Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
337/12.6GAMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: DEPOENTE
ANOMALIA PSÍQUICA
Data do Acordão: 03/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MANGUALDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º E 131.º DO CPP; ARTS.13.º E 20.º DA CRP
Sumário: I - O ofendido não está impedido de prestar declarações, ainda que sofra de anomalia psíquica e mesmo que declarado interdito, estando as suas declarações sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, que o julgador deve ponderar de forma sensata e ter necessariamente em conta a condição em que depõe.

II - O ofendido, pelo facto de contra ele estar a correr termos acção de interdição, com o fundamento de ser portador de doença mental com o diagnóstico de oligofrenia moderada e graves alterações do comportamento com hétero-agressividade, não está ferido de incapacidade de depor nos autos como testemunha.

Decisão Texto Integral:

Processo comum com intervenção do tribunal singular da Comarca de VISEU - Instância Local de Mangualde – Secção de Competência Genérica – Juiz 1.

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Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado o foi pronunciado o arguido A... , casado, nascido em 11.02.1971, natural da freguesia de (...) , concelho de Mangualde, filho de (...) e de (...) , residente na (...) , em Mangualde, por um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo art.143.º, n.º l e por um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), todos os preceitos do Código Penal.

B...., representado por C... , deduziu pedido de indemnização civil peticionando a condenação do arguido/demandado civil A... no pagamento da quantia de €2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos em consequência das condutas levadas a efeito pelo arguido/demandado civil.

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O tribunal decidiu:

a)Absolver o arguido da prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.°, n.º 1, al. a), do CP.

b)Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º 1, do CP na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global €840,00;

c)Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado, condenando o demandado civil A... no pagamento ao demandante civil B... , a título de compensação pecuniária, a título de danos não patrimoniais sofridos, o montante de €600,00 (seiscentos euros), sendo igualmente devidos juros à taxa legal fixada para os juros civis desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento.

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Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«A) O ora recorrente vem condenado pela prática como autor material e na forma consumada de crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido no art. 143.º, n.º 1 do C.Penal.

B) Porém a presente sentença, salvo o devido respeito, enferma de algumas irregularidades.

C) Há insuficiência da valoração da prova produzida em julgamento e constante de documentos juntos aos autos.

D) A folhas 24 a mãe do ofendido C... foi inquirida como testemunha.

E) Posteriormente a C... , sua mãe, é nomeada curadora - vide folhas 83 de 14-02-2014.

F) A folhas 96 e 97 presta declarações nessa qualidade de curadora do seu filho.

G) A folhas 71 a GNR afirma não ser possível proceder à inquirição do ofendido por o mesmo padecer de anomalia psíquica.

H) Existe assim falta de capacidade para testemunhar por parte do ofendido B... ;

G) O depoimento do ofendido deve ser considerado inválido.

H) Na sessão de audiência do dia 11/3/2015 a capacidade do B... para depor estava severamente abalada, uma vez que dos autos já existiam fortes indícios da sua incapacidade;

I) Perante tal facto, veio o arguido requerer a este Tribunal que fosse efectuado um ofício ao Departamento de Psiquiatria do Hospital de São Teotónio, EPE de Viseu, onde o mesmo andava a ser acompanhado, para esclarecer vários pontos e assim se aferir da capacidade para o mesmo depor.

J) Pelo Tribunal “a quo” proferido o despacho que se passa a citar:

"É do conhecimento funcional do tribunal que corre termos neste mesmo tribunal o processo de interdição n.º 163/14.8TBMGL, em que é requerido o ora ofendido, sendo ainda certo que foi solicitada a realização de exame pericial do mesmo, sem que até ao momento se encontre junto aos autos, razão pela qual não foi ainda declarado interdito o ofendido B... ".

L) Foi ainda nesse despacho:

"Determinado que se averigúe junto dos autos de interdição n.o163/14.8TBMGL, qual a data aí designada pelo Instituto de Medicina Legal de Coimbra para a realização de exame pericial ao ofendido e a data em que se prevê a junção aos referidos autos de processo de interdição do relatório elaborado em conformidade, na medida em que tal relatório se revela útil para apurar a doença mental de que padece o ofendido, doença mental essa que é referida no despacho de pronúncia. Junte aos autos cópia da petição inicial, dos autos de interdição n. 163/14. 6TBMGL, em que é requerido o aqui ofendido, bem como dos elementos médicos aí constantes, a ele respeitantes”.

M) Ora salvo o devido respeito, deveria ter surgido dúvidas ao Sr. Dr. Juiz que tomou as declarações sobre a aptidão psíquica do mesmo para depor.

N) Pelo que as declarações do ofendido não deveriam ter sido valoradas como o foram na dita sentença.

O) Por sua vez as declarações da testemunha F... , são contraditórias.

 P) Do conteúdo das mesmas verifica-se que foi desvalorizado o local onde a testemunha se encontrava e o ângulo de visão da mesma.

Q) E aos olhos de um homem comum pode-se afirmar que a 3 metros de profundidade e numa distância de 40 metros, a dita testemunha não poderia ter prestado as declarações que prestou.

R) Devendo ter sido desconsideradas por extravasarem o principio da razoabilidade!!!

S) Assim se considerando, faleceram as provas, para se poder condenar o arguido, aqui recorrente!!!».

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Notificado o Ministério Público nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, sustenta que o recurso não merece provimento e que a sentença recorrida deve manter-se, uma vez que não houve errada apreciação da prova, designadamente do depoimento da testemunha F... e o ofendido não está proibido legalmente de depor, apesar da anomalia psíquica.

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Nesta instância, os autos tiveram vista da Ex.ma Senhora Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, emitiu douto parecer no sentido de que acompanhava as contra-alegações do MP na 1.ª instância.

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Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP respondeu, limitando-se a dizer que mantém tudo quanto consta das alegações de recurso.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

«a) Em dia não concretamente apurado, mas no final do mês de Julho de 2012, pelas 08h00m, o arguido conduzia uma carrinha de cor branca, de marca e matrícula não apuradas, pela Estrada Principal da Quinta da Vigia, concelho de Mangualde, seguindo a uma velocidade não determinada, mas reduzida;

b) Nessa ocasião, ao aperceber-se da presença do ofendido B... , o arguido direccionou o veículo automóvel que conduzia contra o ofendido, atingindo-o, com o espelho lateral da viatura, no lado esquerdo das costas;

c) E passando com a roda do veículo por cima do pé esquerdo do ofendido;

d) Após, o arguido imobilizou o veículo automóvel que tripulava e dirigiu-se ao ofendido e, com foros de seriedade, disse-lhe "dou-te com o chicote; corto-te o pescoço a ti e a todos";

e) As expressões referidas em d) provocaram no ofendido B... forte inquietação e receio de que o arguido pudesse atentar contra a sua integridade física e contra a sua vida;

f) O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o ofendido B... na sua integridade física;

g) Na sequência do impacto referido em b) e c) o ofendido B... sentiu dores e mal-estar físico nas zonas atingidas;

h) O arguido sabia que as expressões referidas em d) eram adequadas e idóneas a provocar medo no ofendido B... , causando-lhe receio quanto à sua integridade física e à sua vida;

i) O ofendido é portador de doença mental com o diagnóstico de oligofrenia moderada e graves alterações do comportamento com heteroagressividade sendo acompanhado pelo Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar Tondela Viseu, EPE;

j) O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, sendo sabedor de que as suas relatadas condutas eram proibidas e criminalmente punidas;

k) O arguido é casado e reside com a esposa e com dois filhos, com 12 e com 18 anos de idade, que vivem ao seu encargo, em casa própria;

1) O arguido é operário fabril, auferindo €700,00 mensais a título de salário;

m) A esposa do arguido é costureira, auferindo mensalmente, a título de salário, o equivalente ao salário mínimo nacional;

n) O arguido paga cerca de €250,00 mensais para pagamento de um empréstimo contraído para a aquisição de habitação;

o) O arguido tem o 9.° ano de escolaridade;

p) O arguido é tido como pessoa trabalhadora e respeitadora no meio onde vive;

o) Do certificado de registo criminal do arguido, junto a fls.162 dos autos, nada consta.

Dos factos relativos ao pedido de indemnização civil resultou provado que:

1) Na sequência da conduta do arguido referida em b) e c) dos factos provados no tocante à matéria criminal, o demandante civil B... sentiu dores, que se prolongaram durante alguns dias, nas costas e no pé esquerdo, nos termos mencionados em f) dos factos provados referentes à matéria criminal;

2) E em face das expressões mencionadas em d) dos factos provados no tocante à matéria criminal, que o demandado civil lhe dirigiu, o demandante civil B... sentiu receio que o demandado civil pudesse atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida;

3) Na ocasião referida em a) dos factos provados no tocante à matéria criminal, o demandado civil era conhecedor da circunstância de o demandante civil ser portador de doença mental;

4) O demandante civil é pessoa pacífica, respeitadora e educada.

Factos não provados:

A) No tocante à matéria criminal

- Os factos mencionados em a) a d) ocorreram no dia 27 de Julho de 2012;

- Na ocasião referida em d) o arguido disse ao ofendido B... "dou-te com o chicote que ali tenho na carrinha".

B) No tocante ao pedido de indemnização civil:

- Em consequência das condutas levadas a efeito pelo demandado civil o demandante civil vive em constante sobressalto;

- Sentindo-se inseguro e intranquilo;

- Tendo ficado com falta de vontade de sair de casa e de encontrar-se com amigos e conhecidos;

- Ficando durante alguns dias pessimista e carrancudo para com a própria família;

- O demandado civil mostra, habitualmente, grande ressentimento e ousadia relativamente ao demandante civil;

- Em consequência das condutas levadas a efeito pelo demandado civil o demandante civil sentiu-se profundamente humilhado, vexado e envergonhado.

Fundamentação da matéria de facto:

Os factos dados como provados resultaram da conjugação de todos os elementos de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, designadamente:

Das declarações prestadas pelo ofendido/demandante civil B... , que, não obstante as notórias limitações de interacção, motivadas pela doença mental de que padece, afirmou, conseguindo expressar, de forma espontânea e perceptível, os seus sentimentos e a sua vivência, que quando caminhava pela beira da estrada o arguido lhe embateu, com o espelho da viatura por si conduzida, que identificou como sendo de cor branca, no lado esquerdo das costas, mais lhe tendo passado com a roda da viatura por cima do seu pé esquerdo, apontando, com gestos, visíveis e naturais, as zonas do corpo atingidas.

Verbalizou o ofendido, de forma que não deixou dúvidas ao tribunal, que o arguido o atingiu propositadamente com o veículo que conduzia, justificando tal afirmação com a circunstância de o arguido fazer ziguezagues até o atingir.

Disse ainda o ofendido que o arguido lhe disse para ir ter com ele que lhe cortava o pescoço, fazendo em seguida o gesto com a mão, demonstrativo de tal afirmação, e que utilizaria um chicote para o efeito.

Mais apresentou o ofendido um evidente receio do arguido, receio esse que não conseguiu esconder em audiência de discussão e julgamento, fazendo várias vezes, de forma espontânea, e não ensaiada ao invés do que pretendeu fazer crer o arguido, o gesto representativo do medo sentido, que levou a que o tribunal determinasse o afastamento do arguido da sala de audiência no decurso das declarações prestadas pelo ofendido.

Já C... , mãe do ofendido, disse, de forma espontânea, logrando convencer o tribunal, que em dia que não recorda, mas no final do mês de Julho de 2012, no período da manhã, se encontrava no interior da cozinha da sua residência, tendo ouvido gritos.

Relatou a declarante que nesse momento olhou para a estrada, através da janela, tendo visto uma carrinha de cor branca, de propriedade pelo arguido, estando este no seu exterior, tendo ouvido o arguido, além de vários impropérios, proferir as expressões "ai já fugiste com medo, salta cá para cima que te corto o pescoço", sendo que, quando saiu de casa, constatou que tais expressões eram dirigidas ao seu filho B... .

Acrescentou a declarante C... que quando saiu de casa o arguido viu-a e, de imediato, abandonou o local no veículo em que se fazia transportar, sendo que o seu filho se dirigiu para casa de uma cunhada da declarante.

Questionada, disse que não viu o arguido embater com o veículo por si tripulado no corpo do ofendido, afirmando que depois dos factos falou com o seu filho, o qual lhe transmitiu que o arguido lhe embateu com o veículo que conduzia, atingindo-o no fundo das costas, que lhe pisou o pé com a roda da viatura e ainda que o arguido lhe disse que lhe batia com um chicote.

Não obstante os compreensíveis nervosismo e inquietação, próprios de uma mãe cujo filho, que sofre de doença mental, foi agredido, a declarante apresentou um discurso espontâneo e verdadeiro, apenas relatando o que presenciou. Diga-se a este propósito que a declarante afirmou ao tribunal não ter visto o ofendido a ser embatido pelo veículo tripulado pelo arguido, mais não tendo ouvido o arguido a falar em qualquer chicote, nem tendo visto tal objecto, facto bem revelador de que a declarante não pretendeu relatar factos aos quais não assistiu.

Por sua vez, F... , cunhado do ofendido B... , relatou que em dia que não recorda, mas no final do mês de Julho de 2012, se dirigiu, no período da manhã, ainda antes das 08h00m, à residência onde vivem a sua sogra e o seu cunhado com o propósito de ali ir buscar um tractor para se dirigirem a um terreno agrícola pertencente à sua sogra.

Mais referiu que quando se encontrava junto a uns barracões situados perto da residência da sua sogra viu o ofendido, que se encontrava a cerca de trinta a quarenta metros da testemunha, a caminhar à beira da estrada, adiantando que nessa altura chegou o arguido, ao volante de uma carrinha de cor branca, que conduzia a uma velocidade reduzida, que em concreto não sabe precisar, mas a cerca de 20 km/hora, com o vidro aberto, sendo que assim que viu o ofendido o arguido começou a dirigir-lhe, em tom de voz elevado, vários impropérios, mais lhe dizendo que o matava.

Acrescentou a testemunha que, após, o arguido atingiu o ofendido com o veículo que conduzia, atingindo-o na zona das costas e passando-lhe com a roda por cima do pé, sendo que o ofendido se contorcia com dores. Disse ainda que depois de ter embatido três vezes com o veículo automóvel no corpo do ofendido o arguido saiu da viatura e, munido com um chicote, que descreveu como tendo cerca de um metro de comprimento, sendo grosso e de cor escura, dirigiu-se ao ofendido dizendo-lhe que quando o apanhasse o matava, que lhe cortava logo o pescoço e que matava todos, mais dizendo que lhe dava com o chicote, sendo que não conseguiu atingir o ofendido pela circunstância de o mesmo ter fugido para junto de uma mata ali existente.

Relatou a testemunha que nessa altura a sua sogra saiu da sua residência e, de imediato, o arguido ausentou-se do local.

Ficou, pois, o tribunal completamente convicto de que o arguido direccionou o veículo automóvel que conduzia contra o corpo do ofendido, atingindo-o no lado esquerdo das costas com o espelho lateral da viatura e passando com a roda do veículo por cima do pé esquerdo do ofendido e ainda que o arguido dirigiu ao ofendido as expressões "dou-te com o chicote; corto-te o pescoço a ti e a todos".

Mais se diga que tendo o arguido recusado prestar declarações em sede de audiência de discussão e julgamento foram ouvidas, no âmbito da audiência, as declarações que o mesmo prestou perante a M.ma Juiz de Instrução Criminal no âmbito das diligências de instrução a que houve lugar, ao abrigo do preceituado no art.357.º, n.º l, al. b) do Código de Processo Penal.

É certo que no âmbito de tais declarações o arguido negou ter praticado os factos que lhe são imputados.

Todavia, pela sua incoerência e imprecisão, as declarações por si prestadas não lograram convencer o tribunal.

Afirmou o arguido que em dia que não sabe precisar, mas no final do mês de Julho de 2012, se dirigia para o trabalho, tendo visto o ofendido com um cinto no ar, adiantando que quando passou junto do mesmo este atirou-se para cima do veículo automóvel conduzido pelo arguido, em face do que lhe disse "ai seu ladrão que te podia matar", tendo o ofendido ficado assustado e fugido para o lado da serra, local onde pegou numa pedra para arremessar em direcção à viatura do arguido, sem que, contudo, o tenha feito.

Verbalizou o arguido que nessa altura começou a falar de forma áspera com o ofendido, que tem uma deficiência mental, por forma a que o mesmo não voltasse a repetir aquela conduta, dizendo-lhe, além do mais, que não andava bom da cabeça e para ir para casa, sem que lhe tenha dito que lhe dava com um chicote e que lhe cortava o pescoço, adiantando que em seu entender o arguido foi incentivado e instrumentalizado, por um irmão que anda de relações cortadas com o arguido, a adoptar as referidas condutas e, até, que toda a situação foi ensaiada para que fosse posteriormente apresentada queixa contra si e fosse levado a julgamento.

Ora, na versão do arguido não fazia sentido que este, conhecedor da doença mental de que padecia o ofendido, ficasse no local a falar de forma áspera com aquele.

Diga-se, ainda, que o arguido mencionou que quando se dirigiu ao ofendido se muniu de uma corda, que identificou como sendo aquela que se encontra apreendida nos autos, retratada no auto de apreensão de fls.35 e no registo fotográfico de fls.36, assim procedendo por forma a intimidar o ofendido de modo a que não voltasse a repetir condutas semelhantes, comportamento que, saliente-se, não é consentâneo com a circunstância de o arguido ser sabedor de que o ofendido era portador de uma doença mental.

A este propósito diga-se que depois de numa primeira fase ter dito que não ameaçou o ofendido com qualquer objecto, acabou o arguido por afirmar que se dirigiu ao ofendido com uma corda, dizendo-lhe que precisava de umas bordoadas para ver se apanhava juízo e que nunca foi sua intenção molestar o ofendido na sua integridade física.

Nessa medida, não fazem sentido as declarações do arguido no sentido de que utilizou a corda em questão para melindrar o ofendido, sendo certo que como consta do auto de apreensão de fls.35 a corda em questão foi entregue pelo próprio arguido no posto de Mangualde da Guarda Nacional Republicana, tendo o mesmo procedido a tal entrega no dia 18 de Fevereiro de 2013, ou seja, decorridos mais de seis meses sobre a data da prática dos factos.

Assim, a versão trazida pelo arguido não logrou convencer o tribunal, apresentando-se a mesma como uma história por ele construída por forma a afastar qualquer responsabilidade criminal que pudesse ser-lhe assacada.

Já quanto à data em que ocorreram os factos mencionados em a) a d) dos factos provados no tocante à matéria criminal, temos que não se logrou apurar o concreto dia em que os mesmos aconteceram, sendo certo que, nem o ofendido nem as testemunhas inquiridas, nem o arguido lograram concretizar com precisão o dia em que os mesmos aconteceram, apenas se referindo a um dia que não sabem precisar, no final do mês de Julho de 2012, ainda que o arguido, como supra se relatou, tenha apresentado uma versão diferente dos factos.

No que respeita à doença mental de que padecia e padece o ofendido, a mesma resulta, desde logo, da análise da informação junta a fls.56 pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE, onde se refere que o ofendido padece de oligofrenia moderada, com graves alterações do comportamento com hétero-agressividade.

Acresce que a doença mental de que padece o ofendido é perceptível através da análise da sua própria postura, sendo que todas as testemunhas inquiridas, e o próprio arguido, afirmaram que é do conhecimento geral que ofendido sofre de doença mental, sendo ainda certo que como se extrai dos elementos juntos a fls.184 a 189, extraídos dos autos de processo de interdição n.o163/14.8TBMGL, e da informação exarada a fls.198, foi intentada acção tendente à declaração de interdição do ofendido por anomalia psíquica, sendo que no âmbito de tais autos não foi ainda realizado exame pericial ao aí requerido/aqui ofendido, nem foi proferida sentença.

Para prova da ausência de antecedentes criminais do arguido foi tido em consideração o seu certificado de registo criminal constante de fls.162.

No que concerne às condições pessoais e económicas do arguido as mesmas resultaram das declarações pelo mesmo prestadas, sendo que a tal propósito o arguido se mostrou credível.

Já no que respeita aos factos mencionados em o) dos factos provados no tocante à matéria criminal o tribunal considerou o depoimento prestado pelas testemunhas D... e E... que afirmando conhecer o arguido há muitos anos, com ele privando, disseram, de forma espontânea, que o mesmo é considerado pessoa trabalhadora e correcta.

No tocante aos factos provados respeitantes ao pedido de indemnização civil os mesmos resultaram, desde logo, das declarações prestadas pelo ofendido/demandante civil B... que referiu, de forma espontânea, que em face do embate provocado pelo veículo automóvel conduzido pelo arguido/demandado civil sentiu dores na zona das costas, designadamente no fundo das costas, do lado esquerdo, e no pé esquerdo, sendo que a tal propósito C... e F... , pessoas que privaram com o arguido nos dias seguintes aos factos relataram que o mesmo se queixava de dores nas zonas atingidas, apresentando vermelhidão das costas. Afirmaram ainda, de forma espontânea, que não obstante a deficiência mental de que padece, o ofendido é uma pessoa pacífica, respeitadora e educada.

Relativamente ao receio que ofendido/demandante civil B... em face das condutas do arguido/demandado civil, tal sentimento resultou, como supra se referiu, das declarações e da postura apresentadas pelo ofendido/demandante civil.

No que se reporta aos factos não provados respeitantes ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil B... , temos que nenhuma prova sobre eles foi produzida, no sentido de, em conjugação com as regras da experiência comum, permitir sustentá-los.

Assim, não ficou demonstrado que por força das condutas levadas a efeito pelo demandado civil, o demandante civil viva em constante sobressalto, sentindo-se inseguro e intranquilo e que tenha ficado com falta de vontade de sair de casa e de encontrar-se com amigos e conhecidos, ficando durante alguns dias pessimista e carrancudo para com a própria família.

Desde logo, o próprio ofendido não logrou afirmar a ocorrência de tais factos. É certo que a declarante C... e a testemunha F... tentaram fazer crer ao tribunal que o demandante civil ficou pessimista e passou a ter receio de sair de casa. Contudo, nesta parte, os mesmos prestaram declarações no claro sentido de extrapolar os danos sofridos demandante civil, sendo certo que de acordo com as regras da experiência comum, condutas semelhantes às do demandado civil não acarretam tais consequências, sendo ainda certo que não pode olvidar-se que o ofendido padece de deficiência mental, circunstância que, naturalmente, o impede de ter a mesma percepção de um homem médio. Refira, a este propósito, que o próprio ofendido/demandante civil disse, de forma espontânea, reportando-se às condutas do arguido/demandado civil, que ocorreram há muito tempo e que "já passou". E, atentas tais razões, igualmente não se apurou que o demandante civil se tenha sentido profundamente humilhado, vexado e envergonhado.

Por outra parte, não resultou apurado que para além da situação mencionada em a) a d) dos factos provados no tocante à matéria criminal, o arguido tenha, em outras ocasiões, entrado em confronto com o ofendido, pois que nenhuma pessoa logrou concretizar qualquer outro episódio em que ambos tenham estado envolvidos».

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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a)Falta de capacidade do ofendido para “testemunhar” por sofrer de anomalia psíquica, contra quem correm termos autos de interdição e consequente invalidade do seu depoimento.

b) “Falsidade” do depoimento da testemunha F... .

Apreciando:

a) Da capacidade do ofendido portador de anomalia psíquica para depor em julgamento.

O recorrente neste segmento do recurso sustenta que existe assim falta de capacidade para testemunhar por parte do ofendido B... e como tal o seu depoimento deve ser considerado inválido.

Alega para tal o recorrente que a mãe do ofendido C... , foi inquirida como testemunha e depois foi nomeada como curadora do ofendido B... , a qual prestou declarações nessa qualidade de curadora do seu filho.

A GNR afirma não ser possível proceder à inquirição do ofendido por o mesmo padecer de anomalia psíquica.

Diz ainda que a sessão de audiência do dia 11/3/2015 a capacidade do B... para depor estava severamente abalada, uma vez que dos autos já existiam fortes indícios da sua incapacidade.

Na sequência de requerimento do arguido no sentido de que fosse efectuado um oficio ao Departamento de Psiquiatria do Hospital de São Teotónio, EPE de Viseu, onde o mesmo andava a ser acompanhado, para esclarecer vários pontos e assim se aferir da capacidade para o mesmo depor, o tribunal a quo proferiu efectivamente despacho no sentido de informar a data designada pelo Instituto de Medicina Legal de Coimbra para a realização de exame pericial ao ofendido e a data em que se previa a junção aos referidos autos de processo de interdição n. 163/14.6TBMGL do relatório elaborado em conformidade, na medida em que tal relatório se revelava útil para apurar a doença mental de que padecia o ofendido, doença mental essa que é referida no despacho de pronúncia.

O tribunal a quo ordenou ainda a junção aos autos cópia da petição inicial, dos autos de interdição, bem como dos elementos médicos aí constantes, a ele respeitantes.

Ora, é manifesto que não assiste qualquer razão, por carecer de fundamento legal, quanto à capacidade para o ofendido depor, ainda que interdito.

Outra coisa bem diferente é a valoração que as declarações do ofendido que sofre de anomalia psíquica mereceram do tribunal, as quais devem ser apreciadas segundo o princípio da livre apreciação ad prova, nos termos do art. 127.º, do CPP e na apreciação das mesmas declarações, e gestos e queixas, em embargo d o tribunal dever ter em conta a limitação de que sofre a vítima.

Seria incompreensível e desproteger a vítima na defesa dos seus legítimos direitos em crimes praticados contra a sua pessoa, designadamente contra a sua integridade física.

A própria vítima em caso de ofensa à integridade física é objecto de prova, quer pela observação das lesões que apresenta, quer pela forma como se exprime e queixa.

Nos termos do art. 138.º, n.º 1, do CC podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar sua pessoa e bens.

Se por ventura a anomalia psíquica, embora de carácter permanente, não for de tal modo grave que justifique a sua interdição, o afectado pela anomalia psíquica, pode ser declarado inabilitado, de acordo com o disposto no art. 152.º, do CC, cabendo o exercício dos direitos em nome do interdito ou inabilitado ao tutor nomeado para o efeito, a quem incumbe especialmente cuidar e velar pelos interesses destes.

A lei preocupou-se em assegurar o exercício dos direitos do interdito ou inabilitado e não faria sentido que fosse ignorado em termos de prova quanto às suas declarações que devem ser interpretadas e valoradas atendendo às limitações que apresentam.

Aliás a própria ciência e sistema de ensino nos dias de hoje preocupam-se em entender e interpretar o portador de doença do foro psíquico e psiquiátrico, havendo hoje técnicos especializados para os interpretar e com eles dialogar, por forma a permitir a sua socialização dentro do possível.

O ofendido, como consta dos autos é portador de doença mental com o diagnóstico de oligofrenia moderada e graves alterações do comportamento com hétero-agressividade, sendo acompanhado pelo Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar Tondela Viseu, EPE e contra o mesmo correm termos autos de interdição.

Será absolutamente indiferente, em nosso entender, o grau de doença mental para se concluir que tal possa implicar uma incapacidade de depor em julgamento e prestar declarações.

Porém, o princípio da livre apreciação da prova é nestes casos particularmente posto à prova relativamente ao julgador, que deve ter especiais cuidados no sentido de entender e interpretar a vítima quer na sua linguagem, quer nos sentimentos e gestos que exterioriza.

O interdito e inabilitado, porque estão incapazes ou limitados de exercer os seus direitos, na lei civil são considerados equiparados em parte ao menor, de acordo com o que dispõe o art. 139.º, do CC.

Ora, em processo penal a vítima menor não está impedida de depor e prestar declarações, estando sim sujeita a especiais cuidados, como não podia deixar de ser dada a sua vulnerabilidade.

Também somos de opinião que o ofendido não está impedido de prestar declarações, ainda que sofra de anomalia psíquica e mesmo que declarado interdito, estando as suas declarações sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, que o julgador deve ponderar de forma sensata e ter necessariamente em conta a condição em que depõe.

É este o sentido que vem seguindo a jurisprudência mais bem avisada, ao interpretar o art. 131.º, do CPP, fazendo apelo aos princípios da igualdade e da equidade, consagrados nos art. 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa

«(…)

II – O assistente que seja interdito por anomalia psíquica com capacidade intelectual e emocional para prestar declarações, tem o direito de vir a julgamento e narrar o que sofreu e como sofreu. Obviamente que tais declarações serão apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, concorrendo com todos os outros meios de prova, como determina o art. 127º, do CPP. O que não pode suceder é que esta vítima, só por se encontrar interdito, esteja impedido de trazer a julgamento a sua versão dos factos.

III – O art. 131º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de declarar incapaz para testemunhar ou prestar declarações uma pessoa que tenha num processo a condição de vítima ou ofendido de um crime se essa pessoa estiver interdita por anomalia psíquica, é inconstitucional, por violação dos arts. 1º e 13º e 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa» - Ac. TRL de 23/11/2010 – Proc. 5221/06.0TACSC.L1.5, in www.dgsi.pt/jtrl.

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/2011 acabou por julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 131.º, n.º 1, aplicável por remissão do artigo 145.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de determinar a incapacidade para prestar declarações em audiência de julgamento da pessoa que, tendo no processo a condição de ofendido, constituído assistente, está interdita por anomalia psíquica.

O ofendido B... , representado por C... , deduziu pedido de indemnização civil peticionando a condenação do arguido/demandado civil A... no pagamento da quantia de €2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos em consequência das condutas levadas a efeito pelo arguido/demandado civil.

Não faria sentido que ofendido, enquanto vítima do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º 1, do CP perpetrado pelo arguido estivesse impedido de prestar declarações em audiência de julgamentos, sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127.º, n.º 1, do CPP.

Nesta conformidade, o ofendido B... , pelo facto de contra ele estar a correr termos acção de interdição, com o fundamento de ser portador de doença mental com o diagnóstico de oligofrenia moderada e graves alterações do comportamento com hétero-agressividade, não está ferido de incapacidade de depor nos autos como testemunha.

*

b) Da “falsidade” do depoimento da testemunha F... .

O recorrente alega ainda que as declarações da testemunha F... são contraditórias.

Para tal refere que do conteúdo das mesmas verifica-se que foi desvalorizado o local onde a testemunha se encontrava e o ângulo de visão da mesma.

No seu entender aos olhos de um homem comum pode-se afirmar que a 3 metros de profundidade e numa distância de 40 metros, a dita testemunha não poderia ter prestado as declarações que prestou.

Para tal transcreve o seu depoimento na motivação de recurso de fls. 242 a 244, concluindo que faleceram as provas para ser proferida sentença de condenação.

Pretende o arguido com a transcrição do depoimento prestado pela testemunha F... demonstrar que o mesmo se mostrou contraditório, resultando das declarações que o mesmo se encontrava em casa da sogra, a 3 metros de profundidade da estrada onde o arguido supostamente estaria e a 40 metros de distância do mesmo.

Ora, neste segmento do recurso o arguido não pretende impugnar a matéria de facto, com base em erro de julgamento, ao abrigo do art. 412.º, n.º 3 e 4, d CPP e nem o formalismo ali exigido foi seguido.

Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, o juiz dá um facto ou como factos como provados em determinado sentido e o depoimento aponta em sentido diverso.

O juiz neste caso engana-se ao transcrever o que disse a testemunha, isto é diz que testemunha diz uma coisa, quando diz outra.

Se o recorrente põe em causa, atentas as circunstâncias concretas do caso, a impossibilidade do facto se poder verificar ou a impossibilidade da testemunha o poder presenciar, estamos perante a deficiente apreciação da prova pelo tribunal.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

E só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados. 

No caso dos autos o recorrente apelida incorrectamente de “falsidade” do depoimento da testemunha F... , pois o que pretende questionar, forma como o faz, é a deficiente apreciação da prova e não o facto da testemunha estar a mentir.

O recorrente não pode questionar a matéria de facto com base na credibilidade que o tribunal deu à prova que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, pois o vício de erro notório na apreciação da prova, não tem a ver com a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, não podendo deste modo, e por si só, pôr-se em causa a factualidade dada como assente.

A apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP, cfr. Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

Os factos dados como provados não resultaram só do depoimento da testemunha F... mas da conjugação de vários elementos probatórios.

As declarações do ofendido/demandante civil B... foram apreciadas segundo o princípio da livre apreciação da prova consignado no art. 127.º, do CPP, o que está expresso na forma que o tribunal considerou espontânea e perceptível, conseguindo transmitir os seus sentimentos e a sua vivência, relativamente ao embate que sofreu no lado esquerdo das costas, com o espelho de veículo que o arguido conduzia e relativamente ao facto de lhe ter passado com a roda da viatura por cima do seu pé esquerdo, apontando, com gestos, visíveis e naturais, as zonas do corpo atingidas.

O tribunal também deu credibilidade ao depoimento da testemunha F... , referindo designadamente que quando se encontrava junto a uns barracões situados perto da residência da sua sogra viu o ofendido, que se encontrava a cerca de trinta a quarenta metros da testemunha, a caminhar à beira da estrada, adiantando que nessa altura chegou o arguido, ao volante de uma carrinha de cor branca, que conduzia a uma velocidade reduzida e que direccionou ao ofendido vindo a atingi-lo na zona das costas e passando-lhe com a roda por cima do pé, presenciando ainda as dores que este sentia.

Concluímos assim pelos fundamentos expostos que não há fundamento para por em causa a credibilidade do depoimento da testemunha F... .

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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a sentença recorrida.

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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.

Coimbra, 9 de Março de 2016

(Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)