Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
756/08.2TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO CORPORAL
AVALIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.4, 8, 494, 496, 562, 563, 564, 566 CC, DL Nº 352/2007 DE 23.10
Sumário: 1. Na avaliação do dano corporal, segundo o DL nº 352/2007, de 23.10 (Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil ), a “pontuação “ prevista nas tabelas ( cf. Anexo II ) não equivale à percentagem de incapacidade, e enquanto “unidades de apreciação” estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, que, face aos elementos apurados, pode ultrapassar os limites definidos nas referidas tabelas.

2. A incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto.

3. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na actividade em geral e profissional não deverá ser compensada por forma englobante no contexto do “dano biológico” mas como dano patrimonial.

4. O critério geral para a atribuição da respectiva indemnização é o da equidade ( arts.4 a) e 566 nº3 CC ) e o princípio da uniformidade ( art.8 nº3 CC), com apelo aos casos análogos da jurisprudência, pelo que o método de cálculo das tabelas financeiras só releva como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa.

5. Em todo o caso, o julgamento do recurso não pode melhorar a posição do recorrente em termos de lhe conceder mais do que ele solicita.

6. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

Decisão Texto Integral:               Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

I. L (…) intentou no Tribunal Judicial de Viseu a presente acção declarativa sob forma ordinária contra G (…) - Companhia de Seguros, S.p.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 69 973, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, para além das importâncias correspondentes às intervenções cirúrgicas aludidas no artigo 44º da petição inicial (p. i.), a liquidar em execução de sentença.

            Alegou, em síntese, que no dia 19.01.2006, cerca das 13.45 horas, em Viseu, quando circulava ao volante do veículo de matrícula NQ ..., foi embatido pelo veículo com a matrícula ...VF, colisão exclusivamente imputável à actuação do condutor desta viatura; em consequência do acidente, sofreu as lesões e foi submetido aos tratamentos descritos nos autos, apresentando diversas sequelas; a Ré, para quem havia sido transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação da viatura VF, deverá pagar os valores peticionados e que traduzem os prejuízos e despesas (já liquidados e a liquidar) derivados do acidente, a indemnização pelos demais danos patrimoniais (indemnização pelo período de ITA e por danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP de que é portador, esta, no valor de € 36 500) e a compensação por danos não patrimoniais (€ 30 000).

            Contestando, a Ré seguradora afirmou aceitar a “responsabilidade pela produção do acidente” mas não os valores indemnizatórios reclamados nos autos, por manifestamente excessivos, e que são desnecessárias novas intervenções cirúrgicas, devendo a acção ser julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida), não reclamada.
            Notificado o relatório da Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal, o A. ampliou o pedido reclamando um valor adicional de € 15 000 a título de danos não patrimoniais e mais € 50 000 a título de danos patrimoniais futuros, alegando, em síntese, que apresenta actualmente como consequência do acidente uma incapacidade permamente geral de “20 pontos (20 %)”, impeditiva da profissão que exercia, a sua incapacidade temporária profissional total foi de 498 dias, a dano estético foi fixado no “grau 2/7” e o prejuízo de afirmação pessoal foi fixado no “grau 2/5”, ampliação que foi admitida por despacho de fls. 115.

Efectuado o julgamento e decidida a matéria de facto, o tribunal recorrido proferiu a sentença de fls. 136, julgando a acção parcialmente procedente e provada, e, em consequência, decidiu condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de € 68 802,02 (sessenta e oito mil oitocentos e dois euros e dois cêntimos)[1], a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora civis vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde esta data e até à data do integral pagamento e a pagar ao autor o custo que o mesmo venha a suportar em intervenções cirúrgicas que possa vir a suportar e referidas em 26. dos factos provados, a liquidar em execução de sentença, absolvendo a Ré do demais peticionado.

Inconformada e visando a alteração da sentença, a Ré interpôs recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - Não ficou provado que o apelado tenha sofrido qualquer perda de rendimentos durante o período de 465 dias em que esteve incapaz para trabalhar, devendo a apelante ser absolvida de pagar àquele o montante, fixado pela 1ª instância, de € 6 688,93.

2ª - Se assim se não entender deverá tal montante ser reduzido para o alegado e pedido pelo apelado (€ 2 800).

3ª - Não ficou provado que a IPP de 10 % de que o apelado padece seja uma consequência do sinistro dos autos ou tenha tido este como causa ou sequer que tenha sido uma consequência das sequelas físicas permanentes de que aquele ficou afectado.

4ª - Nem ficou provado que aquela IPP de 10 % seja para o trabalho, pois que nem o apelado o alega, nem a sigla IPP, só por si, o significa, mas, quando muito, uma simples incapacidade parcial permanente.

5ª - Não ficou provado que a dita IPP de 10 % vá causar ao apelado qualquer prejuízo futuro, muito menos a perda de rendimentos profissionais ou laborais.

6ª - Deverá, assim, a apelante ser absolvida de pagar ao apelado a quantia de € 21 690,09 pela IPP de 10 % de que este ficou afectado ou, se assim se não entender, deverá aquela quantia ser reduzida para € 14 448.

7ª - A compensação dos danos não patrimoniais não deverá exceder € 10 000.

8ª - O tribunal recorrido fez uma errada aplicação dos art.ºs 342º e 562º e seguintes, do CC, e dos art.ºs 516º, 661º, n.º 1 e 664º, do CPC.

Por seu lado, o A. interpôs recurso subordinado, concluindo:

1ª - Na sequência do relatório médico-legal apresentou um articulado superveniente onde alegou que a sua incapacidade permanente geral era de 20 pontos (20%) e que esta era impeditiva da profissão.
2ª - Alegou no mesmo articulado que a incapacidade temporária profissional total foi de 498 dias; o dano estético era no grau 2, numa escala de 7 graus e o prejuízo de afirmação pessoal no grau 2 de uma escala de 5 graus.
3ª - Tal matéria encontra-se provada através da perícia médico-legal.
4ª - O Mm.º Juiz não deu tal matéria como provada, nem deixou de dar, sendo certo que, ao não incluí-la nas respostas à matéria de facto, tudo se passou como se a não tivesse dado como provada.
5ª - Porque se trata de matéria alegada no articulado superveniente onde ampliou o pedido, a mesma deve considerar-se provada por documentos, não tendo havido qualquer prova em sentido contrário.
6ª - Mesmo considerando que o A. auferia uma remuneração equivalente ao salário mínimo nacional, os 498 dias que esteve sem poder trabalhar devem ser calculados assim: € 385,90 X 14 : 365 x 498.
7ª - A parcela correspondente à compensação pelo dano futuro, decorrente da IPP de que é portador deve ser fixada no dobro da que foi fixada na sentença.
8ª - Os danos morais devem ser fixados em € 50 000.

9ª - A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 562º e 564º, do CC, devendo ser revogada em conformidade.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto dos recursos nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8)[2], importa decidir, principalmente, se os valores atribuídos estão em conformidade com a factualidade apurada, o regime jurídico aplicável e os critérios indemnizatórios que têm sido adoptados pela jurisprudência em situações similares.

*
II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
a) No dia 19.01.2006, cerca da 13.45 horas, na Avenida X..., Rotunda do Y..., Viseu, o veículo ligeiro misto de matrícula NQ ... e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...VF embateram. (A)
b) A Ré efectuou diversos pagamentos ao A.. (B)
c) Em virtude do embate referido em II. 1. a), o A. sofreu ferimentos, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local, sendo transportado pelo INEM para o Hospital de Z..., em Viseu. (C)
d) Nesse hospital o A. foi sujeito a diversos exames e fez radiografias, tendo-lhe sido diagnosticado fractura do terço distal do rádio esquerdo, e foi operado de urgência, com encavilhamento do rádio, com duas cavilhas de titânio, tendo estado internado até 23.01.2006. (D)
e) Depois do referido em II. 1. d), o A. passou a ser acompanhado pelos serviços médicos da Ré, na Clínica W..., em Coimbra. (E)
f) O A. foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para a extracção das cavilhas, que deu origem a internamento entre 13 e 20.02.2006; foi sujeito a outra intervenção para aplicar material de osteossíntese, que originou um período de internamento entre 6 e 10.3.2006; e voltou a ser operado em 15.5.2006 para retirar o material de osteossíntese, para o que ficou internado entre 15 e 19.5.2006.[3] (F)
g) Por apresentar osteíte do rádio, o A. foi de novo operado em Janeiro de 2007 para limpeza cirúrgica, tendo o respectivo internamento ocorrido entre 15 e 19 de Janeiro, operação que voltou a repetir-se em Maio de 2007. (G)
h) O A. deslocou-se a Coimbra, à Clínica W... em 13.02.2006 e regressou em 20 de Fevereiro; voltou a ir à mesma clínica em 27 de Fevereiro, em 6 de Março para ser operado, tendo regressando em 10 de Março, voltou em 20 de Março; de novo em 3, 7, 10, 17, 24 e 28 de Abril, 5, 15 [para fazer a última operação dita em II. 1. f)] e 29 de Maio; em 12 de Junho, 14, 21 e 28 de Julho, 4, 14 e 25 de Agosto, 15 de Setembro, 2 e 30 de Outubro, 10 de Novembro e 04.12.2006; no ano de 2007, nos dias 5, 15, 19 e 26 de Janeiro, 9 de Fevereiro, 2 e 30 de Abril, 5, 6, 14 e 18 de Maio. (H)
i) O A. nasceu em 22.02.1979. (I)
j) O A. padece de IPP de 10 %. (J)[4]
k) Por contrato escrito titulado pela apólice n.º 008410160217000, na data referida em II. 1. a), encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ...VF. (K)
l) Em momento prévio ao embate referido em II. 1. a), o veículo NQ era conduzido pelo A. e circulava no sentido Poente-Nascente ou sentido Y...-Avenida K.... (1º)
m) Quando contornava a Rotunda do Y..., o veículo NQ foi embatido na sua parte lateral direita, junto à traseira, pelo veículo VF, conduzido por J (…) (2º)
n) Aquando do referido em II. 1. m), o veículo NQ entrou na Rotunda, circulando na faixa exterior, e preparava-se para, depois de a ter contornado, sair à direita em direcção à Avenida K..., já que se dirigia para S.... (3º)
o) E foi quando se preparava para sair da rotunda que surgiu do lado de E..., a entrar na zona da Rotunda, o veículo VF, que não parou ou por qualquer forma diminuiu a velocidade por forma a ceder a passagem ao NQ, embatendo com a sua frente na parte de trás do lado direito deste. (4º)
p) Em consequência do embate referido em II. 1. a), o veículo NQ capotou e foi projectado a 13,25 metros de distância, tendo ficado imobilizado em cima do separador central. (5º)
q) No local e na via onde era proveniente o veículo VF existiam os seguintes sinais verticais: “D4” (rotunda) e “B1” (cedência de passagem). (6º)
r) O condutor do veículo VF não atentava ao veículo NQ. (resposta ao art.º 7º)
s) J (…) conduzia o veículo VF como trabalhador de C..., Lda., no âmbito da actividade desta. (8º)
t) Após o referido em II. 1. d), o A. regressou a casa onde ficou de cama. (9º)
u) Desde a data referida em II. 1. a) até à data da consolidação médico-legal, o A. ficou com uma incapacidade temporária profissional total fixável num período de 468 dias. (resposta ao art.º 10º)[5]
v) Antes da mesma data, o A. era um jovem alegre, saudável e muito trabalhador, sem quaisquer complexos. (11º)
w) E dedicava-se à prática de vários desportos, nomeadamente, atletismo, futebol e natação. (12º)
x) O A. tinha concorrido para a Guarda Nacional Republicana, sendo que no dia 25.01.2006 iria apresentar-se em Queluz, para fazer as provas físicas, o que já não foi possível devido ao referido em II. 1. a). (13º)
y) Em consequência directa e necessária do embate referido em II. 1. a), o A. apresenta as seguintes sequelas no membro superior esquerdo: limitação na extensão do punho de 10 graus; sem limitação da pronação; limitação à flexão palmar de -65 graus; limitação na supinação da mão de 10 graus; ausência de atrofias significativas da musculatura do antebraço; Tindell negativio. E, no 1/3 inferior da face posterior do antebraço, cicatriz longitudinal saliente, dura, rosada, de aspecto operatório medindo seis centímetros de comprimento por um centímetro de largura; no bordo radial da mesma zona, cicatriz longitudinal de aspecto operatório com a porção superior nacarada e deprimida em alguns pontos, medindo onze centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura; na face anterior da mesma zona, cicatriz transversal medindo um centímetro de comprimento por três milímetros de largura. (resposta ao art.º 14º)[6]
z) Poderá haver recidiva da osteíte do rádio referida em II. 1. g) com a consequente necessidade de novas intervenções cirúrgicas como aquelas a que já foi sujeito pela mesma razão. (15º)
aa) Desde a data referida II. 1. a), o A. sentiu muitas dores, quantificáveis no grau 5 numa escala de 1 a 7 e, actualmente, continua a sentir muitas dores no punho esquerdo, bem como diminuição da força e continua a tomar medicamentos para as dores. (16º a 18º)
bb) Devido às sequelas de que é portador, o A. não pôde, nem pode, praticar mais os desportos que praticava, sentindo-se profundamente infeliz por se ver deficiente. (19º)
cc) O A. tinha o sonho de fazer carreira na G.N.R. e, por causa do dito embate e da IPP com que ficou afectado, viu-se totalmente impedido, não podendo mais candidatar-se. (20º)
dd) Na data referida em II. 1. a), o A. trabalhava para o sogro como montador de pneus, tendo passado a exercer a profissão de “leitor-cobrador” da Câmara Municipal de ..., auferindo em média a remuneração mensal constante do documento de fls. 38[7]. (resposta ao art.º 21º)
ee) Na G.N.R., o A. poderia auferir remuneração superior à referida em II. 1. dd) e fazer uma carreira profissional superior. (22º)
ff) O A. despendeu com as quatro últimas viagens referidas em II. 1. h), em carro próprio, que a Ré não lhe pagou, € 288. (23º)
gg) A roupa que o A. vestia no momento do aludido embate (um par de calças e duas camisolas) de valor não concretamente apurado e um relógio com um valor superior a € 75, ficaram destruídos. (resposta ao art.º 24º)
hh) O A. despendeu € 60 numa consulta de ortopedia. (25º)
2. No caso em análise, nenhuma questão subsiste quanto à responsabilidade pela produção do sinistro [imputável exclusivamente à actuação do condutor do veículo VF] e é igualmente pacífico recair sobre a Ré a obrigação de indemnizar o A. pelos danos causados.
A divergência, em relação à sentença sob censura, centra-se na determinação dos valores indemnizatórios ou compensatórios devidos a título de perdas salariais no período de incapacidade temporária absoluta (ITA) [durante o qual o A. esteve totalmente impedido de realizar a sua actividade profissional], danos patrimoniais resultantes da IPP e danos não patrimoniais.
3. Dada a forma algo inusitada como a Ré vem agora colocar em causa a IPP (Incapacidade Permanente Parcial) que os seus próprios serviços médicos atribuíram ao A. em razão das sequelas derivadas das lesões provocadas pelo acidente dos autos[8] e sendo certo que o relatório médico legal de fls. 103 e seguintes, que esteve na base da ampliação do pedido de fls. 112 e foi seguido de perto pelo Mm.º Juiz a quo na decisão da matéria de facto (fls. 133 e seguinte), não foi colocado em crise por qualquer das partes, pensamos, não obstante o que dele já se fez constar na decisão de facto, que interessa ainda sublinhar o que se mostre especialmente relevante para a decisão do presente recurso.
É neste relatório que, pela primeira vez, se refere aquela que seria a profissão ou actividade desenvolvida pelo A. à data do sinistro (“montador de pneus”/fls. 104).
Afirma-se no mesmo documento que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano; desde o acidente até 01.6.2007, o A. esteve totalmente impedido de realizar a sua actividade profissional; durante esse mesmo período de tempo, o A. teve um “quantum doloris” fixável no “grau 5”, numa escala de sete graus de gravidade crescente, destacando-se as várias cirurgias a que foi submetido, a imobilização gessada do membro superior esquerdo e o prolongado período de tratamento da infecção do antebraço.
Ao considerar-se a incapacidade permanente geral teve-se em conta, designadamente, a globalidade das sequelas resultantes e a consulta da “Tabela de Incapacidades em Direito Civil”[9], pelo que foram valorizadas a limitação das mobilidades do punho, nomeadamente na flexão palmar e dorsal e supinação e a artrose radiocárpica à esquerda, salientando-se que tais sequelas eram causa de limitações funcionais e traduzíveis em “15 pontos” para efeitos da dita incapacidade; considerou-se, ainda, que se irá registar um agravamento de tais sequelas, conduzindo a uma proposta de “3 pontos”.
Mais se afirmou que as referidas sequelas são em termos de “rebate profissional” impeditivas do exercício da actividade profissional do A. (por ocasião do acidente), circunstância que o levou a mudar de profissão.
O dano estético foi fixado no “grau 3”, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as sequelas cicatriciais descritas no exame objectivo e, o prejuízo de afirmação pessoal, veio a ser fixado no “grau 2”, numa escala de cinco graus de gravidade crescente, tendo em conta que deixou a prática frequente de futebol e natação [sob o item “vida afectiva, social e familiar”, afirma-se, no relatório, a fls. 106, que o A. “deixou a prática do futebol, o que fazia com regularidade (era guarda-redes); praticava natação 2 vezes por semana e agora fá-lo com menor frequência por despertar dor; deixou a actividade de Bombeiro Voluntário”] e, sobretudo, a dificuldade em pegar no filho ao colo, factos que contribuíam para a sua auto-estima e realização pessoal.
Referiu-se, por último, que se trata de um adulto “muito jovem” e que, apesar da aparente resolução terapêutica da osteíte do rádio esquerdo, esta pode recidivar de modo imprevisível, necessitando de novos tratamentos que poderão passar por novas cirurgias e novos períodos de incapacidade.[10]
4. Entendia-se no passado recente que a fixação do grau de incapacidade envolvia, simultaneamente, uma apreciação da matéria de facto, i. é, um juízo que recai sobre os efeitos produzidos pelo acidente no corpo e no espírito do acidentado, o que reclamava, fundamentalmente, conhecimentos de medicina, e, uma apreciação de direito, ou seja, um juízo que implica a indagação e aplicação da lei (maxime, então, o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30.9/ou, anteriormente, pelo Decreto n.º 43 189, de 23.9.1960), aspecto este que se considerava caber nas atribuições do juiz/julgador.[11]
Nesta conformidade, o grau de incapacidade não era propriamente um facto mas, sim, e sobretudo, uma conclusão a retirar de factos - as sequelas/disfunções normalmente consequência das lesões provocadas pelo acidente - com relevância em face de um determinado quadro jurídico-normativo.
A perícia de avaliação do dano corporal dos autos foi realizada em 25.11.2009 e, como tal, obedeceu ao estatuído no DL n.º 352/2007, de 23.10 [cf. art.ºs 6º, n.º 1, alínea c) e 7º do referido diploma legal] e, em particular, à tabela constante do respectivo “Anexo II”.
Refere-se no intróito do “Anexo II”[12] que a tabela em causa “não constitui um manual de patologia sequelar nem um manual de avaliação”, “foi concebida para utilização exclusiva por verdadeiros peritos, isto é, por médicos conhecedores dos princípios da avaliação médico-legal no domínio do Direito Civil [sublinhado nosso], e das respectivas regras, nomeadamente no que se refere ao estado anterior e a sequelas múltiplas”.
Dito isto, não custa notar uma significativa mudança de paradigma, no que tange ao “caminho” delineado para o enquadramento jurídico de um determinado quadro sequelar ou disfuncional, sendo que a perspectiva actual parece olvidar que nem sempre o quadro clínico considerado pelos peritos médicos se apresenta conforme à realidade e que, por vezes, o julgador acaba por apurar factos diversos daqueles que haviam sido tidos em conta pelos peritos quando procederam à respectiva avaliação do dano.[13]
            E se consideramos aqui esta problemática é porque o caso em apreço evidencia as dificuldades práticas hoje normalmente colocadas ao julgador, na medida em que a atribuição da “pontuação” prevista no dito “Anexo II” é não raras vezes efectuada sem proceder a qualquer discriminação das pontuações parcelares ou a qualquer enquadramento através dos correspondentes “códigos” ou “alíneas”, o que dificulta ou impossibilita o necessário juízo (crítico) que sempre poderá e deverá recair sobre a concreta actuação dos Srs. Peritos médicos.
            Acresce que a pontuação não equivale à percentagem de incapacidade, havendo quem (bem) defenda que, enquanto “unidades de apreciação”, o juiz é livre de apreciá-los [os pontos em causa], tão livre como o perito médico, podendo saltar para fora dos limites estabelecidos nas tabelas.[14]

5. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC).

Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.

A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494° (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso).

Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[15]  

Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[16]

 6. Vejamos agora as concretas questões colocadas nos recursos.

Considera a Ré que não ficou provado que o apelado tenha sofrido qualquer perda de rendimentos durante o “período de 465 dias” em que esteve incapaz para trabalhar, devendo a apelante ser absolvida do pagamento de qualquer montante a esse título ou, se assim se não entender, deverá ser atendido o alegado e pedido na p . i. (€ 2 800).

Ora, é verdade que o A. indicou na p. i. uma importância inferior à que lhe foi atribuída na sentença sob censura para o indemnizar pelos danos patrimoniais sofridos durante o tempo da ITA (incapacidade temporária absoluta) [cf. item 63º da p. i. e fls. 150] e não concretizou, por exemplo, os valores auferidos na altura do acidente (cf. art.º 52º da p. i.).
No entanto, ficou demonstrado que desde a data do embate até à consolidação médico-legal das lesões, ocorrida a 01.6.2007, o A. ficou com uma incapacidade temporária profissional total (período de 498 dias) e que na data do acidente trabalhava para o sogro como “montador de pneus” [cf. II. 1. alíneas u) e dd)].
Sabendo-se que, à data do acidente, o A. estava prestes a completar 27 anos de idade, era casado e desenvolvia actividade profissional por conta do seu sogro, embora se desconheça como era retribuído, pensamos, até pelo longo período em que se viu totalmente impossibilitado de exercer qualquer actividade, que se justifica atribuir ao A. uma indemnização na base do salário mínimo, tendo-se por razoável seguir o critério/forma de cálculo então adoptada para a sinistralidade laboral, o que permite encontrar a importância global de € 5 302,27 [€ 385,90 : 30 x 346 x 0,7 + € 403 : 30 x 152 x 0,7 + (€ 385,90 x 0,7 x 346 : 360 + € 403 x 0,7 x 152 : 360) x 2][17] como indemnização por esse período de ITA.
Importa desde já referir que nada obsta à fixação daquele montante, apesar do reclamado a esse título na p. i., já que, tratando-se de uma acção de indemnização decorrente de acidente de viação, é pacificamente aceite que, formulando-se diversos pedidos parcelares (com base em danos patrimoniais e não patrimoniais), os limites da condenação previstos no art.º 661º do CPC devem reportar-se ao pedido global.[18]

7. A Ré veio também dizer que “não ficou provado que a IPP de 10 % de que o apelado padece seja uma consequência do sinistro dos autos, (…) que aquela IPP de 10 % seja para o trabalho, (...) e vá causar ao apelado qualquer prejuízo futuro, muito menos a perda de rendimentos profissionais ou laborais”, pelo que deverá ser absolvida de pagar ao apelado a quantia de € 21 690,09 pela IPP de 10 % de que este ficou afectado ou, se assim se não entender, deverá aquela quantia ser reduzida para € 14 448.

Também aqui se nos afigura que a Ré não tem razão.
Ficou apurado, designadamente, que o A. nasceu em 22.02.1979; à data da instauração da acção as partes acordaram que padecia de uma IPP de 10 %; na altura do acidente trabalhava para o sogro como “montador de pneus”; passou a exercer a profissão de “leitor-cobrador” da Câmara Municipal de ..., auferindo em média a remuneração mensal constante do documento de fls. 38 [a importância global ilíquida de € 836,34, a que correspondia a quantia líquida de € 732,85][19]; na G.N.R., o A. poderia auferir remuneração superior e fazer uma carreira profissional superior [cf. II. 1. alíneas i), j), dd) e ee), supra].
O INML, ao pronunciar-se sobre a incapacidade permanente geral de que o A. ficou portador em consequência do acidente dos autos, valorizou a limitação das mobilidades do punho, nomeadamente na flexão palmar e dorsal e supinação e a artrose radiocárpica à esquerda, salientando que tais sequelas eram causa de limitações funcionais e traduzíveis em “15 pontos” para efeitos da dita incapacidade; considerou, ainda, que se irá registar um agravamento de tais sequelas, conduzindo a uma proposta (adicional) de “3 pontos”. Concluiu, por último, que as referidas sequelas são em termos de “rebate profissional” impeditivas do exercício da actividade profissional do A. (por ocasião do embate), circunstância que o levou a mudar de profissão.
Todos estes elementos relevam na apreciação da situação do A..

Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido, cremos que ainda maioritariamente, que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico.[20]

Por outro lado, tem-se entendido que o denominado “dano biológico”, perspectivado como “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.[21]

Assim, sendo inequívoca a limitação funcional advinda ao A. e que essa limitação o impedirá de desenvolver quaisquer actividades que impliquem a aplicação de esforço com o braço/punho esquerdo [como a que exercia por ocasião do sinistro dos autos] e que a mesma também lhe irá dificultar ou tornar mais penosas muitas das tarefas quotidianas, inclusive a nível das actividades profissionais para que não esteja praticamente incapacitado, encontra-se suficientemente justificada a atribuição de uma quantia a título de danos patrimoniais futuros.

8. Como resulta do critério legal, acolhido pelo art.º 566º, n.ºs 2 e 3, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Consagram-se, pois, a denominada teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação de danos futuros.

Está em causa a perda de réditos futuros pela privação da respectiva fonte. Por isso, há-de necessariamente fazer-se apelo a elementos e critérios de probabilidade, a projectar em termos da normalidade da vida.

Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas de cálculo, de pendor matemático e financeiro, que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou; por isso se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa, sendo aqueles métodos de cálculo tabelas meramente referenciais ou indiciárias, só revelando como meros instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade. (art.ºs 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3).[22]

Dadas as dificuldades inerentes à fixação da pretendida e devida indemnização [veja-se, por exemplo, o expendido em II. 4., supra], pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares, considerando-se ainda que a vida activa do A. se desenvolverá, pelo menos, até aos 70 anos de idade[23] e a possível equiparação da sua situação a uma IPP não inferior a 15 %, pelo que, atentos os elementos disponíveis, temos como razoável e adequada uma indemnização no montante de € 40 000 (quarenta mil euros)[24] para reparar os prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial do A. até ao limite da sua vida activa.[25]

9. Por último, considera a Ré que a compensação por danos não patrimoniais não deverá exceder € 10 000, o que também não se afigura defensável tendo em atenção a materialidade apurada.
Decorre dos autos que, em virtude do embate em apreço, o A. sofreu ferimentos, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local; no Hospital, foi sujeito a diversos exames e fez radiografias, tendo-lhe sido diagnosticado fractura do terço distal do rádio esquerdo; foi operado de urgência, com encavilhamento do rádio, com duas cavilhas de titânio, e ficou internado até 23.01.2006; ao regressar a casa ficou acamado; passou a ser acompanhado pelos serviços médicos da Ré, em Coimbra; foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para a extracção das cavilhas, que deu origem a internamento entre 13 e 20.02.2006, a outra intervenção para aplicar material de osteossíntese e que originou um período de internamento entre 6 e 10.3.2006, voltando a ser operado em 15.5.2006 para retirar o material de osteossíntese, ficando novamente internado entre 15 e 19.5.2006; por apresentar osteíte do rádio, foi de novo operado em Janeiro de 2007 para limpeza cirúrgica e ficou internado entre 15 e 19 de Janeiro, repetindo essa intervenção cirúrgica em Maio de 2007; até à data da consolidação médico-legal, ficou com uma incapacidade temporária profissional total fixável num período de 498 dias; antes do sinistro, era um jovem alegre, saudável e muito trabalhador, sem quaisquer complexos e dedicava-se à prática de vários desportos, nomeadamente, atletismo, futebol e natação; tinha concorrido para a Guarda Nacional Republicana, sendo que no dia 25.01.2006 iria apresentar-se em Queluz, para fazer as provas físicas, o que já não foi possível devido ao acidente; em consequência directa e necessária do embate, o A. apresenta diversas sequelas no membro superior esquerdo [limitação na extensão do punho de 10 graus; sem limitação da pronação; limitação à flexão palmar de -65 graus; limitação na supinação da mão de 10 graus, e, no 1/3 inferior da face posterior do antebraço, cicatriz longitudinal saliente, dura, rosada, de aspecto operatório medindo seis centímetros de comprimento por um centímetro de largura; no bordo radial da mesma zona, cicatriz longitudinal de aspecto operatório com a porção superior nacarada e deprimida em alguns pontos, medindo onze centímetros de comprimento por cinco milímetros de largura; na face anterior da mesma zona, cicatriz transversal medindo um centímetro de comprimento por três milímetros de largura]; poderá haver recidiva da osteíte do rádio com a consequente necessidade de novas intervenções cirúrgicas como aquelas a que já foi sujeito pela mesma razão; desde o acidente, o A. sentiu muitas dores, quantificáveis no grau 5 numa escala de 1 a 7 e, actualmente, continua a sentir muitas dores no punho esquerdo, bem como diminuição da força e continua a tomar medicamentos para as dores; devido às sequelas de que é portador, não pôde, nem pode, praticar mais os desportos que praticava, sentindo-se profundamente infeliz por se ver deficiente; tinha o sonho de fazer carreira na G.N.R. e, por causa do dito embate e da incapacidade com que ficou afectado, viu-se totalmente impedido, não podendo mais candidatar-se; o dano estético foi fixado no “grau 3”, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as sequelas cicatriciais descritas no exame objectivo e, o prejuízo de afirmação pessoal, veio a ser fixado no “grau 2”, numa escala de cinco graus de gravidade crescente, tendo em conta que deixou a prática frequente de futebol e natação [sob o item “vida afectiva, social e familiar”, afirma-se, no relatório, a fls. 106, que o A. “deixou a prática do futebol, o que fazia com regularidade (era guarda-redes); praticava natação 2 vezes por semana e agora fá-lo com menor frequência por despertar dor; deixou a actividade de Bombeiro Voluntário”] e sobretudo a dificuldade em pegar no filho ao colo, factos que contribuíam para a sua auto-estima e realização pessoal; apesar da aparente resolução terapêutica da osteíte do rádio esquerdo, esta pode recidivar de modo imprevisível, necessitando de novos tratamentos que poderão passar por novas cirurgias e novos períodos de incapacidade; as descritas sequelas constituem limitações funcionais e são traduzíveis em “15 pontos” na valorização da incapacidade geral de que ficou portador, com previsível agravamento de “3 pontos”, sendo impeditivas do exercício da actividade profissional do A. (por ocasião do embate), circunstância que o levou a mudar de profissão [cf. II. 1. alíneas c) a g), t) e v) a cc), supra, e o relatório de fls. 103 e seguintes].

Face ao descrito factualismo e pese embora a extrema dificuldade em fixar a compensação devida, afigura-se equititativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões do nosso mais alto tribunal[26], fixar a compensação por danos não patrimoniais na quantia de € 35 000 (trinta e cinco mil euros).

Dir-se-á, ainda, que, na eventualidade de se propender para indemnizar o A., no tocante ao dano patrimonial futuro e aos danos não patrimoniais, apenas, no âmbito do denominado “dano biológico” - perspectiva que não se afigura defensável,  no caso vertente, em virtude da relativa “autonomia” e especificidade da aludida limitação funcional -, seria então devida, a esse título, uma compensação  superior a € 46 000, ainda que “respeitados” os limites demasiado apertados da “tabela” prevista na Portaria n.º 679/2009, de 25.6.[27]

10. Relativamente ao recurso subordinado e às questões nele suscitadas, dá-se a resposta que precede, sendo que estava em causa a mesma problemática objecto do recurso principal e não se vê motivo para qualquer acrescento, embora se deva lembrar que assistia razão ao A. quanto à pretensão de ver rectificada a materialidade incluída em II. 1. u), supra, e atendidos os factos relevantes para a decisão mencionados no relatório médico-legal de fls. 103 e seguintes.

            11. Nada mais se questionando, inclusive em matéria de juros moratórios, importa, assim, concluir pela parcial procedência das “conclusões” da Ré (chegando-se, porém, a uma indemnização global superior ao valor encontrado pela 1ª instância…) e das oferecidas pelo A. no recurso subordinado, devendo a Ré pagar ao A. o montante de € 80 725,27 [€ 423 + € 5 302,27 + € 40 000 + € 35 000] e o mais que consta da sentença recorrida.


*

            III. Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes o recurso principal e o recurso subordinado e, em consequência, revogando nessa medida a sentença recorrida, condena-se a Ré Seguradora a pagar ao A. a indemnização de € 80 725,27 (oitenta mil setecentos e vinte e cinco euros e vinte e sete cêntimos) - sendo agora devidos, a título de indemnização pelo período de ITA, indemnização por danos patrimoniais decorrentes da incapacidade geral e compensação por danos não patrimoniais, os montantes de € 5 302,27 + € 40 000 + € 35 000, respectivamente -, mantendo-se no mais o decidido.

Custas a cargo do A. e da Ré, na proporção do decaimento.

*



Fonte Ramos ( Relator )
Carlos Querido
Pedro Martins ( com voto de vencido anexo )

              Voto vencido apenas e só quanto aos valores achados para as indemnizações, pois que atribuiria 58.500€ pela perda de capacidade aquisitiva e 40.000€ pelos danos não patrimoniais.

              A divergência tem a ver com as seguintes questões (aceitando-se tudo o resto que é dito no acórdão votado pela maioria deste colectivo e portanto dando-o como pressuposto):


I

Da  idade da reforma ou da esperança média de vida


              O número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida de um homem (isto é, o que importa é o tempo provável de vida da vítima).

              A referência ao tempo provável de vida da vítima é opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (: “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128.

              E passou a ser seguida por parte da jurisprudência, a partir do momento em que tal referência foi adoptada no parecer do Provedor de Justiça a propósito do caso da ponte de Entre-os-Rios (parecer de 19/03/2001, publicado no Diário da República, II série, nº. 96,  de 24/4/2001, págs. 7139 e segs., especificamente ponto 38, nota 17): “julga-se a utilização do período de vida expectável da vítima como critério mais adequado do que o comummente utilizado da idade da reforma/aposen-tação, já que é de supor que o auferimento de rendimentos durante a vida activa permitiria, pela inscrição obrigatória em regime de segurança social, o recebimento de pensão de velhice ou de aposentação até ao fim da vida”.
                   Ora, a esperança de vida, segundo os dados do INE reportados a 29/05/2009 (sítio www.ine.pt/), é de 75,49 anos para o sexo masculino e de 81,74 anos para o sexo feminino. Em relação ao autor dos autos, tendo ele nascido em 1979, a esperança de vida é de 67,9 (http://www.pordata.pt/ azap_runtime/?n=4, consulta sob: pordata => Portugal => População => Óbitos e Esperança de Vida => Esperança de vida à nascença: total e por sexo).
                                                                                       *
                   Note-se que parte da jurisprudência – como a do ac. do STJ de 04/12/2007 referido abaixo – utiliza a idade da reforma… mas apenas na aplicação das fórmulas matemáticas referidas abaixo, considerando depois a esperança média da vida no ajustamento do resultado obtido com tais fórmulas. Assim, por exemplo, o referido acórdão do STJ diz: “Aqui chegados, entramos na 3.ª fase, ou seja, naquela em que há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo: “o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela).”
                   Assim, seja por uma via ou por outra, o que deve entrar como factor é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa.

                                                                 II


Do salário líquido ou do salário ilíquido:

              Para além de alguns acórdãos se se têm pronunciado expressamente sobre o assunto - assim, por exemplo, o ac. do TRL de 26/05/1999, sob o nº. 0018143 da base de dados do ITIJ: I. No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros o rendimento a considerar é o rendimento bruto, ilíquido. II. Assim, não é correcto deduzir-se os impostos pagos ou a pagar ao lesado; ou, mas lateralmente, o ac. do STJ de 07/10/2010 sob o nº. 2171/07.6TBCBR.C1.S1 da base de dados do ITIJ: “[…] os montantes ilíquidos dos valores […] – a jurisprudência tem aplicado, normalmente (é o caso de todos os acórdãos referidos abaixo), na prática ou implicitamente, os valores ilíquidos dos salários e não os líquidos.

              E compreende-se porquê: os impostos respeitam às relações entre os lesados e o Estado, não devendo os lesantes ou as suas seguradoras beneficiar com as vicissitudes que têm a ver com aquelas relações. O que de facto o lesado perdeu foi o vencimento ilíquido e não o vencimento líquido de impostos.

                                                                 III

                                    Do uso das fórmulas matemáticas

              As fórmulas matemáticas devem ser usadas para se ter uma base que possa contribuir para uma uniformidade de critérios. Os valores obtidos, podem depois ser aumentados, conforme as circunstâncias.

              Ou, tal como foi exposto pelo acórdão do STJ de 04/12/2007, publicado sob  o nº. 07A3836 da base de dados do ITIJ, que tem sido muito referido em acórdãos posteriores do STJ (a citação é feita através do texto e não do sumário por este não resumir adequadamente o texto e apenas na parte que agora interessa; os sublinhados são meus):
            a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;
            b)  […]
            c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

              Note-se que neste acórdão do STJ se aceitou a posição da 1ª instância e do TRL de dar 110.000€ de indemnização pela perda de capacidade aquisitiva, quando a fórmula matemática tinha dado o resultado de cerca de 71.000€.

              No acórdão do TRC de 03/02/2010 (276/03.1GBOBR.C1), aceitou-se que o valor obtido pelas fórmulas matemáticas, de cerca de 129.000€, fosse subido para 200.000€.

              Como exemplo de decisões recentes do STJ que aceitam estas ideias,  vejam-se os acórdãos de:

                   16-12-2010                      270/06.0TBLSD.P1.S

                   21-10-2010                      1331/2002.P1.S1

                   07-10-2010                      839/07.6TBPFR.P1.S1

                   30-09-2010                      935/06.7TBPTL.G1.S1

                   25-11-2009                      397/03.0GEBNV.S1

                   05-11-2009                      381-2002.S1

                   24-09-2009                      09B0037

                   22-01-2009                      07B4242

                   23-09-2008                      07B2469

                                                                IV

                 Da não dedução daquilo que o lesado gastaria consigo
                   Tem-se visto defender a ideia de que “ao valor assim obtido [ou seja, com a aplicação de tais fórmulas] deverá ser descontado a importância que o lesado, independentemente do acidente, sempre gastaria consigo, situada entre 1/3 ou ¼, consoante o lesado fosse solteiro ou casado.”.
                   Neste sentido vai o acórdão do STJ de 04/12/2007.
                   A verdade é que esta dedução só deve ter lugar em caso de morte.
                   A questão é esclarecida pelo ac. do STJ de 25/11/2009 (397/03.0GEBNV.S1):
         “Estando em causa danos futuros de frustração de ganhos associados a IPP, em alguns acórdãos tem-se em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, as despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns deles, em média, para 1/3 dos proventos auferidos […]
         Com a restrição de que esta consideração somente vale no caso de morte, o acórdão de 17/06/2008 (1266/08 - 6ª). Já o acórdão de 25/11/1999 (827/99-7ª), clarificara que aqui, diversamente do que ocorre para o caso de morte, era de pôr de lado o desconto de 1/3 que a vítima gastaria com ela.
         Será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente não se efectivará, ao passo que o sobrevivente, com lesão gravemente incapacitante, grande traumatizado, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio, por carecer, por exemplo, de dieta especial, não nos parecendo ser de fazer a dedução.”
                   Não se vê que este argumento seja rebatível ou tenha sido rebatido.
                   Pelo que não há que fazer este desconto de 1/3.

                                                                       V
                                          Da eventual dedução por entrega imediata do capital
                   Os acórdãos do STJ de 1994 e o do TRC de 1995 – que estão na origem das fórmulas de que se falará abaixo - não faziam tal dedução.
                   O ac. do STJ de 25/11/2009, citado acima, diz que se deve fazer esta dedução:
            “Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspon-dente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.”
                   Aceita-se que deva fazer, sempre que se demonstre minimamente que, no caso concreto a entrega de tal capital, de imediato, possa representar um enriquecimento sem causa. E essa dedução deve ser feita, então, com base na percentagem que se demonstre ser aplicável.

              No caso, partindo-se de um rendimento para o capital de 4% ao ano, e de que o valor gasto em cada ano aumentaria também todos os anos em 2% pela inflação, considera-se que tem de haver uma dedução de 15%, sob pena de o capital em causa, em vez de se ir reduzindo ao longo dos anos, ir antes aumentando.

                                                                 *

              Com os valores encontrados abaixo (58.558,05€ de capital e 2.107,58€ de prestação anual), vê-se que, com a dedução de 15%, ao fim dos 39 anos já o capital se esgotou e o lesado já não poderia retirar metade da prestação necessária para o último meio ano, pelo que não há qualquer enriquecimento do lesado.

              Assim:

              No 1º ano, o lesado tira 2.107,58€.

              Restam 56.450,47€ que, no banco, à taxa de 4%, ficarão transformados, no fim do 1º ano em 58.708,49€

              No 2º ano, o lesado tira 2.107.58€ mais 2% da inflação, ou seja, 2.149,73€.

              Restam 56.558,76€ que, no fim do ano, com 4% de aumento, ficam em 58.821,11€.

              E assim sucessivamente, como se segue:

Retirada por ano, com 2% de aumento a partir do 2º anoCapital restanteCapital no fim do ano com 4% de aumento
1º ano2.107,58€56.450,47€58.708,49€
2º ano2.149,7356.558,7658.821,11
3º ano2.192,7256628,3958893,53
4º ano2236,5756656,9658923,24
5º ano2281,3056641,9458907,62
6º ano2326,9356580,6958843,92
7º ano2373,4756470,4558729,27
8º ano2420,9456308,3358560,66
9º ano2469,3656091,358334,95
10º ano2518,7555816,258048,85
11º ano2569,1355479,7257698,91
12º ano2620,5155078,457281,54
13º ano2672,9254608,6256792,96
14º ano2726,3854066,5856229,24
15º ano2780,9153448,3355586,26
16º ano2836,5352749,7354859,72
17º ano2893,2651966,4654045,12
18º ano2951,1351093,9953137,75
19º ano3010,1550127,652132,70
20º ano3070,3549062,3551024,84
21º ano3131,7647893,0849808,80
22º ano3194,4046614,448478,98
23º ano3258,2945220,6947029,52
24º ano3323,4643706,0645454,30
25º ano3389,9342064,3743746,95
26º ano3457,7340289,2241900,79
27º ano3526,8838373,9139908,87
28º ano3597,4236311,4537763,91
29º ano3669,3734094,5435458,32
30º ano3742,7631715,5632984,18
31º ano3817,6229166,5630333,22
32º ano3893,9726439,2527496,82
33º ano3971,8523524,9724465,97
34º ano4051,2920414,6821231,27
35º ano4132,3217098,9517782,91
36º ano4214,9713567,9414110,66
37º ano4299,279811,3910203,85
38º ano4385,265818,596051,33
39º ano4.472,97€1.578,36€1.641,49€
39,5º ano2.281,21€

                                                                VI

                                  Demonstração do cálculo do capital
                   O acórdão do STJ de 04/12/2007 – já referido acima - colocou ao dispor de “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no ac. de 05/05/1994 ou do TRC de 04/04/1995” [uma tabela] e a essa tabela chegou-se “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo […]”.

              Portanto, tal tabela é uma aplicação da fórmula usada pelo STJ no ac. de 05/05/1994 (publicado na CJ.STJ.94.2.86, onde se esclarece que ela foi facultada pelo docente Dr. Joaquim Correia Caetano), e antes deste no ac. do STJ de 04/02/1993 (do mesmo relator e publicado na CJ.STJ.93.1.128).

              Ora, aquela fórmula foi desenvolvida depois pelo ac. do TRC de 04/04/1995 (publicado na CJ.95.2.23/26), de modo a tomar em consideração o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais.

              E assim, desde tal data têm sido utilizadas para a consideração de todos estes factores e já tendo em conta que o capital tem de estar esgotado no fim do período em causa, as seguintes duas fórmulas complementares:

              A 1ª (que é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ, fornecida pelo autor da acção julgada no ac. do TRC de 04/04/1995) é:

                   C =  (1+i)N -1 / (1+i)Nx i x P

              em que

              C = capital;

              P = prestação a pagar no 1º ano;

              i = taxa de juro; e

              n = o nº. de anos de esperança de vida;

              A 2ª é:

              i = (1 + r / 1 + k) - 1                

              em que:

              r = taxa de juro nominal líquida.

              k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).

              Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
                                                                                              *            
                   Assim, no caso dos autos, para aplicação da 2º fórmula, considera-se que:

              r = é igual a 4%.

              k = é igual a 3%.

              Pelo que, sendo 

              i = (1 + r / 1 + k) - 1

              i é 0,97%.

                                                                 *

              E para aplicação da 1ª fórmula, sabe-se agora que:

              P terá de ser igual a 836,34€ (salário ilíquido) x 14 (meses) x 18% (de incapacidade) = 2.107,58€.

              N é igual a 39,5 (nº de anos de vida provável).

              i é igual a 0,97%

              Pelo que

              C = [(1 + 0,97%)39,5 - 1 / (1+0,97%)39,5 x 0,97%] x 2.107,58€

                   C = 68.891,82€

                                                                 *

              A este capital, aplicando a dedução de 15%, corresponderia o valor de 58.558,05€ (que no caso não importa aumentar porque tal levaria a um valro para além do que está em causa no recurso).

                                                                 *
                   Note-se que a vantagem de utilizar a fórmula corrigida pelo ac. do TRC de 1995, é o de conseguir introduzir a idade da esperança média de vida, bem como outros factores, logo no cálculo matemático, o que só vai ajudar à uniformidade de critérios de cálculo das indemnizações.

                   Dito de outro modo: como meio de conseguir atingir, de modo objectivo, um valor justificável por si e o mais próximo possível dos danos efectivamente sofridos, sem deixar margem para uma ampla discricionariedade, é preferível incluir logo na fórmula matemática referida todos os factores e fazer depois as adaptações que se justifiquem, do que usar uma tabela ou fórmula que só abrange, por exemplo, os anos de vida activa, fazendo depois funcionar, sem nunca se explicar bem como, um outro factor destinado aos restantes anos de esperança de vida.

                                                                 *

              Fazendo uma demonstração equivalente à feita acima, agora para o capital de 40.000€ atribuído pela maioria deste colectivo do TRC, temos que ao fim de 23 anos o lesado já esgotou o capital, ou seja, nesse ano já não poderá tirar uma prestação anual equivalente à perda de capacidade aquisitiva (e a situação não seria muito diferente se em vez do rendimento ilíquido se tivesse em conta o rendimento líquido):

Retirada por ano, com 2% de aumento a partir do 2º anoCapital restanteCapital no fim do ano com 4% de aumento
1º ano2.107,58€37.892,42€39.408,12€
2º ano2.149,7337258,3938748,73
3º ano2.192,7236556,0138018,25
4º ano2236,5735781,6837212,95
5º ano2281,3034931,6536328,92
6º ano2326,9334001,9935362,07
7º ano2373,4732988,634308,14
8º ano2420,9431887,233162,69
9º ano2469,3630693,3331921,06
10º ano2518,7529402,3130578,40
11º ano2569,1328009,2729129,64
12º ano2620,5126509,1327569,50
13º ano2672,9224896,5825892,44
14º ano2726,3823166,0624092,70
15º ano2780,9121311,7922164,26
16º ano2836,5319327,7320100,84
17º ano2893,2617207,5817895,88
18º ano2951,1314944,7515542,54
19º ano3010,1512532,3913033,69
20º ano3070,359963,3410361,87
21º ano3131,767230,117519,31
22º ano3194,404324,914497,91
23º ano3.258,29€1239,62€1.289,20€

                                                                VII

                                             Danos não patrimoniais

              Na fixação da indemnização por estes danos vinha actualmente parte da doutrina a propôr que se atribuísse 1.000.000€ pela perda do direito à vida, sendo todos os outros danos não patrimoniais alinhados depois abaixo desse valor (neste sentido, veja-se Leite de Campos, Os danos causados pela morte e a sua indemnização, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 137; e Menezes Cordeiro, obra citada abaixo, pág. 755).

              A jurisprudência, no entanto, tem procurado a fixação do valor destes danos sem comparação com o valor do direito à vida, antes fazendo a comparação com os valores de outras indemnizações de danos semelhantes:

              Veja-se então:

              O acórdão do STJ de 19/06/2007, publicado sob o nº. 07A1730 da base de dados do ITIJ/STJ, deu 25.000€ a um adulto de 55 anos que perdeu o olfacto, sofre de graves dificuldades respiratórias, apresenta deformação da ponta do nariz, sofreu dores e angustia e depressão, deixou de dormir normalmente, acordando com falta de ar; o que lhe criou insónias; nervosismo e depressão e ficou incapacitado e impedido de trabalhar.

              O acórdão do STJ de 22/01/2008, publicado sob o nº. 07A4338 da base de dados do ITIJ, deu 35.000€ a um professor que sofreu fracturas do fémur e do úmero direitos, um período de cura directa de mais de 1 ano, uma intervenção cirúrgica do foro ortopédico e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, tendo ainda resultado um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7, e ficando com sequelas que se traduzem numa incapacidade permanente geral parcial de 25%, agravada no futuro em mais 5%.

              O acórdão do STJ de 28/02/2008, publicado sob o nº. 08B388, manteve a indemnização de 125.000€ a uma vítima que esteve em coma profundo durante vários dias, sem ter a consciência do que lhe acontecera e das lesões profundas que apresentava, permanecendo durante semanas com perda de consciência, sem reconhecer pessoas, familiares; esteve internado em diferentes instituições hospitalares e foi submetido a diversas e delicadas intervenções cirúrgicas e sessões de tratamento e recuperação; quer durante o internamento quer posteriormente, sofreu muitas dores, intensas privações, aborrecimento e desconforto; continuará a sentir tais dores, privações e aborrecimento, bem como a ter necessidade de tratamentos, nomeadamente fisioterapia, por toda a vida; ficou com limitações físicas graves, com elevado índice de incapacidade, que é total em relação à actividade profissional que exercia; que sente, em consequência das dores, aborrecimentos e privações, depressões, infelicidade, sentimento de inferioridade e de diminuição das suas capacidades, bem como profundo desgosto pela sua total dependência de terceiros, quer para se mover quer para tratar de outros assuntos;
ficou com cicatrizes extensas e notórias…. está condicionado na mobilidade do seu próprio corpo; há manifestamente um dano decorrente de limitação da sua capacidade de afirmação pessoal; há um decréscimo de qualidade de vida, que mais se acentuará com o decurso do tempo, face às limitações de mobilidade e a um previsível acréscimo do grau de dependência em relação a terceiros.

              O acórdão do STJ de 4/3/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº.08A183, atribuiu a um autor com quase 59 anos, que sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, já que se acha impotente sexualmente e incontinente, jamais podendo fazer a vida que até então fazia, e é hoje uma pessoa cujo modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo consequências irreversíveis, não sendo ousado afirmar que a sua auto-estima sofreu um abalo fortíssimo, 225.000€. Nota-se que os condenados eram pessoas singulares e os factos datavam de 1998.
              O acórdão do STJ de 19/06/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 08B1841, quantificou em 120.000€ os danos não patrimoniais sofridos por uma mulher de 27 anos de idade, que sobrevive com gravíssimos ferimentos, destacando-se a amputação do membro inferior direito, o prejuízo estético e funcional, a afectação sexual, a auto estima, as operações a que teve que se sujeitar, os sofrimentos físicos e psíquicos que teve e continua a ter, as intervenções cirúrgicas, e a IPP de 70% de que ficou a padecer.

              O acórdão do STJ de 26/05/2009, publicado na base de dados do STJ/ITIJ sob  o nº. 3413/03.2TBVCT.S1, atribuiu 200.000€ por danos não patrimoniais provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o autor, com 29 anos, motorista de pesados ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas (cuja duração é inferior a 1 ano) como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho. E atribuiu 50.000€ por danos não patrimoniais da mulher do autor, considerando que a sua qualidade de vida ficou profundamente afectada, os seus direitos conjugais amputados numa parte importante para uma mulher jovem e o seu projecto de ter mais filhos irremediavelmente comprometido.

              O acórdão do STJ de 07/07/2009 – publicado sob o nº. 704/09.9TBNF.S1 – atribuiu 45.000€ a uma jovem de 19 anos que, quer em consequência do acidente, quer com os tratamentos a foi sujeita, quer com as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sentiu pavor com a perspectiva da própria morte, sofre pelo facto de ter ficado com as cicatrizes supra referidas, e desde o acidente que se sente complexada e triste com o seu aspecto físico (as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias).

              No acórdão do TRC de 03/02/2010 (276/03.1GBOBR.C1) aceitou-se o valor de 125.000€ (que era o valor pedido) como o adequado para um adulto com 29 anos, que sofreu um traumatismo cranioencefálico e facial com focos de contusão cerebrais e várias fracturas e cortes que lhe deixaram cicatrizes; que ficou em estado de coma durante 8 dias, e depois cerca de 42 dias internado num hospital; foi sujeito a inúmeras operações e tratamentos e programas durante vários meses; que depois da alta apresentava graves problemas de comunicação, de memória, de funcionamento motor, assimetria facial, problemas visuais, delírios, alterações de personalidade, problemas cognitivos e emocionais, etc.; e que ficou com as referidas – para a fixação da incapacidade feita acima - alterações irreversíveis da fala, da memória, da atenção e da orientação, o que tudo prefigura um síndrome pós-traumático encefálico em grau severo, com clara diminuição da sua eficiência pessoal e, necessariamente, profissional (= IPP de 40%); teve uma diminuição bilateral do olfacto. Tem um prejuízo de afirmação pessoal fixável em 3 numa escala de cinco graus de gravidade crescente; teve um período de incapacidade geral quase total durante quase 22 meses.

              No ac. do STJ de 02/03/2011 (1639/03.8 TBBNV.L1 da base de dados do ITIJ) sumariou-se: IV. É justo atribuir uma indemnização de 400.000€ por danos morais à lesada que, com 19 anos de idade, por força do embate de uma árvore na viatura onde seguia, ficou com diversas e muito graves lesões, de entre as quais se salienta a fractura de vértebras, com instalação irreversível de tetraplegia, sofrendo de diminuição acentuada da função respiratória e de incapacidade funcional permanente de 95%, com incapacidade total e permanente para o trabalho; a partir da data do sinistro e durante cerca de um ano, foi alimentada através de um tubo gástrico introduzido pelas narinas e, na sequência de gastrotomia a que teve de ser submetida em resultado de uma fístula esofágica alta que sobreveio a uma intervenção cirúrgica, alimentada através de uma sonda introduzida no corte cirúrgico, na zona do estômago; foi submetida a várias intervenções cirúrgicas e ficou com múltiplas e extensas cicatrizes deformantes; as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de pessoa nos actos da vida diária, sendo que, para certos actos (tais como, tomar banho e defecar) carece da ajuda de mais uma pessoa; perdeu todos os movimentos e sensibilidade do pescoço para baixo (com excepção dos ombros), designadamente nos órgãos sexuais, nos esfíncteres, no ânus, no recto, nos intestinos, no estômago, no aparelho urinário, no respiratório e nos membros inferiores e superiores; corre o risco sério de vir a sofrer graves lesões renais; tem a sua expectativa de vida encurtada; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura, desespero e angústia, inconformada com a sua situação e perdeu a vontade de viver e muitas vezes tem pedido que lhe ponham termo à vida (este acórdão recenseia cerca de uma dezena de casos muito graves, três deles com indemnizações de 250.000€ por danos não patrimoniais…).

              Tendo em conta todos estes casos (uns mais graves e com valores menores mas sendo as decisões mais antigas, e outros muito mais graves: o último, por exemplo, não se diria ser 10 vezes mais grave que o caso dos autos…) e comparando-os com o dos autos e não deixando de ter em conta as críticas (referidas já abaixo) que a doutrina faz ao “miserabilismo” dos valores das decisões dos tribunais (e portanto procurando, ao menos na medida do possível, ir subindo um pouco os mesmos), considera-se que a indemnização devia ser fixada em 40.000€.

                                                               VIII

                                  Das portarias 377/2008 e 679/2009

              Apesar das críticas cáusticas de que a jurisprudência era alvo por estas indemnizações, as Portarias 377/2008 de 26/05, e 679/2009, de 25/06, vieram, na prática, a dar origem a propostas de valores ainda mais baixos.

              Não admira, por isso, que sobre elas o Prof. Menezes Cordeiro tenha escrito o seguinte:
         “visando – o Governo – respaldar as companhias de seguros – […] são lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais. Pior: cifras máximas, quando seria de esperar, ao menos, que as cifras fossem mínimas. […] A portaria contém tabelas por danos corporais e outros: insig-nificantes […] Esta iniciativa merece um juízo de censura absoluta. O Governo nunca deveria ter intervindo neste domínio, sem crité-rio nem justiça e, aparentemente, sem conhecimento da evolução (penosa) do próprio Direito Civil […] este grave atentado aos direi-tos mais sérios e profundos dos cidadãos. […] As ofertas muito baixas, feitas pelas seguradoras, às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça. Elas são propostas a famílias de bai-xos recurso, desesperadas pelos danos morais e patrimoniais que inesperadamente as atingem e que logo aceitam como único palia-tivo. Apenas a classe média/alta pode enfrentar um processo de muitos anos contra uma seguradora para, então, conseguir arrancar um resultado menos deprimente” E mais à frente: “a boa fé não pode ser dispensada por portaria do Governo. (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759).  

              Ou aquilo que é dito pelo Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571) sobre medidas num âmbito conexo:
         “medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais.

              Tais portarias não têm pois de ser consideradas.

              Neste sentido e embora sem aceitar as críticas doutrinárias referidas, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 09/09/2010 (2572/07.0TBTVD.L1 da base de dados do ITIJ): As quantias das faladas portarias não vinculam, de modo algum, os tribunais. Mas, impondo a lei ordinária que, com base nelas, se faça uma proposta razoável de indemnização, se existir clara discrepância entre os montantes ali referidos e os fixados jurisprudencialmente, passam tais propostas, afinal, a não serem razoáveis. Nesse caso, sendo os valores jurisprudenciais superiores existe um prejuízo manifesto para os lesados e até para as finalidades daquelas. O que não significa, contudo, que sejam os tribunais a moldarem o seu entendimento. […] Enfim, de todo o quadro que vimos expondo, parece-nos resultar para nós uma imposição de continuidade relativamente aos valores que vêm sendo fixados pelos tribunais, em especial por este Tribunal. Essa continuidade não afasta uma paulatina evolução no sentido ascensional).

              Pedro Martins


[1] Considerada a rectificação de lapso manifesto determinada pelo despacho de fls. 189.
[2] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[3] Rectifica-se esta última data, já que, por lapso manifesto, escrevera-se “2007” – cf. o teor da alínea F) (fls. 67).
[4] Esta a IPP aceite nos articulados da acção, sendo que foi diverso o enquadramento dado pela Delegação do Centro do INML, na sequência do exame médico-legal a que se reporta o relatório de fls. 103 e seguintes – cf. II. 3, infra.
[5] A resposta ao art.º 10º da base instrutória contém um lapso manifesto/ostensivo quanto ao número de dias, já que esse número é “498” e não “468”, como resulta do “relatório” médico-legal de fls. 103 e seguintes [maxime, a fls. 107, ponto 3, 4º parágrafo e a fls. 108/conclusões] - especialmente considerado na decisão de facto (fls. 134) -, traduzindo o período decorrido desde a data do acidente até à data da alta/consolidação médico-legal. 
[6] No item 43º da p. i. escreveu-se, indevidamente, “causa” [“Actualmente o A. apresenta, como causa directa e necessária do acidente, as seguintes sequelas (…)”] em vez de “consequência” [efeito ou consequência de que o acidente foi “causa” directa e necessária…] e esse mesmo lapso/erro foi transposto para a base instrutória [art.º 14º] e, depois, para a decisão de facto de fls. 133 e a sentença [ponto 25 da matéria de facto/fls. 141], lapso/erro manifesto quer quanto à sua existência quer quanto ao modo de o rectificar e que, como tal, não poderá deixar de ser rectificado/eliminado – cf., a propósito, entre outros, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1974, pág. 255 e o acórdão da RC de 18.6.1991, in BMJ, 408º, 659.
   Completou-se o texto da alínea fazendo constar o que expressamente se refere no “relatório” médico-legal no que respeita às “sequelas relacionáveis com o evento”, maxime, derivadas das lesões sobrevindas e causadas pelo embate dos autos, expurgando-se, desta forma, a remissão vertida na decisão de facto e transposta para a sentença mas que não deixava de ser suficientemente precisa quanto à materialidade a considerar.
[7] Existiu procedimento idêntico ao adoptado na resposta ao art.º 14º, quando se deveria incluir, na resposta, a factualidade comprovada através do documento de fls. 38 (fls. 133).
  Procede-se, assim, à “leitura” do dito documento, que reproduz o recibo de remuneração do A. de Fevereiro de 2008: o A. auferiu a remuneração base mensal de € 583,82; a título de remuneração base, subsídio de refeição, abono para falhas e trabalho suplementar, percebeu a importância global ilíquida de € 836,34; deduzidos os descontos (Taxa Social Única e IRS), veio a receber a importância líquida de € 732,85.
[8] Veja-se, sobretudo, o alegado sob o item 45º da p. i. e o item 1º da contestação.
[9] Ou seja, a denominada “Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10, e constante do respectivo “Anexo II”.
[10] Importa notar que, conforme decorre do explanando na “discussão” do relatório, nas “conclusões” de fls. 108 existem dois lapsos ostensivos, o primeiro, referente à pontuação global da incapacidade permanente geral global, fixável em não mais de 18 pontos e não em 20 pontos e, o segundo, quanto ao dano estético, fixável em 3/7 e não em 2/7.
[11] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 03.5.1977, in BMJ, 267º, 132.
[12] Cf. “nota 9”, supra.
[13] Veja-se, a propósito, o acórdão do STJ de 29.11.2005 - revista n.º 1964/05-4, relatado pela Senhora Conselheira Maria Laura Leonardo (adjuntos: Sousa Peixoto e Sousa Grandão), decisão que, pese embora o seu inegável interesse, não foi publicada na CJ-STJ ou no “site” da dgsi.      
[14] Vide Joaquim José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (no domínio do Direito Civil), in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano XVIII, n.º 19, pág. 60.

[15] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.
[16] Cf., de entre vários, por último, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[17] Cf. DL n.º 238/2005, de 30.12, DL n.º 2/2007, de 03.01 e, designadamente, art.ºs 17º e 26º da Lei n.º 100/97, de 13.9, e 43º do DL n.º 143/99, de 30.4.
[18] Cf., de entre vários, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª edição, Almedina, 2006, pág. 54 e os acórdãos do STJ de 15.6.1993 e de 04.11.2003, in BMJ, 428º, 530 e CJ-STJ, XI, 3, 138, respectivamente.
[19] Cf. “nota 7”, supra.
[20] Vide, de entre vários, por último, os acórdãos do STJ de 13.01.2009-processo 08A3734, 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1 e 25.02.2010-processo 172/04.5TBOVR.S1, bem como os acórdãos da RL de 06.10.2005-processo162/2005-8 [aresto que indica diversas decisões do STJ, no mesmo sentido, desde o ano de 2001], da RP de 15.02.2005-processo 0425710 e da RC de 14.10.2008-processo 2353/05.5TBCBR.C1, publicados no “site” da dgsi.

    Porém, também se defende (pensamos que minoritariamente) que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.
    Desenvolvendo e explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20.01.2010-processo 203/99.9TBVRL.P1.S1 e 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.
    Desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspectiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20.01.2011-processo 520/04.8GAVNF.P2.S1, publicado no “site” da dgsi.
[21] Cf. o citado acórdão do STJ de 20.01.2011.

[22] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.10.1999-processo 99A356, 06.4.2005-processo 05A2167, 13.01.2009-processo 08A3747, 01.10.2009-processo 1311/05.4TAFUN.S1, 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1 e de 02.10.2007, os primeiros publicados no “site” da dgsi e, o último, na CJ-STJ, XV, 3, 68.
[23] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 17.11.2005-processo 05B3167, 12.10.2006-processo 06B2581, 06.3.2007-processo 07A189 e 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, publicados no “site” da dgsi, e de 02.10.2007 e 11.3.2010, publicados na CJ-STJ, XV, 3, 68 e XVIII, 1, 123, respectivamente.   
[24] Decorre da “conclusão 7ª” do recurso subordinado que o A. considerou que “a parcela correspondente à compensação pelo dano futuro, decorrente da IPP de que é portador deve ser fixada no dobro da que foi fixada na sentença”, ou seja, o A. teve por correcto o critério de cálculo seguido pela 1ª instância e limitou-se a pedir a duplicação do valor sentenciado por, em seu entender, ter sido atribuída a incapacidade de “20 %” (20 pontos) e o tribunal recorrido ter considerado como “factor de cálculo” a IPP de 10 %.
   Como se explicitou supra - cf., sobretudo, “nota 10” e ponto II. 4. - existem lapsos nas conclusões do relatório da Delegação do Centro do INML, não levados em devida conta pelo A., e também não será lícito estabelecer uma correspondência automática ou necessária entre os denominados “pontos/unidades de apreciação” e as (anteriores) percentagens de incapacidade permanente [que continuam a ser utilizadas na avaliação das incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais].
   Não obstante, verifica-se que, ao tomar aquela posição em face do decidido pela 1ª instância e dos elementos apurados nos autos, o A., na sua alegação de recurso (inclusive, nas respectivas “conclusões”), reconheceu a “exorbitância” do pedido global de € 86 500 [€ 36 500 + € 50 000] que havia deduzido nos autos a título de dano patrimonial futuro e confinou-o, dessa forma, a um valor que fixou em € 43 380,18 [€ 21 690,09 x 2] mas que, se porventura tivesse considerado o lapso em que incorrera e na perspectiva da tendencial equiparação dos “18 pontos” a “18 % de IPP”, poderia ser ainda eventualmente reduzido para € 39 042,16 [€ 21 690,09 x 2 x 0,18 : 0,20].
   Assim, sem quebra do respeito devido por opinião em contrário, pensamos que ao valor agora encontrado a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro subjazem os elementos recolhidos nos autos e o peticionado pelo A. [considerando-se, nomeadamente, o princípio de que “o julgamento do recurso não pode melhorar a posição do recorrente em termos de lhe conceder mais do que ele solicita”], o correspondente enquadramento normativo (substantivo e adjectivo), os critérios que têm sido adoptados pela jurisprudência (inclusive, pelo nosso mais alto Tribunal) e as orientações doutrinais sobre a componente adjectiva da matéria em apreço - cf., ainda, os art.ºs 273º, n.º 2 e 684º e, de entre vários, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. I, 3ª edição – reimpressão, Coimbra, 1982, pág. 378 e Vol. V, (Reimpressão), Coimbra, 1984, págs. 309 e 311 e Comentário ao CPC, Vol. 3º, Coimbra, 1946, págs. 95 e 96; J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 485 [in anotação ao art.º 273º, ponto 4] e Vol. 3º, 2003, págs. 33 e 34 [in anotação ao art.º 684º, pontos 4 e 5] e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2004, págs. 143 a 147.
   Vide, ainda, sobre esta problemática, de entre vários, o caso decidido pelo acórdão da RL de 16.11.2010-processo 1528/07.7TBVFX.L1-7, publicado no “site” da dgsi, que tem alguma similitude com a situação destes autos, sendo que no caso em análise, para além de se tratar de problemática que emerge de recurso subordinado (o que, aparentemente, pouco releva), acresce a circunstância de não estar em causa a eventual discrepância nos resultados considerados pelas instâncias [independentemente da diversidade dos critérios adoptados] e se dever atender ao “reposicionamento” do A./recorrente em sede de delimitação objectiva do recurso.
[25] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 26-11-2009-processo 3533/03.3TBOAZ.P1.S1, 07.01.2010-processo 5095/04.5TBVNG.P1.S1, 12-01-2010-processo 8/06.2TBPTL.G1.S1 e 21.10.2010-processo1331/2002.P1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[26] Cf., de entre vários, o citado acórdão do STJ de 26-11-2009 e os acórdãos do mesmo Tribunal de 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14-9-2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1 e 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1 publicados no “site” da dgsi.
[27] Cf., designadamente, o disposto nos art.ºs 3º, 8º e 12º da Portaria n.º 377/2008, de 26.5 e o anexo IV da Portaria n.º 679/2009, de 25.6 e tenha-se em atenção a idade do A. à data do evento (26 anos), a pontuação de “18 pontos” e o vencimento auferido dito em II. 1. dd), supra.
   Veja-se, de novo, Joaquim José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (no domínio do Direito Civil), in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano XVIII, n.º 19, págs. 52, 55 (nota 3), 57, 60 e 63 (nota).