Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
687/16.2T8CBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS E FORENSES
Data do Acordão: 02/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 6.º, N.º 1 DO CPC E N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 2.º DO REGIME JURÍDICO DAS PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS E FORENSES (LEI N.º 45/2004, DE 19 DE AGOSTO).
Sumário: I. É de ordenar a exclusão do sistema informático de um relatório de acompanhamento psicológico de menores, da autoria de uma psicóloga escolhida pela mãe dos menores se, na altura em que foi requerida a junção, o tribunal já havia decidido, com conhecimento de ambos os pais, que estes não podiam submeter os menores a acompanhamento psicológico enquanto estivessem em curso as perícias já solicitadas à Medicina Legal, visto que esse acompanhamento poderia influenciar os resultados das perícias em curso.
II. As perícias médico-legais são feitas em regra nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
Decisão Texto Integral:









I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do despacho judicial proferido em 8 de setembro de 2021, o qual tem o seguinte teor:

«No que respeita ao pedido de junção de relatório de acompanhamento psicológico do A. e B., emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C., foi já proferido despacho a 27.07.2021, indeferindo tal junção, pelo que se determina a sua exclusão do sistema informático.

De harmonia com o artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, vai a progenitora condenada em 1 UC pelo incidente anómalo, atenta a sua simplicidade e processado a que deu causa.»

b) Como se acabou de referir, é desta decisão que vem interposto recurso por parte da mãe dos menores, cujas conclusões são as seguintes:

«1. O objecto do presente recurso fixa-se no Douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 08-09-2021, ref.ª n.º 86245492, notificação elaborada em 09-09-2021, ref.ª n.º 86267162, nos seus seguintes segmentos: “No que respeita ao pedido de junção de relatório de acompanhamento psicológico do A. e B. emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C. foi já proferido despacho a 27.07.2021, indeferindo tal junção, pelo que se determina a sua exclusão do sistema informático” e; “De harmonia com o artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, vai a progenitora condenada em 1 UC pelo incidente anómalo, atenta a sua simplicidade e processado a que deu  causa”.

2. Pelo que o âmbito do presente recurso reporta-se ao despacho emitido pelo Tribunal a quo, nos segmentos referidos na conclusão 1.ª do presente recurso, os factos e a prova, e a aplicação do Direito aos factos.

3. Pelo que, o presente recurso abarca duas grandes vertentes: a decisão de desentranhamento e consequente exclusão do sistema informático do requerimento da ora Recorrente na qual peticionava-se a junção aos autos de um meio de prova, em concreto, o relatório emitido pela psicóloga, Dr.ª C., referente à sua intervenção profissional junto dos menores cujos presentes autos pretendem acautelar; e a decisão de condenação da ora Recorrente nas custas do incidente anómalo resultante.

4. No âmbito dos presentes autos de promoção e protecção discute-se as alegações, fundadas, da Mãe, em relação ao Progenitor, da prática de actos e condutas por este, contra os menores, B., nascida a 28-09-2011 e, A., nascido a 25-10-2013, que consubstanciam a prática de abusos sexuais.

5. Os presentes autos de promoção e protecção iniciaram-se pelas participações da Progenitora, atento os relatos narrados pelos dois menores.

6. Nesses relatos, os menores identificaram e narraram actos e condutas praticadas pelo Progenitor, que se enquadram no conceito de abusos sexuais contra menores.

7. Em consequência dessa narração realizada pelos menores, e para além do início e prosseguimento dos presentes autos, os menores começaram a ser acompanhados pela psicóloga, Dra. C..

8. A Dr.ª C. é psicóloga, reconhecida pelo Estado Português para o exercício dessa actividade profissional, e é portadora da Cédula Profissional n.º ….

9. A Mãe confiou nesta profissional para acompanhar os menores em virtude dos abusos que os mesmos narraram.

10. Este acompanhamento clínico na especialidade de psicologia, durou um período aproximado de cinco meses.

11. A primeira sessão entre os menores e a Dr.ª C. ocorreu a 30-12-2020, e a última ocorreu a 16-05-2021.

12. O acompanhamento clínico dos menores perante a psicóloga, Dr.ª C. apenas cessou por ordem do Douto Tribunal a quo, que em despacho cuja notificação à ora Recorrente tem data de elaboração de 20-05-2021, assim o ordenou, decisão prontamente acolhida pela Mãe, apesar de, com a devida vénia, dela discordar.

13. Termos em que se verifica que o acompanhamento dos menores pela psicóloga, Dr.ª C., durou, sensivelmente, cinco meses, prolongando-se, durante este período, por diversas sessões com as crianças.

14. Pelo que a psicóloga, Dr.ª C., fez um acompanhamento psicológico das crianças cuidado, profissional, independente, e prolongado no tempo (de dia 30-12-2020 a dia 16-05-2021).

15. Atendendo ao número de sessões realizadas e ao decurso do tempo, gerou-se entre os menores e a técnica uma grande ligação e cumplicidade, o que motivou que com esta psicóloga os menores abrissem o seu coração, relatando os factos e condutas praticados pelo Progenitor de forma verdadeira, clara e inequívoca.

16. Após o fim da intervenção, e como normalmente acontece, a técnica elaborou um relatório, que designou de: “Relatório de Acompanhamento Psicológico – 5 Meses”, que entregou à Mãe.

17. Por seu turno, a Mãe requereu a junção do relatório nos presentes autos, o que sucedeu por requerimento escrito em 06-09-2021, pelas 19:58:35 horas, ref.ª n.º 39762621, via plataforma informática Citius.

18. Em Douta Promoção datada de 07-09-2021, ref.ª n.º 86221648, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público não se opôs à requerida junção.

19. Contudo, o Douto Mm.º Juiz a quo indeferiu a referida junção aos autos e ordenou a sua exclusão do sistema informático, o que fez sem enunciar qualquer tipo de fundamentação ou justificação, não tendo sido colocada em causa a veracidade do relatório, a credibilidade, independência ou profissionalismo da psicóloga, e muito menos a sua acreditação pelo Estado Português para o exercício da profissão de psicóloga.

20. Pura e simplesmente, foi indeferida a pretensão da ora Recorrente de junção aos presentes autos de um importantíssimo meio de prova, cujo conteúdo torna claro e inequívoco os abusos de natureza sexual que as crianças, B. e A. foram sujeitas pelo Progenitor.

21. Ora, atendendo ao conteúdo do relatório, directamente relacionado com os menores cujo superior interesse os presentes autos pretendem acautelar, torna-se claro e inequívoco que a junção aos autos deste importantíssimo meio de prova impunha-se.

22. E se dúvidas houvesse, bastava atentar no conteúdo do referido relatório para estas serem desfeitas, atento os seguintes excertos que bem demonstram a prática das condutas e acções pelo Progenitor, contra os menores, e manifestamente abusivas:

Quanto à menor, B. (págs. 7 e 8): A B. refere “o pai mexeu no Biubiu” (cit.), quando questionada sobre o que era o “Biubiu”, B. diz que não consegue dizer a palavra e leva a mão à zona genital, dizendo “acontece já há algum tempo, eu era pequena, mas lembro-me bem é do Verão passado. O A. era sempre no banho. Eu gosto do pai mas… longe” (cit.). O pai levava-me para a casa de banho, eu nem conseguia dizer nada, ficava tão aflita. Apanhava o mano distraído ou dava-lhe coisas para se distrair e pegava-me no braço. Eu depois já sabia o que ia fazer, mas não era capaz de dizer nada. Ao A. era no banho porque ele precisava de ajuda para tomar banho. Eu não sabia do mano, só mais tarde é que percebi. Eu entrava na casa de banho, ficava quieta e fechava os olhos até acabar” (cit.). A B. faz uma pausa, respira fundo e diz “estou tão aliviada por te contar, confio em ti” (cit.). A B. refere que tem medo que o pai saiba que ela falou e por isso também nunca tinha sido capaz de falar antes, de forma tão pormenorizada. Afirma ter medo que o pai lhe possa fazer, pois lembra-se bem do dia em que não queria ir com o pai, para casa dele e ele gritou muito e foi muito agressivo.

No dia 15 de Março de 2021, ao brincar às famílias, refere que nas visitas presenciais, não quer abraçar o pai, mas sente que o deve fazer e tem de o fazer no entanto “parece mesmo que o corpo se encolhe todo. Não quero que ele me toque” (cit.).

A 7 de Abril de 2021, a B. relata uns episódios de bullying, nomeadamente da colega e em tempos amiga K., afirma que o conflito é diário (…) No decorrer da consulta refere que há algum tempo, celebraram o dia do pai na natação e que tomou banho com o pai no balneário masculino e não no balneário das crianças, sendo que sentiu muita vergonha ao ver os homens nus, mas que o pai não quis saber e teve medo de dizer alguma coisa ao pai, pois temia a sua reacção. Refere ainda “eu dormia com o pai e pedia miminhos para adormecer, mesmo depois de ele me fazer mal. Eu só queria adormecer e que o dia passasse” (cit.).

Afirma que quando ia para a casa do pai tinha o truque do espelho, ou seja, via-se ao espelho e dizia para si “coragem, mais um dia que passou” (cit.).

Nesta consulta trouxe ainda o livro de memórias que começou a escrever, sendo que foi capaz de escrever o que se passou com o pai, com maior detalhe do que alguma vez falou sobre o assunto.

No livro de memórias pode ler-se a seguinte frase, entre toda a descrição, “meteu os dedos por ali dentro” (sic.).

Quanto ao menor, A. (págs. 10 e 11):

No dia 25 de Fevereiro de 2021, também surgem as primeiras verbalizações do A., acerca daquilo que se configurará como abuso sexual, por parte do pai. Neste dia, o A. começa por brincar com os animais e a fazer casas de famílias e quando lhe é perguntado pelas rotinas em casa da mãe e do pai, responde tranquilamente acerca das rotinas da casa da mãe, evidenciando controlo sobre as mesmas. Relativamente às rotinas em casa do pai afirma “já sei que a mana te contou. Ele a mim mexia-me na pilinha e não parava. Eu não era capaz de falar, fechava os olhos” (cit.). “estar sozinho com o pai nunca mais quero!” (cit.), começa a ficar mais agitado e refere “o pai fazia-me mais vezes em casa dos avós, não era tanto na casa dele. E na escola a pilinha doía-me, ficava dura. O pai mexia-me na pilinha e ficava dura, ele mexia e no fim eu fazia muito xixi. Mas sabia bem, mas eu não queria. Os avós sabiam, mas eu não disse nada a eles” (cit.). O A. afirma que tem medo do pai, tem medo que o pai deixe de gostar dele, que não queira brincar com ele, não o queira adormecer e que não queira saber dele. Contudo, ao mesmo tempo refere, que tem medo do pai, que este lhe faça mal e que este grite com ele.

Na consulta de 11 de Março de 2021, o A. afirma “eu quero o pai fora da minha vida. Agora não o quero na minha vida, tu podes ajudar-me? Mas sem que ele saiba?

No dia 7 de Abril de 2021, o A. começa a consulta tranquilo, mas vai evidenciando sinais de maior ansiedade, enquanto fazemos aviões de papel, verbaliza “semana de cadeia nunca mais!” (cit.). Quando questionado acerca do que queria dizer, o A. refere “se tivesses uma semana de cadeia, ias odiar, é um horror! Não quero que ele me mexa e toque mais em alguns sítios, como aqueles que sabes.” (cit.). Foi-lhe pedido que me explicasse melhor um pouco melhor o que queria dizer, sendo que afirma “Que sítios” … Na pilinha. Uma semana de cadeia é com o pai, uma semana sem cadeia é com a mãe.” (cit.)

A 15 de Abril de 2021, o A. refere que terá ido ao Instituto de Medicina Legal e que foi difícil responder a algumas perguntas, “aquilo de castigar o pai é mais difícil de pensar para mim, foi a parte mais difícil e complicada de responder. Se não fosse meu pai e fosse outra pessoa era mais fácil, merecia castigo e pronto.” (cit.).

23. Ao contrário das restantes perícias realizadas nos presentes autos, a psicóloga, Dr.ª C. dispôs de cinco meses de trabalho, com várias sessões de acompanhamento psicológico com as crianças, ganhando as suas confianças, conseguindo estabelecer estratégias de intervenção psicológica para diminuir, aliviar, e até extinguir o sofrimento evidente dos menores, B. e A.. Conseguindo ainda, com o decurso do tempo e fluir das sessões de acompanhamento psicológico, criar a confiança necessária nos menores de maneira a que estes relatassem os actos e condutas do Progenitor que tanta dor e sofrimento lhes haviam causado. Sendo que os menores ainda vivem no terror de ter de voltar a estar com o Progenitor, ao abrigo do direito/ dever de visitas deste.

Apenas o decurso do tempo e fluir das várias sessões de acompanhamento psicológico a longo de cinco meses, permitiu às crianças abrirem-se com a psicóloga, Dr.ª C., de maneira a que fossem relatando os actos e condutas abusivas praticadas pelo Progenitor.

 24. Como se constata, maior relevância para os presentes autos o “Relatório de Acompanhamento Psicológico – 5 Meses” não poderia ter, sendo o deferimento da sua junção absolutamente necessário para a descoberta da verdade e realização da justiça.

25. Ao decidir pelo desentranhamento do referido “Relatório de Acompanhamento Psicológico” o Mm.º Juiz a quo inviabiliza que um importantíssimo meio de prova conste dos presentes autos, cuja consequência é o Douto Tribunal de Primeira Instância deixar de poder conhecer os relatos que os menores abusados fizeram à psicóloga, Dr.ª C., dando-lhe a conhecer toda a extensão dos actos e condutas do Progenitor que consubstanciam abusos sexuais, e colocando os menores em risco agora que o Douto Tribunal a quo pretende que as visitas sejam retomadas sem supervisão, o que já está a suceder, embora ainda sem pernoitas.

26. Termos em que o Douto Tribunal a quo violou o disposto no art.º 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Civil, nos arts. 117.º e 121.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e no art. 1906.º, n.º 5 do Cód. Civil, no sentido de não ter sido acautelado o superior interesse, integridade pessoal, física e psicológica, e bem assim, a saúde dos menores, B. e A..

27. Ao deixar de poder conhecer esta importante prova documental, sem fundamentar minimamente a Sua decisão, ordenando o seu desentranhamento e a exclusão do sistema informático, o Douto Mm.ª Juiz a quo não está a cautelar o superior interesse dos menores, não está a acautelar a integridade pessoal, física e psicológica das crianças, uma vez que está a inviabilizar que um crucial meio de prova conste dos presentes autos, prova documental essa que atesta, de forma clara e inequívoca, que o Progenitor praticou actos e condutas que consubstanciam abuso sexual aos seus filhos.

28. A acrescer, esta decisão viabiliza que os contactos não supervisionados entre o Progenitor e os Menores seja retomados, o que pode colocar novamente estes em perigo de serem sujeitos a mais abusos.

29. O Despacho ora em crise, que rejeitou a junção de um meio de prova é passível de recurso, em concreto, que ordenou o desentranhamento e exclusão do sistema informático do “Relatório de Acompanhamento Psicológico – 5 Meses”, emitido pela psicóloga dos Menores, Dr.ª C. tudo nos termos e para os efeitos do art. 644.º, n.º 2, al. d) do Cód. de Processo Civil, aplicado ex vi art. 33.º, n.º 1 do RGPTC, e ex vi arts. 124.º, n.º 1 e 126.º da Lei de Protecção de crianças e Jovens em Perigo. Sobre esta matéria atente-se nos Venerandos Arestos cujos sumários infra se transcrevem:

Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 30-11-2017, Proc. n.º 12010/14.6T2SNT-K.L1-2, disponível em "www.dgsi.pt":

"1.– Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna (artigo 100º LPCJP e artigos 986º, 2,e 987º do Código de Processo Civil).

2.– De acordo com o estatuído no artigo 126º da Lei 147/99, de 1 de Setembro, ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil de declarativo comum".

Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 19-11-2015, Proc. n.º 569/10.1TBVRS-A.E1, disponível em "www.dgsi.pt":

"Para efeitos do disposto na alínea d) do nº2 do artº 644º do Código de Processo Civil, a decisão que restringe o objeto da prova pericial, indicada por uma das partes, é uma decisão que rejeita um meio de prova, impugnável por via de apelação autónoma".

Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28-10-2014, Proc. n.º 903/10.0T2AVR.C1, disponível em "https://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc/direito-civil/6581-recurso-despacho-meios-de-prova-admissao-rejeicao-prestacao-de-contas-mandato-procuracao":

"Cabendo recurso autónomo de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, o mesmo sobe em separado, sendo de 15 dias o prazo para a sua interposição (cf. art.º 644.º, n.º 2, al. d), 645.º, n.º 2 e 638.º, n.º 1, na sua parte final, sendo todos os preceitos do CPC)".

30. A decisão de desentranhamento e exclusão do sistema informático contunde ainda com os princípios orientadores dos processos de promoção e protecção, com afloramento legal no art. 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo que também por força deste entendimento, a decisão de desentranhamento e consequente exclusão do sistema informático deve ser revogada e substituída por outra em sentido inverso, ou seja, que defira a junção aos autos do “Relatório do Acompanhamento Psicológico”.

31. Igualmente impugnável, nos termos do art. 644.º, n.º 2, al. e) do Cód. de Processo civil, aplicado ex vi art. 126.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, é a decisão do Douto Tribunal a quo de condenar a ora Apelante em 1 UC pelas custas do incidente anómalo, uma vez, caso se venha a revogar o despacho nos segmentos ora em crise, deixará igualmente e em consequência a recorrente de ser a responsável pelas custas do incidente anómalo.

32. Refira-se que o Progenitor no dia 10-05-2021, em requerimento com a ref.ª n.º 38820734, requereu, nos presentes autos, a junção aos mesmos da “Acta da Conferência” onde foram reguladas as responsabilidades parentais da Mãe, em 09-07-1982, ou seja, há quase 40 anos.

33. Como parece claro e inequívoco, a “Acta da Conferência” onde foram reguladas as responsabilidades parentais da Mãe dos menores, B. e A., no pretérito ano de 1982, há quase 40 anos atrás, não tem qualquer relevância para os presentes autos.

34. Contudo, o Douto Tribunal a quo aceitou a junção aos autos desse documento, deferindo a sua junção (cf. Douta Promoção e Despacho proferidos a, 26-05-2021, ref.ª n.º 85562450 e, 27-05-2021, ref.ª n.º 85583453, respectivamente), com os argumentos que, por um lado, nenhum requerimento da Mãe, à data, havia ainda sido desentranhado e, por outro lado, que a “Acta da Conferência” onde foram reguladas as responsabilidades parentais da Mãe em 1982, ou seja, há quase 40 anos atrás era relevante para “melhor compreender os progenitores”.

35. A Mãe, com a devida vénia, discorda em absoluto desta interpretação, muito estranhando como pode o Douto Tribunal a quo considerar relevante para os presentes autos a junção da “Acta da Conferência” de pais onde foram reguladas as responsabilidades parentais da Mãe dos menores, B. e A., em 1982, há quase 40 anos atrás, e não considerar relevante para os presentes autos a  junção do “Relatório de Acompanhamento Psicológico” feito aos Menores, num processo cujo principal desiderato é assegurar o superior interesse destes, relatório esse que comprova de forma clara e manifesta as acções e condutas praticadas pelo Progenitor contra os seus Filhos.

36. Razão esta pela qual, também por esta via, deve o Douto Despacho nos segmentos ora em crise ser revogado e substituído por outro que defira a junção autos do relatório emitido pela psicóloga, Dr.ª C., de “Acompanhamento Psicológico” realizado aos menores.

37. Por tudo o que supra ficou dito, e dando cumprimento ao disposto no art. 639.º do Cód. de Processo Civil, cumpre referir que o Douto Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 40.º do RGPTC, nos arts. 117.º e 121.º da  Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e o disposto no art. 1906.º, n.º 5 do Cód. Civil, uma vez que, salvo melhor e mais douto entendimento, a decisão ora em crise não salvaguarda o superior interesse, integridade pessoal, física e psicológica, segurança e saúde dos menores, B. e A.. Termos em que se impunha a tomada de uma decisão em sentido diametralmente oposto, que salvaguardasse o superior interesse dos menores, integridade física e saúde, e bem assim os protegesse de serem vítimas de mais abusos por parte do Progenitor.

38. A acrescer, deve-se entender que a decisão ora em crise encontra-se ainda ferida do vício de inconstitucionalidade, uma vez que viola o conteúdo nuclear do direito fundamento à integridade pessoal dos menores, B. e A., constitucionalmente previsto no art.º 25 da nossa Lei Fundamental.

39. Ao não deferir a junção aos autos do “Relatório de Acompanhamento  Psicológico” emitido pela psicóloga, Dr.ª C., o Douto Tribunal a quo prescinde de um meio de prova essencial que comprova os abusos que os menores sofreram, e que foram praticados pelo Progenitor. Dessa forma, coloca-se em causa o direito fundamental dos menores, à salvaguarda da sua integridade pessoal, que podem ser novamente vítimas, no futuro, de novos abusos.

40. Em bom rigor, ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal a quo está a operar uma restrição ao conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito à integridade pessoal dos menores, B. e A., em detrimento de um outro direito, não fundamental, o direito de visitas do Progenitor, pelo que a decisão do Tribunal a quo encontra-se ainda ferida do vício de nulidade por ser inconstitucional.

41. Neste sentido, deveria prevalecer o direito fundamental ante o conflito patente entre direitos, não se obliterando por completo o direito de visitas do Progenitor, mas sim, restringindo-o, e fixando-se que as visitas do Recorrido aos Menores, B. e A., se fariam supervisionadas em CAFAP, atento a importantíssima informação contida no “Relatório de Acompanhamento Psicológico”.

42. Por força de tudo o que supra foi exposto, torna-se claro que o Douto Tribunal a quo não retirou as devidas conclusões da prova carreada para os autos, e plasmadas no “Relatório de Acompanhamento Psicológico”, negando a junção aos autos deste meio de prova.

43. Igualmente, a decisão de desentranhamento e exclusão do sistema informático do referido relatório viola o disposto no art. 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, uma vez que não assegura o superior interesse, integridade pessoal e saúde dos menores, B. e A..

44. Finalmente, refira-se ainda que em sede processos tutelares civis de jurisdição voluntária, designadamente, os atinentes à regulação das responsabilidades parentais de menores e aos de promoção e protecção, tem-se vindo a admitir que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo-se impor-se uma supremacia do princípio do inquisitório face ao princípio do dispositivo, o que confere ao Tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas e recolher as informações necessárias e convenientes, de molde a atingir a solução mais adequada ao caso concreto e que melhor solucione o litígio em que é chamado a intervir, e sempre tendo como principal desiderato garantir o superior interesse da criança. Os processos de promoção e protecção visam assegurar, acima de tudo, o superior interesse das crianças. Pelo que mais uma vez se chama à colação, com a devida vénia, o vertido no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 30-11-2017, Proc. n.º 12010/14.6T2SNT-K.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário já se transcreveu supra.

45. Sendo que, também por esta via deveria ter sido deferida a junção aos autos do “Relatório de Acompanhamento Psicológico” emitido pela Dr.ª C..

46. Por tudo o que ficou dito, e dando cumprimento ao disposto no art. 640.º do Cód. de Processo Civil, cumpre referir que toda a prova documental junta com o requerimento da apelante de fls. … (com data de elaboração de 06-09-2021, ref.ª n.º 39762621), impunha uma decisão diferente da decisão recorrida nos seus segmentos ora em crise, admitindo e ordenando a junção aos autos da referida prova documental e, seguidamente, impunha-se a decisão de as visitas dos menores, B. e A., ao Progenitor, continuarem a serem realizadas sob supervisão.

47. Razões estas pelas quais outra opção não resta que não seja peticionar aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação, a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo nos seus segmentos ora em crise, designadamente, ao determinar o desentranhamento e exclusão do sistema informático do requerimento apresentado pela Mãe, no qual peticionou a junção aos autos do “Relatório de Acompanhamento Psicológico” subscrito pela psicóloga, Dr.ª C. e, em consequência, a não condenar a Recorrente em 1 UC pelas custas do incidente anómalo.

48. Nestes termos, o douto despacho nos segmentos em crise deverá ser substituído por outro que ordene a junção aos autos do referido “Relatório de Acompanhamento Psicológico – 5 Meses”, e que não condene a recorrente pelas custas do incidente anómalo.

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA.»

c) Contra-alegou o Ministério Público que se pronunciou pela manutenção da decisão recorrida, nestes termos:

«(…) Em 27 de julho de 2021, D. requereu a junção aos autos do relatório de acompanhamento psicológico elaborado pela Srª. Drª C..

Tal junção foi indeferida pela Mmª Juiz de Turno, em despacho proferido nessa mesma data.

Este despacho transitou, sem que contra ele se tenha insurgido a Recorrente.

O despacho alvo de recurso, proferido em 8 de setembro, limitou-se a ordenar o desentranhamento e a exclusão do relatório do sistema informático.

Tal decisão consiste numa mera consequência lógica do despacho anteriormente proferido, esse sim de indeferimento da junção.

Esta última decisão é uma decisão que não admite recurso, em conformidade com o disposto no art. 630º do Código de Processo Civil, ex vi art. 123º e ss. do LPCJP e art. 32º e ss. do RGPTC.

Com efeito, dispõe o aludido art. 630º, que:

1- Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.

2- Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do art. 6º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do art. 195 e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no art. 547º, salvo se contenderem com os princípios de igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova.

Assim, entende o Mº Pº, que não será de admitir o recurso da decisão que ordenou o desentranhamento e a exclusão do relatório do sistema informático.

Ademais, importa salientar que a decisão que indeferiu a junção do relatório foi proferida em 27 de julho de 2021 e já se mostrava transitada quando foi proferido o despacho ora em crise.

A recusa de junção do meio de prova referido foi decidida no despacho de 27 de julho de 2021 e dessa decisão a Recorrente não interpôs recurso. E já não estava em tempo de o fazer em setembro de 2021, quando veio novamente requerer a junção do relatório.

A argumentação da recorrente e o seu pedido de revogação do despacho que ordenou o desentranhamento e exclusão do relatório mencionado não pode ser aceite, sob pena de pôr em causa a certeza e segurança de decisão transitada em julgado.

A Recorrente pretende com o presente recurso atingir e obter decisão contrária a outra já proferida nos autos e transitada em julgado, o que a lei não permite.

Perante o que fica dito, mostra-se isenta de reparo a decisão do Mmº Juiz de condenação da Recorrente em custas por incidente anómalo.

Finalmente, cremos também que não assiste razão à Recorrente quando afirma que não foi acautelado o superior interesse, integridade pessoal, física e psicológica, e bem assim, a saúde da B. e A..

Ao invés, na mira de tal superior interesse, o tribunal tem vindo a dotar os autos de avaliações solicitadas a peritos isentos, de entidades competentes e conceituadas, designadamente avaliações psicológicas às crianças, no Instituto Nacional de Medicina Legal e avaliações às competências parentais e da interação pais -filhos, no Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra.

A decisão objeto de recurso não pode nem deve ser revogada pois cumpre a lei vigente, e não viola, designadamente o disposto no art. 40º do RGPTC, 117º a 121º da LPCJP, o disposto no art. 1906º n.º 5 do Código Civil, ou no art. 25º da CRP.

Nestes termos, negando provimento ao recurso, Vossas Exªas farão JUSTIÇA.»

c) O pai dos menores não contra-alegou.

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca apenas a questão de saber se é de manter ou deve ser revogado o despacho supra transcrito que determinou a exclusão do sistema informático do relatório de acompanhamento psicológico dos menores A. e B. da autoria da Sra. psicóloga Dra. C..

Cumprindo analisar se se justifica e se deve manter-se o fundamento de tal exclusão, isto é, pelo facto de tal exclusão já ter sido determinada anteriormente pelo despacho de 27 de julho de 2021.

III. Fundamentação

a) Matéria a considerar

1. Em 13 de novembro de 2020 foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve apenas em parte:

«(…) Importa, atenta, a natureza do crime denunciado e os elementos recolhidos pelo DIAP, diligenciar pela avaliação psicológica forense das crianças, solicitando-se ao INML a realização, com nota de muito urgente, de avaliações psicológicas forenses ao A. e B..»

2. Em 7 de janeiro de 2021 foi proferido este despacho:

«Acolhendo a douta promoção que antecede, atenta a falta de entendimento dos pais quanto ao acompanhamento psicológico da B., no seguimento do parecer da Segurança Social, aguardar-se-á pela realização das perícias já determinadas e, após, se necessário e atendendo às orientações especificadas, solicitar-se-á o acompanhamento ao Hospital Pediátrico (Consulta de Risco onde as crianças já estão sinalizadas).»

3. Em 2 de julho de 2021 a Recorrente (mãe dos menores) juntou aos autos um requerimento no final do qual consta o seguinte pedido:

«.. requer-se o seguinte:

a) Que seja recebido e ordenada a junção aos autos do presente requerimento;

b) Que seja autorizado o acompanhamento psicológico às Crianças por parte da Sra. Psicóloga, Dra. C., uma vez que o trabalho desenvolvido tem sido imprescindível para o equilíbrio e bem-estar dos Menores.»

4. O Ministério Público pronunciou-se nestes termos:

«As explicações dadas pela progenitora quanto ao acompanhamento psicológico das crianças não colhem, no entender do MºPº.

É para nós claro o despacho do Mmº Juiz quanto ao pedido formulado de acompanhamento psicológico e se alguma dúvida existisse ou subsistisse sempre a progenitora poderia ter vindo aos autos solicitar esclarecimento ou obter a informação pretendida junto da Técnica da Segurança Social que vem fazendo o acompanhamento às crianças, a qual, pasme-se, também desconhecia tal acompanhamento.

É bom lembrar que a B. e o A. beneficiam de processo de promoção e proteção e de medidas de apoio junto da mãe e que foi o tribunal que, conhecedor da concreta situação das crianças, decidiu aguardar a avaliação psicológica das crianças.

Cumpria à mãe respeitar a decisão judicial! O que não fez.!!!...

O resultado da avaliação psicológica não é ainda conhecido.

Só com os conhecimentos de tal avaliação se poderá dizer se há traumas… ou não … e como devemos agir para os ultrapassar.

Não se exclui, porém, que a avaliação possa ter sido desvirtuada ou manipulada, pela intervenção que à revelia do tribunal foi sendo efetuada.

Assim, entende o MºPº, no seguimento do proposto pelo SATT e já decidido por este tribunal, que a progenitora deverá ser advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças, sob pena de, fazendo-o, cometer crime de desobediência.»

5.  Em 9 de julho de 2021 foi proferida a seguinte decisão:

«Acolhendo a douta promoção que antecede, que aqui se da como integralmente reproduzida, na sequência do despacho datado de 06.01.2021, o acompanhamento psicológico deverá aguardar as perícias solicitadas e em curso, sendo a progenitora advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças, sob pena de, fazendo-o, cometer crime de desobediência.»

6. Na «Ata de Conferência de Pais», realizada em 27 de julho de 2021, a Ex.ma mandatária da mãe dos menores fez o seguinte requerimento:

«D., progenitora nos autos e neles melhor identificada, vem requerer a este douto Tribunal que se digne ordenar a junção aos autos de relatório de acompanhamento psicológico dos menores A. e B. emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C., com a cédula profissional …. Pede deferimento.»

O Ministério Público pronunciou-se nestes termos:

«Promovo que se indefira o requerido uma vez que, na revisão da medida, a progenitora foi advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças sob pena de, fazendo-o, cometer crime de desobediência.

Ora, a apresentação deste documento demonstra que a mesma não cumpriu o que lhe foi ordenado.

Por outro lado, estamos perante uma diligência para a retoma dos convívios das crianças com o pai, e não para a junção de documentos, já que o Ilustre Mandatário deveria ter feito essa anexação quando foi notificado para se pronunciar quanto à revisão da medida e nada disse.

Pelo exposto, promovo que se indefira a sua junção.»

Pela Sra. mandatária do pai dos menores foi dito o seguinte:

«De acordo com a douta decisão proferida nos autos, foi a progenitora advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças sob pena de, fazendo-o, cometer um crime de desobediência.

Independentemente do relatório agora apresentado até poder conter datas anteriores à desta douta decisão, certo é que a requerente há longos meses que sabia que não deveria levar os menores a um acompanhamento psicológico, feito por alguém que apenas devia ter conhecimento de uma só versão. Mais, versão essa contada pela mãe dos menores dando conta de que estes sofreram “o trauma”, que a mãe tanto quer fazer crer que ocorreu.

Assim, deve a junção do presente relatório ser indeferido por constituir prova claramente ilícita nos presentes autos».

Pela Sra. mandatária dos menores foi dito: «Nada tenho a opor à junção do documento.»

De seguida o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:

«A 09/07/2021 foi proferida decisão judicial de revisão da medida de apoio junto dos pais estabelecida anteriormente nos autos, prorrogando a aludida medida pelo período de mais 6 (seis) meses.

Dessa decisão consta, e na sequência do despacho datado de 06/01/2021, que o acompanhamento psicológico deverá aguardar as perícias solicitadas em curso, tendo sido a progenitora advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças, sob pena de, fazendo-o, cometer crime desobediência.

O documento que ora se pretende juntar pela progenitora é um documento da psicóloga Dra. C. e que infringe o exposto no despacho ora citado de 09/07/2021.

Acresce ainda que nos encontramos perante uma diligência com a finalidade de retomar os convívios das crianças com o pai, verificando-se ainda que a mandatária da progenitora foi notificada para dizer o que tivesse por conveniente sobre a aplicação de revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção e nada veio dizer, nem juntar qualquer documentação.

Pelo exposto, entendo que a junção do documento, ora solicitada, se afigura impertinente e injustificada, pelo que se indefere.

Notifique.»

7. Não houve recurso deste despacho.

8. Em 6 de Setembro de 2021 a requerente pediu a junção de um relatório de acompanhamento psicológico do A. e B., emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C..

9. Em 8 de setembro de 2021 o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho (do qual vem interposto o recurso):

«No que respeita ao pedido de junção de relatório de acompanhamento psicológico do A. e B., emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C., foi já proferido despacho a 27.07.2021, indeferindo tal junção, pelo que se determina a sua exclusão do sistema informático.

De harmonia com o artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, vai a progenitora condenada em 1 UC pelo incidente anómalo, atenta a sua simplicidade e processado a que deu causa.»

b) Apreciação da questão objeto do recurso

Vejamos então se é de manter ou deve ser revogado o despacho supra transcrito que determinou a exclusão do sistema informático do relatório de acompanhamento psicológico do A. e B., emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C..

Cumprindo analisar se se justifica e se deve manter-se o fundamento de tal exclusão, isto é, pelo facto de tal exclusão já ter sido determinada pelo despacho de 27 de julho de 2021.

A resposta a estas questões consiste em afirmar que o despacho recorrido deve manter-se, pelas seguintes razões:

1 – No que respeita ao acompanhamento psicológico da B., como resulta da sequência temporal dos atos processuais acabados de transcrever, o tribunal determinou em 7 de janeiro de 2021 que se aguardasse pela realização das perícias já determinadas e depois, tendo em consideração as orientações que fossem dadas nessas perícias, se solicitaria o acompanhamento junto do Hospital Pediátrico onde as crianças já estão sinalizadas.

Por conseguinte, nesta altura, em relação à menor B., o tribunal tinha definido os procedimentos a seguir no que respeita ao acompanhamento psicológico.

Em 2 de julho de 2021 a mãe dos menores pediu ao tribunal que fosse «… autorizado o acompanhamento psicológico às Crianças por parte da Sra. Psicóloga, Dra. C., uma vez que o trabalho desenvolvido tem sido imprescindível para o equilíbrio e bem-estar dos Menores», a resposta do tribunal em 9 de julho de 2021 foi no sentido de que o acompanhamento psicológico deveria «… aguardar as perícias solicitadas e em curso, sendo a progenitora advertida para não dar seguimento ao acompanhamento psicológico das crianças, sob pena de, fazendo-o, cometer crime de desobediência.»

E quando na «Conferência de Pais», realizada em 27 de julho de 2021, a Ex.ma mandatária da mãe dos menores requereu a junção aos autos de um relatório de acompanhamento psicológico dos menores A. e B. emitido pela Sra. Psicóloga Dra. C., o tribunal decidiu nestes termos: «Pelo exposto, entendo que a junção do documento, ora solicitada, se afigura impertinente e injustificada, pelo que se indefere.», não tendo existido recurso deste despacho.

É no âmbito desta situação processual que fica descrita, que surge o despacho recorrido, de 6 de setembro de 2021, que indeferiu a junção aos autos do já mencionado relatório de acompanhamento psicológico dos menores A. e B..

2 – Verifica-se que o tribunal já tinha definido, desde 7 de janeiro de 2021 em relação à menor B. e mais tarde, em 9 de julho de 2021, também em relação ao irmão, que os pais não deveriam levar a cabo, à revelia do tribunal, qualquer acompanhamento psicológico dos menores.

E em 27 de julho de 2021 foi mesmo recusada a junção ao processo de um relatório de acompanhamento psicológico dos menores elaborado pela Sra. Psicóloga Dra. C..

Por conseguinte, a insistência feita pela mãe em 6 de setembro de 2021, quanto à junção do relatório de acompanhamento psicológico dos menores elaborado pela Sra. Psicóloga Dra. C., infringe toda a orientação fixada anteriormente pelo tribunal no que respeita ao acompanhamento psicológico extraprocessual dos menores.

Esta posição do tribunal estava estabelecida e fundou-se, tanto quanto é possível perceber pelo teor dos autos, na necessidade de conhecer primeiro as conclusões das perícias já ordenadas aos menores, solicitadas à Medicina Lega, decidindo-se, depois, sobre se esse acompanhamento deveria e como deveria ser feito.

Tendo-se deixado ainda projetado que caso esse acompanhamento devesse ser feito, seria levado a cabo no Hospital Pediátrico onde as crianças já estavam sinalizadas.

Verifica-se, pelo exposto, que o despacho recorrido se insere na orientação processual já estabelecida no que respeita ao acompanhamento psicológico dos menores, que deveria ser feito no âmbito do processo de acordo com as decisões aqui tomadas a esse respeito, excluindo-se qualquer procedimento nesse sentido feito à margem do processo (extraprocessual), à revelia das orientações do tribunal.

A exclusão do relatório insere-se, por conseguinte, no dever de gestão processual, referindo-se no n.º 1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil, que lhe permite recusar o que não for, a cada momento, pertinente para o processo.

Por conseguinte, a decisão do tribunal não podia ter sido outra, devendo, por isso, manter-se o despacho recorrido.

3 – Ainda se dirá mais o seguinte:

a) Quando uma certa situação da vida das pessoas cai sob a alçada de um tribunal, de acordo com as leis em vigor, os cidadãos são chamados a participar no processo e na preparação das respetivas decisões que os afetam, seja por si mesmos, seja através de advogados que os representam.

Por conseguinte, as partes devem acatar as decisões que são tomadas e devem evitar agir por si mesmas fora dos quadros legais, ainda que lhes pareça que estão a proceder legalmente e positivamente.

Com efeito, os processos destinam-se a resolver problemas e existe um modo definido nas leis processuais para alcançar as soluções.

Por conseguinte, as orientações do tribunal têm de ser acolhidas quando este entender que estando em causa a averiguação de possíveis abusos sexuais por parte do pai em relação aos menores, era desaconselhável, no que respeita ao apuramento da verdade desta factualidade, o envolvimento de terceiros nesse âmbito, no caso o acompanhamento dos menores por parte de psicólogo escolhido unilateralmente pela mãe.

Se não fosse assim e se cada parte fosse livre de fazer aquilo que entendesse ser o melhor, os processos tenderiam para o desgoverno e não alcançariam os fins em vista dos quais foram criados e existem.

b) A recorrente argumenta ainda, em síntese, que o referido «Relatório de Acompanhamento Psicológico» é um importantíssimo meio de prova e que ao não se admitido a decisão não acautela o superior interesse das crianças.

Não assiste razão a Recorrente.

Com efeito, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 2.º do Regime Jurídico das Perícias Médico-Legais e Forenses (Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto) «1 - As perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos.

2 - Excecionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas no número anterior podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INMLCF, I. P.»

Ora, muito embora o acompanhamento psicológico não seja uma perícia médico-legal, mas sim um procedimento destinado a ajudar alguém a superar situações negativas em que se encontra envolvido, já a emissão de um relatório sobre esse acompanhamento, segundo a mãe dos menores com relevância probatória em relação aos factos controvertidos no processo, viria desempenhar funções semelhantes às dos relatórios solicitados pelo tribunal à psicologia forense.

Situação que sendo admitida iria contra o princípio segundo o qual as perícias médico-legais devem ser realizadas pelos organismos do Estado, o que exclui a possibilidade das partes recorrerem por sua iniciativa individual a peritos por si escolhidos.

Além disso, como já se disse, o tribunal tinha deixado exarado no processo que os pais não deviam levar os menores a acompanhamento psicológico enquanto estivessem em curso as perícias pedidas à Medicina Legal porque poderia existir, hipoteticamente, influência desse acompanhamento nos resultados periciais pedidos à medicina Legal.

Por conseguinte, não pode a parte sobrepor o seu entendimento, sobre o que são provas importantes e sobre o que é mais adequado à salvaguarda do interesse dos menores, contrariando a orientação que estava já tomada no processo sobre a matéria.

Improcede, pois, o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


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Coimbra,