Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1333/20.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
DEVOLUÇÃO SIMULTÂNEA DA COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 366.º, N.º 1, N.º 4 E N.º 5 DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009.
Sumário: I) Em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, o trabalhador tem direito a uma compensação pela cessação do contrato de trabalho.

II) Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade dessa compensação.

III) Esta presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último

IV) À expressão “em simultâneo” constante da lei tem de ser atribuída a maleabilidade necessária para poder abarcar um conjunto de situações que exigem uma apreciação flexível respeitante a eventuais factos que poderão ser alegados pelo trabalhador para afastar a presunção da aceitação do despedimento.

V) Não pode considerar-se ilidida a presunção se decorreram 13 dias entre a data da disponibilização da compensação por depósito na conta bancária do trabalhador (09/04/2020) e a data da devolução dessa compensação pelo trabalhador (23/04/2020), tendo o trabalhador sido informado pelo empregador de que a compensação seria depositada na sua conta até à data da cessação do contrato (04/05/2020) e não logrando o trabalhador provar a data em que teve conhecimento da transferência do montante da compensação para a sua conta.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – A…, residente na …, em 23.04.2020, apresentou requerimento em formulário de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos arts. 98º-C nº 1 e 98º-D, ambos do CPT, contra “P…, SA”, com sede na …, juntando decisão escrita do despedimento com fundamento em extinção do posto de trabalho, constando como data do despedimento a de 04.05.2020, e pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
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Frustrando-se a diligência conciliatória da audiência de partes, a Entidade Empregadora veio apresentar o seu articulado motivador alegando, para o efeito, em síntese, que tendo pago ao Trabalhador a compensação que lhe era devida no dia 02.04.2020, este precludiu o direito de impugnar o despedimento, por não a ter devolvido oportunamente, retendo-a até ao dia 23.04.2020, só a creditando na conta bancária do Empregador na data em que instaurou a presente acção, sendo que, de todo o modo, observou todas as formalidades previstas para o despedimento por extinção do posto de trabalho, e tinha fundamento legal – por motivos estruturais, conforme factualidade que apresenta.
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O Trabalhador apresentou contestação com reconvenção, para, em suma, contrariar a invocada aceitação do despedimento, e impugnar a factualidade alegada pelo Empregador demonstrativa da extinção do seu posto de trabalho - pretendendo, por esta via, a condenação da EP no pagamento de uma indemnização por ilicitude do despedimento no valor de 165.00,00 €, acrescida das retribuições intercalares que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença; e, em via reconvencional, a condenação da EP no pagamento da quantia de 4.400,00 € referente a férias vencidas no dia 01.01.2020 e não gozadas, acrescida de uma indemnização no montante de 10.000,00 € por danos não patrimoniais sofridos com o processo de despedimento.
Alega, em síntese, que só na véspera da submissão do formulário (dia 22/04/2020), é que verificou que lhe havia sido transferido, no dia 06 de Abril o valor da compensação por parte da Entidade Patronal e que, por força das limitações próprias do estado de emergência que então vigorava, só logrou concretizar a devolução por transferência bancária no dia 23.04.2020, acrescendo que a quantia que foi colocada à sua disposição não corresponde à totalidade da compensação que lhe era devida, atenta a sua antiguidade, e que o motivo real do Empregador para extinção do posto de trabalho não é o de uma suposta “reorganização”, antes corresponde a um despedimento motivado por factos ilícitos que lhe são imputados, atinentes à responsabilidade pela perda de alguns clientes e falta de empenhamento.
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A Entidade Empregadora (Reconvinda) apresentou articulado de resposta, mantendo o já alegado no articulado de motivação do despedimento, e impugna a factualidade relacionada com o pedido reconvencional, concluindo pela respectiva improcedência.
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III – Admitida a Reconvenção deduzida pela Trabalhadora-Reconvinte e proferido despacho saneador, onde se relegou para final a apreciação do mérito dos autos e se dispensou a fixação da base instrutória/enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos a sua normal tramitação tendo, a final, sido proferida sentença em cujo dispositivo se lê:
“Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) julgar improcedente, por não provada, a presente acção com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, considerando lícito e regular o despedimento efectuado pela Entidade Empregadora;
b) julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pelo Réu/ Trabalhador e, em consequência, absolver a Entidade Empregadora do demais peticionado em sede reconvencional”.
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III – Inconformado, veio o trabalhador apelar alegando e concluindo:
(…)
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Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:
1.A P… é uma sociedade que se dedica à fabricação e comercialização de moldes e acessórios para a indústria de transformação de matérias plásticas e metais e outras actividades industriais e comerciais (cfr. certidão fls. 224 verso a 233);
2.Foi constituída em 18.05.1990, sob a forma de sociedade por quotas, com o capital de 6.000.000$00, repartido em cinco quotas por cada um dos seguintes sócios, que igualmente exerciam a gerência, no valor de: 900.000$00, pertença de C… ; 900.000$00, pertença de V…; 900.000$00, pertença de T… ; 900.000$00, pertença de AA… ; 2.400.000$00, pertença de “P… , Limitada”, com sede em ….;
3.Em 10.09.1993 (Ap.04), foi registada a divisão da quota de 900.000$00 do sócio AA… em 3 quotas de 300.000$00, e a sua transmissão, por cessão, a favor dos sócios C… , V… e T…;
4.Na mesma data (10.09.1993, pela Ap. 05) foi registada a divisão da quota de 2.400.000$00 da sócia “P… , Lda.” em duas quotas, uma de 1.800.000$00 e outra de 600.000$00, e a transmissão desta última, por cessão, a favor do sócio V… , o qual, também nessa data (Ap.06), procedeu à unificação das suas quotas de 900.000$00, 300.000$00 e 600.000$00 numa quota de 1.800.000$00;
5.Os sócios C… e T…, em 10.09.1993 (Aps. 07 e 08) procederam á unificação das suas quotas de 900.000$00 e 300.000$00, numa de 1.200.000$00 para cada um;
6.Em 20.05.1999 (Ap.01) foi registadas a transmissão, por cessão, resultante da divisão da quota de 1.800.000$00 da “P…, Lda.”, em 3 quotas de 960.000$00, 480.000$00 e 360.000$00, a favor, respectivamente, de A…, C… eT…;
7. Em 20.05.1999 (Ap.02) foi registada a transmissão, da quota de 120.000$00, por cessão de V…, a favor de T… , resultante da divisão da quota de 1.800.000$00 pertença do primeiro, que reservou para si a quota de 1.680.000$00;
8.Na mesma data (20.05.1999 – pelas Aps. 03 e 04), os sócios C… e T… procederam à unificação das suas quotas de 1.200.000$00 e 480.000$00 o primeiro, e de 1.200.000$00, 320.000$00 e 120.000$00 o segundo, passando cada um a deter uma quota de 1.680.000$00;
9.Ainda em 20.05.1999 (Ap. 05), os sócios V… , C… e T…, procederam ao reforço de capital da P… para 9.036.150$00, subscrito e realizado em dinheiro no valor de 2.530.122$00 por cada um dos sócios V… , C… e T…, e de 1.445.784$00 pelo sócio A…, e à sua redenominação em euros – 75.000,00 € - passando então a deter, cada um dos sócios C…, V… e T… , uma quota no valor nominal de 21.000,00 €, correspondente cada uma a 28% do capital social, e o sócio A… uma quota no valor nominal de 12.000,00 €, correspondente a 16% do capital social, tendo todos eles sido designados como gerentes; 10.Em 28.11.2018, depois do aumento de capital, no montante de 1,00 €, pela subscrição em numerário efectuado pela nova sócia “M…, SA”, a P… foi transformada em sociedade anónima, com o capital de 75.001,00 €, distribuído em 75.001 acções no valor nominal de 1,00 € cada, passando os anteriores sócios gerentes a exercer funções como membros do Conselho de Administração;
11.Por contrato assinado em 21.12.2018, os identificados (ex sócios) accionistas da P…, SA, procederam à venda de 90% do capital social daquela sociedade à “T…, SA”, mais se vinculando a, quatro anos depois, alienar os restantes 10% à mesma sociedade – pelo preço global de 5.000.000,00 € (cinco milhões de euros) – doc. fls. 54 a 59;
12.O preço que a T…, SA pagou aos cedentes pela aquisição dos mencionados 90% do capital social da P…, SA ascendeu a 2.800.000,00 €, repartido por aqueles, na proporção da percentagem relativa que cada um detinha no capital social da sociedade;
13.Nos termos ajustados, o diferencial de 2.200.000,00 € seria devido contra a alienação dos remanescentes 10% do capital social à T…, SA;
14.Com a alienação de 90% da sua participação social na EP, o Trabalhador recebeu a quantia de 448.000,00 €;
15.Na mesma data (21.12.2018), e para ter efeitos imediatos, A… renunciou à administração da P…, SA, mais declarando que “na presente data, seja em virtude dos cargos que desempenhei na P…, seja em virtude da presente renúncia, nada me é devido por esta sociedade, designadamente a título de remuneração, qualquer tipo de prémios ou gratificações, distribuição de lucros, reembolso ou comparticipação de despesas ou a qualquer outro título” (doc. fls. 60);
16.Também os ex accionistas C…, V… e T…renunciaram às funções de membros da Administração da P…, SA em 21.12.2018 (com registo efectuado em 07.02.2019 – Ap. 186), sendo designados nessa mesma data, e para fazer parte desse órgão, VV…, J… e M… (Ap. 187/20190207);
17.Na mesma data referida em 11, A…(à semelhança de C… , V… e T… - ressalvadas as diferentes categorias) acordou em celebrar um contrato de trabalho sem termo com a P…, SA, com efeitos a 08 de Janeiro de 2019, comprometendose ao exercício, por conta e sob a autoridade e direcção da segunda, a “actividade de direcção da área de rectificação”, nas instalações da sede desta, pelo período normal de trabalho de 8 horas/dia e 40 horas/semana, mediante a remuneração base mensal ilíquida de 3.600,00 €, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de 6,00 €/dia de trabalho efectivo (cláusulas 1ª e 2ª do contrato de fls. 27 a 29);
18.Nos termos ajustados no referido contrato, sob a cláusula 3ª, al. b), o Trabalhador “poderá apresentar despesas (nomeadamente as despesas concernentes a utilização da viatura pessoal) com um montante máximo de 1.100,00 € mensal”, podendo ainda optar “pela incorporação de um valor no salário mensal definido na cláusula 2ª”, sem que a P… “tenha um custo decorrente de tal incorporação de valor superior a 1.100,00 €”, suportando o Trabalhador “todas as despesas que tenha no exercício das suas funções, nomeada, mas não exclusivamente, as despesas relativas a utilização de viatura pessoal”;
19. Nos termos ajustados no referido contrato (cláusulas 9ª e 12ª), A… obrigou-se a um período de permanência na P…, SA durante 3 anos a contar da sua celebração, durante o qual se comprometeu a desenvolver as suas funções profissionais de forma exclusiva para a EP e a não negociar por conta própria ou alheia, em concorrência com esta, declarando ainda garantir que durante 4 anos “não exercerá ou coordenará, total ou parcialmente, por si ou por interposta pessoa ou entidade, directa ou indirectamente, nomeada, mas, não exclusivamente, através de sociedades por si controladas ou consigo relacionadas, a actividade comercial que seja concorrente com a actividade da P…, SA”;
20.Por força do referido contrato, A… exercia a categoria de Director de Rectificação, incumbindo-lhe as seguintes tarefas e responsabilidades: supervisão da actividade dos trabalhadores que executam trabalhos de rectificação;
21.Antes da entrada da T…, SA no capital da P…, SA, a actividade desta segunda desenvolvia-se à volta das pessoas dos sócios, sendo que destes – sobretudo do V… e T… – dependia um conjunto alargado de funções operacionais nas vertentes comercial, compras e produção;
22.Com a aquisição pela T…, SA do capital da P…, SA, o Conselho de Administração nomeado por tal accionista, tendo em vista optimizar e profissionalizar a gestão da sociedade, passou a estruturar-se em áreas funcionais: desenvolvimento de negócio, financeira, projecto e engenharia, produção, compras, O & M (Organização e Método) e comercial;
23.Mediante a nova forma de organização, os ex (sócios-gerentes) accionistas mantiveram as responsabilidades que antes assumiam, agora sob um vínculo laboral, acumulando alguns deles competências em determinadas áreas: o V… foi nomeado Director-Geral, respondendo directamente perante o CEO S… e, adicionalmente, pela sua anterior experiência, manteve a coordenação das áreas de produção, comercial e compras; C… manteve a coordenação da área de engenharia & CAD, por virtude da sua experiência na área de projecto; T…assumiu a coordenação das áreas de produção (em conjunto com o V…) e O&M; A… continuou a prosseguir a coordenação da actividade de rectificação;
24.O acompanhamento de testes e ensaios externos - tarefa não incluída no processo de fabricação de moldes (produção) - que A… realizava enquanto gerente/acionista da P…, relativamente aos clientes que antes tinha angariado ou que acompanhava, foi assumido pela área de Engenharia & CAD (Projecto);
25.No organigrama da empresa, A…, enquanto coordenador da actividade de rectificação, encontrava-se integrado na área de produção, conforme gráfico de fls. 284;
26.O seu posto de trabalho encontrava-se sob a alçada da Direcção de Produção, chefiada por V… e T…;
27.A rectificação (que integra uma fase do processo produtivo a par da fresagem e da erosão), integra-se no Controlo de Produção, a cargo da trabalhadora MC…;
28.A coordenação da fresagem & CAM e da erosão incumbem aos ex sócios/accionistas T… e V… (que são responsáveis da área de Produção);
29.As tarefas e responsabilidades que incumbem a A…, em face de tal organigrama, são mais limitadas que as que foram assumidas pelos ex sócios/accionistas, podendo, com ganhos de eficiência, ser assumidas por outro trabalhador;
30.Não se justificando, assim, manter um posto de trabalho de coordenação da rectificação, máxime porque as demais fases finais (fresagem e erosão) estão já sob coordenação da produção;
31.Os (agora) trabalhadores T… e C… têm experiência e capacidade (e fazem-no de facto) para manipular as máquinas de precisão (rectificadora, CNC e de erosão), contrariamente ao A…, que não opera qualquer maquinaria;
32.A P… pretende afectar a Direcção de Produção, em exclusivo, ao trabalhador T… (desafectando o trabalhado V… dessa área), que se revela apto e tecnicamente preparado para tal, procedendo à concentração do titular da área de Produção;
33.Os trabalhadores subordinados afectos à rectificação vêm exercendo as suas tarefas de modo escorreito, relativamente autónomo e rotineiro, sem necessidade de coordenação específica;
34.Por virtude do referido em 33, o A… nem sequer se mostra ocupado durante a jornada diária de trabalho de 8 horas, prevista no contrato de trabalho firmado;
35.Considerando que não opera equipamentos de rectificação, o A… tampouco pode complementar a mão de obra que se ocupa da fase final da produção (rectificação, fresagem e erosão);
36.Mostrando-se, assim, de todo desnecessário manter um posto de trabalho de mera coordenação de um processo produtivo, por tal tarefa poder ser assumida directamente pela Direcção de Produção, sem sobrecarga nem perda de eficiência;
37.Eliminando-se, desta forma, um nível de chefia/coordenação sob a Direcção de Produção (chefia intermédia), aproximando o Director de Produção dos trabalhadores fabris;
38.A coordenação da rectificação pode, assim, ser assumida por trabalhador preexistente na estrutura – o Director de Produção, o qual, mesmo na área de rectificação, revela maior polivalência que o Trabalhador;
39.O posto de trabalho do A… revela-se, por isso, destituído de real valia e por demais oneroso para a P… ;
40.A… é o único trabalhador na estrutura da P…, SA que titula a categoria funcional de director de rectificação, inexistindo outro posto de trabalho (directivo) compatível com tal categoria;
41.Em 23.01.2020, a EP, antes de avançar para o despedimento por extinção do posto de trabalho, que nunca descartou, conforme transmitiu ao Trabalhador, propôs-lhe a revogação, por acordo, do contrato de trabalho referido em 16, conforme e-mail que lhe enviou, com o seguinte teor (fls. 75 verso e 76): “Caro A…, Conforme solicitado, vimos, pelo presente, apresentar, para sua apreciação, as condições que propomos para a revogação, por cordo, do contrato de trabalho que o vincula à P…. Com efeito, e como foi amplamente discutido, entende a empresa estarem verificadas as condições para a extinção do posto de trabalho que ora ocupa. Na verdade, em face da reorganização da P…, nos termos do qual se prevê a concentração da coordenação das áreas-chave da empresa (Direcção e Comercial, Projecto e Gestão de Projecto e Produção e Qualidade), deixa de se justificar a manutenção das funções de coordenação que actualmente desenvolve, as quais poderão ser assumidas, como maior eficiência e sem sobrecarga, ao nível da Direcção de Produção. No entanto, a empresa pretende privilegiar a via negocial e acordar um acordo de revogação do contrato de trabalho actualmente em vigor. São as seguintes as condições que propomos para a pretendida revogação consensual (ficando, deste modo, liquidados e satisfeitos, de modo definitivo, todos os créditos recíprocos entre as partes). Data da desvinculação: 31.1.2020; Compensação pecuniária global: 1.877,33 € (resultante da aplicação do critério legal de cálculo da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho: factor 12 dias/ano de antiguidade); . Pagamento da retribuição integral referente ao mês de Janeiro de 2020: 4.400,00 €; . Proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal: 9.966,67 €; “Waiver”/revogação do pacto de não concorrência e exclusividade (cfr. arts. 9º e 12º do contrato de trabalho): tem evidente valor económico, não computável; . Emissão de declaração destinada a ser apresentada para efeitos de candidatura a subsídio de desemprego (não garantindo a empresa, naturalmente, o preenchimento das condições respeitantes ao beneficiário, nomeadamente o prazo de garantia para acesso às prestações de desemprego).Sendo nossa intenção privilegiar a via negocial, agradecemos que nos informe, com a brevidade possível (em face da data proposta para a sua desvinculação), se concorda com os termos sugeridos. Aproveitamos para sugerir que se informe e aconselhe junto de advogado ou consultor da sua confiança, de modo a que possamos celebrar um acordo esclarecido e vantajoso para ambas as partes, agilizando os formalismos legais. Ficamos ao inteiro dispor para esclarecer o que tiver por útil ou conveniente. (…)”;
42.O Trabalhador, assessorado por advogado, não deu qualquer resposta ao e-mail referido em 39; 43.Na P… não existe nenhuma comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou sindical regularmente constituída;
44.O Trabalhador não é representante sindical;
45.Em 28.02.2020, a EP pretendeu entregar ao Trabalhador, em mão, a comunicação prévia da decisão de extinção do posto de trabalho nos termos do art. 369º do CT (com o teor de fls. 32 verso-34, que damos por reproduzido);
46.O Trabalhador recusou-se a receber e a assinar o duplicado da referida comunicação (sendo que esta contemplava um espaço para este último assinar, onde constava que tal assinatura se limitava a atestar a recepção daquele documento);
47.Face a tal recusa, por carta de 03.03.2020, a EP enviou a comunicação inicial de despedimento (datada de 28.02.2020) por correio registado para o domicílio pessoal do Trabalhador, que o Trabalhador recebeu no dia 05.03.2020, após reclamação da mesma junto do posto dos Correios (doc. fls. 31-34 e fls. 35 e 35 verso);
48.Na referida comunicação, a EP aduziu os motivos justificativos da intenção de despedimento, invocando “motivos estruturais”, indicando que à data, o Trabalhador “vem titulando, até ao presente, a categoria de Director de Rectificação” e que “Atendendo à actual estrutura da P… e com vista à sua optimização, afigura-se necessária a extinção do posto de trabalho que V. Exa. ocupa, por expletivo, redundante, destituído de real valia e, em consequência, por demais oneroso para a Empregadora”, acrescentando que “é o único trabalhador na estrutura da P… que titula a categoria funcional de director de rectificação, pelo que não se aplicam os critérios previstos no art. 368º/2 do Código do Trabalho” – doc. fls. 31-34;
49. Por email de 09.03.2020 o Trabalhador comunicou à EP o pedido de intervenção da ACT para verificação dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, nos termos do art. 370º, nº 2, do CT – doc. fls. 36;
50.Em 12.03.2020, a EP recebeu notificação da ACT para apresentação de documentos – doc. fls. 37;
51.Em cumprimento da solicitação da ACT, a EP, em 16.03.2020, enviou por correio electrónico a respectiva documentação – doc. fls. 36 verso;
52.Em 17.03.2020, a ACT elaborou o relatório a que se reporta o art. 370º, nº 3 CT, no sentido que a EP respeitou os requisitos da extinção do posto de trabalho, do qual notificou a EP no dia 20.03.2020 - cfr. doc. fls. 47 verso e 48;
53.A ACT notificou a EP de tal relatório no dia 20.03.2020;
54.No dia 24.03.2020, a EP recebeu o parecer do Trabalhador, a que se reporta o art. 370º, nº 1 do CT, com o teor de fls. 48 verso a 50, que damos por integralmente reproduzido;
55. Por carta de 1 de Abril 2020, a EP comunicou ao Trabalhador a decisão final de despedimento por extinção do posto de trabalho (doc. fls. 3 a 7), que este recebeu no dia 02.04.2020, comunicando a EP que o despedimento produziria efeitos a 4.05.2020, após o decurso do prazo previsto na al. b) do nº 3 do art. 371º CT, considerando um prazo adicional destinado a acautelar eventuais recepções não pontuais pelo Trabalhador, que o pagamento da compensação e dos créditos seriam pagas por transferência bancária para a conta habitualmente utilizada para processamento da remuneração até à data da cessação do contrato, convidando ainda o Trabalhador a, no prazo de 5 dias úteis, informar a EP se os montantes indicados se encontravam devidamente computados;
56.Na mesma data (01.04.2020), a EP comunicou à ACT a decisão de despedimento do Trabalhador por extinção do posto de trabalho (doc. fls. 53);
57.No dia 03.04.2020, a EP transferiu para conta do Trabalhador o montante de 13.073,19€ (fls. 30), sendo 3218,07 € de compensação, 1.200,00 € de proporcionais de retribuição de férias (6 dias) – sendo este valor resultante da diferença entre o nº de férias a vencer em Janeiro de 2021 (8 dias) e os 2 dias utilizados por conta do ano de 2020 (o Trabalhador, durante o aviso prévio, gozou as férias vencidas e não gozadas e 2 dias úteis que se venceriam em 2021), 1600,00 € de proporcionais de subsídio de férias, 2466,67 € de proporcionais de subsídio de Natal, 4.400,00 € de subsídio de férias e 1865,43 € de retribuição equivalente ao número mínimo de horas de formação profissional;
58.A EP não informou o Trabalhador da concretização da transferência bancária no dia 03.04.2020; 59.A ACT, notificada da decisão pela EP, não suspendeu o despedimento ao abrigo do disposto no art. 24º do DL nº 2-B/2020, de 02/04;
60.Ao receber a carta referida em 55, o Trabalhador sabia que a quantia referida em 57 iria ser creditada na sua conta bancária pelo menos até ao dia 09.04.2020 (prazo que lhe havia sido concedido pela EP para confirmar a correcção dos valores);
61.O Trabalhador teve conhecimento que a quantia referida em 57 havia sido creditada na sua conta no dia 06.04.2020;
62.Entre o dia 06.04.2020 e 22.04.2020, o Trabalhador não reclamou perante a EP do montante recebido;
63.O Trabalhador devolveu tal quantia à EP no dia 23.04.2020, data em que apresentou o formulário de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento;
64.O Trabalhador tinha conhecimento do IBAN da conta bancária da EP;
65.Quando foi convidado para integrar a estrutura societária da EP (em 20.05.1999), o Trabalhador detinha experiência profissional na área de moldes;
66.Enquanto sócio gerente (e accionista), o Trabalhador tinha a seu cargo a direcção do departamento de rectificação no processo produtivo da EP, auferindo uma remuneração mensal;
67.A rectificação é o departamento que tem mais trabalhadores no processo produtivo (no total de 8);
68.No decurso do ano de 2018, surgiu a possibilidade de alienação do capital social da EP à entidade gestora de capital de risco “A…, SA”;
69.Foram encetadas negociações, lideradas, do lado da gerência da EP, pelos sócios maioritários V… e C…;
70.Das negociações ocorridas, entenderam os sócios gerentes da EP proceder à venda da maioria o capital social desta à sociedade “A…”, que posteriormente cedeu a sua posição à empresa por si participada “T…, SA”;
71.Aquando da formalização da venda nas participações sociais, foi condição imposta pelos compradores a renúncia destes aos cargos de administração;
72.Na mesma ocasião, os compradores, com o acordo e interesse dos ex accionistas, acordaram na celebração do contrato de trabalho mencionado em 17;
73. Enquanto sócio gerente/acionista, A… exercia a actividade de direção do departamento de rectificação da EP sem sujeição a quaisquer ordens, direcção e fiscalização de qualquer dos seus gerentes.
74.A… participou nas negociações para aquisição da P…, SA pela T…, SA e nunca manifestou qualquer oposição ao respectivo negócio.
75. O Trabalhador sente-se actualmente desmotivado para continuar a trabalhar na área dos moldes.
Factos não provados Para facilitar a exposição a numeração foi introduzida por esta Relação.:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, para além ou em contradição com o supra referido, designadamente que:
1) O Trabalhador, desde a cessação do contrato de trabalho com a P…, auferiu rendimentos provenientes de trabalho ou a título de subsídio de desemprego;
2) O Trabalhador, por força das limitações próprias do estado de emergência, em vigor na altura, só logrou concretizar a transferência da devolução do dinheiro que lhe havia sido transferido no dia 23.04.2020;
3) A EP sabia perfeitamente que o Trabalhador não se conformaria com o despedimento e muito menos com o recebimento da quantia referida em 57;
4) O Trabalhador procedeu à devolução do montante que lhe foi transferido no dia seguinte ao dia em que tomou conhecimento por consulta do seu extracto de conta;
5) O Trabalhador foi admitido ao serviço da EP no dia 02.11.1995, como chefe/director de rectificação, tendo desenvolvido a sua actividade, sob as ordens, direcção e fiscalização da EP até ao dia 04.05.2020;
6) Quando foi convidado pelos sócios fundadores da empresa para integrar a sua estrutura societária e a gerência, era trabalhador da primeira desde 02.11.1995;
7) Quando adquiriu a quota da EP, no valor de 960.000$00 e passou a integrar a gerência, A… exercia a actividade de direcção do departamento de rectificação da EP sob as ordens, direcção e fiscalização da EP, exercida por intermédio dos restantes sócios gerentes;
8) Aquando da formalização da venda nas participações sociais, os compradores impuseram aos ex accionistas a celebração formal de um contrato de trabalho;
9) O contrato de trabalho, referido em 72, destinava-se a formalizar a relação laboral que já vinha sendo exercida pelos ex-sócios gerentes;
10) O contrato de trabalho mencionado em 17 destinou-se a formalizar a relação laboral que se mantinha desde 1995;
11) A extinção do posto de trabalho do Trabalhador pela Administração da P… foi uma forma de sancionar o Trabalhador pela sua responsabilidade na perda de alguns clientes (como a N…, P…, D… e I…– clientes que o tinham como pessoa de referência ou contacto na empresa) e pela falta de empenhamento;
12) A atribuição, ao longo dos anos, pelo Trabalhador, de maiores responsabilidades aos trabalhadores mais jovens da equipa que liderava no departamento de rectificação, tornaram as tarefas do primeiro menos visíveis, por virtude da maior qualificação dessa equipa;
13) O T…, que irá assumir as funções do Trabalhador, não tem qualquer experiência nem competência na área da rectificação de moldes;
14) Com a extinção do posto de trabalho do Trabalhador, este poderia assumir outras funções directivas, com categoria semelhante à que detinha e para as quais tem aptidão, tal como director de produção, director de controlo de produção, director de compras, director de orçamentação, director comercial, entre outros; - A EP não pagou ao Trabalhador as férias vencidas em 01.01.2020;
15) Pelo facto de não ter vida activa, viu a sua relação matrimonial (de 35 anos) entrar em ruptura;
16) Sente-se inútil e perdeu alegria de viver
***
V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir equacionam-se do seguinte modo:
1. Alteração da matéria de facto.
2. Data a partir da qual se deve considerar o recorrente como vinculado através de um contrato de trabalho subordinado.
3. I/licitude do despedimento.

(…)

Da alteração da matéria de facto:
A pretendida alteração factual pode sintetizar-se da seguinte maneira:
(i) Facto 60 (“Ao receber a carta referida em 55, o Trabalhador sabia que a quantia referida em 57 iria ser creditada na sua conta bancária pelo menos até ao dia 09.04.2020 (prazo que lhe havia sido concedido pela EP para confirmar a correcção dos valores”) deve passar a ter a seguinte redacção: Ao receber a carta referida em 55, o Trabalhador sabia que a quantia referida em 57 iria ser creditada na sua conta bancária após o dia 09.04.2020 (prazo que lhe havia sido concedido pela EP para confirmar a correcção dos valores) até ao prazo legal para o efeito.”
(ii) Facto 61.º (“O Trabalhador teve conhecimento que a quantia referida em 57 havia sido creditada na sua conta no dia 06.04.2020”) deve passar a ter a seguinte redacção: Em data não apurada (caso seja de considerar que não foi feita prova da data), o Trabalhador constatou que a sua conta havia sido creditada, no dia 06 de Abril, com o valor da compensação proposta pela EP.”
(iii) Facto não provado 3 (A EP sabia perfeitamente que o Trabalhador não se conformaria com o despedimento e muito menos com o recebimento da quantia referida em 57”) seja considerado como provado
(iv) Facto não provado 6 (“Quando foi convidado pelos sócios fundadores da empresa para integrar a sua estrutura societária e a gerência, era trabalhador da primeira desde 02.11.1995”) seja considerado como provado.
Nada obstando à requerida reapreciação, cumpre decidir.
Relativamente aos factos considerados provados sob os nºs 60 e 61 lê-se na fundamentação da matéria de facto que “os factos 60 e 61 foram confessados pelo Trabalhador no seu articulado”.
Nos artºs 23º a 28º da contestação alegou o trabalhador a propósito:
- “Ainda o trabalhador estava no início do prazo que lhe havia sido concedido para se pronunciar quanto à correcção dos valores, já a Empregadora havia procedido ao pagamento, colocando no descritivo da transferência bancária “ordenados”.
- O que é facto é que pela conduta ardilosa da Empregadora, o Trabalhador só se apercebe de que o dinheiro havia “caído” na sua conta no dia 06 de Abril, no dia anterior ao da submissão do formulário próprio.”
- A Empregadora não informou o Trabalhador da concretização da transferência em 03 de abril de 2020 e que poderia ter feito até ao dia 04 de Maio de 2020.
- A Empregadora sabia perfeitamente que o Trabalhador não se conformaria com o despedimento e muito menos com recebimento parcial dos montantes a que tem direito.
- O Trabalhador procedeu à devolução do montante que lhe foi transferido no dia seguinte ao dia em que tomou conhecimento por consulta do seu extracto de conta.
- O Trabalhador transferiu imediatamente o dinheiro que havia recebido logo que tomou conhecimento da concretização da transferência.
Conforme referido pelo recorrente, o que esta alegação significa é o seguinte: na véspera da submissão do formulário (dia 22/04/2020), o trabalhador verificou que lhe havia sido transferido, no dia 06 de Abril, o valor da compensação por parte da Entidade Patronal. E não que o Trabalhador teve conhecimento da transferência no próprio dia em que o dinheiro “caiu” na conta.
Ou seja, não houve uma declaração confessória por parte do ora recorrente no que se refere à matéria dos referidos pontos de facto.
E, relativamente ao facto 61, apreciada a demais prova oferecida, apenas se pode dar como provado, com um mínimo de certeza, que “a quantia referida em 57 havia sido creditada na sua conta (do trabalhador) no dia 06.04.2020.
Tal factualidade mostra-se demonstrada através do respectivo documento de transferência, sendo que da demais prova não resulta, ao contrário do alegado pelo recorrente, que tivesse tido conhecimento da transferência da quantia referida em 57 no dia anterior ao da submissão do formulário apresentado na presente acção.
Como assim, o facto 61 passará a ter a seguinte redacção: a quantia referida em 57 foi creditada na sua conta (do trabalhador) no dia 06.04.2020.
O desacordo do recorrente no que tange ao facto 60 assenta no teor da missiva referida no ponto 55º da matéria de facto da qual, segundo o recorrente, ao invés daquilo que o tribunal deu como provado, o que deveria ser dado como provado é que o pagamento não seria efectuado antes de se esgotar o prazo concedido ao Trabalhador; e que, após o prazo concedido ao trabalhador, a compensação deveria ser paga nos termos legais, i.é, até à data da cessação do contrato de trabalho pelo que nunca o Trabalhador poderia equacionar receber o que quer que fosse quando ainda estava em prazo para confirmar ou reclamar do valor. As mais elementares regras da experiência e da boa-fé, não podem, assim, segundo o recorrente, validar a interpretação dada pelo Tribunal a quo.
Vejamos:
Através da referida carta de 1 de Abril 2020, recebida pelo trabalhador no dia seguinte (02.04.2020) a EP comunicou-lhe a decisão final de despedimento por extinção do posto de trabalho, comunicando-lhe que o despedimento produziria efeitos a 4.05.2020, após o decurso do prazo previsto na al. b) do nº 3 do art. 371º CT, considerando um prazo adicional destinado a acautelar eventuais recepções não pontuais pelo Trabalhador, que o pagamento da compensação e dos créditos seriam pagas por transferência bancária para a conta habitualmente utilizada para processamento da remuneração até à data da cessação do contrato, convidando ainda o Trabalhador a, no prazo de 5 dias úteis, informar a EP se os montantes indicados se encontravam devidamente computados (cfr. facto 55);
Do teor desta carta apenas se pode concluir que o prazo de 5 dias úteis concedido ao trabalhador para se pronunciar sobre os montantes a creditar terminaria, em 8 ou 9 de Abril de 2020 consoante se conte tal prazo desde a data carta ou da sua recepção por parte do trabalhador.
Mas dessa carta, não tendo ocorrido, como vimos, qualquer confissão, não se pode concluir, na nossa perspectiva, que o trabalhador sabia que a quantia referida em 57 iria ser creditada na sua conta bancária pelo menos até ao dia 09.04.2020 ou após o dia 09.04.2020.
O que sabemos com o mínimo de certeza é que a quantia foi creditada em 06.04.2020, ou seja antes de decorridos os cinco dias úteis concedidos na carta referida no ponto 55.
Daí que se decida alterar o facto 60 que passará a ter a seguinte redacção (“A quantia referida em 57 foi creditada na conta bancária do trabalhador antes de decorrido o prazo que lhe havia sido concedido pela EP para confirmar a correcção dos valores)
Quanto aos factos não provados:
Ponto 3.
O recorrente sustenta que a matéria deste ponto deve ser considerado provada em face do teor (i) do seu requerimento para intervenção da ACT – doc. 5; (ii) do relatório da ACT – doc. 7 (iii) da sua discordância com o despedimento, manifestada através do doc. 8 Todos os documentos juntos com o articulado motivador., e da matéria narrada nos factos 46, 47, 49, 54 e 56.
Analisando os elementos probatórios acima elencados somos a concluir que o requerimento de intervenção da ACT e principalmente a discordância manifestada pelo recorrente com a intenção da Recorrida em o despedir com fundamento na extinção do posto de trabalho levam a criar a convicção de que aquele não concordava com o procedimento de cessação da relação laboral através da extinção do posto de trabalho.
Com efeito, no dito requerimento o recorrente referiu expressamente que o despedimento não era na realidade motivado por uma reestruturação organizacional, uma vez que o motivo verdadeiro nada tinha a ver com o posto em si, mas com a pessoa que ocupada esse posto, impugnando ainda o critério de selecção do posto de trabalho seleccionado, pois contrariamente à comunicação inicial do despedimento, o Recorrente sustentou que existe na estrutura organizativa da Recorrida cargos com conteúdo funcional idêntico.
Acresce que a convicção criada sai reforçada quando resultou provado que a recorrida tinha conhecimento que o Trabalhador se recusou a receber a comunicação prévia levando a que essa comunicação fosse comunicada por correio registado.
Assim, suprime-se o ponto 3 dos factos não provados que passará constar dos factos provados com a seguinte redacção A EP sabia que o Trabalhador não se conformava com o despedimento”.
Resta, por último, apreciar a impugnação relativa ao facto não provado 6.
Pugna o recorrente para que seja dado como provado que a relação laboral deve ser reportada ao ano de 1995, mais precisamente ao dia 2 de Novembro desse ano.
Alega que as testemunhas por si indicadas afirmaram que antes do recorrente entrar como sócio para a sociedade, na qual adquiriu uma participação, entrou como “trabalhador” e que essa condição de trabalhador se demonstra através do teor do documento emitido pela segurança social junto as autos.
É verdade que as testemunhas V… e C…, ex-sócios do recorrente, isso mesmo afirmaram.
Mas, para que determinada relação seja caracterizada como de trabalho subordinado, e é este tipo de trabalho que está em causa, não basta que alguém afirme que uma pessoa foi trabalhador de outrem.
Aliás, essa afirmação mais não passa do que uma conclusão da(s) testemunha(s), de um juízo por ela (s) formulado(s), que tem de estar alicerçado em factos que para lá de alegados têm de resultar provados.
Melhor concretizando, diremos que reportando o recorrente o início da relação laboral a 1995, é aplicável a LCT Cfr., por exemplo, Ac. do STJ de 10/11/2010 (in www.dgsi.pt, proc. 3074/07.0TTLSB.L1.S1), onde se lê “com efeito, estando a qualificação jurídica do contrato dependente da vontade real das partes, aquando da celebração do mesmo, é óbvio que a qualificação não pode deixar de ser considerada como um efeito daquela vontade. E, constituindo esta um facto totalmente passado (…), torna-se evidente (…) que o regime aplicável à qualificação do contrato (…) é o que estava em vigor aquando da celebração do contrato. Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí se tinha existido”, a qual não previa qualquer presunção de laboralidade.
Assim, para que a relação fosse qualificada como de trabalho subordinado, era necessário que tivesse sido alegada e posteriormente provada pelo trabalhador (o ónus da prova é dele) factualidade da qual se pudesse inferir ou concluir pela verificação da denominada subordinação jurídica.
Como se sabe a subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).
Haverá ainda de ponderar sobre vontade das partes que esteve na origem da contratação.
Ora, para além de alguém ter afirmado que o recorrente foi admitido como “trabalhador”, nenhuns outros factos indiciários foram alegados, e obviamente provados, no sentido da existência de uma relação de trabalho subordinado.
Por outro lado, o simples extracto de remunerações do Recorrente emitido pelos serviços da SS, para mais sem que seja indicada a EP que processou essas remunerações, é manifestamente insuficiente para fazer prova de uma relação de trabalho subordinado.
Consequentemente, decide-se manter como não provado ponto 6 da matéria de facto não provada.

Da data de início da vinculação como trabalhador subordinado:
A resposta a esta questão estava dependente da decisão sobre a impugnação da matéria de facto (ponto 6 dos factos não provados).
Como a impugnação não logrou obter êxito, a data de início da relação de trabalho é que foi fixada em 1ª instância.

Da i/licitude do despedimento.
A 1ª instância decidiu que o recorrente não logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento (nºs 4 e 5 do artº 366º do CT) e, por tal integrar uma excepção peremptória, absolveu a empregadora do pedido.
Justificou esta decisão por ter entendido que o recorrente reteve a compensação consigo durante cerca de 17 dias, não demonstrando que a não conseguiu devolver pelas limitações próprias do estado de emergência, inculcando a convicção na recorrida que aquele teria aceite o despedimento.
Dispõem os nºs 4 e 5 do CT que 4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo. 5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último”.
Este último número do citado preceito tem gerado vários problemas na sua aplicação prática, reveladas quer a nível jurisprudencial quer doutrinal.
Desde logo, têm-se colocado questões de constitucionalidade, tal como o ora recorrente a suscita.
Alega este que “a “devolução simultânea” da compensação levanta para o Recorrente problemas de constitucionalidade, nomeadamente por violarem os seus direitos fundamentais à tutela jurisdicional efectiva com previsão no art. 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e à segurança no emprego com arrazoado no art. 53.º também com assento na Constituição da República Portuguesa”.
Esta questão foi já abordada pelos tribunais superiores como é exemplo o Ac. da RP de 19.01.2015, procº 804/13.4TTBRG.P1, relatado pela ora 2ª adjunto (in www.dgsi.pt/jtrp) no qual se lê.: “Conforme o disposto no artigo 53.º da Lei Fundamental “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. Alega o recorrente que a manutenção da sentença recorrida permite que se proceda a um despedimento sem justa causa em clara violação do disposto no citado normativo.
Vejamos:
Já deixámos consignado que o artigo 366.º, n.ºs 4 e 5 do C.T. tem sido alvo de críticas, e até classificada de duvidosa constitucionalidade Cfr. Leal Amado, 2ª obra citada, pág. 390..
No entanto, face ao ficou dito, entendemos que a mesma não consubstancia qualquer despedimento sem justa causa e, consequentemente, não viola o disposto no artigo 53.º da CRP.
Na verdade, pese embora se reconheça que o trabalhador se encontra economicamente dependente do empregador e, assim, numa posição de fragilidade perante um despedimento, já não podemos aceitar que o mesmo seja privado de tutela jurisdicional. O trabalhador que pretende impugnar o despedimento de que foi alvo e, assim, ilidir a presunção de que aceita o mesmo tem de entregar ou por à disposição do empregador aquela compensação que recebeu. Esta opção legislativa pode ser criticável mas não é inconstitucional uma vez que não impede o trabalhador de recorrer ao tribunal nem consubstancia um despedimento sem justa causa.
Como refere Liberal Fernandes Obra citada, págs. 10 e 11. “(…) considerar que a presunção da aceitação do despedimento, consagrada no art. 366.º do CT, tem como efeito a renúncia a direitos fundamentais – designadamente, o direito à segurança no emprego e o direito de acesso à justiça –, é uma conclusão que, no plano constitucional, não se compatibiliza facilmente com o regime dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Ainda que os citados preceitos do CT possam permitir uma leitura conforme à disciplina constitucional, no caso em análise, a regulação do exercício (e os limites) dos referidos direitos encontra-se contemplada nas normas do processo judicial laboral em termos que se nos afiguram discordantes dos termos daquelas disposições, tal como têm sido entendidas”.
No seguimento do decidido no aresto atrás citado, que seguimos, entendemos que a norma em causa não padece do vício da inconstitucionalidade que o recorrente lhe imputa.
Quanto à ilisão da presunção de aceitação do despedimento, entende o recorrente que a logrou ilidir, apesar de só te devolvido a compensação passados 17 dias após ter sido creditada na sua conta bancária.
Argumenta que ao longo de todo o processo sempre teve um comportamento coerente e constante de não aceitação do seu despedimento, recusando-se receber a notificação inicial do despedimento, requerendo a inspecção da ACT, apresentando parecer a manifestar a sua oposição aos fundamentos da extinção do posto de trabalho, devolvendo o dinheiro referente à compensação e impulsionando os presentes autos quando a relação de trabalho ainda se mantinha.
Acrescentou que, assim, o princípio da boa fé, impõe neste caso que, o recorrente atendendo à coerência do seu comportamento de não se conformar com o despedimento e à devolução da compensação no dia 23-04-2020, é suficiente para afastar a presunção de aceitação do despedimento.
No recente acórdão do STJ de 20.09.2020, proçº 10840/19.1T8LSB.L1.S1 Com voto de vencido do Conselheiro Leonas Dantas, no qual se lê que “a leitura que acórdão faz da norma do n.º 5 do artigo 366.º do Código do Trabalho, no seu segmento «em simultâneo», não tem, a meu ver, «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil”. escreveu-se o seguinte: “O sentido e alcance da lei pretendido por alguma doutrina de que a expressão “em simultâneo” se reporta à data em que o trabalhador apresente a impugnação judicial do despedimento, ou à data em que efectue uma declaração de que não aceita o despedimento, não tem o mínimo de correspondência na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso,
No entanto, à expressão utilizada “em simultâneo” que significa “ao mesmo tempo” tem de ser atribuída a maleabilidade necessária para poder abarcar um conjunto de situações que exigem uma apreciação flexível respeitante a eventuais factos que poderão ser alegados para afastar a presunção da aceitação do despedimento.
Para além de outras situações de ordem prática, relacionadas com a operação da devolução do montante da compensação, o trabalhador quando confrontado com a decisão do despedimento poderá sentir necessidade de aconselhamento para poder tomar uma decisão informada no sentido de aceitar ou não o despedimento.
Na verdade, o trabalhador só quando confrontado com a decisão de despedimento comunicada pelo empregador, nos termos do art.º 371.º n.º 3 do CT, é que fica ciente de todos os elementos definitivos que determinaram o seu despedimento, sendo certo que o empregador pode, desde logo, efetuar o pagamento da compensação, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal.
Não fará muito sentido que o trabalhador devolva o montante da compensação antes de estar devidamente habilitado a poder tomar uma decisão informada sobre se aceita ou não o despedimento.
Neste contexto, é de todo pertinente, como já se referiu, atribuir à expressão “em simultâneo”, utilizada no n.º 5 do art.º 366.º do CT , a maleabilidade necessária para contemplar também esta realidade que se prende com um aspecto crucial para o trabalhador que consiste no direito de dispor de algum tempo para se poder aconselhar, com vista a poder tomar a decisão se aceita o montante da compensação e consequentemente o despedimento.
Em abstracto, o lapso de tempo entre a data em que o empregador efectuou o pagamento do montante da compensação e a data em que o trabalhador procedeu à devolução terá de ser sempre apreciado judicialmente no sentido de se determinar se é ou não razoável, tendo em conta todo o contexto dinâmico do caso concreto”.
No caso em análise, é certo que a empregadora sabia que o recorrente não concordava com o seu despedimento por extinção do posto de trabalho; mas também sabia, por ter sido informado, que a empregadora o pretendia despedir e que iria transferir até à data da cessação do contrato (04.05.2020), a quantia relativa à compensação para a conta habitualmente utilizada para processamento da remuneração do recorrente, sendo perfeitamente expectável que essa transferência fosse efectuada a partir de 09.04.2020, data em que terminou o prazo dos cinco dias úteis facultados pela empregadora ao trabalhador para se pronunciar e informar sobre se os montantes indicados se encontravam devidamente computados.
Entre 09.04.2020 e 23.04.2020 decorreram 13 dias, lapso de tempo mais do que suficiente para operar a devolução, agindo o trabalhador de forma diligente.
É certo que a empregadora não informou o trabalhador da data da transferência e bem assim que se desconhece a data em que o ora recorrente teve conhecimento desta transferência, sendo certo que a devolução só podia ser feita após o conhecimento por parte do trabalhador de que a transferência tinha sido efectuada.
Contudo, era ao recorrente que incumbia provar a data em que ocorreu esse conhecimento para se poder aquilatar sobre a razoabilidade do seu comportamento traduzido em só ter devolvido a compensação passados 17 dias contados da data da disponibilização da compensação ou 13 dias contados da data em que terminou o prazo concedido para se pronunciar sobre o montante da compensação.
Assim, o decurso daqueles dias, considerando a exigência da lei no que toca ao momento da devolução, é demasiadamente extenso para que se possa ainda afirmar que a disponibilização da compensação e sua devolução ocorreram ao mesmo tempo, ou seja, simultaneamente.
Acresce, por outro lado, não terem resultado provados os factos alegados pelo trabalhador como justificativos da devolução tardia (decorrentes das limitações próprias do estado de emergência, em vigor na altura).
Pelo que se entende que o recorrente não logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento que, como decidiu a 1ª instância, constitui uma excepção peremptória que leva à absolvição da empregadora do pedido.
Por último, diga-se ainda que considerando a data a partir da qual se deve ter o trabalhador como vinculado por um contrato de trabalho subordinado, se mostra correcto o montante da compensação transferido.
***
IV - Termos em que se decide:
a) Determinar que, em relação ao processo electrónico, não seja tomado em conta o documento junto com as alegações do apelante e em ordenar, no que toca ao processo físico, o seu desentranhamento e entrega ao apelante, indo este condenada nas custas do incidente;
a) Julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da decisão recorrida.
*
Custas a cargo do apelante.
*
(…)
Coimbra, 21 de Maio de 2021
*
(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)