Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/12.2TBFCR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO ATÍPICO
CEDER
PRÉDIO RÚSTICO
USO
NÃO FIXAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
PRAZO
ANALOGIA
COMODATO
USO DETERMINADO
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 1137º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O acordo, por via do qual cada uma das partes entrega à outra uma determinada parcela de um prédio rústico de que é proprietária, cedendo-lhe ou permitindo-lhe o seu uso temporário e “trocando”, portanto, o direito de utilização dessas parcelas, sem fixação de qualquer retribuição, configura um contrato atípico que há-de ser regulado pelas clausulas contratuais e pelas disposições gerais dos contratos e, na sua insuficiência, pelas normas que regulam o contrato ou contratos que lhe sejam mais próximos.

II – Não tendo sido estabelecido – ou não tendo ficado provado – o prazo de duração desse contrato e o momento em que os terrenos devem ser restituídos, deve ser aplicado, por analogia, no que toca a essa matéria, o regime legal que se encontra previsto no art. 1137º do Código Civil para o comodato, por ser esse o regime que melhor se adapta a tal contrato.

III – O uso da coisa para uma actividade de execução continuada e que pode subsistir indefinidamente – como é o caso do depósito de materiais de construção – sem qualquer delimitação temporal não equivale a “uso determinado” para efeitos do disposto no art. 1137º e, como tal, a coisa terá que ser restituída logo que tal seja exigido.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A... representada pelos seus herdeiros, B... , residente na Rua (...), Figueira de Castelo Rodrigo, C... , residente na Urbanização (...)., Guarda, D... , residente na Rua (...), Manteigas e E... , residente no Bairro (...), Figueira de Castelo Rodrigo intentou a presente acção, com processo sumário, contra F..., Ldª, com sede em Figueira de Castelo Rodrigo, pedindo a condenação da Ré a:
a) Reconhecer que a Autora é única dona e legítima proprietária da totalidade do prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (...)º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o n.º (...)/151287, com uma área total de 14.115 m2;
b) Reconhecer que não existe qualquer título que justifique a ocupação da parcela de terreno com aproximadamente 1.600 m2 da propriedade da Autora;
c) Desocupar a faixa de terreno com a área de aproximadamente 1.600 m2, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (...)º, ocupada ilegitimamente pela Ré e entregá-la aos seus legítimos proprietários tal como se encontrava antes dessa ocupação;
d) Reconhecer que apenas é dona e legítima proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 806º, com uma área total de 5.252 m2.
Alega, em suma, que da herança Autora faz parte um prédio rústico, inscrito na matriz sob o art. (...)º, com a área total de 14.115m2, sendo que tal prédio foi adquirido pelo falecido A... por compra que efectuou em 22/04/1987 a L... encontrando-se, desde a sua morte, na posse dos seus herdeiros; a Ré, que é proprietária de um prédio contíguo, ocupou ilegitimamente uma parcela daquele prédio, com a área aproximada de 1.600m2, para depósito de materiais de construção, o que faz sem qualquer título e contra a vontade do autor da herança, aqui Autora, e dos seus representantes; em 1996/1997, o falecido A... autorizou um dos sócios gerentes da Ré (O...) a ocupar aquela parcela de terreno, sendo que, em contrapartida, A... poderia pastorear o seu rebanho de ovelhas pelos dois prédios; todavia, tal autorização foi ocasional, sem qualquer intenção de venda ou troca de terrenos e apenas por um ano ou dois e, não obstante as promessas feitas pelo seu sócio gerente, a Ré ainda não procedeu à entrega do terreno e sem autorização dos seus proprietários construiu um muro e um portão de entrada a delimitar a área que ocupa ilegitimamente.

A Ré contestou, alegando, em suma, que é proprietária de um prédio contíguo e que, há mais de vinte anos, celebrou com o Sr. A... um acordo de permuta de parte dos seus terrenos, nos termos do desenho que juntou aos autos, assim alterando a configuração e limites dos prédios; na sequência desse acordo, entraram na posse dos terrenos, com as novas configurações, e logo colocaram postes de madeira e marcos em pedra com arame que passaram a servir de marco divisório dos prédios; a Ré passou então a utilizar esse terreno, de forma pública, pacífica e continuada, à vista de toda a gente e até ao momento (recente) em que os herdeiros de A... pediram a entrega do prédio com a anterior configuração, ignorando o acordo celebrado e ignorando que, a aceitar a bondade da sua pretensão, também ocupariam parte de um prédio da Ré que não se disponibilizam a devolver. Mais alega que a Autora já intentou acção idêntica contra O... e P... – que foi julgada improcedente – razão pela qual a Autora tem plena consciência dos factos ora alegados pela Ré, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar e litigando de má fé.

A Autora respondeu, impugnando os factos alegados pela Ré e reafirmando a posição assumida na petição inicial

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de caso julgado que se considerou ter sido invocada pela Ré.
Foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré:
a) a reconhecer o direito de propriedade dos Autores B... e da Herança Indivisa e Ilíquida aberta por óbito de A..., representada pelos seus herdeiros B..., C..., D... e E... sobre o prédio rústico, composto por terra de cultura, sito em Defesa, com uma área total de 14.115 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o n.º (...)/151287;
b) a restituir aos Autores B... e da Herança Indivisa e Ilíquida aberta por óbito de A..., representada pelos seus herdeiros B..., C..., D... e E... a parcela de terreno com uma área de aproximadamente 1.600m2 pertencente ao espaço físico do prédio rústico referido em a), por si ilegitimamente ocupada, devendo proceder à demolição dos muros de blocos e do portão de entrada, na justa medida do necessário, a suas expensas.
 
Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1)- Atendendo aos elementos constantes dos autos (Base Instrutória, Resposta à Matéria de Facto, prova documental, prova testemunhal e prova pericial) justifica-se a alteração à matéria de facto apreendida em 7.), 9.) e 14.) da sentença revidenda, nos termos referidos e concretizados supra;
2)- No caso dos autos, crê-se que ficou suficientemente provado que entre o falecido A... e a ré foi efetuada uma troca de parte dos respetivos prédios rústicos, em consequência do que um e a outra passaram a utilizá-los em seu único e exclusivo proveito, nos termos e limites em que então acordaram.
3)- E daí que a ré tenha provado que a sua detenção (da parcela de terreno em causa nos presentes autos) é legítima e oponível aos autores.
4)- A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. º 5º, Cód. Proc. Civil; 408º, 874º, 879º, alínea a), 939º, 1311º/ 1 e 2 e 1378º, alínea c), Cód. Civil.
Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se pede, deve a sentença revidenda ser substituída por outra que contemple tudo quanto vem de alegar-se, assim se fazendo Justiça.

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
a) Atento aos elementos constantes dos autos desde a base Instrutória até à prova testemunhal não se justifica, seja a que titulo for, que seja feita uma alteração da matéria de facto referida em 7, 9 e 14 da sentença proferida e agora pedida pela Ré /Recorrente.
b) Nos presente autos não ficou minimamente provado que entre o falecido A... ou os seus legítimos herdeiros tivesse havido qualquer tipo de contrato, troca ou venda da parcela de terreno de 1.600 m2 aqui em causa do Artº (...)º à Ré /Recorrente.
c) Não poderá concluir-se pela existência de uma verdadeira troca de parcelas de terrenos, nem de qualquer tipo de troca de terrenos, uma vez que, nunca se verificou a utilização dessa parcela com “ânimus” de aquisição de propriedade por parte da Recorrente F..., Ldª.
Assim e perante o exposto, deverá o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado e consequentemente, confirmar-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”com todos os efeitos legais.
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II.
Questões a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
• Saber se deve ou não alterada a matéria de facto que está enunciada na sentença sob os nºs 7, 9 e 14;
• Saber se, perante a matéria de facto provada, é possível concluir que entre a Ré e A... tenha sido celebrado um contrato de troca ou permuta relativamente às parcelas de terreno em causa nos autos e ao qual se deva aplicar, por analogia, o regime da compra e venda, com vista a saber se a Ré está ou não obrigada a restituir a faixa de terreno que vinha ocupando e que pertencia a um prédio dos Autores.
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III.
Matéria de facto
A Apelante começa por dirigir o seu recurso à matéria de facto e, mais concretamente, à que está enunciada na sentença sob os nºs 7, 9 e 14.
Analisemos, então, essa matéria.

A sentença recorrida enuncia sob o nº 7 o seguinte facto, que corresponde à resposta dada ao ponto 8º da Base Instrutória: O prédio referido em 6.) tem uma área total de 5.252 m2, com apenas 13 metros de largura a SW, a confrontar com caminho e 17 metros de largura, a confrontar com caminho a NW.
Sustenta a Apelante que apenas poderá ser considerado provado que o aludido prédio tem a área total de 5.252 m2, sendo que o demais não resulta de nenhum documento junto aos autos, não resulta do relatório pericial e do auto de inspecção judicial e também não existe nenhum depoimento do qual resulte esse facto.
Em primeiro lugar, não é verdade que esse facto não decorra de nenhum depoimento prestado. Com efeito, a generalidade das testemunhas confirmou a localização do prédio em conformidade com o que consta do documento junto a fls. 36, daí resultando que o referido prédio confronta com caminho a NW e a SW e, embora seja certo que as testemunhas não sabem precisar a largura do prédio na parte em que confronta com aqueles caminhos, importa dizer que a testemunha, H..., declarou que, a Norte, o prédio terá cerca de 17 metros, sendo um pouco mais estreito a Sul.
Em segundo lugar, importa referir que, em rigor, a Ré não impugnou esse facto. Com efeito, relativamente a esse facto, que havia sido alegado no art. 18º da petição inicial, a Ré limitou-se a afirmar que não tomava qualquer posição, dado tratar-se de mera conclusão/matéria de direito, o que, evidentemente, não corresponde à realidade. Estava em causa um facto concreto sobre o qual a Ré não tomou posição e que, como tal, não impugnou.
Em terceiro lugar, importa dizer o seguinte: o documento de fls. 36 é um levantamento topográfico referente ao prédio dos Autores (inscrito na matriz sob o art. (...)º) e está elaborado à escala de 1/1000. Com base nessa escala, é possível concluir que o aludido prédio tem o comprimento (de caminho a caminho) de cerca de 374/375 metros. Ora, como decorre do aludido documento e dos depoimentos das testemunhas, o prédio da Ré (inscrito na matriz sob o art. 806º) acompanha o prédio dos Autores desde o caminho situado a NW até ao caminho situado a SW e, como tal, terá sensivelmente o mesmo comprimento. Ora, tomando em conta esse comprimento e tomando em conta as larguras supra mencionadas de 17m e 13m obtém-se uma área ligeiramente superior aos 5.252 m2 que a Ré aceita corresponder à área do seu prédio, tornando credível o depoimento da testemunha H...quando declara que o prédio terá de um dos lados cerca de 17 metros e do outro largura um pouco inferior, que, pelas razões referidas, se aceita corresponder aos referidos 13 metros.
Não encontramos, por isso, razões válidas para alterar o aludido ponto da matéria de facto (facto que, aliás, nem sequer terá relevância para a decisão da causa).

Sob o nº 9, a sentença recorrida enuncia o seguinte facto: A Ré, a partir de data não concretamente apurada do ano de 1996 e com o consentimento de A..., passou a utilizar, temporariamente, por tempo não concretamente apurado, uma faixa de terreno junto à entrada do prédio descrito em 2.), com uma área de 1600 m2, para depósito de materiais de construção para revenda.
A Apelante começa por referir que este ponto tem por base a matéria de facto constante do art. 5º da Base Instrutória e que as expressões “temporariamente, por tempo não concretamente apurado”, “junto à entrada do prédio descrito em 2.)” e “para depósito de materiais de construção para revenda” não constam da Base Instrutória e da resposta à matéria de facto e, por isso, não podem constar da sentença.
Vejamos.
Ao contrário do que refere a Apelante, o citado ponto de facto não tem apenas por base o art. 5º da Base Instrutória, mas também o ponto 9º.
Tais pontos tinham a seguinte redacção e mereceram as seguintes respostas:

A Ré, a determinada altura, ocupou uma faixa de terreno junto à estrada, com a área de 1600 metros quadrados?
R: Provado que a Ré, a partir de data não concretamente apurada do ano de 1996 e com o consentimento de A..., passou a utilizar uma faixa de terreno do prédio descrito em B) junto à estrada, com a área de 1600m2, para depósito de materiais de construção para revenda.

Em 1996/1997 A..., foi contactado por O..., e este fez-lhe uma proposta, para que aquele o deixasse utilizar a parcela referida em 5), por um ano?
R:
Provado nos termos da resposta ao quesito 5º, com o esclarecimento de que o foi temporariamente, por tempo não concretamente apurado.
Concluímos, portanto, que, ao contrário do que refere a Apelante, a expressão “temporariamente, por tempo não concretamente apurado” consta da decisão da matéria de facto e, mais concretamente, da resposta dada ao ponto 9º da base instrutória e ainda que tal expressão não constasse da base instrutória, a verdade é que, perguntando-se no ponto 9º se a proposta para utilização daquela faixa era por um ano, a resposta dada (temporariamente e por tempo não concretamente apurado) insere-se no âmbito do quesito, não sendo de qualificar como excessiva.
A expressão “para depósito de materiais de construção de revenda” também consta da resposta dada ao ponto 5º, e embora não constasse do quesito, não deve ser considerada como excedendo o âmbito da matéria que era perguntada, na medida em que corresponde apenas a um esclarecimento que visou concretizar o tipo de ocupação a que aludia o quesito.
O mesmo não acontece com a expressão “junto à entrada do prédio descrito em 2.)”. De facto, os pontos 5º e 9º da base instrutória, tal como as respostas que lhe foram dadas, reportam-se a uma faixa de terreno junto à estrada e não junto à entrada do prédio (como, eventualmente, por lapso, se referiu no ponto 9. da sentença.)
Assim, porque é isso que consta da decisão da matéria de facto, o ponto 9. da sentença terá que ser rectificado, de forma a reproduzir aquilo que foi considerado provado, ou seja, que:
 A Ré, a partir de data não concretamente apurada do ano de 1996 e com o consentimento de A..., passou a utilizar, temporariamente, por tempo não concretamente apurado, uma faixa de terreno do prédio descrito em 2. junto à estrada, com uma área de 1600 m2, para depósito de materiais de construção para revenda
Ainda no que toca ao ponto 9. da sentença, considera a Apelante que a prova produzida não permitia considerar como provado que a utilização daquela faixa de terreno tivesse sido feita temporariamente e por tempo não concretamente apurado, na medida em que não existe nenhum documento, depoimento ou qualquer outro meio de prova que confirme esse facto.
Mas não lhe assiste razão, porquanto as testemunhas, G..., H...e I... declararam que o acordo feito com vista à utilização daquela faixa de terreno era temporário. Era isso que lhes dizia o Sr. A..., sendo que todas essas testemunhas confirmam o facto de o referido A... se opor às vedações que andavam a ser efectuadas pela Ré, pretendendo que esta lhe devolvesse o terreno cuja utilização lhe havia cedido temporariamente e reclamando à Ré tal devolução.
Assim, e porque esse facto não foi contrariado pelas demais testemunhas, inexistindo qualquer indício sério de que as partes tenham pretendido transferir a propriedade daquelas faixas de terreno (sendo certo que não tiveram sequer qualquer preocupação de formalizar essa situação, que até implicava alteração da configuração física dos prédios e respectivas confrontações) não encontramos razões para não considerar provado que aquele acordo apenas tinha em vista uma utilização temporária da aludida faixa de terreno. No que toca à duração do acordo, apenas a 1ª testemunha declarou que seria de um ano, sendo que as demais testemunhas não souberam responder e, porque aquele depoimento não oferece as garantias bastantes para alicerçar a convicção do Tribunal no sentido de que aquela utilização seria por um ano, impunha-se considerar – como se considerou na 1ª instância – que seria por tempo não concretamente apurado.
Assim, e nesta matéria, não se justifica qualquer alteração à matéria de facto, além daquela a que já aludimos.

O ponto 14. da sentença – que corresponde à resposta dada ao ponto 12º da base instrutória – tem a seguinte redacção:
Há mais de vinte anos que a Ré e seus antecessores, fruem e retiram todas as utilidades da totalidade do prédio até pelo menos ao ano de 1996, data a partir da qual deixou de o fazer na parcela de terreno referida em 11.
Não percebemos, contudo, qual é a discordância da Apelante relativamente a esta matéria.
De facto, referindo, nas suas alegações, que, depois de ouvir determinados depoimentos, facilmente se conclui que aquilo que devia ser dado como provado é justamente o que consta da resposta à matéria de facto e concluindo que deve ser dado como provado aquilo que já consta da resposta ao ponto 12º da base instrutória, parece que, afinal, não discorda – antes concorda – com a decisão proferida relativamente a essa matéria.
Eventualmente, a discordância da Apelante prende-se apenas com a circunstância de o ponto de facto em questão ter omitido a referência ao facto de o prédio em questão ser o aludido em 6., como resultava do ponto da base instrutória e respectiva resposta.
Seja como for – e ainda que não tenha sido essa a intenção da Apelante – rectifica-se o aludido ponto 14. de forma a fazer referência ao aludido prédio, como se impõe, face à decisão proferida sobre a matéria de facto e, mais concretamente, face à resposta dada ao ponto 12º da base instrutória.

A matéria de facto provada é, portanto, a seguinte:
1. A... faleceu no dia 20.05.2010, no estado de casado com B... – alínea A) dos Factos Assentes.
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o n.º (...)/19871215, o prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo (...), sito em Defesa, com área total de 14.115 m2, composto de terra de cultura, que confronta de norte com estrada, de sul com (...), de nascente e poente com caminho, conforme documento de fls. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – alínea B) dos Factos Assentes.
3. A aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio encontra-se inscrita, pela Ap. 2 de 06.01.1988, a favor de A... e de B..., casados sob o regime de comunhão geral de bens, por compra a M..., L... e N..., conforme documento de fls. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – alínea C) dos Factos Assentes.
4. A... adquiriu o prédio descrito em 2. em 22.04.1987, tendo pago pela aquisição, o valor de 200.000$00 – alínea F) dos Factos Assentes.
5. Na Direcção Geral dos Impostos – Serviço de Finanças de Figueira de Castelo Rodrigo foram descritos, como fazendo parte do acervo hereditário de J..., os bens descritos no documento de fls. 28 e seguintes, nomeadamente, sob a verba n.º 8, ½ do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo (...), da freguesia de Castelo Rodrigo, conforme documento de fls. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – alínea D) dos Factos Assentes.
6. Por escritura pública outorgada em 02.11.1981, no Cartório Notarial de Figueira de Castelo Rodrigo, R... e S.... declaram vender à sociedade F..., Lda., sob o artigo 806, um prédio rústico, composto por terra de cultura, que confronta de norte com (...), de sul com (...), de nascente e poente com caminho, conforme documento de fls. 40 a 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – alínea E) dos Factos Assentes.
7. O prédio referido em 6., tem uma área total de 5.252 m2, com apenas 13 metros de largura a SW, a confrontar com caminho e 17 metros de largura, a confrontar com caminho a NW – resposta ao ponto 8º da Base Instrutória.
8. Os dois prédios rústicos referidos em 2. e 6. são contíguos, sem qualquer divisória, postes de madeira, marcos em pedra, qualquer tipo de arame entre eles – resposta ao ponto 7º da Base Instrutória.
9. A Ré, a partir de data não concretamente apurada do ano de 1996 e com o consentimento de A..., passou a utilizar, temporariamente, por tempo não concretamente apurado, uma faixa de terreno do prédio descrito em 2. junto à estrada, com uma área de 1600 m2, para depósito de materiais de construção para revenda – respostas aos pontos 5º e 9º da Base Instrutória.
10. O que continua a fazer hoje contra a vontade dos Autores, herdeiros de A... – resposta ao ponto 6º da Base Instrutória.
11. Em contrapartida, A..., com o consentimento da Ré, passou a utilizar para os fins mencionados em 12., uma parcela de terreno com área não concretamente apurada do prédio descrito em 6., por ser contíguo e não ter qualquer divisória com o prédio identificado em 2. – resposta ao ponto 10º da Base Instrutória.
12. Desde 22.04.1987, que A... lavrou, cultivou, semeou e pastoreou, sempre que entendeu, com o seu rebanho de ovelhas, o prédio rústico referenciado em 2., na totalidade do prédio até, pelo menos, o ano de 1996, data a partir da qual deixou de o fazer na faixa de terreno descrita na resposta ao quesito 9. – resposta ao ponto 1º da Base Instrutória.
13. O que fez à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de se comportar na qualidade de único titular do direito correspondente – respostas aos pontos 2º, 3º e 4º da Base Instrutória.
14. Há mais de vinte anos que a Ré e seus antecessores, fruem e retiram todas as utilidades da totalidade do prédio referido em 6. até pelo menos ao ano de 1996, data a partir da qual deixou de o fazer na parcela de terreno referida em 11. – resposta ao ponto 12º da Base Instrutória.
15. O que fez à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente e na convicção de se comportar na qualidade de único titular do direito correspondente e sem prejudicar outras pessoas – respostas aos pontos 13º, 14º, 15º e 16º da Base Instrutória.
16. A Ré, através do seu sócio gerente O..., edificou na área referida em 9., sem prévia autorização, muros em blocos e um portão de entrada – resposta ao ponto 11º da Base Instrutória.
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IV.
Direito
Em sede de aplicação do Direito, a Apelante não se insurge, propriamente, contra nenhuma questão de carácter jurídico que tenha sido apreciada na sentença recorrida; a sua discordância relativamente à decisão proferida assenta na circunstância de, na sua perspectiva e ao contrário do que se considerou em 1ª instância, ter ficado provado que entre o falecido A... e a Ré foi efectuada uma troca de parte dos respectivos prédios que deverá qualificada juridicamente como um contrato de permuta, troca ou escambo, ao qual seriam aplicáveis as regras da compra e venda e que, como tal, teria operado a transferência da propriedade.
Sucede que a matéria de facto provada não permite concluir pela celebração de qualquer contrato que pudesse ser qualificado como troca ou permuta que tivesse por efeito a transferência da propriedade daqueles terrenos.
Importa notar que a matéria alegada pela Ré no que toca ao referido acordo – e que constava dos pontos 17º a 22º da base instrutória – não foi considerada provada e a Apelante nem sequer impugnou a decisão proferida no que toca a essa matéria de facto; apenas se provou que, a partir de data não concretamente apurada do ano de 1996, a Ré, com o consentimento de A..., passou a utilizar, temporariamente, por tempo não concretamente apurado, uma faixa de terreno do prédio que a este pertencia, junto à estrada, com uma área de 1600 m2, para depósito de materiais de construção para revenda e que, em contrapartida, A..., com o consentimento da Ré, passou a utilizar (para lavrar, cultivar, semear e pastorear) uma parcela de terreno com área não concretamente apurada do prédio que pertencia à Ré.
Ora, ainda que se deva presumir que tais factos ocorreram na sequência de um acordo que, com tal objectivo, foi celebrado entre a Ré e A..., é claro que tal acordo não poderia ser qualificado como um contrato de troca ou permuta que tivesse como objecto a transferência da propriedade sobre os terrenos em questão. Com efeito, não resultando da matéria de facto que as partes tenham pretendido operar, por via desse acordo, a transferência da propriedade, o que dela resulta é, pelo contrário, que tal acordo apenas incidiu sobre a utilização temporária desses terrenos: a Ré utilizava, temporariamente, uma parcela de terreno que pertencia ao prédio do referido A... e este, em contrapartida, utilizava uma parcela de terreno de um prédio àquela pertencente.
É certo, portanto, que daquele acordo nunca poderia resultar a transferência – para a Apelante – do direito de propriedade do referido A... sobre a parcela de terreno que a Apelante passou a ocupar e a utilizar.
Mas ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que aquele acordo tivesse visado a transferência da propriedade, tal transferência não teria ocorrido, porquanto tal contrato seria nulo por inobservância da forma legalmente prescrita – cfr. art. 875º do C.C. (que seria aplicável por força do disposto no art. 939º do mesmo diploma) e 220º do mesmo Código.
Assim, a aquisição – por parte da Ré/Apelante – do direito de propriedade sobre o aludido terreno não teria decorrido do aludido acordo/contrato e apenas poderia ter ocorrido por usucapião.
Sucede que a sentença recorrida entendeu não estarem reunidos os pressupostos de que depende a aquisição do direito de propriedade por usucapião e a verdade é que a Apelante não inclui essa questão no objecto do recurso, já que, como decorre das suas alegações e respectivas conclusões, não invoca qualquer discordância relativamente à forma como a sentença recorrida analisou essa questão e tão pouco invoca (nas alegações de recurso) estarem reunidos os pressupostos de que depende a usucapião, limitando-se a sustentar que a transferência da propriedade teria ocorrido por mero efeito do contrato celebrado entre as partes e que entende dever ser qualificado como troca ou permuta.
De qualquer forma, não deixaremos de dizer – concordando com a sentença recorrida – que, perante a matéria de facto provada, não se demonstrou a existência posse relevante para efeitos de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade.
De acordo com o disposto no art. 1287º do Código Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião”.
A usucapião é, assim, constituída por dois elementos: a posse e o decurso do tempo, variando o segundo em harmonia com as circunstâncias que o primeiro pode revestir e conforme elas induzem uma maior ou menor probabilidade da existência do direito naquele que o exerce, ou uma maior publicidade do estado de facto.
O ordenamento jurídico português adopta a concepção subjectiva da posse. Daí ser esta integrada por dois elementos estruturais: o corpus e o animus possidendi. Define-se o corpus como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o animus possidendi se caracteriza como a intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados. O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá, assim, de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.
Todavia, dada a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de fazer a prova do animus, a lei estabeleceu uma presunção, dizendo que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto - art. 1252º nº 2.
Perante a matéria de facto provada, apenas sabemos que a Ré utilizava uma faixa de terreno do prédio de A... para depósito de materiais de construção para revenda, sendo que tal actuação não é reveladora do exercício de um poder de facto correspondente ao direito de propriedade; tal actuação é perfeitamente compatível com qualquer outro direito real menor ou com um direito de natureza obrigacional que tivesse como conteúdo a mera faculdade de utilização da coisa, sem qualquer poder de disposição. Além do mais, sabemos (está provado) que tal utilização tinha carácter temporário e tal significa, por um lado, que a actuação da Ré não correspondia ao exercício do direito de propriedade (já que se resumia à sua utilização com carácter temporário) e significa, por outro lado, que tal actuação não era efectuada com a intenção de agir como titular desse direito. A actuação da Ré era efectuada ao abrigo de um acordo/contrato que havia celebrado com A..., por via do qual lhe havia sido concedido o direito ou faculdade de utilizar, temporariamente, aquela faixa de terreno; tal acordo – incidindo apenas sobre a utilização temporária do terreno – não teve em vista a transferência da respectiva propriedade e, como tal, a Ré não adquiriu, por via dele, a posse correspondente a esse direito, adquirindo apenas um direito, de carácter obrigacional, à sua utilização, sendo, portanto, mera detentora ou possuidora precária que exercia a posse em nome do proprietário do terreno (art. 1253º do C.C.). Assim, e porque também não se provou – tão pouco foi alegado – que tenha existido qualquer inversão do título da posse (art. 1265º do C.C.), não é possível afirmar que a Ré tenha exercido qualquer posse relevante para efeitos de adquirir, por usucapião, o direito de propriedade.  
Não estando demonstrado que a Ré/Apelante tenha adquirido qualquer direito de propriedade sobre a aludida faixa de terreno, resta saber se tem título legítimo que lhe permita continuar a utilizá-la ou se, ao invés, está obrigada a restitui-la à Herança Autora a quem se presume pertencer por força da presunção decorrente do registo que não foi ilidida.
Parece-nos não haver dúvidas de que a Ré ocupou e utilizou a faixa de terreno aqui em questão de forma legítima e ao abrigo de um acordo/contrato que havia celebrado com o respectivo proprietário, A..., e nos termos do qual também permitiu que este utilizasse uma parcela de terreno do prédio que à Ré pertencia.
Como qualificar esse contrato, por via do qual cada uma das partes cedeu à outra o uso/gozo temporário de determinada parcela de um prédio rústico de que era proprietária?
Não estamos, em rigor, perante um contrato de locação – definido pelo art. 1022º do C.C., como sendo o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição – porquanto não existe e não foi fixada qualquer retribuição (renda) como contrapartida pela cedência do gozo. Importa notar que, em conformidade com o disposto no art. 19º do RAU[1] (aplicável, por força do art. 6º do mesmo diploma, aos arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais, como seria aqui o caso), a renda teria que ser determinada e fixada em escudos, importando referir que, ainda que estivesse em causa um arrendamento rural (o que, á partida, não seria o caso do arrendamento efectuado à Ré, atendendo à sua finalidade), também neste caso a lei impõe a fixação da renda em dinheiro, embora admita que uma parte dela seja fixada em géneros (art. 7º do Dec. Lei nº 385/88 de 25/10).
Tal retribuição não existe – não foi fixada – e, portanto, o contrato celebrado não poderá ser considerado como locação.
Tal contrato também não poderá ser qualificado como um contrato de comodato, que é definido no art. 1129º do C.C., como sendo o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[2], “O comodato é um contrato gratuito, onde não há, por conseguinte, a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante (…) Se, em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer ou um contrato atípico, consoante os casos”.
Ora, apesar de não ter sido fixada uma retribuição/renda (como teria que acontecer para que estivesse em causa um contrato de locação), a verdade é que também não estamos perante um contrato gratuito, porquanto, em troca do uso da faixa de terreno aqui em causa, a Ré cedeu a A... o uso de uma outra faixa de terreno que a si pertencia.
Parece-nos, portanto, que estamos perante um contrato atípico que não corresponde a nenhum contrato que esteja especificamente previsto e regulado na lei e que, como tal, há-de ser regulado pelas clausulas contratuais e pelas disposições gerais dos contratos e, na sua insuficiência, pelas normas aplicáveis aos casos análogos (art. 10º do CC), ou seja, pelas normas que regulam o contrato ou contratos que lhe sejam mais próximos. 
Já vimos supra que não estamos perante um contrato de escambo ou troca – que, neste momento, corresponde a um contrato atípico sem regulamentação específica na lei –, ao qual se devam aplicar as regras da compra e venda, porquanto o contrato celebrado não envolveu a transferência do direito de propriedade; o acordo celebrado envolveu, efectivamente, uma troca, mas essa troca apenas incidiu e apenas abrangeu a utilização/gozo das faixas de terreno que pertencia a cada uma das partes e, precisamente porque não envolveu a transferência da propriedade, não existe qualquer similitude com a compra e venda que possa justificar a aplicação analógica das regras legais que regulam este contrato.
Na realidade, o acordo efectuado pelas partes tem maiores semelhanças com o comodato. De facto, a cedência do gozo efectuada por cada uma das partes configuraria, vista isoladamente, um típico contrato de comodato, já que, como é típico deste contrato, existiu a entrega à outra parte de uma coisa imóvel, para que se servisse dela, com a obrigação de a restituir (obrigação esta que decorre claramente do carácter temporário da utilização do terreno). Em certa medida, o acordo celebrado configuraria a celebração de dois comodatos: um efectuado por A... à Ré e outro efectuado por esta àquele e, se é certo que eles não poderão ser assim qualificados, porquanto, em rigor, não são negócios gratuitos (já que cada uma dessas cedências corresponde à contrapartida da outra), a verdade é que, em termos substanciais, têm nítidas semelhanças com o comodato.
Por isso nos parece dever aplicar-se, nomeadamente em matéria de prazo para a restituição da coisa cedida, o regime legal que se encontra previsto para o comodato, sendo que não nos parece existir qualquer outro regime que melhor se adapte ao contrato aqui em causa.
Poderia, eventualmente, ponderar-se a aplicação analógica do contrato de locação (já que o contrato aqui em causa também se aproxima, em alguns aspectos, desse contrato), aplicando as regras legais que regulam a denúncia do contrato. Todavia, a circunstância de não ter sido fixada uma retribuição periódica (como seria necessário para que estivesse em causa um contrato de locação) obsta à aplicação desse regime, já que, a antecedência da denúncia é determinada por referência ao prazo da locação e o prazo supletivo de duração da locação é determinado por correspondência com a unidade de tempo a que corresponde a retribuição (art. 1026º do C.C.) e, portanto, não tendo sido fixada qualquer retribuição, não existe qualquer unidade de tempo que pudesse servir como referência para determinar o prazo supletivo do contrato e, consequentemente, o fim do prazo do contrato ou da sua renovação e a antecedência a observar na respectiva denúncia.
Parece-nos, portanto, que o regime legal que melhor se adapta ao caso sub judice é o do comodato.
Ora, no que toca a esta matéria, dispõe o art. 1137º do C.C. que:
1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação.
2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida.
3. É aplicável à manutenção e restituição da coisa emprestada o disposto no art. 1043º”.
No caso sub judice, não foi feita a prova de que tenha sido convencionado um prazo certo para a restituição e também não poderemos considerar que o terreno tenha sido cedido para uso determinado.
Com efeito, e como se refere no Acórdão do STJ de 15/12/2011 (processo nº 3037/05.0TBVLG.P1.S1)[3], “…quando a coisa é entregue para um uso determinado, tem-se em vista a utilização da coisa para um determinada finalidade, não a utilização da coisa em si. Emprestar a vivenda para a realização de uma festa constitui comodato para uso determinado, mas não constitui comodato para uso determinado o mero empréstimo da referida vivenda para habitação (…) o uso só é determinado quando se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer, pelo que não se pode considerar como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai durar, ou seja, um uso genérico e abstracto que pode subsistir indefinidamente, pois que, de contrário, se atingiria a própria noção do contrato dada pelo artigo 1129 do Código Civil, de que faz parte a obrigação de restituir a coisa entregue, o que revela o carácter temporal do uso…
No mesmo sentido, refere-se no Acórdão do STJ de 16/11/2010 (processo nº 7232/04.0TCLRS.L1.S1)[4] que, “no empréstimo “para uso determinado”, a determinação do uso, contém, ela mesma, a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não sendo de considerar como determinado o uso de certa coisa se não se souber - nos casos em que o uso não vise a prática de actos concretos de execução isolada, mas de actos genéricos de execução continuada - por quanto tempo vai durar, caso em que se haverá como facultado por tempo indeterminado (…) O uso só tem fim determinado se o for também temporalmente determinado ou, pelo menos, por tempo determinável”.
Ora, à luz destas considerações, parece claro que o “comodato” aqui em causa não seria para uso determinado, porquanto, sabendo-se apenas que o terreno era utilizado para depósito de materiais de construção para revenda, não foi delimitada a necessidade temporal que se visava satisfazer, ou seja, não foi determinado um qualquer uso específico e temporalmente determinado – ou determinável – que permitisse estabelecer e determinar o momento em que a coisa deveria ser restituída; o uso da coisa para uma actividade de execução continuada e que pode subsistir indefinidamente – como é o caso do depósito de materiais de construção – sem qualquer delimitação temporal não equivale a uso determinado para efeitos do disposto no art. 1137º e, como tal, a coisa terá que ser restituída logo que tal seja exigido.
Consequentemente, e porque tal foi peticionado na presente acção, a Ré está, efectivamente, obrigada a restituir a faixa de terreno que vinha ocupando e utilizando.

Assim, pelas razões expostas, confirma-se a sentença recorrida.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – O acordo, por via do qual cada uma das partes entrega à outra uma determinada parcela de um prédio rústico de que é proprietária, cedendo-lhe ou permitindo-lhe o seu uso temporário e “trocando”, portanto, o direito de utilização dessas parcelas, sem fixação de qualquer retribuição, configura um contrato atípico que há-de ser regulado pelas clausulas contratuais e pelas disposições gerais dos contratos e, na sua insuficiência, pelas normas que regulam o contrato ou contratos que lhe sejam mais próximos. 
II – Não tendo sido estabelecido – ou não tendo ficado provado – o prazo de duração desse contrato e o momento em que os terrenos devem ser restituídos, deve ser aplicado, por analogia, no que toca a essa matéria, o regime legal que se encontra previsto no art. 1137º do Código Civil para o comodato, por ser esse o regime que melhor se adapta a tal contrato.
III – O uso da coisa para uma actividade de execução continuada e que pode subsistir indefinidamente – como é o caso do depósito de materiais de construção – sem qualquer delimitação temporal não equivale a “uso determinado” para efeitos do disposto no art. 1137º e, como tal, a coisa terá que ser restituída logo que tal seja exigido.
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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.


Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)
Maria Domingas Simões
Nunes Ribeiro

[1] Diploma que se encontrava em vigor à data da celebração do acordo.
[2] Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed. Revista e Actualizada, pág.661.
[3] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Disponível em http://www.dgsi.pt.