, tendo de seguida procedido à leitura da decisão instrutória.
                                                    *
Logo, todos os presentes foram devidamente notificados, tendo a audiência sido declarada encerrada quando eram 14 horas e 35 minutos”.

Ou seja, apesar de redigida por escrito em folhas que antecedem a própria acta da sua leitura – e por isso não constante a sua redacção na própria acta – para todos os efeitos tudo se passa como se decisão instrutória faça parte integrante da mesma acta ou, nas palavras da lei, tenha sido reproduzida em acta, tanto mais que desta resulta ter sido lida/proferida tal decisão.
E decorre do artigo 307º do Código de Processo Penal que a decisão instrutória é sempre lida, ou seja, é sempre oralmente comunicada.
Com efeito, dispõem os nºs 1 e 3 de tal artigo 307º:
1 - Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.
(…)
3 - Quando a complexidade da causa em instrução o aconselhar, o juiz, no acto de encerramento do debate instrutório, ordena que os autos lhe sejam feitos conclusos a fim de proferir, no prazo máximo de 10 dias, o despacho de pronúncia ou de não pronúncia. Neste caso, o juiz comunica de imediato aos presentes a data em que o despacho será lido, sendo correspondentemente aplicável o disposto na segunda parte do n.º 1.
Assim, dúvidas não há que o acto de leitura da decisão instrutória, tal como o comprova a respectiva acta, ocorreu no dia 06.12.2012.
Daqui decorre que, tendo em conta o que estabelece a alínea c) do nº 1 do artigo 411º - se o interessado estiver ou dever considerar-se presente - o prazo de recurso da decisão instrutória se conta a partir de tal leitura.
Não haverá dúvidas que no acto da leitura da decisão instrutória (tal como resulta da acta de fls. 748) não estava presente nem o assistente nem o seu mandatário.
Mas, apesar dessa não presença física, não deviam considerar-se presentes?
Entendemos que sim.
Em observância dos comandos ínsitos no nº 3 do artigo 297º do Código de Processo Penal, e compulsados os autos - tal como os demais sujeitos processuais - o assistente e o seu mandatário foram notificados para o debate instrutório que teve lugar no dia 15.11.2012 (cfr. fls. 711, 715 e 719), debate esse em que todos estiveram presentes, acto após o qual todos foram notificados de que a leitura de decisão instrutória teria lugar no dia 06.12.2012 (cfr. acta de debate instrutório de fls. 722).
E no acto dessa leitura de decisão instrutória, como vimos, não compareceram o assistente nem o seu mandatário.
Ora, essa não comparência, ou melhor, essa falta de comparência apenas é imputável aos faltosos assistente e seu mandatário, mas não ao tribunal (que até, conforme resulta da acta de fls. 722, tinha diligenciado na concertação de uma data compatível com a agenda de todos os ilustres mandatários).
Por isso, sendo a falta imputável apenas ao assistente e ao seu mandatário, tudo se tem que passar, para efeitos de contagem de prazo de interposição de recurso, como se estivessem presentes. Essa falta mais se não pode traduzir do que uma implícita renúncia do direito de estar presente. Aliás, não faria sentido, que um sujeito processual não comparecesse ao acto da leitura da decisão instrutória (para a qual tinha sido devida e pessoalmente notificado, como foi o caso) para depois pretender - em prejuízo da celeridade processual e dos demais sujeitos que compareceram - beneficiar de mais prazo, para impugnar tal decisão, do que aqueles que cumpriram os deveres de presença. Dar cobertura a essa não comparência seria incentivar o absentismo e beneficiar o infractor. Não é seguramente esse o espírito do legislador nem da letra da lei processual penal.
Daí que, no caso presente, e para aferir do momento a partir do qual se conta o prazo de recurso, temos que atender à especificidade da alínea c) do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal (e não ao regime geral decorrente da alínea a) do nº 1 de tal artigo). Nessa decorrência, o envio, por parte da secretaria do tribunal recorrido (ainda por cima sem qualquer despacho a ordená-lo) de cópia da decisão instrutória para o assistente e seu mandatário apenas pode ser entendido como um acto de cortesia e/ou transparência/informação, mas não como gerador ou constitutivo de qualquer direito ao alargamento de prazo de interposição de recurso.
E em apoio do que acabamos de expressar podemos citar, entre outros, os seguintes acórdãos, ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03-11-1998, em cujo sumário, é dito: “A Comunicação da data de leitura da decisão instrutória (adiada dada a sua complexidade) só serve para dar opção à parte de tomar conhecimento da decisão no acto, a partir do qual começa a correr o prazo do recurso ( ainda que haja posterior notificação pessoal da mesma decisão).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.03.1998, em cujo sumário, é dito: “A comunicação da data da leitura da decisão instrutória só pode servir para dar opção à parte de tomar conhecimento da decisão no acto, não podendo traduzir-se em alargamento do prazo de recurso para os que não compareçam, os quais se consideram notificados no acto da leitura.” (sublinhado nosso)
Por isso, apesar de não terem estado presentes no acto da leitura da decisão instrutória, tanto o assistente como o seu ilustre mandatário se devem considerar como presentes àquele acto. Aliás, inexiste qualquer normativo legal em que a falta dos mesmos - desde que devidamente notificados, quer ao debate instrutório (a situação de arguido já poderia ser diferente face ao que dispõe o artigo 300º do Código de Processo Penal) quer à leitura da decisão instrutória – fosse motivo para adiamento de qualquer desses actos.
Assim, por tudo o que atrás dissemos, no caso em apreço, tanto o assistente como o seu mandatário se têm de considerar como presentes à leitura da decisão instrutória, para efeitos da contagem do prazo de interposição de recurso a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal.
Nessa medida, o prazo de interposição de recurso da decisão instrutória conta-se a partir da data em que a mesma foi proferida - ou seja tendo sido proferida no dia 06.12.2012, o prazo de recurso iniciou-se no dia 07.12.2012.

Assente esta premissa, teremos agora que responder à outra questão que atrás tínhamos deixado em aberto [(como alínea b)] e que consiste em saber qual era o prazo de recurso da decisão instrutória proferida nos autos: Era de 20 ou 30 dias?
Salvo o muito devido respeito por opinião contrária, e tendo em conta a lei processual penal vigente à data da decisão instrutória e do recurso, o prazo de interposição de recurso de um despacho de não pronúncia (como foi o caso dos autos) era de 20 dias, e não de 30 dias (apesar de ter gravação do depoimento das testemunhas ouvidas em instrução).
Sendo, na altura, o prazo para interposição de recurso de 20 dias (cfr. o já citado nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal na redacção anterior à já mencionada Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro), tal prazo terminava no dia 08/01/2013 (repare-se que entre 22 de Dezembro de 2012 e o dia 3 de Janeiro de 2013 decorreram as férias judiciais de Natal) ou, nos três primeiros dias úteis subsequentes (9, 10 e 11 de Janeiro de 2013) por força do que dispõe o artigo 145º nº 5 do Código de Processo Civil e com a sanção a que alude o artigo 107º do Código de Processo Penal.
Como atrás mencionámos, o recurso foi enviado por correio registado, no dia 14/01/2013, ou seja muito para além daquele prazo de 20 dias e dos três dias úteis posteriores a esse prazo. Mais concretamente, o recurso foi apresentado no 26º dia posterior ao da leitura da decisão instrutória.

É certo que do já citado nº 4 do artigo 411º do Código de Processo Penal (na redacção vigente à data da decisão instrutória e do recurso) decorria que o prazo de recurso podia ser de 30 dias, caso fosse impugnada decisão relativa à matéria de facto e tenha por objecto a “reapreciação da prova gravada”. Caso esta hipótese ocorresse no presente processo (o que não é o caso porque a decisão recorrida se trata de um despacho e não de uma sentença ou acórdão), o prazo de interposição de recurso terminaria só no dia no dia 18/01/2013 – ou seja, nessa perspectiva seria tempestivo.
Todavia, poderia a recorrente - ao invocar, na sua motivação, o erro na apreciação ou valoração da prova, trazendo à colação os esclarecimentos que o Senhor Perito prestou no dia 2 de Novembro de 2012, cujo depoimento está gravado, com início de gravação às 14.30.33 e termo às 15.46.46 e que aqui se reproduz:” (seguindo-se 23 páginas de transcrição do depoimento do referido perito e inseridas na motivação de recurso) - beneficiar do alargamento do prazo de recurso para 30 dias para reagir a um despacho de não pronúncia?
Estamos bem cientes que não, uma vez que o alargamento do prazo para o recurso, direccionado à reapreciação da prova gravada é restrito à prova produzida em sede de audiência de julgamento (e não à eventuais declarações de testemunhas ou peritos ouvidos em sede de diligências de instrução), desde logo pelo que estabelece o artigo 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, sendo que este nº 4 remete para o artigo 364º nº 2 (ou seja para a documentação das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento).
E em apoio do que afirmamos, em anotação ao artigo 411º do “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 2ª edição, Coimbra Editora, pag. 1265, diz, textualmente, Vinício Ribeiro: “Note-se, igualmente, que a questão do prazo de recurso em que se visa a reapreciação da prova gravada sempre se pôs apenas em relação à sentença (…) e não ao recurso de outros despachos (v.g. despacho de não pronúncia; aliás se bem repararmos, só com a revisão de 2007 é que foi alterada a redacção do artigo 296.º, que possibilitou que as diligências de prova da instrução fossem gravadas; antes eram apenas reduzidas a auto, logo a questão nem se poderia colocar”).
E a jurisprudência a que conseguimos ter acesso vai toda no mesmo sentido de que o prazo alargado de recurso apenas tem aplicação em relação à sentença (ou acórdão) e não relativamente a uma decisão de não pronúncia.
A este propósito o Ac do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2012, (in www.dgsi.pt) a dado passo refere: «A expressão “prova gravada”, constante do nº 4, do art. 411º, do cód. proc. penal, refere-se a prova oralmente produzida em audiência de julgamento.
O prazo alargado de recurso (30 dias), previsto naquele preceito legal, não é aplicável ao recurso interposto do despacho de não pronúncia, pois neste não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada.
Como é sabido, não existe hoje qualquer controvérsia quanto ao entendimento de que o recurso sobre a decisão instrutória (seja ela de pronúncia ou não pronúncia) é de 20 dias, sendo inaplicável a previsão do nº 4 do artº 411º do cód. procº penal de alargar o recurso para o prazo de 30 dias.»
Por também nos revermos na argumentação aí expendida transcrevemos o que a propósito ficou consignado na douta decisão sumária proferida, em 04/01/2012, pelo Exmo Desembargador Neto de Moura, no âmbito do Processo nº 213/10.7TDLSB.L1-5, do Tribunal da Relação de Lisboa (acessível através do site www.dgsi.jtrl.pt), e reportada a um recurso de decisão instrutória de não pronúncia, decisão que, quer por ser bem elucidativa, quer também por nossa comodidade de exposição, será citada em grande parte também pelo facto de ali já constarem citações doutrinais e jurisprudenciais pertinentes que, assim nos dispensaremos de mais tarde mencionar a propósito desta questão.
Assim, ali é dito, a dado passo: «O citado n.º 4 do art. 411.º do Cód. Proc. Penal alude à “prova gravada” e temos por seguro e certo que, com esta expressão, pretendeu-se referir a prova oralmente produzida em audiência de julgamento (que, nos termos do disposto nos artigos 363.º e 364.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, é obrigatoriamente documentada através de gravação magnetofónica ou audiovisual).
Nas chamadas fases preliminares do processo não existe, propriamente, prova, mas sim indícios probatórios (ou prova indiciária), pois que “atribui a lei a força de prova apenas aos meios de prova que sejam produzidos, examinados e sujeitos a contradição em julgamento (art. 355 CPP)”
Como ensina o Professor G. Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, 148), “a prova indiciária (indiciação suficiente) permite a sujeição a julgamento, mas não constitui prova, no significado rigoroso do conceito, pois que aquilo que está provado já não carece de prova e a acusação e a pronúncia tornam apenas legítima a discussão judicial da causa”. 
Por outro lado, o segmento da norma do n.º 4 do artigo 411.º (“se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada…”) remete-nos para os n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º, ainda do Cód. Proc. Penal, que contêm directrizes muito precisas e exigentes para o recorrente que pretenda impugnar “a decisão proferida sobre matéria de facto”.
Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (cfr. n.º 3 do citado art. 412.º):
§ os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido (obrigação que “só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida”;
§ as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”).
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque (Loc. Cit.), “o cerne do dever de especificação”, com o que se visa impor-lhe “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado”.
O ónus de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida impõe ao recorrente que, por referência ao consignado na acta, indique concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.).
É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias.
Ora, como se refere no acórdão do TRC, de 19.11.2008 (Relator: Des. Jorge Simões Raposo), cujo sumário vem transcrito no citado Código anotado e comentado de Vinício Ribeiro, o recorrente só pode prevalecer-se do prazo fixado no n.º 4 do art.º 411.º se, além do mais, b) “estiver em causa uma reapreciação, o que pressupõe que exista uma prévia apreciação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, em relação ao qual o Recorrente pretende exprimir a sua discordância; c) estiver em causa uma decisão final sobre matéria de facto, já que a reapreciação da prova gravada é indissociável do recurso sobre matéria de facto e este só se compreende em relação à sentença que, a final, após audiência de julgamento, conheça de facto e de direito”. 
Na instrução (tal como no inquérito) não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão só a recolha de indícios de que um crime foi cometido e de quem foi o seu agente.
Os elementos de prova, nessas fases, ditas preliminares, têm por função habilitar o tribunal a decidir se estão verificados os pressupostos necessários para que o processo prossiga para julgamento, e não a conhecer do mérito da causa.
Na decisão instrutória, o juiz de instrução, com base na prova indiciária recolhida durante o inquérito e a instrução, elenca os factos que considera indiciados e os que não considera suficientemente indiciados.
Não há “matéria de facto provada”, ou melhor, não há uma decisão sobre matéria de facto, pois não é do mérito da causa que cumpre ao juiz de instrução conhecer.
Neste sentido, o acórdão do TRL, de 17.04.2009 (Relator: Des. Vieira Lamim), a cuja fundamentação aderimos sem reservas e cujo sumário (transcrito por Vinício Ribeiro, op. cit., 1288) aqui reproduzimos, na íntegra:
I – O prazo de trinta dias para recurso, previsto no n.º 4 do art. 411.º do CPP, só é aplicável se aquele tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, em relação a uma decisão proferida sobre matéria de facto (n.º 3 do art. 412.º), o que só acontece na sentença (daí a referência do n.º 4, do art. 412.º ao art. 364.º, n.º 2).
II – Compreende-se o alargamento do prazo de recurso em caso de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, constante de sentença, pois em relação a esta, e não a qualquer despacho, ocorrem as exigências do art. 374.º, n.º 2, do CPP (enumeração dos factos provados e não provados, com indicação e exame crítico das provas), susceptíveis de justificar impugnação com as especificações previstas nos n.ºs 3 e 4, do art. 412.º
III – Ao recurso do despacho de não pronúncia, não é aplicável o alargamento de prazo previsto no n.º 4 do art. 411.º, pois neste despacho não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não estando o recorrente onerado com aquelas exigências dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º.»

Evidenciadas estas considerações doutrinais e jurisprudenciais que perfilhamos, e tendo em conta a lei processual penal vigente à data da decisão recorrida e do recurso, é este também o nosso entendimento quanto à inaplicabilidade do alargamento do prazo de recurso para 30 dias a que se reporta o nº 4 do artigo 411º do Código de Processo Penal, quando na origem de tal recurso esteja um despacho de não pronúncia.
Daí que, o prazo para reagir de tal despacho teria que ser o prazo normal do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal – na altura o prazo normal de 20 dias.
É certo que por força das alterações introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, a qual entrou em vigor no dia 23.03.2013, no âmbito do processo penal, deixou de haver diferenciação de prazos para o recurso. O corpo do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal sofreu alteração e dele passou a constar que o prazo para interposição de recurso “é de 30 dias” (em vez dos “20 dias” dias que em tal normativo constavam antes dessa alteração legislativa).
Todavia, essa alteração não se aplica na situação dos autos, porquanto a decisão recorrida foi proferida no domínio da “lei velha” e no domínio da mesma “lei velha “decorreu e terminou o prazo de recurso. E neste exacto sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Évora, de 18.06.2013 (Proc nº 24/10.0GBPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt) que: “O alargamento do prazo previsto no nº 1 do artº 411º do CPP, introduzido pela Lei 20/2013, de 21/2, não abrange a situação em que o prazo de interposição do recurso se esgotou no domínio da lei antiga.”
E já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 18/10/2007 (Processo 07P2585, rel. Simas Santos), disponível em www.dgsi.pt, dizia que “O eventual alargamento da recorribilidade já não será susceptível de aplicação quando o prazo de interposição de recurso se esgotou no domínio da lei antiga”.
Face a isto, o último dia para a prática do acto – recurso em 20 dias por incidir sobre um despacho de não pronúncia – ocorreu em 08/01/2013.
Assim, ao ter sido interposto apenas no dia 14/01/2013, resulta manifesto que o recurso é extemporâneo.
Daí que, e sem necessidade de mais aprofundadas considerações, sendo, à data, de 20 dias o prazo de interposição do recurso em causa, e tendo sido esse prazo clara e indubitavelmente ultrapassado pelo recorrente, conclui-se pela extemporaneidade do recurso o que desencadeia a respectiva rejeição, em conformidade com o disposto nos arts. 420 nº 1 b), com referência ao preceituado no artigo 414º nºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal.

Foram estes os argumentos evidenciados pelo relator na decisão sumária reclamada que, depois do julgamento em conferência, adiantamos, será de manter, pois continuamos a entender que se verifica questão prévia que obsta ao conhecimento do mérito, por o recurso ser extemporâneo
E aos fundamentos daquela decisão sumária ainda se acrescentarão mais uns breves argumentos no sentido do afastamento da pretendida produção de efeitos (destituída de suporte legal ou de despacho judicial e em prejuízo dos arguidos) derivada do envio, pelo correio, de cópia da decisão instrutória quer ao assistente quer ao seu ilustre mandatário.
É certo que, tal como dissemos na decisão reclamada, em 07.12.2012, por via postal registada (e sem que tivesse sido proferido qualquer despacho judicial a determiná-lo), a secretaria do tribunal a quo enviou cópia da decisão instrutória para o ilustre mandatário do assistente (cfr. fls. 749). E também é certo que impresso/expediente de notificação consta que “(A presente notificação presume-se feita no 3º dia útil posterior ao do envio – art.º 113º nº 2 do C.P.P.)”
 E também em 07.12.2012, por via postal simples com prova de depósito (e sem que tivesse sido proferido qualquer despacho judicial a determiná-lo), a secretaria do tribunal a quo enviou cópia da decisão instrutória para o assistente (cfr. fls. 750). E nesse impresso/expediente de notificação consta: “A presente notificação considera-se efectuada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário, constante do subscrito.”
Todavia, para além de inexistir qualquer despacho judicial a determinar a notificação da decisão instrutória, tal como foi dito na decisão reclamada “o envio, por parte da secretaria do tribunal recorrido (ainda por cima sem qualquer despacho a ordená-lo) de cópia da decisão instrutória para o assistente e seu mandatário apenas pode ser entendido como um acto de cortesia e/ou transparência/informação, mas não como gerador ou constitutivo de qualquer direito ao alargamento de prazo de interposição de recurso”. Se de tais impressos constasse que o prazo de recurso começaria a correr a partir da notificação é que poderiam suscitar-se dúvidas pelas expectativas que pudessem ser criadas com um (na prática) aumento do prazo de recurso. Mas como esta hipótese (alusiva a qualquer recurso ou prazo de recurso) não consta dos impressos nem sequer se coloca a questão.
Voltando ao que tem interesse, podemos dizer que, por acaso, o envio dessas cópias da decisão instrutória, por parte da secretaria judicial, até teve lugar logo no dia seguinte àquele em que foi lida a decisão instrutória. E se, por iniciativa da secretaria (ou melhor sem qualquer despacho judicial a determiná-lo) tivesse tido lugar apenas na semana seguinte? Ou no mês seguinte? Ou dois meses depois? Em qualquer destas situações criaria alguns direitos para o notificado em beneficiar de mais prazo para interpor recurso?
Entendemos que não.
E em apoio desta resposta negativa, voltam-se aqui a citar os já mencionados sumários dos  Acórdãos da Relação de Lisboa de 04/03/1998 e de 03/11/1998 (ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt), sendo que em relação ao primeiro consta:
A comunicação da data da leitura da decisão instrutória só pode servir para dar opção à parte de tomar conhecimento da decisão no acto, não podendo traduzir-se em alargamento do prazo de recurso para os que não compareçam, os quais se consideram notificados no acto da leitura.” (sublinhado nosso)
E em relação ao segundo consta:
A Comunicação da data de leitura da decisão instrutória (adiada dada a sua complexidade) só serve para dar opção à parte de tomar conhecimento da decisão no acto, a partir do qual começa a correr o prazo do recurso ( ainda que haja posterior notificação pessoal da mesma decisão).
Por isso, tal como foi dito na decisão reclamada, apesar de não terem estado presentes no acto de leitura da decisão instrutória, mas tendo sido pessoalmente notificados para a data dessa mesma leitura (sem que nessa altura da notificação tivessem colocado alguma objecção), tanto o assistente como o seu ilustre mandatário se devem considerar presentes àquele acto de leitura da decisão instrutória. A falta da sua presença física apenas aos mesmos é imputável. Por isso, tendo sido pessoalmente notificados para a data da leitura da decisão instrutória, e apesar de terem faltado à mesma, não tem razão o reclamante em trazer à colação o nº 9 do artigo 119º do Código de Processo Penal, uma vez que se têm por notificados da decisão instrutória que foi proferida/lida na data que tinha sido anunciada. E essa mesma consideração de presença ocorreria, de idêntico modo, caso se tratasse de uma falta a uma leitura de sentença.
A alegação feita agora na reclamação de que, no dia 6 de Dezembro de 2012, a decisão instrutória não estava disponível em texto apenas poderá ter sentido até ao momento que antecedeu a respectiva leitura (ou seja até antes das 14.10 horas) ou, no máximo até às 14.35 horas. Após as 14.10 horas, tal como consta da acta de fls. 748 é que a Mma Juiz procedeu à leitura da decisão instrutória (que consta nos autos a fls. 728 a 747) leitura essa que findou pelas 14horas e 35 minutos. E tal como refere o arguido A...na resposta à reclamação “A mesma (decisão instrutória) encontrava-se disponível, tivesse o assistente comparecido”.
Por isso, sendo a falta imputável apenas ao assistente e ao seu mandatário, tudo se tem que passar, para efeitos de contagem do prazo de interposição de recurso como se estivessem presentes.
Como foi dito na decisão sumária reclamada: “Essa falta mais se não pode traduzir do que uma implícita renúncia do direito de estar presente. Aliás, não faria sentido, que um sujeito processual não comparecesse ao acto da leitura da decisão instrutória (para a qual tinha sido devida e pessoalmente notificado, como foi o caso) para depois pretender - em prejuízo da celeridade processual e dos demais sujeitos que compareceram - beneficiar de mais prazo, para impugnar tal decisão, do que aqueles que cumpriram os deveres de presença. Dar cobertura a essa não comparência seria incentivar o absentismo e beneficiar o infractor. Não é seguramente esse o espírito do legislador nem da letra da lei processual penal.”
Fixando a lei os factos que determinam o início de um prazo judicial, não pode ser um mero ato de funcionário que vai “alterar” a lei.
E a este propósito, embora reportando-se a uma situação de notificação de um acórdão condenatório a uma arguida que não esteve presente à respectiva leitura (mas que por maioria de razão se pode adequar a uma falta de um assistente e seu mandatário a uma leitura de decisão instrutória, dado que a falta destes nem sequer é motivo de adiamento ou de qualquer substituição de mandatário), pode ver-se o Acórdão desta Relação de 10/07/2013, proferido no Proc. nº 430/08.0JACBR.C1 (acessível in www.dgsi.pt) em cujo sumário é dito:
1. - Os prazos de interposição de recurso são prazos legais perentórios, que não podem ser alterados por mero arbítrio quer do juiz quer de funcionário judicial.
2. Tendo o julgamento decorrido com a presença da arguida e sua defensora e tendo sido designada data para a leitura do acórdão, a que compareceu apenas a defensora, deve considerar-se que a sentença foi notificada à arguida no dia da sua leitura, na pessoa da mandatária.
3.- A notificação da arguida que posteriormente foi solicitada à entidade policial do conteúdo do acórdão, trata-se de um ato facultativo, não obrigatório por lei, que em nada, de per si, altera o prazo legal de recurso”.
Daqui decorre que, e na sequência do que já havia sido dito na decisão reclamada, tendo em conta o que estabelece a alínea c) do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal – “se o interessado estiver ou dever considerar-se presente” – o prazo de recurso da decisão instrutória se conta a partir da leitura da mesma, leitura essa que ocorreu no dia 06/12/2012 (cfr. acta de leitura de decisão instrutória constante de fls. 748).
Assim, tal como melhor foi desenvolvido na decisão reclamada (e na parte que releva se encontra supra transcrita) como o assistente e seu mandatário se devem ter como considerados presentes àquela leitura, o prazo de interposição de recurso da decisão instrutória conta-se a partir da data em que a mesma foi proferida - ou seja tendo sido proferida no dia 06.12.2012, o prazo de recurso iniciou-se no dia 07.12.2012.
E sendo tal prazo – quer à data da decisão recorrida quer à data do recurso apresentado - de 20 dias (conforme se mostra explanado/explicado na decisão reclamada e nem o reclamante o põe em causa), tal prazo terminava no dia 08/01/2013 (repare-se que entre 22 de Dezembro de 2012 e o dia 3 de Janeiro de 2013 decorreram as férias judiciais de Natal) ou, quanto muito, nos três primeiros dias úteis subsequentes (9, 10 e 11 de Janeiro de 2013) por força do que na altura dispunha o artigo 145º nº 5 do Código de Processo Civil (e hoje dispõe o artigo 139º nº 5 do novo Código de Processo Civil) e com a sanção a que alude o artigo 107º do Código de Processo Penal.
Constando-se que o recurso foi enviado por correio registado, no dia 14/01/2013, ou seja muito para além daquele prazo de 20 dias e dos três dias úteis posteriores a esse prazo, é manifesto, tal como mencionado na decisão sumária, que o recurso foi extemporaneamente apresentado.
Em suma, não podendo ser dada razão alguma no sentido proposto pelo reclamante, impõe-se que a decisão sumária deve, e vai, ser mantida.

III.  DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em indeferir a reclamação apresentada pelo assistente, mantendo-se integralmente a decisão sumária proferida pelo relator que havia rejeitado, por extemporâneo, o recurso apresentado pelo assistente.
Custas da reclamação pelo recorrente/reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC´s (artigo 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a Tabela III anexa a tal Regulamento)

                                         *
                                         *
Coimbra, 27 de Novembro de 2013

 (Luís Coimbra - Relator)
 (Isabel Silva)