Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12373/17.1YIPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
AECOP
EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - O.HOSPITAL - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.848, 854 CC, 266 Nº2 C) CPC, DL Nº 269/98 DE 1/9
Sumário: 1. A al. c) do nº2 do artigo 266º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.

2. A compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (nº1 do artigo 848º CC), tendo a extinção dos créditos eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º CC).

3. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.

Decisão Texto Integral:




                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

A (…) unipessoal, Lda., intentou procedimento de injunção contra C (…), S.A.,

 Pedindo a condenação da Requerida no pagamento da quantia de 10.235,20 €, acrescida de 886,05 € de juros de mora, acrescida de 190,00 €, por fornecimento de bens e serviços.

A Requerida deduziu oposição alegando, em síntese:

em 21-08-2015, a Requerida celebrou com a requerente um contrato de subempreitada, pelo preço de 21.370,50 €, trabalhos a realizar pela Requerente até 30.09.2015, por conta dos quais a Requerida já pagou a quantia de 2.200,00 €;

a requerente deixou de executar trabalhos no valor de 10.328,70€, pelo que a requerida lhe comunicou que nada pagaria enquanto não fosse executada a totalidade dos trabalhos contratualmente previstos;

após sucessivas interpelações para que executasse os trabalhos em falta, a Requerida, em 05-11-2015 comunicou à requerente a resolução do contrato;

durante a execução do contrato, a Requerente constituiu-se em incumprimento perante o requerido pelo facto de não ter terminado a obra no prazo acordado, pelo que lhe aplicou a titulo de multa contratual a quantia de 997,29 €;

em 06.11.2015, adjudicou a terceiros os trabalhos em falta no que despendeu a mais a quantia de 725,92 €, tendo ainda de suportar a quantia de 8,442,33 €  de custos com o estaleiro, pelo prolongamento dos trabalhos acordados;

devendo a requerida à requerente a quantia de 8.841,80 €, deverá ser compensado o contra crédito da requerida no valor de 10.165,54€, compensação que já foi comunicada extrajudicialmente à Requerente pela requerida, por carta enviada a 20.06-2016.

Concluiu pela improcedência da injunção e, na procedência da oposição, ser compensado no crédito da Requerente de 8.841,80 €, o crédito da Requerida de 10.165,54, declarando-se aquele extinto deste 21-06-2016. 

Remetido o processo à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

“Nos presentes autos que seguem como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e injunção, disciplinada no DL nº 269/98, de 1 de setembro, veio a requerida deduzir oposição e reconvenção através da qual peticiona a compensação de créditos.

A presente ação apenas prevê a existência de dois articulados: a petição inicial e a contestação, não sendo admissível a reconvenção – cfr., artigo 1º do referido diploma.

Destarte, decide-se não admitir a reconvenção deduzida pela Requerida (artigo 21º e ss. da oposição).

Custas da reconvenção pela requerida.

Valor da reconvenção: 8.841,80 €”.

Inconformada com tal decisão, a Requerida dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. A forma de se efetivar processualmente a compensação, com extinção da obrigação da outra parte, é a reconvenção, ainda que apenas para aquele fim.

2. Diz o artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC que a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

3. O valor da injunção e a forma de processo que ela seguirá com a oposição (a ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio) não impedem a dedução (processual) de reconvenção para efeitos de mera compensação de créditos entre as partes: e foi isso o que a Recorrente fez, com vista ao reconhecimento judicial da compensação dos créditos já declarada extraprocessualmente antes da injunção, com extinção já operada do crédito da Recorrida, sem que tenha sequer pedido o pagamento do seu crédito remanescente (cf. artigos 847, nºs 1 e 2, e 854º do CC).

4. Porquanto, estando as obrigações extintas, o Tribunal deve conhecer dessa exceção ao pagamento do valor reclamado pela Recorrida, sob pena de a Recorrente ser condenada a pagar o que já não deve, uma vez que a sua obrigação para com aquela já se encontra extinta, sob pena de tal facto ainda criar, apenas por meras razões processuais, uma total desarmonia com a relação substantiva existente entre as partes.

5. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 285518/10-8YIPRT.L1-7, de 20-05-2014.

6. Assim, havendo créditos recíprocos entre as partes, estando os mesmos já compensados, com extinção das obrigações respetivas, nos termos dos artigos 847º e seguintes do Código Civil, e sendo a forma processualmente adequada a essa finalidade, neste momento, a reconvenção, nos termos previstos no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC, ela tem que ser admitida nesta ação, sob pena de, por mero conceptualismo, criarmos judicialmente uma realidade que não existe substantivamente e de onerarmos os cidadãos no acesso à justiça, contra tudo o que deve ser a sua proporcionalidade, a sua promoção, a sua celeridade e a sua economia (artigo 20º da CRP).

7. Conclui-se que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a tramitação da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e injunção apenas prevê dois articulados – petição inicial e contestação -, não admitindo a reconvenção, quando esta se destina apenas à efetivação de compensação prévia e extraprocessualmente já declarada.

8. Impunha-se, atenta a legislação aplicável (266.º, n.º 2, alínea c) do CPC) e a jurisprudência, uma decisão diversa da proferida, que considerasse ser a reconvenção admissível, em sede de oposição à injunção, como objetivo de alegar que o crédito peticionado pela Recorrida já se encontrava extinto por uma compensação já efetuada prévia e extrajudicialmente pela Recorrente.

Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que decida pela admissibilidade da reconvenção da Recorrente.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais nos termos previstos no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Admissibilidade da compensação/reconvenção.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Admissibilidade da compensação/reconvenção.

Instaurado procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00 €, a dedução de oposição implica a remessa do procedimento à distribuição, seguindo-se com as necessárias adaptações o disposto no nº4 do art. 1º e nos artigos 3º e 4º a – Artigo 17º, nº1 do Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de setembro.

Ou seja, em tais casos, deduzida oposição, se a ação tiver que prosseguir sem que os autos disponham de elementos para, desde logo, conhecer do mérito da causa, a audiência realiza-se dentro de 30 dias, sendo as provas apresentadas em audiência.

A jurisprudência foi-se consolidando no sentido de que nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transação comercial de valor inferior a metade da alçada da Relação (ou seja, de valor não superior a 15.000,00 €), e dado os termos simplificados em que a mesma se consubstancia, não é admissível a reconvenção[1].

Sendo aí admissíveis unicamente dois articulados (requerimento de injunção e contestação), a contestação só é notificada ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência final (nº4, do art.º do Anexo, por força do nº1 do art. 17º), pelo que, a resposta do autor a eventuais exceções que o réu deduza na contestação só poderão ter lugar no início da audiência de julgamento.

Será esta a intenção do legislador e a interpretação que melhor se concilia com a tramitação processual simplificada prevista para tal ação especial.

De qualquer modo, no caso em apreço, a Requerida também não é clara no modo como deduz a sua pretensão respeitante à invocação de um contra crédito contra o autor. Limitando-se a invocá-lo unicamente para o efeito de extinguir o crédito do autor (apesar de o seu contracrédito ser superior não pode o reconhecimento do excedente), deixa algumas dúvidas sobre a posição por si assumida, nomeadamente se tal invocação é feita no âmbito de uma mera defesa por exceção ou se no campo da reconvenção, através da dedução de ação autónoma contra o autor.

Na oposição que deduz ao requerimento de injunção, a Requerida alega que nada deve à Requerente, porquanto, sendo titular de um contracrédito contra a Requerente no valor de 10.165,54 €, o crédito da Requerente aqui peticionado (cuja existência reconhece unicamente no valor de 8.841,80€) encontra-se extinto por compensação, por si invocada extrajudicialmente por carta enviada à autora no dia 20-06-2016.

E, não só não alega que pretende deduzir pedido reconvencional contra a Requerente, como não formula expressamente qualquer pedido de reconhecimento do seu alegado crédito no valor de 10.165,54 € (ou sequer no valor necessário à compensação com o crédito do autor).

E se atentarmos ao modo como estrutura e sistematiza a sua oposição, alega “deduzir oposição à injunção, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos: I) por impugnação e II) por compensação, subdividindo esta última em 1. multa contratual, 2. sobrecustos, 3. custos diretos, sem que haja algum capítulo dedicado à “reconvenção”.

A Ré utiliza a palavra “reconvenção” uma única vez, no art. 48º da sua oposição ao alegar que, “a forma de agora se efetivar processualmente a compensação, com extinção da obrigação da outra parte é a reconvenção, ainda que apenas para aquele fim (artigo 266º, nº2, al. c), do COP”, sem que daí retire qualquer consequência, acabando por não formular expressamente qualquer pedido contra a Requerente[2].

 Assim sendo, a entender-se que a Requerida não deduziu qualquer reconvenção que tenha ser (ou não) admitida, nada mais haveria aqui a decidir, não fora a referência que o despacho recorrido faz, a seguir à decisão de “não admitir a reconvenção”, colocando entre parêntesis “(artigo 21º e seguintes da oposição)”, daqui se deduzindo que, com tal despacho – independentemente da questão de saber se nela foi, ou não, deduzida reconvenção, se visou a rejeição ou não admissão de todo o alegado pela requerente nos arts. 21º e ss. da oposição.

De qualquer modo, a verdadeira questão que aqui se coloca não será tanto a da (in)admissibilidade da reconvenção na AECOP de valor inferior a 15.000,00 €, mas se a compensação poderá ser deduzida enquanto defesa por exceção ou se, necessariamente, através de pedido reconvencional formulado contra o autor, ainda que o contra crédito seja invocado apenas como meio de provocar a extinção do crédito do autor e sem que o réu peça a condenação do autor no valor excedente.

Na vigência do anterior Código de processo, estabelecia o artigo 274º, nº2, al. b), que “a reconvenção é admissível (…) quando o réu se propõe obter a compensação”.

Era, já então, controvertida a questão de saber se a compensação tinha de ser invocada sempre em sede de reconvenção ou se a constituía apenas quando o crédito do réu era superior e só na medida do excesso, sendo esta última a jurisprudência maioritária.

Os defensores de que a compensação deveria ser invocada em sede de exceção, só podendo ser objeto de pedido reconvencional na parte excedente, apoiavam-se no argumento de que se a alegação de factos extintivos do direito do autor assume a natureza de exceção perentória, parecia inexistirem razões justificativas para sujeitar a compensação a diverso tratamento[3].

Partindo da ideia de que a compensação se efetiva através de uma mera declaração de vontade unilateral (manifestada extrajudicialmente), Vaz Serra considera que, quer na situação em que o réu tenha “declarado a compensação antes de o autor propor a ação e se defender do pedido deste invocando a compensação”, quer no caso em que o réu apenas na contestação manifesta originariamente a vontade de compensar, não há lugar a reconvenção, porquanto o réu não formula qualquer pedido contra o autor, limitando-se a alegar que o direito de crédito feito valer pelo autor se extinguiu pela compensação que ele demandado declarou.

Uma vez que o demandado, ao invocar a compensação, nada mais pretende do que a improcedência total ou parcial da ação, o meio adequado para alcançar esse efeito é a exceção perentória[4].

A aplicação da al. b), 2ª parte, do nº2 do artigo 274º, restringir-se-ia aos casos em que o contracrédito seja de montante superior ao do autor e o réu peça a condenação ou a declaração do seu crédito, quanto ao excedente[5].

Quanto aos defensores da tese de que a compensação teria sempre de ser deduzida a título reconvencional, faziam-no com o argumento de que quando réu invoca factos relativos à caducidade, ao perdão, ao pagamento ou à dação em cumprimento, tais alegações respeitam ainda, indubitavelmente, à relação jurídica sujeita à apreciação do tribunal. Quando é invocada a compensação de créditos, o direito de crédito não extingue por qualquer circunstância inerente à própria relação jurídica, mas porque o réu é, simultaneamente, credor do autor, crédito esse proveniente de uma outra relação jurídica existente entre ambos e que pode ser absolutamente distinta da apresentada pelo autor[6].

A revisão do CPC introduzida pela Lei nº 41/2013, de 12 de agosto, com a redação dada à alínea c), do nº2, do artigo 266º, veio reacender a polémica:

2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

(…)

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

 A generalidade da doutrina[7] reconhece que a redação de tal alínea revela que a intenção do legislador terá sido a de por fim à querela, assumindo a posição de que, sempre que o réu se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento do seu crédito na ação em que é demandado, deverá formular pedido reconvencional, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito do réu exceda o do autor[8].

Contudo, o teor de tal norma acaba por não encerrar a questão, uma vez que, em rigor, aí apenas se dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para o obter idêntico efeito, no caso, meramente extintivo do autor (art. 576º, nº3)[9].

Por outro lado, se compararmos a atual redação de tal norma com a anterior – a reconvenção é admissível (…) quando o réu se propõe obter a compensação – constatamos que a única diferença é que agora o legislador diz claramente que a reconvenção não só é admissível para obter a compensação (o que já constava da versão anterior), como também é admissível “para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

De qualquer modo, a maior parte dos autores, de um modo ou de outro, acaba por defender uma interpretação restritiva, de modo a excluir da sua aplicação algumas situações que, no seu entender, tem de ser salvaguardadas sob pena de a defesa do réu ficar seriamente prejudicada.

Assim, Paulo Ramos de Faria e Helena Bolieiro[10] defendem que a norma se dirige apenas aos casos em que “o réu pretende obter o reconhecimento de um crédito” e já não às situações em que o réu pretende operar a compensação de um crédito já reconhecido judicialmente. Nestes casos, até ao valor do crédito do autor, continua aberta a possibilidade de excecionar a compensação – não podendo formular qualquer pedido reconvencional, sob pena de se verificar a exceção de litispendência.

Paulo Pimenta, assumindo embora que a referida norma tem natureza interpretativa e que o regime em apreço não permite ao réu qualquer espécie de opção – isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de exceção perentória – acaba por limitar a aplicação de tal norma ao sustentar que não estão cobertos pela sua previsão, “os casos em que a compensação já tenha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito já está extinto quando a ação é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de defesa[11]”.

No entender de Rui Pinto[12], o reconhecimento do crédito, com valor de caso julgado, parece ser condição tanto de compensação – com eficácia extintiva –, como do pagamento do valor excedente sobre o crédito do autor; contudo, alvitra que continuará a estar no âmbito da disponibilidade do réu pretender o reconhecimento de um crédito para obter a compensação. Se ele não pretender esse reconhecimento, pode deduzir a compensação, embora sem valor de caso julgado, nos termos do artigo 91º.

Sendo de opinião de que não haverá razões que justifiquem um tratamento diferenciado entre a compensação já efetuada por declaração extraprocessual e a que opere processualmente, Maria Gabriela Cunha Rodrigues[13] sustenta que nas ações em que não é admissível reconvenção, como as especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL 269/98, de 1 de setembro, ou nas ações em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (art. 91º, nº1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos, não devendo ao reu ser coartado este relevantíssimo fundamento de defesa.

Miguel Teixeira de Sousa[14] procede à distinção entre a invocação da compensação já efetuada em momento anterior à propositura da ação (compensação extrajudicial) e a realização, no próprio processo pendente da compensação entre créditos (compensação judiciária). No 1ª caso, o réu afirma que o crédito invocado pelo autor já se encontra extinto por uma compensação efetuada extrajudicialmente: essa parte alega, por isso, uma exceção perentória (artigo 576.º, n.º3 CPC); no segundo, o réu pretende provocar a compensação entre os créditos: para conseguir essa compensação judiciária, tem de se servir da reconvenção.

Por fim, chegamos à posição assumida por José Lebre de Freitas[15], segundo a qual, apesar da intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do atual regime é a de que nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.

Para tal autor, em primeiro lugar, a lei não diz que a compensação só pode ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta é admissível como fundamento de reconvenção. O termo “pretende” apoia igualmente a interpretação de a reconvenção se matem facultativa. Por outro lado, ainda que se fale de um “ónus de reconvir”, que o réu tem de observar se pretender obter o efeito extintivo do direito de crédito do autor, não é seguro que ele se estenda aos casos em que a vontade de compensar já tenha sido declarada pelo réu extraprocessualmente, visto que o efeito extintivo mútuo se produz, automaticamente, com a receção, por uma parte, da declaração da outra de querer compensar crédito e débito.

Esta tese de que a via da reconvenção permanece facultativa ou de que ao réu deverá sempre ser facultada a invocação da compensação (por uma via ou por outra) é a que melhor se coaduna com o regime substantivo da compensação introduzido pelo Código Civil de 1966 – compensação por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (nº1 do artigo 848º CC), extinção dos créditos com eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º CC).

Por fim, salientamos, tão só, que nas ações em que seja admissível a reconvenção, o interesse desta querela é meramente formal – quer a compensação seja deduzida como defesa por exceção, seja a título de reconvenção[16], sempre ao autor haverá de ser dada a possibilidade de resposta, por respeito ao princípio do contraditório; por outro lado, quer seja trazida ao processo por meio de exceção quer o seja através da dedução de pedido reconvencional, a invocação da compensação nunca altera o valor da causa. Com efeito, como dispõem os ns. 2 e 3 do artigo 530º do CPC, no caso de reconvenção só é devida taxa de justiça suplementar quando o réu deduza um pedido distinto do autor, “não se considerando distinto o pedido, quando a parte pretenda obter o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos”.

Aqui chegados, haverá que considerar que, no caso em apreço, se encontram reunidas as seguintes circunstâncias: i) não só nos encontramos perante uma forma de processo em que ao réu é vedada a dedução de reconvenção (forma esta escolhida unilateralmente pelo autor); ii) como a vontade de compensar foi já alegadamente declarada extrajudicialmente; iii) como ainda, o contracrédito de que o réu se socorre se movimenta dentro da mesma relação jurídica – pretendendo o autor cobrar o preço de determinados serviços, e alegando o réu que tais serviços faziam parte de uma empreitada global que o autor não concluiu, pretende o réu que o autor à responsável pelo pagamento do custo do estaleiro correspondente ao período de tempo a mais que a obra levou a ser executada relativamente ao convencionado[17].

Concluímos, assim, que, no caso em apreço, deve ser permitido ao réu defender-se mediante a invocação da compensação, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado – com efeito, ainda que não se encontre impedido de, em ação a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito do autor, sendo que, se o autor vier a propor ação executiva, dificilmente logrará o reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado. Ou seja, vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente ação, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra o autor, o réu será obrigado a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito do autor, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito.

Como salientava Adriano Vaz Serra[18], declarada a compensação pela parte (extrajudicial ou judicialmente), o tribunal não pode decidir, sem mais, que o demandado deve pagar o crédito do autor (e ainda que o crédito daquele seja ilíquido), já que o demandado tem o direito de não pagar, na medida em que a sua dívida se compense com uma dívida do autor para com ele.

Já então, tal autor[19] alertava que, se devido à diversidade da forma de processo, não for admissível a reconvenção e a liquidação do contracrédito não for possível através de reconvenção, nem por isso pode o demandado ficar privado do direito à compensação – se o demandado declarar a compensação com um contracrédito cuja apresentação deva ser feita em processo com outra forma ou por outro tribunal, a invocação da compensação faz-se por exceção perentória.

A Apelação é, assim, de proceder, sendo de admitir todo o alegado pelo requerido nos arts. 21º e ss., da sua oposição, para o efeito de o tribunal apreciar a sua pretensão a ver compensado o crédito do requerente com o crédito do requerido, para o efeito de declarar extinto o crédito do requerente desde 21.06.2016.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, admitindo todo o alegado pelo Requerido nos artigos 21º e ss. da sua contestação.

Sem custas.                

                                                                Coimbra, 16 de janeiro de 2018

                                                                                   


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A al. c) do nº2 do artigo 266º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.
2. A compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (nº1 do artigo 848º CC), tendo a extinção dos créditos eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º CC).
3. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.



Maria João Areias ( Relatora)
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Entre outros, Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6ª ed. 2008, Almedina, p.87, e Acórdão TRE de 03-12-2015, relatado por Bernardo Domingos, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Concluindo a sua oposição, nos seguintes termos: “deve a presente oposição à injunção ser julgada totalmente procedente e consequentemente compensado, no crédito da requerente, de 8.841,80 €, o crédito da requerida de 10.165,54 €, declarando-se aquele extinto desde 21/06/2016”.
[3] Entre outros, Adriano Vaz Serra, “Algumas questões em matéria de compensação no processo”, RLJ Ano 104, p.291, e Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, p.282, nota 2, e José Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2ª ed. 2011, pp.119-125.
[4] Miguel Mesquita, “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, Coleção Teses, Almedina, p. 306.
[5] Anselmo de Castro, “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, p. 282, nota 2, José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, p. 489.
[6] Neste sentido, Castro Mendes, “Direito Processual Civil” 1987, II Vol., p.369 e ss., Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pp.146 e ss., e Miguel Teixeira de Sousa, “Litispendência e Compensação no Processo Civil Europeu”, Cadernos de Direito Privado, nº3, Julho/Setembro 2003, p.35.
[7] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2017-2ª ed., Almedina, pp.202-203, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Bolieiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Vol. I, 2013, Almedina, p.236. Como sustentam João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, subjaz a esta alteração a tese segundo a qual a compensação de créditos deve ser sempre objeto de um pedido reconvencional, uma vez que a compensação ultrapassa a mera defesa, sendo uma pretensão autónoma, ainda que não exceda o montante do crédito reclamado pelo autor e porque só em sede de reconvenção é permitido ao réu formular pedidos contra o autor – Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina 2013, pp.41 a 43.
[8] Do que nos foi dado a perceber, a jurisprudência tem sido sensível à intenção do legislador, decidindo não ser possível operar a compensação de créditos por via de exceção ainda que o crédito do réu seja inferior ao do autor e ainda que se trate de uma forma de processo que não admite reconvenção – neste sentido, Acórdãos do TRP de 12-05-2015, relatado por Rodrigues Pires, e de 02-017-2015, relatado por Pedro Martins; no sentido de que a prévia declaração extrajudicial de compensação de um crédito não permite subtrair o réu ao regime de compensação previsto no art. 266º, nº2, al. c) do CPC, devendo tal pretensão ser formulada por via reconvencional, se pronuncia o Ac. TRP de 08-07-2015, relatado por Carlos Querido.
[9] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Bolieiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, p.236.
[10] Obra citada, p. 237.
[11] Obra citada, p. 203, em especial nota 459.
[12] “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora 2015, p. 241.
[13] “A Acção Declarativa Comum”, intervenção proferida na Universidade Lusíada em 31 de maio de 2013, disponível in  http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1088/1/LD_11_4.pdf.
[14] “Direito Processual Civil II”, Ebook 2015-2016, pp.35-36.
[15] “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª ed. GESLEGAL, Junho 2017, pp.145-155.
[16] E, em nosso entender, se o juiz aderir à tese compensação/reconvenção, perante a invocação da compensação como exceção perentória, deverá convidar o réu a reformular a sua pretensão deduzindo o respetivo pedido reconvencional.
[17] Alterando assim a relatora a posição por si assumida enquanto adjunta no Ac. do TRC de 07-06-2016, onde se afirma que no âmbito do processo especial previsto no DL nº 269/98, não é possível operar a compensação de créditos por via de exceção, a não ser que o direito do réu já esteja reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor (acórdão disponível in www.dgsi.pt). Em igual sentido ao preconizado no presente acórdão se pronunciou o Acórdão TRP de 23-02-2015, relatado por Manuel Domingos Fernandes, também disponível no site da DGSI.
[18] RLJ Ano 104, p. 356.
[19] Adriano Vaz Serra, RLJ Ano 104, p. 356.