Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/13.2 TATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: INCUMPRIMENTO DA PENA DE MULTA DE SUBSTITUIÇÃO
EXECUÇÃO DA PENA SUBSTITUÍDA
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 43.º, 44.º, 48.º E 49.º DO CP
Sumário: I – Não obtendo a multa de substituição pagamento, total ou em prestações, e não justificando o arguido, atempadamente, que o respectivo incumprimento se ficou a dever a razão que não pode culposamente ser-lhe assacada, será de imediato ordenado o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

II – Se o Tribunal criou expectativas e o arguido na sua perspectiva, agiu na convicção, segura para ele, de que estava ainda a cumprir a pena com o pagamento que efectuou e, desta forma, a satisfazer perante os autos as finalidades pelas quais lhe foi aplicada a pena de prisão substituida por multa, deve considerar-se cumprida.

III – Num balanço entre os interesse em presença - por um lado, da realização dos fins das penas e a substância da matéria de facto em apreço e, por outro lado, o aspecto formal em que arguido acabou por pagar alguns (poucos) dias após o referido trânsito em julgado, mas antes da emissão de qualquer mandado de detenção -, mostra-se então adequado aceitar por exoneratório o cumprimento da pena de multa resultante do pagamento efectuado.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


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I – Relatório.

1.1.No âmbito do Processo supra epigrafado foi o arguido A... condenado na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, substituída por 420 (quatrocentas e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade.

Na sequência de pedidos apresentados pelo próprio, foram-lhe facultados a sua substituição por multa, bem como, ainda, o respectivo pagamento, em prestações.

Após vicissitudes processuais que infra melhor se elencarão, por decisão proferida no dia 21.12.2016, foi determinada a restituição ao arguido de uma quantia por si paga nos autos e ainda a passagem dos competentes mandados de cumprimento da elencada pena de prisão.

1.2. Inconformado com esta decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:

a) Aquando o arguido foi notificado para se pronunciar sob a revogação da substituição por multa da pena de prisão, pronunciou-se, arguindo as causas que consubstanciam as razões de não pagamento.

b) Uma vez que nos presentes autos e da resposta dada pelo arguido resultou que o não pagamento da multa aconteceu por motivos que não lhe são imputáveis;

c) Tal e qual, resultam dos factos provados que o tribunal recorrido indica para efeitos de revogação da substituição por multa da pena de prisão, designadamente:

d) O facto de o arguido estar desempregado por estar em lista de espera para ser operado;

e) O facto de o arguido ter uma doença crónica que por vezes o impedem de realizar a actividade profissional

f) O facto de no período em causa não conseguiu arranjar trabalho

g) O facto de ter duas filhas a seu cargo;

h) O facto de a sua esposa ser doméstica e não trabalhar.

i) Assim considerando que o despacho de revogação da substituição por multa da pena de prisão ainda não havia transitado em julgado quando o arguido se pronunciou pelas razões de não pagamento; e,

j) Considerando o que o tribunal recorrido indica como disposto no acórdão pelo Tribunal Recorrido Acórdão do STJ fixação de jurisprudência n.º 12/2013, DR, I Série de 16-10-2013 onde resulta que “transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 2 do código penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no artigo 49.º do Código Penal”.

k) Conclui-se que se verificam os factos que determinam que a execução da pena de prisão pode ser suspensa nos termos e para os efeitos do art.º 49.º n.º 3 do Código Penal.

l) Pelo que entende o recorrente que o tribunal recorrido interpretou erradamente o supra citado Acórdão do STJ, uma vez que o arguido alegou os factos que fundamentam a não imputabilidade do não pagamento da multa no prazo devido antes do trânsito em julgado do despacho de revogação da substituição por multa da pena de prisão.

m) Ademais releva que o arguido já pagou a pena de multa pela qual foi substituída a pena de prisão e que o arguido está socialmente integrado, sem ter sentido o caracter repressivo da prisão, sendo que a pena, a ser cumprida, pode por em causa irremediavelmente a possibilidade de se integrar profissionalmente, causando, inclusivamente, consequências nefastas à sua vida familiar, nomeadamente às suas filhas, e nessa medida tornar mais difícil à sua ressocialização.

n) Entendendo-se assim que ainda que se considere que não se pode dar como extinta a pena aplicada ao arguido por incumprimento (pagamento da multa fora de prazo), verificam-se os pressupostos para aplicação do art.º 49.º n.º 3 do Código Penal, pelo que deve ser concedida tal benevolência legalmente prevista e conceder-se ao recorrente a possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão.                      

1.3. Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, alegando quer da sua extemporaneidade (um despacho proferido a 17.06.2016 transitara já em julgado, antecedendo um pedido do arguido que foi o conducente ao mencionado despacho de 2.112.2016), quer da sua improcedência (o pretendido funcionamento do mecanismo facultado no art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal, tem tempos preclusivos de formulação que o arguido não respeitou).

1.4. Cumpridas as formalidades devidas, foram os sutos remetidos a esta instância.

Aqui, com vista, nos termos do art.º 416.º do Código de Processo Penal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente ao provimento do recurso, embora com fundamento distinto do alegado, ou, concedendo, da sua parcial procedência, em termos que melhor aí explanou.

1.5. Seguiu-se resposta do recorrente/arguido.

1.6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.


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II – Fundamentação.

2.1. A decisão recorrida, datada de 21.12.2016, tem o teor seguinte:

«Nos presentes autos o arguido foi condenado na pena de um ano e dois meses de prisão substituída por 420 horas de prestação e trabalho a favor da comunidade (fls. 107-108) a qual lhe foi notificada por carta datada de 27-03-2014.

A fls. 130 o arguido veio requerer que a pena de prisão fosse substituída por multa. O que foi deferido a fls. 152 e seguintes.

A fls. 163 veio pedir que a pena de multa fosse paga em prestações, que foi deferido a fls. 177-179.

O arguido não procedeu ao pagamento integral das prestações.

Notificado para proceder ao pagamento das prestações em dívida sob pena de conversão, no prazo de 10 dias, não procedeu ao pagamento.

O Ministério Público a fls. 235 promoveu que fosse cumprida a pena principal.

A fls. 245 foi determinado que fosse cumprida a pena principal.

Em 21-06-2016 o arguido comunicou que se encontrava em lista de espera para ser operado.

A decisão de cumprimento da pena principal foi notificada ao arguido em 29-06-2016 (fls.259).

Em 21-09-2016 o arguido procedeu ao pagamento do remanescente da multa.

Em 27-09-2016 (fls. 263) o Ministério Público promoveu que fosse devolvida a quantia paga e emitidos os mandados para cumprimento da pena.

Notificado o arguido para se pronunciar, a fls. 208 veio pugnar pela não emissão dos mandados e que seja dado valor ao pagamento, uma vez que este não ocorreu devido às suas dificuldades de saúde e económicas.

Arrolou testemunhas.

Foram ouvidas as testemunhas arroladas sobre as suas condições económicas e sociais.

Resultaram assim provados os seguintes factos:

1. Nos presentes autos o arguido foi condenado na pena de um ano e dois meses de prisão substituída por 420 horas de prestação e trabalho a favor da comunidade (fls. 107-108) a qual lhe foi notificada por carta datada de 27-03-2014.

2. A fls. 130 o arguido veio requerer que a pena de prisão seja substituída por multa.

3. O que foi deferido a fls. 152 e seguintes.

4. A fls. 163 veio pedir que a pena de multa fosse paga em prestações, que foi deferido a fls. 177-179.

5. O arguido não procedeu ao pagamento integral das prestações.

6. Notificado para proceder ao pagamento das prestações em divida sob pena de conversão, no prazo de 10 dias, não procedeu ao pagamento.

7. O Ministério Público a fls. 235 promoveu que fosse cumprida a pena principal.

8. A fls. 245[1] foi determinado que fosse cumprida a pena principal.

9. Em 21-06-2016 o arguido comunicou que se encontrava em lista de espera para ser operado.

10. A decisão de cumprimento da pena principal foi notificada ao arguido em 29-06-2016 (fls.259).

11. Em 21-09-2016 o arguido procedeu ao pagamento do remanescente da multa.

12. Em 27-09-2016 (fls. 263) o Ministério Público promoveu que fosse devolvida a quantia paga e emitidos os mandados para cumprimento da pena.

13. O arguido padece de doenças crónicas que por vezes o impedem de realizar a actividade profissional.

14. Actualmente e há muito encontra-se desempregado.

15. Trabalha ao dia em actividades agrícolas.

16. 0 período em causa não conseguiu arranjar trabalho.

17. O pagamento da multa em substituição da pena de prisão foi efectuado com recurso ao empréstimo que lhe foi efectuado pela testemunha B....

18. Esta testemunha, por vezes roga-o para realizar trabalhos agrícolas, pagando-lhe € 30,00/dia.

19. Tem duas filhas a cargo.

20. A esposa não trabalha sendo doméstica.

Nos presentes autos a questão jurídica é a de saber se ocorrido o pagamento da pena de multa que é uma pena de substituição, depois do prazo para o efeito, será possível extinguir a pena.

Estatui o artigo 43º do Código Penal que:

Substituição da pena de prisão

1 – A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de outros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47º.

2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49º.

3 – A pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos é substituída por pena de proibição, por um período de dois a cinco anos, do exercício de profissão, função ou actividade, públicas ou privadas, quando o crime tenha sido cometido pelo arguido no respectivo exercício, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

4 – No caso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 66º e no artigo 68º.

5 - O tribunal revoga a pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade e ordena o cumprimento do pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Violar a proibição;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade não puderam por meio dela ser alcançadas.

6 – É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57º.

7 – Se, nos casos do n.º 5, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver cumprido proibição do exercício dc profissão, função ou actividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido.

8 - Para o efeito do disposto no artigo anterior, cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de profissão, função ou actividade, que lhe corresponder proporcionalmente nos termos da sentença, procedendo-sempre que necessário, ao arredondamento por defeito do numero de dias por cumprir.

A multa de substituição diferencia-se da pena principal de multa em aspectos importantes do respectivo regime legal que lhe conferem maiores virtualidades do ponto de vista da prevenção especial, mas também de prevenção geral positiva, permitindo, assim, com respeito pela racionalidade do sistema de penas, que o tribunal substitua a pena de prisão não superior a 1 ano por multa de substituição, de acordo com o regime regra estabelecido no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, mesmo que na fase de escolha da pena principal tenha afastado a aplicação da pena de multa com os fundamentos previstos no artigo 70º do mesmo Código; uma vez que aquele artigo 43.º, seus n.ºs 1 e 2, apenas prevê a aplicação á multa de substituição do disposto no artigo 47.º e no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, esta pena de substituição distingue-se da multa principal em cinco importantes aspectos:

- a multa de substituição é fixada dentro dos limites gerais subsidiariamente estabelecidos no artigo 47.º, ou seja, entre 10 e 360 dias, independentemente da moldura prevista no tipo legal para a multa principal;

- não é admissível a substituição da multa por trabalho, nos termos do artigo 48.º do Código Penal;

- no caso de falta de pagamento da multa de substituição, não tem lugar o pagamento coercivo da mesma, nos termos do artigo 49.º n.º 1, do Código:- no caso de incumprimento culposo, a multa de substituição não é cumprida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, tendo o arguido que cumprir integralmente o tempo de prisão substituída;

- contrariamente ao previsto no artigo 49.º, n.º 2, do Código, para a multa principal, o arguido que tenha incumprido culposamente a obrigação de pagar a multa de substituição, não pode evitar, total ou parcialmente, a condenação, pagando, no todo ou em parte, aquela mesma multa.

Pelo que apesar do pagamento da multa antes de serem emitidos os mandados de condução, não é possível depois de revogada a substituição, se possa efectuar o pagamento com a finalidade de evitar o cumprimento da pena (cfr. no mesmo sentido Ac. TRC de 3-07-2012: Transitado cm julgado o despacho judicial que determinou o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por falta de pagamento da multa aplicada em substituição daquela prisão, não é já possível ao condenado pagar a multa para desse modo evitar a prisão.)

No entanto, se o condenado provar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, pode ser suspensa a pena principal de prisão, subordinando-se a suspensão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (artigos 43º nº 2 e 49º nº 3 do Código Penal).

Nos presentes autos ficou demonstrado que o arguido além das questões de saúde tinha um conflito de deveres de sustentar a família ou pagar a multa, e nesse conflito de deveres ambos com conteúdos diferentes e consequência diversas a escolha por um não é indiferente á ordem jurídica.

Mas tais questões deveriam ter sido suscitadas pelo arguido, antes da decisão de revogação da substituição.

Com efeito, são as necessidades de prevenção - geral positiva (tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada) e especial de socialização - que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade - pena alternativa ou pena de substituição - como resulta dos critérios estabelecidos nos artigos 40º, nº 1 e 70º do Código Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (artigo 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta.

Acresce que o regime legal se encontra interpretado pelo Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº 12/2013, DR. I Série de 16-10-2013 do qual resulta que ”Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena ele prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2 do artigo 49.º, do Código Penal.”

Decisão:

Por tudo o exposto o tribunal mantém a revogação da substituição por multa da pena de prisão fixada na sentença, e consequentemente:

A. Determina a devolução da quantia paga, pelo arguido a este;

B. Determina, após trânsito da presente decisão, a passagem dos competentes mandados de cumprimento da pena de prisão.


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Notifique.»

2.2. Ainda com interesse para a decisão do mérito da causa, importa fazer sobressair mais as seguintes vicissitudes processuais:

- Com data de 21-06-20-16 (antes pois do trânsito em julgado do propalado despacho de fls. 245, proferido no dia 17-06-2016), o arguido (ut fls. 251) veio aos autos apresentar requerimento, informando que por graves problemas financeiros não podia cumprir e uma vez que estava à espera de ser chamado para ser operado, solicitava que o prazo fosse alongado.

- Este requerimento mereceu despacho, a fls. 254, com data de 27-06-2016, mencionado que nada haveria a decidir, em face do anterior despacho que considerava que o arguido não justificara comprovadamente a impossibilidade de pagamento, pelo que os autos aguardariam o trânsito em julgado daquele despacho.

- Este despacho foi também notificado ao arguido, a 29-06-2016 (fls. 256).

- No período que entretanto intercede até à junção pelo arguido do comprovativo do pagamento da totalidade da dívida em falta, a fls. 260, no montante de € 750,00, ocorrida no dia 21-09-2016, nada mais ocorre nos autos.

- Presentes nesta altura ao Ministério Público, o mesmo emitiu parecer sustentando que o despacho já transitara em julgado (7 dias antes do pagamento efectuado), devendo a quantia assim paga ser devolvida e emitidos os mandados de captura para cumprimento da prisão (fls. 263).

- O tribunal a quo, considerando reponderar a questão ordenou a notificação do arguido para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público (fls. 264).

- O arguido penitenciando-se pelo atraso e argumentando com as dificuldades económicas e familiares vem pedir ao tribunal que seja dada primazia à sua liberdade, por todas as razões que aponta, indicado prova do que alega (fls. 268/9).

- O tribunal marcou uma audição do requerente/arguido e da testemunha indicada, cuja diligência se realizou em 02-12-2016 (fls. 283).

- Nesta sequência o tribunal aceitando como provada toda a matéria alegada pelo arguido quer quanto às suas dificuldades económicas, quer quanto à sua situação familiar que discrimina, profere o despacho recorrido.

2.3. O âmbito do recurso é delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal[3].

No caso em apreço, face à delimitação do objecto do recurso efectuada nas respectivas conclusões, a questão em apreciação consiste em saber se tendo o arguido efectuado o pagamento da multa aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos em que o fez, deverá/poderá o mesmo sobrestar ao ordenado cumprimento da pena principal de prisão.

Na dilucidação desta questão, como veremos, irá também ponderada da suscitada questão pelo Ministério Público na 1.ª instância, qual seja da extemporaneidade do recurso interposto.

Vejamos, então.

2.4. Como resulta dos autos, ao arguido foi aplicada, por decisão proferida em 26.03.2014 (fls. 107/8), e porquanto autor material de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo art.º 355.º do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, substituída por 420 (quatrocentas e vinte) horas de trabalho a favor da comunidade.

A seu próprio pedido, o tribunal deferiu a substituição desta pena pela de multa, a ser paga em prestações.

Daí que no hiato processual que antecedeu o despacho em crise o que verdadeiramente estava em causa era o não pagamento da multa resultante de substituição da primitiva pena principal primitivamente fixada, ao abrigo do disposto no art.º 43.º do Código Penal e em cujos termos «1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º».

Por outro lado, preceitua o art.º 49.º, ao que releva: «1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, (…).

2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.»

Do confronto entre os regimes definidos em tais normativos[4], decorre, à evidência, ser distinto o relativo ao incumprimento como o dos presentes autos, que decorre do não pagamento da multa de substituição de pena de prisão (fixada nos termos do aludido artigo 43.º, n.º 1), daquele outro no qual o que está em causa é o não pagamento da multa quando fixada (nos termos do artigo 47.º) enquanto pena principal e esta, por não ter sido paga, foi convertida em prisão subsidiária.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias[5], a pena de multa de substituição – como é a aplicada nos autos - constitui “uma pena diferente da pena de multa enquanto pena principal, que possui regime próprio e merece, por isso, consideração doutrinal e sistemática autónoma”.

Regime próprio que resulta claro na remissão que o art.º 43.° do Código Penal faz, para as normas relativas à pena de multa, apenas para o n.º 3 do art.º 49.º.

Não se aplicando assim à multa de substituição nem o n.º 1 do art.º 49.º (que estabelece que em caso de execução da prisão subsidiária esta é reduzida a dois terços), nem o n.º 2, constituindo, pois, realidades distintas quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista político-criminal e dogmático, com consequências relevantes para feitos de aplicação e de incumprimento.

Com efeito, pode ser aplicada uma multa de substituição, ao abrigo do art.º 43.º quando, previamente, se afastou a aplicação alternativa de uma pena de multa, ao abrigo do art.º 70.º. Mas já não é possível suspender a execução de uma pena de multa aplicada em substituição de uma pena de prisão não superior a um ano, de harmonia com o disposto no art.º 49.º do Código Penal[6].

Ora, é precisamente nestes termos que o regime previsto no referido art.º 43.º faz, no seu n.º 2, uma remissão expressa e limitada para o preceituado no art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal.

Com tal remição, foi intuito do legislador excluir a aplicação da parte restante do art.º 49.º, designadamente, o seu n.º 2, aplicável à situação em que, relembramos, “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.”

Ao tratar as penas de substituição o Professor Figueiredo Dias escreveu: “A pena de multa de substituição, agora em estudo, não é a pena pecuniária principal que foi analisada supra no 5.º Cap. Não o é de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal – o da reacção geral contra as penas privativas de liberdade tout court –, a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas curtas de prisão e constitui, assim, um específico instrumento de domínio da pequena criminalidade; de sorte que esta diversidade é só por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição.”[7]

Na versão anterior à alteração operada pela Lei n.º 49/2007, de 4 de setembro, o art.º 44.º, n.º 1, do Código Penal, determinava que a pena de prisão em medida não superior a 6 meses deveria ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade.

Por virtude da aludida alteração, e na parte que aqui importa, passou a constar do art.º 43.º e alterando para um ano o limite máximo da pena passível de substituição por multa, mantendo, no entanto, incólume o n.º 2 do anterior art.º 44.º, pelo que neste particular o legislador não buliu com a filosofia que está estabelecida para o regime das penas de substituição das penas curtas de prisão, neste particular da pena de multa de substituição.

Contudo, a regra da substituição da pena curta de prisão pela pena de multa pressupõe a distinção clara entre a pena de multa principal ou originária e a pena de multa de substituição a que se refere o art.º 43.º, n.ºs 1 e 2.

Esta última encerra, efectivamente, um carácter ameaçante que colima com a efectividade da pena de prisão que substitui e denotativo que, na substituição operada vai ínsito um sinal de benevolência que o agente há-de interpretar como factor fomentador de um sentir social reconciliador e pessoalmente motivante. Daí que se entenda a asserção veiculada pelo Prof. Figueiredo Dias quando escreve: «É perfeitamente aceitável, v.g., que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades, ou que uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão – valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade indispensável à efectividade de todo o sistema das penas de substituição (nota 103: E é por isso esta a solução constante do art.º 44.º n.º 2 do Projecto de 1991.)»[8]

A ameaça da pena prisão (substituída) surge como factor dissuasor do incumprimento da pena de multa de substituição na justa medida em que esta, caso não venha a lograr cumprir o papel para que tendia, deixa de se manifestar como factor de estabilidade e confiança na norma violada.

Daí que, tal como acontecia com o n.º 2 do anterior art.º 44.º do Código, o actual n.º 2 do art.º 43.º do Código Penal, estabeleça que no caso de aplicação de uma multa de substituição “é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 49.º”, excluindo expressamente a aplicação das disposições contidas nos art.ºs 48.º e 49.º, n.ºs 1 e 2, privativas do regime próprio da pena de multa principal.

Assim, não obtendo a multa de substituição pagamento, total ou em prestações, e não justificando o arguido, atempadamente, que o respectivo incumprimento se ficou a dever a razão que não pode culposamente ser-lhe assacada, será de imediato ordenado o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

O que fica dito conforma ou dá orientação à forma como o tribunal deve aquilatar do momento a partir do qual o inadimplente se constitui em falta propiciadora da reversão da pena de multa de substituição em pena de prisão originária. É que enquanto no incumprimento da pena de multa principal, faz sentido apelar, conforme preceitua o n.º 2 do art.º 49.º, para a situação económica referida ao momento em que o incumprimento se verifica, dado que o pagamento da multa pode ser feito a todo o tempo, no caso de incumprimento da multa de substituição, a consideração do momento temporal até ao qual o arguido pode justificar que a ausência de pagamento se ficou a dever a circunstâncias exteriores à sua vontade (assumida) de cumprir deverá ser o do fim do prazo para pagamento (total) da pena de multa de substituição ou da falta de pagamento de uma prestação, caso o arguido tenha requerido o pagamento de multa nesta modalidade, conforme permite o art.º 489.º, n.º 3 do Código de Processo Penal. Isto porque verificado o incumprimento, o arguido não dispõe da possibilidade de justificar o incumprimento ou pagar as quantias em dívida até mesmo depois de haver sido ordenado o cumprimento de qualquer pena de prisão mas antes do início da sua execução.

Quando previu e estipulou a substituição das penas curtas de prisão por qualquer das penas alternativas previstas no Código, o legislador não quis que a censura e a reprovação ético-social que anda acoplada à imposição de uma pena não fossem sentidas pelo apenado e que este não interiorizasse o desvalor da conduta antijurídica assumida no sacrifício em que se traduz o cumprimento de uma pena. Antes foi sua intenção que em primeira linha se mantivesse o fim pretendido com a imposição da pena ou seja a estabilidade na vigência da norma violada e a manutenção da confiança no sistema sancionador.

A substituição obrigatória (salvo se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes) da pena de prisão inferior a um ano (art.º 43.º n.º 1 do Código Penal) tem como finalidade evitar os malefícios das curtas penas de prisão.

Citando mais uma vez o Prof. Figueiredo Dias, referindo-se à pena de multa de substituição, escreveu este ilustre Mestre: “A pena de multa de substituição não é pena principal. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto - a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal mas a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no seu mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida de cumprimento da pena.”[9]

No caso em apreço, depara-se-nos uma pena de multa de substituição, donde que o seu incumprimento culposo conduziria, como sufragou o despacho recorrido e acontece com outras penas de substituição, à sua “revogação”, implicando o renascimento da pena de prisão directamente imposta e que aquela viera substituir. É aliás, o que resulta expressamente do art.º 43.º, n.º 2 do Código, em cujos termos «se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença».

«A partir do momento em que o tribunal - reconhecendo o incumprimento culposo do arguido, quando este não paga no prazo de que dispunha, nem apresenta qualquer justificação, quando notificado para o efeito - ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção.

Passa, então, a existir apenas uma única pena: a de prisão - cuja execução o tribunal ordena de imediato, salvo se for de optar pela suspensão da mesma, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º, pressupondo esta solução que o não pagamento não é imputável ao arguido.»[10]

Também assim se pronunciou Maia Gonçalves[11], referindo designadamente que “a disposição do n.º 2 (do art.º 4.º do Código Penal na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 4.9, que corresponde ao actual art.º 43.º) significa, em primeiro lugar que, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, o condenado cumprirá, em regra, a prisão aplicada na sentença, como se esta não tivesse decretado a substituição (…).”

E em idêntico sentido se vem pronunciando a nossa Jurisprudência[12].

Aliás, como se pode ver da acta n.º 41, de 22.10.90, da Comissão de Revisão (Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, pág. 466), o texto do n.º 2 do art.º 44.º do Código Penal resulta do acolhimento da proposta feita pelo Prof. Figueiredo Dias, que manifestou o entendimento de que se a pena de substituição não é cumprida deve aplicar-se a pena de prisão fixada na sentença. Argumentando que “só conferindo efectividade à ameaça da prisão é que verdadeiramente se está a potenciar a aplicação da pena de substituição.”

A posição sustentada afigura-se a mais defensável, uma vez que nela não há possibilidade de confusão dogmática entre a natureza e a finalidade da pena de substituição em causa (ou pena de prisão sucedânea, como lhe chama parte da doutrina) e a prisão subsidiária.

O entendimento assim sufragado no aresto que vimos seguindo, datado de 19 de outubro de 2011, veio a ter acolhimento no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 12/2013, publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 200, de 16 de outubro de 2013, e conforme o qual «Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal.»

Foi também com apelo ao seu teor que o despacho recorrido decidiu como o fez.

Prima facie, estaria assim encontrada a sorte do recurso e, decorrentemente, da extemporaneidade invocada pelo Ministério Público na 1.ª instância.

Com efeito, rememorando os termos processuais seguidos, comprova-se que:

- O recorrente/arguido foi condenado na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão substituída por 420 (quatrocentas e vinte) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, a qual lhe foi notificada por carta datada de 27.03.2014.

- Após requerimento do mesmo arguido, deferido pelo Tribunal a quo, tal pena de prisão foi substituída por multa.

- Novamente por apelo do arguido, foi-lhe igualmente facultado o pagamento da multa em prestações.

- O arguido não efectuou o pagamento das prestações em divida, tendo sido declaradas vencidas todas as prestações e o mesmo notificado para comprovar nos autos o pagamento das mesmas, o que não fez.

- Verificado este incumprimento do arguido, o Ministério Público promoveu o cumprimento da pena principal, ou seja, a pena de prisão efectiva de 1 (um) ano e 2 meses, solicitando a emissão dos competentes mandados de condução ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena aplicada.

- O que mereceu deferimento, por despacho datado de 17.06.2016, notificado ao recorrente/arguido em 29.06.2016, e relativamente ao qual ele não interpôs recurso.

- Em 21.09.2016, o recorrente/arguido veio proceder ao pagamento do remanescente da multa.

Ou seja, e como obtemperou o recorrido, nesta data encontrar-se-ia esgotado o poder jurisdicional do Tribunal sindicado no sentido de poder reverter a ordem de cumprimento da pena principal de prisão aplicada ao recorrente.

Ainda em arrimo e reforço de tal solução, pode relembrar-se o sufragado num Acórdão do TRP[13], de 30.03.2011, no qual se consignou que «a certeza e segurança, valores também caros ao legislador, não podem ser preteridas a pretexto de evitar à outrance o cumprimento da prisão quando, por incúria, desinteresse ou simples falta de diligência, se não aproveitam as oportunidades que a lei faculta, pois dessa forma desvirtua-se o regime legal, banaliza-se a reacção penal, põe-se em causa a efectividade político-criminal da ameaça da prisão e, por via dela, da própria pena de substituição, e protege-se de forma excessiva o infractor, tudo redundando, enfim, no descrédito da justiça penal. Não é demais salientar que ao arguido incumbe, como a qualquer cidadão, cumprir os seus deveres e informar-se dos procedimentos a adoptar para evitar ser penalizado quando, por razões que lhe não são imputáveis, se não encontre em condições de os cumprir. Não é o tribunal que, para além da complexa teia de salvaguarda de direitos de defesa que a lei já consagra, o tem de carregar sistematicamente ao colo, para mais quando está obrigatoriamente assistido por um técnico de direito, a quem também se exige o cumprimento cabal das funções que lhe são cometidas e que passam, desde logo, por uma assistência jurídica eficaz, esclarecedora».

Seja, visto o rasto processual que decorre dos autos, seria o próprio recorrente quem deveria penitenciar-se pelo desfecho conducente à emissão da sua ordem de prisão.

2.5. A realidade não é porém sempre branca e negra. Casos há nos quais emerge cambiante que a bem da Justiça não pode olvidar-se como assertivamente fez sobressair o Sr. Procurador-geral Adjunto.

E, para tanto, como refere, mostra-se curial atentar ao que intercedeu nos autos após a constatação de todos os incumprimentos pelo arguido no sentido de proceder ao pagamento da multa de substituição, e a data em que finalmente o fez, altura na qual, realça como essencial, ainda não tinha transitado em julgado o despacho que determinara o cumprimento da pena principal de prisão.

O iter processual comprova a propósito:

- Este despacho foi proferido no dia 17-06-2016 (fls. 245).

- E notificado ao arguido a 29-06-2016 (fls. 259).

- Sucede porém que com data de 21-06-2016 (antes pois do trânsito em julgado daquele mencionado despacho) o arguido viera aos autos (fls. 251) apresentar requerimento, informando que por graves problemas financeiros não podia cumprir e uma vez que estava à espera de ser chamado para ser operado, solicitava que o prazo fosse alongado.

- Este requerimento mereceu despacho, com data de 27-06-2016 (fls. 254), decidindo que nada havia a decidir, em face do anterior despacho que considerava não comprovadamente justificada a impossibilidade de pagamento, pelo que os autos aguardariam o trânsito em julgado daquele despacho.

- Despacho este também notificado ao arguido a 29-06-2016 (fls. 256).

- Entretanto, nada mais acontece nos autos a não ser a junção do comprovativo do pagamento da totalidade da dívida em falta, no montante de € 750,00, efectuada com data de 21-09-2016 (fls. 260).

- Apresentados os autos ao Ministério Público foi de parecer que o despacho já transitara em julgado (7 dias antes do pagamento efectuado), devendo a quantia ora paga ser devolvida e emitidos os mandados de captura para cumprimento da prisão (a fls. 263).

- O tribunal, considerando reponderar a questão ordenou a notificação do arguido para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público (fls. 264).

- A fls. 268/269 o arguido penitenciando-se pelo atraso e argumentando com as dificuldades económicas e familiares vem pedir ao tribunal que seja dada primazia à sua liberdade, por todas as razões que aponta, indicado prova do que alega.

- O tribunal marcou uma audição do requerente/arguido e da testemunha indicada, cuja diligência se realizou em 02-12-2016 (fls. 283).

- Nesta sequência o tribunal aceitando como provada toda a matéria alegada pelo arguido quer quanto às suas dificuldades económicas, quer quanto à sua situação familiar que discrimina, decide através do despacho recorrido manter a anterior decisão que revogara a substituição da prisão por multa e considerando ter aquele despacho já transitado, não aceita o pagamento feito e ordena agora a devolução ao arguido da quantia paga e, após trânsito deste novo despacho, determina a emissão de mandados de cumprimento da pena.

Do exposto resulta pois que o tribunal, apesar de ir considerando que a decisão estava tomada em 17-06-2016, no entanto, empreendeu um série de diligências quer, ouvindo de novo o arguido em 03-10-2016, notificando-o para se pronunciar, quer produzindo prova, deferindo diligências requeridas pelo arguido, a 02-12-2016.

Acresce que o próprio arguido, após o despacho de 17-06-2016, apenas 4 dias depois de o mesmo ter sido proferido, e, logo, antes do respectivo trânsito em julgado, tomou a iniciativa de vir aos autos apresentar justificações para as suas dificuldades e pedir uma prorrogação do prazo para pagar a multa em falta, o que na altura não foi tido em conta pelo tribunal, considerando a decisão já tomada.

Sucedeu todavia que passados alguns meses o mesmo tribunal decidiu ouvir o arguido sobre a mesma questão, notificando-o para o efeito, após promoção do Ministério Público no sentido de revogar a substituição da prisão pela multa, bem como realizar as diligências que este posteriormente requereu.

Ora, se o despacho já tinha transitado e não havia possibilidade legal de demonstrar a sua falta de culpa no incumprimento do pagamento da multa, não se justificava a realização de quaisquer diligências. A prática de actos inúteis está processualmente vedada.

Vale por dizer, e não menosprezar, que o próprio tribunal se confrontou com incertezas, dúvidas, hesitações na busca da solução a dar ao caso: Fazendo-o, também não devemos olvidar que criou expectativas ao cidadão visado com as decisões tomadas, de que ainda valeria a pena o esforço de angariar meios, que fez com dificuldade, e procedeu ao pagamento da multa, porque julgou, que ainda estaria em tempo de o fazer,

Ante a ponderação do Tribunal, o arguido respondeu com o cumprimento do pagamento do remanescente da multa.

O arguido na sua perspectiva, com o esforço que empreendeu, apesar das dificuldades que demonstrou e foram dadas como provadas no despacho recorrido, agiu na convicção, segura para ele, de que estava ainda a cumprir a pena com o pagamento que efectuou e, desta forma, a satisfazer perante os autos as finalidades pelas quais lhe foi aplicada a pena de prisão substitui da por multa.

Num balanço entre os interesse em presença - por um lado, da realização dos fins das penas e a substância da matéria de facto em apreço e, por outro lado, o aspecto formal em que arguido acabou por pagar alguns (poucos) dias após o referido trânsito em julgado, mas antes da emissão de qualquer mandado de detenção -, mostra-se então adequado aceitar por exoneratório o cumprimento da pena de multa resultante do pagamento efectuado malgré as circunstâncias descritas.


*

III – Dispositivo.

São termos em que, embora por distinto fundamento, se decide conceder provimento ao recurso interposto e, consequentemente, na revogação do despacho recorrido, se julga extinta, face ao pagamento da multa de substituição, a pena aplicada nos autos ao arguido.

Sem custas.


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Coimbra, 21 de junho de 2017

(Brizida Martins – relator)

(Orlando Gonçalves – adjunto)


[1] E com data de 17.06.2016, adiantamos nós.
[2] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] Repristinamos aqui o que vem expendido no Ac da Relação do Porto, in recurso n.º 341/05.0 TAGDM.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, pág. 125.
[6] Cfr. Ac. desta própria Relação de Coimbra de 30.01.2002, in CJ, Tomo I, pág. 48.
[7] In ob. cit., pág. 361 e segs.
[8] Cfr. ob. cit., págs. 369 e 370.
[9] In RLJ, Ano 125º, pág. 163 e segs.
[10] Cfr. Ac. R. Lisboa de 15.03.2007, relatado pelo Des. Ricardo Cardoso e disponível em www.dgsi.pt.
[11] In Código Penal Anotado, Almedina, 16.ª Edição, 2004, págs. 184/186.
[12] Cfr., v.g., Acórdãos da Relação de Coimbra, de 29.09.98, in CJ, XXIII, Tomo IV, pág. 58; da Relação do Porto, de 12.05.2004, 15.06.2005; 15.02.2006 e 28.03.2007, e da Relação de Lisboa de 15.03.2007, todos disponíveis no site www.dgsi.pt.
[13] Proferido pela Des. Maria Leonor Esteves, disponível em www.dgsi.pt.