Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1328/12.2TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INJUNÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 857º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: I – Os embargos de executado são liminarmente indeferidos, quando, entre outras causas, o respectivo fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º (artigo 732.º, nº 1, b), do NCPC).

II - No artº 729.º do NCPC estabelecem-se os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.

III - No caso de a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o artº 857º do NCPC, para além das específicas situações elencadas nos seus nºs 2 e 3, só admite, por força do seu nº 1, que a oposição por embargos tenha como fundamentos aqueles que são previstos no artigo 729º, com as “devidas adaptações”.

IV - Subscreve-se, por inteiro o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 714/2014, de 28/10/2014, pelo que, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade aí formulado, entende-se não ser de aplicar a norma do artº 857º, nº 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, o que conduz a que não se considerem, relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos a execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

A) - 1) - Por apenso aos autos de execução a correr termos contra si nos Juízos Cíveis da Comarca de Coimbra e instaurados, com base em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, pela firma “O… - Comunicações, S.A.”, veio o Executado, B…, deduzir oposição por embargos de executado, nos quais, invocando o disposto no artº 731º do novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, e doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC), excepcionou a prescrição dos créditos representados nas facturas dadas à execução, pedindo que esta fosse declarada extinta.

2) - Em 27/03/2014, a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto no artº 732.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (NCPC) indeferiu liminarmente a oposição à execução. Fê-lo por considerar que, fundando-se a execução em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, o fundamento de embargos à execução só poderia ser, à luz do disposto no artigo 857.º, n.º 1, do NCPC, um dos previstos no artigo 729.º desse código, com as devidas adaptações, o que não sucedia nos embargos deduzidos pelo executado, porque não alicerçados em fundamento que se ajustasse ao disposto nesse artigo 729.º mas antes e apenas em factos que podia ter alegado, desde logo, em sede de processo declarativo, designadamente, num facto extintivo (prescrição) que ocorreu antes da apresentação do requerimento injuntivo em juízo.

3) - Inconformado, o executado/embargante recorreu desse despacho, tendo esse recurso sido admitido como Apelação, com efeito meramente devolutivo.

B) - Por decisão sumária do Relator, de 17/12/2014, tomada ao abrigo dos art.ºs 656º, 652º n.º 1, al c), ambos do NCPC, entendeu-se que a norma do artº 857.º, n.º 1, do NCPC, enfermava de inconstitucionalidade, pelo que, negando-se a sua aplicação, decidiu-se, na procedência da Apelação, revogar o despacho recorrido e determinar que, não havendo outro motivo que a isso obstasse, se recebessem os embargos de executado em causa.

C) - 1) - Notificado dessa decisão, veio o Ministério Público, requerer que sobre a matéria em causa recaísse acórdão, com vista a viabilizar “a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por força do disposto no art.° 70.°, n.° 1, al. a), e 72.°, n.° 1, al. a), da Lei n.° 28/82, de 15/11. Subsidiariamente, para o caso de se considerar que para a interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional não seria necessário ser editado Acórdão, bastando a Decisão Sumária já proferida, veio o Ministério Público interpor recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, “nos termos dos art.°s 70.°, n.° 1, al. a), 71.° e 72.°, n.° 1, al.a), 75.° e 75.°-A, da Lei n.° 28/82, de 15/11”.

2) - Para fundamentar o seu requerimento, no que respeita à prolação de Acórdão versando a matéria julgada na referida decisão sumária, escreveu o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto:

«Na douta Decisão Sumária recusou-se a aplicação do art.° 857.°, n.° 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.° 41/2013, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.° da Constituição, "o que conduz a que não se considerem, relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos a execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece" (vd. fls. 50).

Assim, desaplicou-se a referida norma do art.° 857.°, n.° 1, do CPCivil, aprovado pela Lei n.° 41/2013, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do artigo 20.°, n.° 1, da Constituição.

Impõe-se, pois, ao Ministério Público, a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por força do disposto no art.° 70.°, n.° 1, al. a), e 72.°, n.° 1, al. a), da Lei n.° 28/82, de 15/11.

Simplesmente, em nosso entender, para que tal recurso seja possível, é necessário editar-se Acórdão sobre tal questão, por paridade de razão com o disposto no art.° 671.°, do NCPcivil (vd. art.° 69.°, da Lei n.° 28/82).».

D) - A decisão ora reclamada é, na parte da respectiva fundamentação, a que se passa a reproduzir:

«(…) Os embargos são liminarmente indeferidos, quando, entre outras causas que aqui não se aplicam, o respectivo fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º (artigo 732.º, nº 1, b), do NCPC).

No artº 729.º do NCPC, estabelecem-se os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.

No caso de a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o artº 857º do NCPC, para além das específicas situações elencadas nos seus nºs 2 e 3, só admite, por força do seu nº 1, que a oposição por embargos tenha como fundamentos aqueles que são previstos no artigo 729.º, com as “devidas adaptações”.

No âmbito do CPC que precedeu aquele que foi aprovado pela mencionada Lei nº 41/2013, de 26/06, o artº 814º, nº 2, só permitia que a oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admitisse oposição pelo requerido, tivesse por fundamento um daqueles que o nº 1 admitia para a oposição à execução fundada em sentença.

Ora, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 388/2013, de 9 de julho de 2013 (processo n. 185/13)[1], declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição.”.

E é também na possibilidade de se concluir que a restrição imposta pelo artº 857º, nº 1, do NCPC, viola o princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que está a chave de resolução da questão que nos autos se coloca, pois que, concluindo-se que tal violação se verifica, mais não resta do que desconsiderar esse normativo da lei ordinária e permitir que os fundamentos dos embargos não se restrinjam, nas situações como aquela que tratamos, aqueles que são previstos no artigo 729.º.

Ora, esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 13/05/2014 (Apelação nº 304921/09.8YIPRT-B.C1)[2], versando a declarada inconstitucionalidade do artigo 814.º, nº 2 do CPC e cotejando os respectivos fundamentos com o estatuído no artº 857º, nº 1, do NCPC, já tinha entendido o seguinte:“…continuou a dar-se prevalência a critérios de celeridade processual em detrimento do direito a uma efectiva possibilidade de defesa, tal como no domínio do previsto nos anteriores artigos 814.º e 816.º do CPC e daí, cremos, a manutenção de um regime bastante semelhante na regulamentação desta questão, que agora se encontra plasmada nos artigos 729.º, 731.º e 857.º do nCPC.

Esta similitude de regimes, reitera-se conduz a que o artigo 857.º do nCPC, a nosso ver, padeça do mesmo vício de inconstitucionalidade de que padecia o artigo 814.º, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

Consequentemente, por se considerar existir a ora referida inconstitucionalidade do artigo 857.º do nCPC, quando interpretado no sentido de que se limitam os fundamentos de embargos a execução fundada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, apenas aos fundamentos de embargos previstos no artigo 729, do que resulta não se poder aplicar tal preceito, não pode, em tal caso, o requerimento de embargos ser liminarmente indeferido com tal fundamento.”.

E o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 714/2014, de 28/10/2014 (Processo n.º 589/14, da 2ª Secção)[3], veio a “Julgar inconstitucional o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”.

Na fundamentação deste Acórdão do TC, aludindo-se aos argumentos subjacentes à apontada declaração de inconstitucionalidade do referido artº 814º do CPC, disse-se, entre o mais: “…passa a estar prevista a possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes ao prazo para oposição no procedimento de injunção em duas situações: primeiro, em caso de justo impedimento à oposição (artigo 857.º, n,º 2, do CPC de 2013) e, segundo, quando existam exceções dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (artigo 857.º, n.º 3, do CPC de 2013). (cf. AA. citados, “A oposição à execução baseada em requerimento de injunção. Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013”, in Themis, Ano XIII, n.os 24/25, 2013, pp. 315 -348, em especial a p. 323).

Persiste, contudo, a regra da equiparação deste título executivo a título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado. E, com igual importância para a análise desta questão, subsiste igualmente o mesmo regime em sede de injunção que conduziu aos juízos de censura que o Tribunal Constitucional formulou no passado a este propósito.

Na verdade, o alargamento dos meios de defesa à falta de pressupostos processuais, à existência de exceções de conhecimento oficioso e a factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, desde que supervenientes ao prazo para oposição não tem por efeito sanar as diferenças incontornáveis entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença. Tais diferenças fazem-se sentir no modo como ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor e, de outra banda, na probabilidade e grau de intervenção judicial no processo.

(…)

conclui-se que o alargamento dos meios de defesa operado pelo artigo 857.º, n.os 2 e 3, do NCPC não afasta os fundamentos que conduziram, no passado, ao juízo de inconstitucionalidade de solução legal semelhante.

Por isso, e em conclusão, subsiste a razão de ser que esteve na base da censura jus constitucional da solução que mantém as restrições do direito de defesa em sede de execução e da obtenção de pronúncia judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido pelo credor prévias à aposição da fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.”.

Subscreve-se, por inteiro este entendimento expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 714/2014, de 28/10/2014, pelo que, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade aí formulado, entende-se não aplicar a norma do artº 857.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, o que conduz a que não se considerem, relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos a execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece.

Assim, desconsiderada, nos termos supra referidos, a norma do artº 857.º, n.º 1, e, consequentemente, os limites que aí se estabelecem, deixa de subsistir o motivo que foi apontado pelo Tribunal “a quo”, para indeferir liminarmente os embargos de executado deduzidos pelo ora Apelante, embargos esses que, se outro motivo não houver que a isso obste, deverão, assim, ser recebidos.».

II - As questões:

A questão a que urge dar resposta é a de saber se é de confirmar ou não a decisão sumária em causa, já que merece a nossa concordância o entendimento de que dessa decisão não é possível o recurso directo para o Tribunal Constitucional (TC), havendo que, nos termos do artº 652º, nº 3, do NCPC, provocar a prolação de Acórdão.

III - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados “supra”.

Ora, o entendimento expendido pelo Relator na decisão “sub judice” - incluindo, pois, o que se traduziu no juízo inconstitucionalidade da norma do artº 857.º, n.º 1, do NCPC, com a consequente não aplicação dessa norma -, merece a plena concordância deste Colectivo. 

Acolhe-se, pois, o entendimento expendido pelo Relator na decisão reclamada, motivo pelo se confirma essa mesma decisão. 

IV - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, com os fundamentos que a alicerçaram, confirmar a decisão sumária do Relator.

Sem custas.

Coimbra, 24/02/2015

(Luís José Falcão de Magalhães)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)


[1] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130388.html”.
[2] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[3] “In” Diário da República, 2.ª série — N.º 238 — 10 de dezembro de 2014.