Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1195/11.3TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 287º, N.º 3, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O n.º 3, do artigo 287º, do Código de Processo Penal, estabelece que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Insere-se na inadmissibilidade legal da instrução, nomeadamente, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, perante a não dedução de acusação pública, que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que imputa ao arguido e pelos quais pretende que este venha a ser pronunciado.
A conclusão não se altera perante a remissão para o auto de notícia ou para a denúncia que tenham dado origem ao processo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I)
1. O presente processo, a correr termos na Comarca de Leiria, teve origem em denúncia/queixa apresentada por A..., por si e na qualidade de legal representante da sociedade W..., Unipessoal, L.da, contra os arguidos B... e C..., todos melhor identificados nos autos.
Realizado inquérito, o mesmo veio a culminar na prolação de despacho onde, pelas razões aí expendidas, se determinou o arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, “por falta de indícios suficientes para a prática de crime” (fls. 120 e seguintes).
O queixoso, notificado de tal despacho, veio requerer, nas aludidas qualidades, a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, nos termos de fls. 170 e seguintes.
Depois de admitida a sua constituição como assistente, foi proferido despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal (fls. 213 a 218).
2. Não se conformando com o mesmo, o assistente interpôs o recurso agora em apreciação.
Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões:
1.ª Os factos denunciados pela Queixosa e imputados aos Arguidos não sofreram qualquer alteração no inquérito.
2.ª Pelo contrário, foram confirmados e mesmo admitidos pelo Arguido B... e confirmados nas diligências.
3.ª Foi este Arguido quem introduziu, em declarações, uma questão lateral segundo a qual foi o Arguido C... quem falsificou os documentos mas que isso teria ocorrido na presença e com o consentimento do legal representante da Queixosa, tendo o MP, sem mais, aceite e dado todo o crédito a tal afirmação de arguido, procedendo ao arquivamento do processo de inquérito depois de retirar conclusões inadmissíveis.
4.ª Foi só e exclusivamente por causa disso que a Queixosa requereu a abertura de instrução já que todos os factos da queixa se revelaram capazes de, em julgamento, resultarem na condenação dos Arguidos por consubstanciarem a prática dos crimes de abuso de confiança, burla e falsificação.
5.ª O senhor Juiz recorrido ao proferir despacho que indefere o requerimento por, segundo afirma, não terem sido indicados os factos com indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar, das duas uma: ou não entendeu que a matéria objecto do requerimento era e só podia ser a referente à alegada presença e consentimento do legal representante aquando da falsificação, ou então socorre-se de inadmissível formalismo não expresso na lei segundo o qual deviam ser enunciados e descritos todos os factos novamente mesmo aqueles da queixa (são todos) que não foram minimamente contrariados no Inquérito, pelo contrário, pelo contrário, levando-os assim a uma instrução perfeitamente inútil.
6.ª No seu requerimento a Queixosa indicou as razões por que discorda do MP que decidiu pelo arquivamento só porque o Arguido B... afirmou que o legal representante da Queixosa este presente e concordou com a falsificação, o que a ter acolhimento só por si, como no caso, levaria à legítima conclusão de que a maior parte dos inquéritos neste país seriam arquivados.
7.ª Não tinha, pois, a Queixosa que repetir, no âmbito do requerimento de instrução, os factos que não eram objecto de discordância ou dúvida, como sejam todos os praticados pelos Arguidos com o intuito concertado de obterem proveito pecuniário por via judicial à custa da Queixosa, depois de terem causado prejuízo com a inclusão do Arguido B... nas “folhas de férias” da Queixosa para a Segurança Social com pagamentos à custa desta, tudo por recurso à falsificação de assinaturas e documentos.
8.ª O único facto sobre que devia e deve recair a instrução é o da alegada presença e concordância do legal representante da Queixosa na ocasião da falsificação.
9.ª Em todo o caso e sem admitir a correcção e bondade do despacho, sempre o senhor Juiz recorrido, ex officio, devia ter notificado a Queixosa para, nos termos do Artº 508º do Cód. proc. Civil ex vi Artº 4º do CPP, completar e/ou aperfeiçoar o seu requerimento, sendo que não se entende onde estaria a anomalia, além de que,
10.ª Anomalia será postergar a verdade material privilegiando um difuso conceito formalista não caracterizado e muito menos apoiado com o que, ao fim e ao cabo, se denega justiça.
11.ª Aliás, a norma imperativa e de enunciado taxativo do n.º 3 do Artº 287º do CPP impede o indeferimento fora dos casos nele previstos e não é nenhum deles o caso dos autos.
12.ª Portanto, se incorrecção havia, impunha-se ao Juiz de instrução que notificasse nos termos e para efeitos como fica na conclusão 9ª já que lhe estava, como está vedado rejeitar/indeferir pelos motivos que aponta no despacho.
13.ª Entre outras, o despacho em crise violou as normas elencadas dos Artigos 283º, n.º 3, 289º, n.º 1, 287.º, n.ºs 2 e 3, estes do CPP e 508º do Cód. Proc. Civil ex vi Artº 4º do CPP.
Termina pretendendo que, dando-se provimento ao recurso, se revogue o despacho recorrido, ordenando-se que seja aberta a instrução relativamente ao facto trazido pelo Arguido B... segundo o qual o legal representante da Queixosa teria estado presente e consentido na falsificação dos documentos levada a cabo pelo Arguido C..., apreciando-se nessa sede os documentos e ouvindo-se as testemunhas juntos e arroladas para o efeito em de bate a marcar, seguindo-se os ulteriores termos previstos no artigo 289.º e seguintes do Código de Processo Penal.
3.1 O Ministério Público apresentou resposta onde, expressando a sua concordância na íntegra com a decisão proferida e seus fundamentos, sem nada mais a acrescentar, entende que o despacho recorrido deve manter-se e, consequentemente, deve ser negado o provimento ao recurso.
3.2 Apenas o arguido B... apresentou resposta, concluindo também ele que o despacho recorrido não merece qualquer censura ou reparo, pelo que deverá manter-se, negando-se o provimento ao recurso.
3.3 O Sr. Juiz de Instrução Criminal proferiu despacho sustentando o despacho recorrido.
3.4 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, emitiu parecer onde concluiu que deve manter-se o despacho recorrido.
Notificado nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.
4. Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Neste enquadramento, o objecto do presente recurso consubstancia-se na apreciação da seguinte questão:
§ Determinar se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente deveria ou não ter sido rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal; neste âmbito se apreciará a admissibilidade do convite ao aperfeiçoamento.
II)
1. Enquadramento legal.
No âmbito do processo penal e perante o despacho proferido pelo Ministério Público, determinando o arquivamento do inquérito, o assistente tem ao seu alcance diferentes procedimentos, alternativos.
Assim, pode requerer a abertura de instrução, se o procedimento não depender de acusação particular (portanto, no caso de crimes de natureza pública e semi-pública), relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação [artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal]; se optar por não requerer a abertura de instrução, pode suscitar a intervenção hierárquica (artigo 278.º, n.º 2, do mesmo diploma legal).
Releva aqui a primeira opção.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.
Ao requerimento do assistente e sempre de acordo com a norma antes citada, é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) – isto é, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
Importa realçar que, abstendo-se o Ministério Público de acusar (é este um pressuposto essencial para legitimar a intervenção do assistente), o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente terá de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, para possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório, bem como a elaboração da decisão instrutória.
Não satisfaz essa exigência o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente e do qual não constem expressamente os elementos mencionados nessas alíneas b) e c) do artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
A necessidade da suficiência do requerimento de abertura de instrução e a sua relevância expressam-se, nomeadamente, nos termos dos artigos 303.º, n.º 1, e 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Na primeira das normas, estabelece-se o procedimento perante a alteração dos factos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução; tais procedimentos – diferentes, consoante se trate de uma alteração não substancial ou de uma alteração substancial dos factos – exigem e pressupõem a descrição precisa de factos, o que mais se acentua quando estamos perante a abstenção de acusação pelo Ministério Público. Na segunda das normas citadas estabelece-se que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.
O n.º 3 do citado artigo 287.º do Código de Processo Penal estabelece que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Insere-se na inadmissibilidade legal da instrução, nomeadamente, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, perante a não dedução de acusação pública, que não contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que imputa ao arguido e pelos quais pretende que este venha a ser pronunciado.
A conclusão não se altera perante a remissão para o auto de notícia ou para a denúncia que tenham dado origem ao processo.
Chamado a apreciar a norma do artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 358/2004, publicado no Diário da República, II Série, n.º 150, de 28 de Junho de 2004, concluiu pela não inconstitucionalidade da norma em apreciação, expressando o seguinte entendimento:
«Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe (…) uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287.º, n.º 2, remeta para o artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.
Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada.
(…) [A] exigência de rigor na delimitação do objecto do processo (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.
De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo.
Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.»
Suscita-se a questão de saber se, perante esta omissão, é admissível o convite ao aperfeiçoamento. A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido» – Acórdão n.º 7/2005, de 12 de Maio de 2005, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 212, de 4 de Novembro de 2005.
Nos termos deste acórdão, «o preenchimento das lacunas em processo penal pelo recurso ao processo civil, ao princípio da cooperação, conhece um intransponível limite: o da não harmonização das finalidades descritas quanto ao último ramo de direito àqueloutro, por força do artigo 4.º do CPP.
(…) A falta de narração de factos na acusação conduz à sua nulidade e respectiva rejeição por ser de reputar manifestamente infundada, nos termos dos artigos 283.º, n.º 3, alínea b), e 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), do CPP.
A manifesta analogia entre a acusação e o requerimento de instrução pelo assistente postularia, em termos de consequências endoprocessuais, já que se não prevê o convite à correcção de uma acusação estruturada de forma deficiente, quer factualmente quer por carência de indicação dos termos legais infringidos, dada a peremptoriedade da consequência legal desencadeada – o ser manifestamente infundada, igual proibição de convite à correcção do requerimento de instrução, que deve, identicamente, ser afastado.
(…) O convite à correcção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direitos fundamentais, em ofensa ao estatuído no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, que importa não sancionar.
Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Professor Germano Marques ., in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, p. 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto, e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal, substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos, enraizaria em si uma função deles indagatória, num certo pendor investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado, consequenciando, como, com proficiência, salienta a ilustre procuradora-geral-adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, «uma necessária e desproporcionada diminuição das garantias de defesa do arguido», importando violação das regras dos artigos 18.º e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusado do arguido, deferindo-se-lhe, contra legem, a titularidade do exercício da acção penal.
(…) O requerimento de abertura de instrução nenhuma similitude apresenta com a petição inicial em processo cível, em termos de merecer correcção, enfermando de deficiências, nos termos do artigo 508.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por, se com aquela se introduz, inicia, o pleito em juízo, é com a queixa que se inicia o processo, cabendo ao requerimento de abertura de instrução uma exposição dos factos que, comprovados, com a maior probabilidade, tal como sucede com os vertidos na acusação, sugerem que o arguido, mais do que absolvido, será condenado, numa óptica de probabilidade em alto grau de razoabilidade, inconfundível com uma certeza absoluta, aquela excludente de as coisas terem acontecido de dada forma prevalente, em detrimento de outra».
Este entendimento é secundado, entre muitos outros, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2006 (processo 06P3526) e de 20 de Junho de 2012 (processo 8/11.0YGLSB.S2), e deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de Junho de 2012 (processo 135/10.1TALSA.C1) e de 26 de Outubro de 2011 (processo 30/10.4TAFVN-A.C1), todos disponíveis na base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt). No mesmo sentido se pronuncia Maia Gonçalves (“Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 17.º edição, página 692, em anotação ao artigo 287.º).
Igualmente chamado a apreciar a constitucionalidade do artigo 287.º do Código de Processo Penal perante este entendimento, o Tribunal Constitucional decidiu:
«Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas)».
Neste acórdão afirma-se, em sede de fundamentação:
«Ao determinar que “o requerimento [de abertura de instrução] não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à [...] não acusação”, o n.º 2 do artigo 287.º do CPP está a definir um pressuposto de admissibilidade, por parte do tribunal, do acto praticado pelo assistente no processo que, para além de ser – como qualquer outro pressuposto processual – um meio de funcionalização do sistema no seu conjunto, é, pelo seu teor, necessário, face às exigências decorrentes dos princípios fundamentais da Constituição em matéria de processo penal. Face à legitimidade (digamos assim) “reforçada” de que dispõe, portanto, o legislador ordinário para fixar esse pressuposto – exigindo o seu cumprimento por parte do assistente – não se afigura excessiva ou desproporcionada a norma sob juízo, aplicada pela decisão recorrida: a Constituição não impõe um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, que, fora dos casos previstos no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, não cumpra os requisitos exigidos pelo n.º 2 do mesmo preceito.
Assim é, tanto mais se se considerarem os efeitos que, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º do CPP, decorrem da apresentação do requerimento de abertura de instrução. Por tal apresentação implicar, ipso facto, a constituição de arguido (com todas as consequências que daí resultam para a protecção das garantias de defesa), não é jurídico-constitucionalmente irrelevante o tempo em que ela é feita. Precisamente por esse motivo fixa a lei um prazo – que é de 20 dias a contar da notificação do arquivamento do inquérito (artigo 287.º, n.º 1 do CPP) – para o assistente apresentar o requerimento de abertura de instrução.
A dilação desse prazo, que seria potenciada pela necessidade de formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, viria afectar os direitos de defesa do arguido, porquanto a peremptoriedade do prazo funciona em favor do arguido e dos seus direitos de defesa (v., nesse sentido, acórdão do STJ n.º 7/2005, já citado, pág. 6344). Além disso, o convite à correcção dilataria o termo final do desfecho da instrução. A relevância jurídico-constitucional desses dois aspectos do regime legal relaciona-se não apenas com os direitos de defesa do arguido, tal como constitucionalmente tutelados, mas decorre também de valores constitucionalmente atendíveis tais como o princípio da celeridade processual. Mais outra razão, portanto, para que a opção legislativa pela inexigibilidade da formulação de tal convite seja tida como constitucionalmente legítima».
Não se vê que haja razões válidas para alterar o entendimento que se vem expondo, pelo que à sua luz se apreciará a questão que se discute no presente recurso.
2.1 Como anteriormente se mencionou, o presente processo teve origem em denúncia apresentada por A..., por si e na qualidade de legal representante da sociedade W..., Unipessoal, L.da, contra os arguidos B... e C..., pretendendo a instauração de procedimento criminal contra os mesmos.
Concluído o inquérito, foi proferido o despacho de arquivamento, por se entender que os factos que possam considerar-se indiciados não são suficientes para configurar a prática de crime pelos arguidos.
Perante o arquivamento do inquérito, o assistente apresentou requerimento para abertura de instrução onde, depois de expressar o entendimento de que o aludido despacho «não só não curou de considerar todos os factos denunciados que constituem a prática delituosa dos arguidos, como a pouca matéria encarada a remeteu para o âmbito da inconsideração atendendo incompreensivelmente por confronto com o que qualifica de simples versões dos factos, de um lado a que foi apresentada e documentada pelos Queixosos e, de outra banda, a que resultou do depoimento do Arguido B...» e de concluir perante outras considerações que «todo o despacho não passa, esse sim, de suposições geradoras de “realidade diferente” e inconsistente», afirma que «Toda a problemática (em) que (se) envolve o despacho do Ministério Público engloba duas vertentes:
- uma: do aparecimento dos documentos em Espanha dentro de um camião da Queixosa que lhe tinha sido roubado.
- outra: da feitura/elaboração dos documentos e sua assinatura pelo arguido C... . (Contabilista da própria Queixosa).
Comecemos pelo aparecimento dos documentos dentro de camião roubado em Espanha.
No dia 26/09/2009, às 16:38 horas o veículo (DAF matrícula … ), conduzido por F..., circulava no Pais Basco e foi interceptado pela polícia que o imobilizou devido a alagada manipulação do tacógrafo – doc. 1.
Entretanto a queixosa pelo seu Gerente dirigiu-se às autoridades de Espanha por várias vezes para tentar desbloquear a situação e levantar o veículo como comprova com os documentos 2 e 3, sendo que a determinada altura soube que o veículo tinha sido entregue a terceiro – G... . (irmão do arguido B...) – o que fez consignar por escrito – documentos 4, 5, 6 e 7.
Por insistência da Queixosa junto das entidades policiais espanholas obteve cópia da prova de tal entrega indevida ao G...– doc. 8, tendo com base nisso e porque as autoridades espanholas não procediam à recuperação do veículo, apresentado queixa junto das autoridades portuguesas contra este indivíduo no dia 1 de Março de 2010 – documentos 9 e 10.
Foi devido a requerimento no processo de inquérito 81/1º.9GCPBl com vistas a expedição de mandado de apreensão no espaço Schengen que o veículo foi apreendido pelas autoridades espanholas e mandado levantar – doc. 11, o que, por razões logísticas, burocráticas e de tempo, veio a ter lugar no dia 13/08/2010 – doc. 12 – já que o legal representante da Queixosa não dispunha de tempo antes de férias por ser trabalhador por conta de outrem em França.
Desta feita, entre 26/09/2009 e 13/08/2010, o veículo não foi usado pela Queixosa, pelo seu gerente ou por terceiro à ordem destes pelas razões expostas.
O veículo foi usado abusivamente pelo referido G... . – irmão do Arguido B...e muito provavelmente pelo próprio arguido B….
Portanto, os documentos encontrados dentro do veículo no dia 13/08/2010 só podem ter sido lá deixados naquele lapso de tempo durante o qual o G... e seguramente o irmão usaram o veículo em Espanha, ou seja entre 28/09/2010 e a data da apreensão algures em Julho de 2010.
Os documentos – entre eles os documentos falsos que fundamentam a queixa – encontrados no veículo no dia 13/08/2010 não estavam dentro do veículo quando foi apreendido no País Basco pela polícia espanhola em 26/09/2009; aliás, nem fazia sentido que estivessem dado o camião estar a ser conduzido F....
Portanto, não tem cabimento concluir ainda que indiciariamente que é verdade o que o Arguido B...declara ou seja que era de facto trabalhador da Queixosa; o que eles, para além de indiciarem, comprovam é que o Arguido B...andou a circular com o veículo entre 28/10/2009 até que foi apreendido (algures em Julho de 2010), a pedido do Ministério Público de Pombal, bem sabendo que o veículo tinha sido levantado na polícia espanhola por seu irmão G... mediante apresentação de documentos falsos e contra a vontade de sua dona e proprietária.
Segunda questão: da feitura/elaboração dos documentos e sua assinatura pelo arguido C... . (Contabilista da Queixosa):
É engenhosa a declaração do arguido B...ao declarar que foi o Arguido C... (contabilista) quem elaborou os documentos e os assinou, sendo que sobre a autoria das assinaturas já ninguém tem dúvidas – elas pertencem ao arguido C... .; o engenhoso está na invenção de que, embora tudo tenha sido feito pelo C... ., tal ocorreu na presença e com o consentimento de A..., o que não tem qualquer sentido e é falso como se demonstra.
De facto, se o gerente estava presente – pergunta-se – por que razão não assinou ele? Depois por que motivo outorgaria ele um contrato de trabalho com início em data em que o alegado trabalhador não podia trabalhar fora das fronteiras de Portugal?
Mais: nas datas em que os ditos documentos foram forjados e assinados pelos dois arguidos de forma concertada, o legal representante da Queixosa estava em França e já não vinha a Portugal desde Agosto desse ano.
Ele trabalhava, como empregado, para “U…, S.A.”, situação que teve início em 29/09/2008 até 07/01/2009, data em que deixou a entidade empregadora livre de qualquer compromisso, o que, face à lei francesa, quer dizer que no período do contrato de trabalho não faltou ao serviço, não deixou questões pendentes e fez entrega de todos os bens e equipamentos que lhe estavam confiados para o desenvolvimento de sua prestação de trabalho como condutor de pesados – doc. 13.
O gerente da Queixosa reside em França, com carácter permanente, desde 1979 e desde Fevereiro de 2006 que tem autorização de residência permanente com a família – doc. 14 – podendo exercer qualquer trabalho, sendo que tem exercido a profissão de motorista.
Por outro lado, como prova de que não podia ter estado presente e “dado o consentimento” como afirma o arguido B..., está que no dia 26/12/2008 o A... iniciou o trabalho em Ozoir (França) e terminou em Thiais (França) – área de sua residência (doc. 15); no dia 28/12/2008 iniciou o trabalho em Thiais e terminou em Souquet (França) – doc. 16; no dia 29/12/2008 iniciou o trabalho em Souquet e terminou em em Santurtzi (Espanha) – doc. 17; dia 30/12/2008 iniciou o trabalho em Santurtzi e terminou em Vivonne (França) – doc. 18 e no dia 31/12/2008 iniciou o trabalho em Vivonne e terminou em Thiais – doc. 19; refere que o dia 27/12/2008 não foi dia de trabalho para o gerente da Queixosa e que a matrícula do pesado que lhe estava distribuído pela entidade empregadora é 2442 YS 45, como consta nos registos de tacógrafo.
(…) Ao contrário do que quer fazer supor o Ministério Público, os Arguidos não quiseram formalizar qualquer relação de trabalho com a Queixosa, quiseram, isso sim, conjuntamente – já que ambos assinaram – elaborar documentos em nome da. Queixosa e como se seus fossem com vistas a que o B...obtivesse um certificado de motorista para conduzir no espaço da CE para além de Portugal, dado que se trata de indivíduo exterior a este espaço, sendo que as exigências impõem que, para isso, obtenha um contrato de trabalho que deve depositar na ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) como fizeram com recurso a falsificação, pagar uma taxa que foi feita por MB e da conta do arguido C... ..
E que toda a trama foi engendrada por ambos os arguidos está que o B...escreveu uma comunicação alegadamente dirigida à Queixosa a rescindir o contrato, sendo que o arguido C... . guardou no seu escritório tal documento com recomendação de que ninguém podia saber desse documento, sendo que foi encontrada uma cópia dentro do veículo roubado em Espanha.
E a trama engendrada por ambos e em grande parte executada pelo Arguido C... . (contabilista da Queixosa) não se ficou pela falsificação dos documentos, porque na sequência dos documentos falsos por si engendrados e assinados, imperioso era que fizesse entrar contribuições na Segurança Social em nome do arguido B…; e fê-lo requisitando ao BPI o pagamento na sequência da autorização dada pela Queixosa para tal efeito por fax emitido pelo próprio arguido C... . tal era a confiança depositada nele; sucede que em conferência aos extratos pelo gerente da Queixosa verificou que relativamente ao mês de Janeiro de 2009 havia pagamentos à Segurança Social que exorbitavam manifestamente dos valores que normalmente eram pagos, já que a Queixosa tinha ao serviço um único motorista, sendo que tal montante anormal foi devido à inclusão do Arguido B...com alegados pagamentos no valor de 804,90 €, valores que são inexistentes e falsos, declarados em consequência da trama engendrada por ambos em proveito de ambos.
O Arguido C... . foi interpelado pelo Gerente da Queixosa que tentou desculpar-se com um engano dos seus serviços, acabando por repor as quantias que, segundo a sua informação, tinham sido pagas em excesso por erro dos seus serviços. Na verdade, pelos vistos, não houve qualquer erro mas abusou da confiança em si depositada com prejuízo para os Queixosos e proveito pelo menos para o Arguido B....»
2.2 Perante este requerimento, foi proferido o despacho sob recurso, sustentando-se a rejeição nos seguintes fundamentos:
«Salvo o devido respeito pelo subscritor do requerimento de abertura de instrução, verifica-se que tal requerimento é um longo arrazoado sobre a apreciação dos fundamentos do despacho de arquivamento do MP, com comentários relativos ao conteúdo de meios de prova, reunidos em fase de inquérito; sustenta que em concreto os fundamentos do MP que levaram a considerar não preenchidos o crime de falsificação de documento são incorretos.
Mas não procede à narração sintética e precisa dos factos constitutivos dos crimes nas suas circunstâncias de espaço, tempo, lugar e modo, e não caracterizando por completo o elemento subjectivo do crime em causa.
(…) Ora, no caso concreto, existe uma ausência de factos que permitam enquadrar objectiva e subjectivamente os mesmos nos concretos tipos legais de crime, faltando uma construção factica e sequencial, narrativamente orientada dos factos que imputa; ou seja, o requerente critica os fundamentos do despacho de arquivamento do MP, mas não constrói uma realidade factual que defina em concreto o objecto do processo e por consequência o caso julgado da decisão a proferir.
Quanto à insuficiência de factos por omissão da narração em sede de requerimento de abertura de instrução três soluções possíveis se colocam:
- o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, e não se verificando, terá o juiz que abrir sempre a instrução e depois será no debate instrutório onde não pronunciará (cfr. Ac. RL de 12-6-2001, rec. 3437/01);
- o Juiz de Instrução deverá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento (cfr. Ac. R.E. de 16-12-1997, BMJ nº 472, p. 585, Ac. RL de 20-6-2000, C.J., 3º, p. 153);
- não há base legal para o aperfeiçoamento, cfr. Ac. RL de 9-2-2000, C.J., t. 1º, p. 154, Ac. RL de 11-4-2002, C.J., t. 2º, p.147; Ac. STJ de 20-06-2002 , proferido no processo 7084/01-5ª Secção, não publicado ; Ac. STJ de 11-04-2002 , proferido no processo n.º 471/02-5ª Secção;
1. A figura do aperfeiçoamento encontra-se prevista no art.º 508º do CPC mas não têm aplicação «ex vi» do art.º 4º no CPP, pois trata-se de um acto perfeitamente anómalo em face de regras procedimentais do processo penal as quais são claras e transparentes mercê dos direitos em causa no âmbito do processo criminal.
O anómalo aperfeiçoamento a existir teria de ser concedido a tudo e a todos, o que implicava a existência de aperfeiçoamentos de acusações. O processo penal português tem, como refere o Prof. Figueiredo Dias (Princípios estruturantes do processo penal, in Código de Processo Penal, vol. II, t. II, p. 22 e 24, Assembleia da República), uma “estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação oficial”, estabelecendo-se por força do princípio da acusação que a entidade julgadora não pode ter funções de investigação e de acusação no processo antes da fase de julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites da acusação fundamentada e apresentada pelo Ministério Público ou pelo ofendido (lato sensu), onde se inclui o requerimento de abertura de instrução.
Ou, nas considerações de juristas, não menos eminentes – Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª edição, p. 206 «… A estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais, a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo. Daqui resulta que o juiz de instrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar, directamente ou por convite ao assistente requerente da abertura de instrução…»;
A admitir o anómalo aperfeiçoamento da acusação ou do requerimento da abertura de instrução, constituiria uma violação do princípio do acusatório, ao ver a entidade julgadora a ter funções de investigação antes do julgamento, o que certamente, o actual C.P.P. não pretende. Por outro lado, como assinala o Ac. da Relação Lisboa nº 10685/2001, rel. Dr. Trigo Mesquita, “(...) o convite dirigido às partes, pelo juiz, para a correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa”.
2. Não tem aplicação, no caso a reparação oficiosa da irregularidade processual prevista no art.º 123º, n.º 2 do C.P., já que tal insuficiência não é susceptível de reparação oficiosa em virtude da violação do princípio do acusatório.
3. Não pode, no caso, ter aplicação o disposto no art.º 288º, n.º 4 do CPP que refere que incumbe ao juiz investigar autonomamente os factos que constituem objecto da instrução, já que, o que está verdadeiramente em causa é a falta de factos (os factos integradores objectiva e subjectivamente do crime);
O STJ veio a tomar posição quanto à questão no Ac. STJ de 7/2005 de fixação de jurisprudência entendendo que «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art.º 287º, n.º 2 do CPP, quando for omisso em relação à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido», publicado no DR 1-A Série, de 4 de Novembro de 2005.
Em suma, a “falta de indicação de factos pode gerar a inexistência do processo e consequente inadmissibilidade do requerimento por falta de objecto” (Germano Marques ., Curso de Processo Penal, verbo, vol. 3º, 2ª ed., p. 144 nota 3), como é o caso.
Assim, por inadmissibilidade legal, rejeito o requerimento de abertura de instrução (art. 287º nº 3 do C.P.P.) nos termos expostos.»
3. Confrontando os termos do requerimento para a abertura de instrução com o quadro legal que antes se deixou enunciado e a leitura que dele vem sendo feita em sede de jurisprudência, não há razão para alterar a decisão recorrida.
Na verdade, o recorrente omite a exigência que decorre dos artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, não incluindo a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que os arguidos neles tiveram e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
O que verdadeiramente se expressa no requerimento é a discussão das razões expendidas pelo Ministério Público para justificar o entendimento de que não há indícios suficientes para sustentar a prática de crime e a oposição às mesmas
Pretende o recorrente que o único facto sobre que devia e deve recair a instrução é o da alegada presença e concordância do legal representante da queixosa na ocasião da falsificação, dado que esta veio requerer a abertura de instrução só e exclusivamente pelo facto do arguido B...ter introduzido, em declarações, uma questão lateral segundo a qual foi o arguido C... quem falsificou os documentos mas que isso teria ocorrido na presença e com o consentimento do legal representante da queixosa, tendo o Ministério Público, sem mais, aceite e dado todo o crédito a tal afirmação de arguido, procedendo ao arquivamento do processo de inquérito depois de retirar conclusões inadmissíveis.
Sem prejuízo das razões que motivaram o recorrente, é certo que não estamos perante uma matéria restrita relativamente à qual o Ministério Público não tenha deduzido acusação, mas antes perante a inexistência de acusação pública, o que impunha ao assistente a explicitação dos factos que entende justificarem a pronúncia pela prática de crime e das disposições legais aplicáveis.
O requerimento do assistente não satisfaz a exigência legal, mesmo numa leitura menos exigente. E, pelas razões que antes se deixaram enunciadas, não tem lugar o convite ao aperfeiçoamento.
Conclui-se então no sentido da improcedência do recurso.
III)
Decisão:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 (três) UC o valor da taxa de justiça.
*
Coimbra, .


(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto)


(Fernanda Ventura)