Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/09.0TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO
Data do Acordão: 04/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 286º, 287º CPP
Sumário: O requerimento para abertura de instrução vincula tematicamente o juiz de instrução, delimita o objecto do processo, tendo a lei por excluída uma qualificação jurídica assente numa nova base factual substancialmente distinta da contida no requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. M..., completamente identificada no processo, participou contra incertos, nos termos de fls. 2/5 dos autos.
Recebida a denúncia, procedeu-se a inquérito, findo o qual foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com fundamento na inexistência de «indícios suficientes da prática do crime de falsificação» (cfr. fls. 88/93).

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2. A denunciante, admitida a intervir como assistente, veio requerer a abertura de instrução (cfr. fls. 103/108).

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3. Contudo, o Sr. Juiz afecto à Instrução Criminal no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, rejeitou, por inadmissibilidade legal, o requerimento da assistente, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

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4. Inconformada, a assistente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, que motivou, terminando com as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – A decisão objecto do presente recurso veio pôr termo ao processo ao indeferir o requerimento de abertura da instrução apresentado pela ora Recorrente, com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução;

2.ª – Nada justifica do n.º 3 do artigo 287.º do CPP por não existir qualquer inadmissibilidade legal da instrução;

3.ª – Entende-se que foi violado o disposto no art. 287.º, n.º 3, do CPP, pelo tribunal a quo, sendo certo que a Recorrente deu cabal cumprimento ao disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal;

4.ª – O Tribunal recorrido deveria ter considerado que o requerimento de abertura da instrução apresentado cumpre todos os requisitos formais e substantivos, não enfermando de qualquer irregularidade;

5.ª – Ainda que assim se não entendesse, deveria ter sido ordenado o aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução pela Assistente;

6.ª – Após a efectiva realização das diligências probatórias, estará o Assistente na posse de elementos que lhe possibilitem a realização concreta de uma peça acusatória;

7.ª – Sendo certo, porém, que desde já e na abertura da instrução foram narrados todos os factos que possibilitam a realização de uma eficaz instrução, com vista à submissão da causa a julgamento;

8.ª – Por outro lado, entende-se que a postura do Ministério Público, ao ter arquivado os autos, sem sequer ter levado a cabo mais diligências de prova, nomeadamente a prova pericial à letra e assinatura das testemunhas, e a sua acareação, releva para a verificação da nulidade insanável de falta de promoção do processo penal;

9.ª – Verificando-se, salvo melhor entendimento em contrário, a nulidade prevista no art. 119.º, al. b), do CPP;

10.ª – Ocorrendo, sempre, a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP;

11.ª – Ao não ter realizado essas diligências de prova, nomeadamente a prova pericial pela Polícia Científica para exame da letra e assinaturas apostas no testamento e a acareação das testemunhas, foram preteridos actos legalmente obrigatórios, como seja a constituição e interrogatórios como arguidos das inquiridas testemunhas.

12.ª – Por tal motivo entende-se verificar-se a nulidade processual do inquérito, a qual está tempestivamente invocada, pois foi requerida a fase instrutória e nesse requerimento foi invocada a ausência de realização desses actos processuais pelo M.º P.º.


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5. O Ministério Público concluiu a sua resposta ao recurso nos termos infra transcritos:

1. O despacho de rejeição do requerimento de abertura da instrução não enferma de qualquer irregularidade.

2. Com efeito, no requerimento de abertura da instrução não foram narrados factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, a indicação das disposições legais aplicáveis, mas também, a identificação do arguido.

3. Na verdade, a delimitação do objecto do processo não pode ficar dependente dos actos a realizar pelo Juiz de Instrução, pois a isso se opõe o rigor necessário à delimitação desse objecto, sendo uma concretização das garantias de defesa.

4. A inadmissibilidade legal constitui motivo de rejeição do requerimento de instrução, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

5. Não se verifica a nulidade insanável por falta de promoção do processo prevista no art. 119.º, al. b) e/ou a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso em análise e mantida a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada justiça!


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6. Nesta Relação, de igual modo, em parecer a fls. 172/177, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto manifesta-se no sentido da improcedência do recurso.

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7. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, a assistente não exerceu o seu direito de resposta.

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8. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

As conclusões do recurso da assistente demandam para apreciação as questões que se passam a elencar:

a) Contrariamente ao decidido no despacho recorrido, o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente cumpriu as disposições normativas, conjugadas, dos arts. 287.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, als. b) e c) do CPP?

b) No caso de tais preceitos legais se terem por inobservados, o requerimento de abertura de instrução não deve ser rejeitado sem que previamente seja dada à assistente oportunidade de o aperfeiçoar, devendo ser-lhe dirigido pelo Juiz de Instrução convite para esse efeito?

c) Ocorrem as nulidades (insanáveis) previstas no artigo 119.º, als. b) e d), do CPP?

d) Concomitantemente, verifica-se ainda a nulidade do inquérito, por preterição de actos legalmente obrigatórios?


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2. Elementos relevantes para a decisão:
A) Para além das alusões às diligências de inquérito e à estrutura típica do crime de falsificação de documento, é deste teor o despacho de arquivamento lavrado pelo Magistrado do Ministério Público:
«Cumpre, pois, apreciar a prova recolhida em sede de inquérito e ponderar acerca da verificação dos elementos do tipo legal previsto e punido no referido artigo 256.º do Código Penal.
Com efeito, no caso em apreço e não obstante as testemunhas inquiridas P… e A... terem referido que não foram testemunhas de qualquer testamento lavrado no Cartório Notarial de X..., o notário que elaborou o referido testamento, Dr. J…, referiu que aquelas mesmas testemunhas estiveram presentes no Cartório Notarial de X... e que foram os autores das assinaturas constantes do documento. Uma das testemunhas identificou-a através do seu bilhete de identidade, o A..., e a outra por conhecimento directo, o P….
Ora, da análise e ponderação de todos os elementos probatórios recolhidos nos autos, designadamente do depoimento da testemunha que elaborou o referido documento, não resultam indícios suficientes da prática do crime de falsificação, dado que as assinaturas ali apostas foram elaboradas pelos respectivos autores.
Termos em que determino o arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal».

B) No requerimento de abertura da instrução, para além de citação parcial do despacho de arquivamento, a assistente fez constar:
«3.º - Compulsados os autos, parece-nos que o caso está insuficientemente investigado, não se tendo dado qualquer relevância à circunstância de as duas testemunhas que no testamento outorgaram afirmarem “a pés juntos” que em tal acto não participaram, o que tem necessariamente de ser melhor apurado na senda da justiça.
4.º - O que se pretende apurar é, efectivamente, atenta a contrariedade de depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas – A..., P… e J… – da existência do crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º do CPP. É que,
5.ª – Nem sequer se curou de tentar saber/investigar se as assinaturas que contêm o nome das testemunhas terão sido feitas pelas próprias…se estão conformes com a sua letra e assinatura, sem margem para dúvidas. O que,
6.º - Poderia e deveria ter sido conseguido com a análise à escrita daquelas assinaturas, comparando-as com outras feitas por estas mesmas duas pessoas – A... e P… . Acresce que,
7.º Se poderia/deveria ter procedido, desde logo, a uma acareação entre estas pessoas/testemunhas, o que ora se requer, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do CPP. Senão vejamos:
8.º - A testemunha P…. afirma nunca ter sido testemunha de qualquer testamento no Cartório Notarial de X..., ou em qualquer outro Cartório e que não conhece nem o testador, nem os denunciantes, nem sequer a testemunha A..., e que a assinatura constante do testamento de fls. 8 é igual à sua, mas que não foi o seu autor, só podendo ser uma assinatura falsa. Ora,
9.º - Este relato pode ser precisado cientificamente – se é a sua assinatura efectiva ou se é uma falsificação – tal pode ser investigado, no sentido de vir a ser confirmado ou infirmado, atentos os meios tecnológicos e técnico-científicos actuais. Desde logo,
10.º - Mediante a análise, quer desta, quer da da testemunha Aníbal, cuja versão é igualmente no sentido da falsificação da sua assinatura em tal testamento, no Laboratório de Polícia Científica. É que,
11.º - Também a referida testemunha A... afirma não ter sido testemunha de qualquer testamento lavrado no Cartório Notarial de X..., nem sequer ter conhecido o alegado testador. Por outro lado,
12.º - A testemunha J…, na qualidade de Notário, refere ter elaborado tal documento, não se recordando da situação em concreto, mas afirma, de forma categórica que a testemunha A... foi identificada pelo respectivo bilhete de identidade e a testemunha P... foi identificada por seu conhecimento pessoal, garantindo que ambos estiveram presentes na leitura do documento e que são os mesmos autores das assinaturas constantes do documento.
13.º - Há, pois, que submetê-las à análise comparativa do Laboratório de Polícia Científica, onde hão-de ser usados todos os meios técnicos idóneos disponíveis para o apuramento da verdade dos factos, das suas respectivas autenticidades.
14.º - Tal não foi ainda feito…e deveria tê-lo sido e pode sê-lo ainda nesta sede.
15.º - Perante esta factualidade, discorda-se rotundamente da conclusão apresentada pelo Magistrado do M.º P.º, que, assim, ordena o arquivamento dos autos – há uma certa ligeireza de procedimento, convenhamos, com o devido respeito que é muito.
16.º - Na posse de todos os indícios recolhidos e a recolher, com o apoio das regras da experiência e senso comum – de que o M.º Juiz sempre se serve – patentear-se-á claramente se fora cometido crime de falsificação e quem o cometeu. Na verdade,
17.º - Interessa também apurar quem e que interesses poderão existir em tão estranha situação, quem se quis prejudicar.
18.º - Compete ao Ministério Público colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e realização do Direito, competindo-lhe dirigir o inquérito (art. 53.º do C.P.P.), dispondo o artigo 262.º do mesmo que o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime; descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação; nos termos do artigo 267.º deste mesmo citado diploma, o M.º P.º pratica os actos e assegura os meios de prova necessários às ditas finalidades.
19.º - Também a Ofendida/Assistente pode e deve coadjuvar este no sentido apontado, sendo a instrução formada pelo conjunto de actos que o Juiz entenda ainda levar a cabo na senda da punição dos crimes, mediante este impulso da ora Recorrente, traduzida no direito de a requerer, o que se vem fazer.
20.º - Se vier a ser apurado que as assinaturas apostas no testamento em causa, como testemunhas do seu conteúdo, não são as destas duas pessoas, ao aceitar tais pessoas a testemunhar no testamento sem apurar com segurança as suas respectivas identidades e autenticidade, fora cometido o crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 256.º do Código Penal.
Pelo exposto e com o douto suprimento:
a) Requerer-se a acareação de todas as testemunhas ouvidas (…), atentas as graves e inultrapassáveis contradições entre os depoimentos prestados, inexplicáveis, aliás;
b) Para se apurar cientificamente se as assinaturas apostas no testamento é destas pessoas/testemunhas, ou se são falsificadas, requer-se se proceda a exame da letra e das assinaturas nele feitas, no Laboratório de Polícia Científica de Lisboa (…), ou outro que se tenha por mais indicado, para que, através dos meios técnicos e tecnológicos tidos por mais actualizados e adequados, se apure se aquelas pessoas/testemunhas fizeram aquelas assinaturas (…), utilizando-se, assim, até à exaustão, todos os meios disponíveis para a investigação criminal, fornecendo ao dito Laboratório todos os meios que solicitarem.
Nestes termos e nos melhore de direito, requer-se que seja admitida a instrução, procedendo-se aos actos investigatórios requeridos e outros que o douto entendimento de V. Ex.ª tenha por pertinentes, seguindo-se os demais ulteriores termos processuais até final, com a prolação do despacho de pronúncia».

C) Por sua vez, a decisão recorrida tem, na parte relevante, o seguinte conteúdo:

«(…).
Analisando o requerimento de abertura de instrução, verifica-se, desde logo, que o mesmo não cumpre tais requisitos» [como antes de diz, os referidos pelos artigos 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), ambos do CPP], «designadamente a narração dos factos que integram, eventualmente, os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em causa. Para além disso, não são indicadas as normas legais aplicáveis nem sequer é identificado o arguido.
Tem sido entendimento dos nossos tribunais superiores que «O requerimento do assistente para abertura de instrução que não qualifica juridicamente os factos imputados ao arguido enferma de nulidade de conhecimento oficioso» (BORGES MARTINS, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de 2005, processo 0510971, in www.dgsi.pt). Para fundamentar este entendimento, esclarece o dito acórdão que «(...) a falta de indicação das disposições aplicáveis não pode ser suprida pelo juiz de instrução, por decorrência do princípio do acusatório, como resulta do disposto no art.° 311.°, n.ºs. 2, al. a) e 3, al. c) do CPP, ao preceituar que a acusação deve ser rejeitada por manifestamente infundada se não indicar as disposições legais aplicáveis. Os requisitos do requerimento para abertura de instrução são legalmente indicados por remissão para aqueloutros da acusação pública - art.° 287.º, n.º 2 do CPP. A nulidade que o art.° 283.º, n.º 3 comina para a falta destes requisitos só pode entender-se como sendo de conhecimento oficioso, pois a não indicação de disposições legais é motivo de considerar a acusação manifestamente infundada e devendo ser rejeitada de imediato - art. 311.º, n.º 2. al. a) e n.º 3, al. c), do CPP. Este preceito constitui um caso legal de nulidade insanável, previsto no art. 119.º do CPP – embora a lei expressamente não a designe como tal. Mas o que releva é que o juiz pode conhecer tal omissão independentemente de arguição dos outros sujeitos processuais.
Seria incongruente a lei fulminar como um regime gravoso tal omissão da acusação pública e possibilitar a sua sanação num requerimento que pacificamente se entende equivaler a uma acusação. Por outro lado, a possibilidade dada ao juiz de ultrapassar a omissão e preenchê-la seria completamente ao arrepio e incompreensível ao lado da disciplina muito própria dos arts. 358.º e 359.º do CPP, que estabelecem limites muito estreitos quanto à alteração do objecto do processo fixado pela acusação».
Ora, sem sobra de dúvida, é o que sucede nos presentes autos.
Sucede porém que, nesta situação, a assistente vai mais longe e requer a abertura de instrução sem identificar o arguido, contra incertos portanto.
No que a este particular concerne, dúvidas não restam que «I - Não é possível um requerimento de abertura de instrução contra incertos, assim como não seria possível/admissível, uma acusação contra incertos. II - Se o assistente entendesse que, caso fossem realizadas as diligências que pretendia ver feitas em sede de instrução, poderia identificar os alegados autores do ilícito, restar-lhe-ia, como alternativa ao arquivamento do processo, o requerimento de mais diligências de investigação, dirigido ao superior do magistrado do Ministério Público que proferiu despacho de arquivamento do inquérito ou um requerimento de reabertura deste. III - Não pode o assistente exigir que tais diligências, próprias da fase de inquérito, sejam feitas numa fase já jurisdicional, como é a fase de instrução, a qual terá de ser dirigida contra pessoas certas, e ainda porque nesta fase se mostra já constitucionalmente garantido o princípio do contraditório (art. 32.º, n.ºs 4 e 5, da CRP), o qual não poderá ser cumprido se se desconhecer a identidade do arguido» (MARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Outubro de 2007, processo 4477/2007-3, www.dgsi.pt).
Com efeito e face às disposições legais aplicáveis e já supra referidas, o requerimento de abertura de instrução tem de conter a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, a indicação das disposições legais aplicáveis, mas também, a identificação do arguido.
«Não é possível, pois, um requerimento de abertura de instrução contra incertos, pela mesma razão que não tem sentido, nem é possível, uma acusação contra incertos. No caso do assistente entender que, com os dados que dispõe, não consegue identificar as pessoas que continua a suspeitar serem responsáveis pelo crime, a única alternativa à conformação com o arquivamento do processo é o requerimento de mais diligências de investigação, dirigido ao superior do magistrado do Ministério Público que proferiu despacho de arquivamento do inquérito ou um requerimento de reabertura do inquérito, o que não pode pretender é vir a obter essa identificação na fase da instrução, a qual, terá de ser dirigida contra pessoas certas, por exigência da estrutura acusatória do processo penal e como garantia do contraditório, constitucionalmente imposto em relação à fase da instrução (art. 32, n.ºs 4 e 5, da C. R. P.).
Além da identificação concreta dos agentes que pretendia fossem pronunciados, a assistente omitiu a narração sintética dos factos, exigida pelo alínea b, do art. 283, n.º 3, ex vi art. 287, n.º 2, ambos do CPP, exigência que decorre dos princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória.
Na verdade, como já se referiu, a delimitação do objecto do processo não pode ficar dependente dos actos a realizar pelo juiz de instrução, pois a isso se opõe o rigor necessário à delimitação desse objecto, sendo uma concretização das garantias de defesa» (VIEIRA LAMIM, Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Setembro de 2006, processo 5549/2006-5, www.dgsi.pt).
No caso dos autos a ora assistente limitou-se a comentar o despacho de arquivamento do Ministério Público, requerendo diligências de prova que no seu entender seriam relevantes nos presentes autos. Não fez a assistente qualquer menção a quem terá actuado, como o terá efectuado e/ou em que circunstâncias.
A tudo o exposto acresce o facto de se entender como legalmente inadmissível o convite à assistente para aperfeiçoar o requerimento apresentado, sob pena de violação do princípio do acusatório consagrado no artigo 32.°, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa - neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Fixação de Jurisprudência, n.° 7/05, de 12 de Maio de 2005, publicado no D.R. I.ª Série de 4 de Novembro de 2005, pág. 6340-6346, ao impor que «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art.287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
Deste modo, no caso dos autos nunca poderia existir pronúncia, a final, pelo que, prosseguir com a instrução equivaleria à prática de actos inúteis, os quais são ilícitos no processo (artigo 137.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.° do Código de Processo Penal).
Sendo certo que a inadmissibilidade legal constitui motivo de rejeição do requerimento de instrução, atendendo ao raciocínio supra expendido e normas legais citadas, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, indefere-se o requerimento de instrução de fls. 103-108 dos autos».

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3. Dispõe o artigo 119.º do CPP:

«Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

a) (…);

b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;

c) (…);

d) A falta de inquérito ou de instrução nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;

e) (…);

f) (…)».

A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (cfr. artigo 263.º, n.º 1, do CP), cabendo àquele, conforme preceituado no artigo 267.º do mesmo Código, praticar os actos e assegurar os meios necessários à realização das finalidades referidas no artigo 262.º, n.º 1, ainda do mesmo diploma legal, ou seja, o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

Por seu turno, compete funcionalmente ao JIC praticar, ordenar ou autorizar, os actos referidos nos artigos 268.º e 269.º do CPP, respectivamente, sendo a sua intervenção, nesta fase, circunscrita a actos isolados e específicos; em sede de instrução está-lhe legalmente destinado, inter alia, o conhecimento das nulidades cometidas durante o inquérito.

O estatuto processual do assistente circunscreve-se à colaboração com o Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções decorrentes da lei, avultando a competência para: (i) intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afiguram necessárias; (ii) a dedução de acusação independentemente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação, ainda que aquele a não deduza; (iii) a interposição de recurso das decisões que o afectam, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito (cfr. artigo 69.º do CPP).

Como tem sido posição largamente maioritária da nossa jurisprudência, ancorada na correcta ponderação da estrutura acusatória do processo penal (cfr. artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa), a nulidade plasmada no segmento inicial da al. d) do art. 119.º do CPP só se verifica quando ocorre ausência absoluta e total de inquérito Cfr, v.g., acórdãos do STJ de 17-11-99 (proc. n.º 607/98), publicado no Boletim Interno elaborado pelos Srs. Juízes Assessores; da Relação do Porto de 21-10-99, CJ, tomo IV, pág. 158, e da Relação de Lisboa de 29-03-2007 (proc. n.º 1537/07-9) e 06-11-2007 (proc. n.º 6231/2007-5). Na doutrina, neste sentido, veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, anotação ao artigo 119.º, pág. 310..

Efectivamente, não se pode olvidar o modelo de autonomia que em sede de exercício da acção penal o legislador, no âmbito do actual Código de Processo Penal, desenhou para a actividade do Ministério Público, atribuindo a esta Magistratura competência para dirigir o inquérito e vedando a outras entidades a interferência nas diligências que são entendidas como necessárias à realização das finalidades próprias daquela fase processual.

No caso dos autos, o Ministério Público, na sequência da participação apresentada pela assistente M…, promoveu a acção penal, dirigindo e realizando o inquérito, limitado à produção de prova testemunhal, tendo a final proferido despacho de arquivamento.

É, assim, evidente que não se verificam as nulidades previstas nas alíneas b) e d) do artigo 119.º do CPP.


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No que concerne à arguida nulidade da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º, como expressamente se recolhe do texto da norma, apenas abarca os casos de “insuficiência do inquérito, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios” – como são os previstos, inter alia, nos artigos 58.º, 59.º, 196.º, n.º 1 e 271.º, n.º 1 (tratando-se de vítimas de crimes sexuais) -, onde não se circunscrevem as situações concretizadas pela recorrente.

Em face das omissões individualizadas no recurso, a recorrente teve ao seu alcance as seguintes opções: como participante, perante o arquivamento do inquérito, reclamar para o superior hierárquico do Ministério Público [vide artigo 278.º do CPP]; como assistente, no decurso do inquérito, oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurassem necessárias à investigação do crime de falsificação de documento e à determinação dos seus agentes [cfr. art. 69.º do CPP], ou então, também nessa qualidade de assistente, requerer a instrução, com observância dos pressupostos legais, o que, como veremos já de seguida, não sucedeu.


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4. Como já ficou dito, «o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação».

«A fase do inquérito destina-se precisamente a esclarecer o facto denunciado para delimitar o tema da decisão e, nomeadamente, do objecto do processo nas suas fases jurisdicionais. Com efeito, para assegurar plenamente o contraditório nas fases jurisdicionais do processo, é necessária a prévia definição do seu objecto a fim de que as «partes» tomem quanto a ele posição e em especial o arguido possa defender-se. Esta definição faz-se, em regra, pela acusação que se sustenta nas provas previamente recolhidas no inquérito. A partir da acusação exige-se que o facto que há-de ser objecto do julgamento esteja definido nos seus elementos essenciais.

No inquérito desenvolve-se um conjunto de diligências tendentes a esclarecer o facto e a fazer prova da existência material do crime noticiado e de quem foram os seus agentes, por uma parte, e da culpabilidade dos presumidos delinquentes, por outra. Os resultados do inquérito condicionam todo o desenvolvimento posterior do processo.

Por isso que o inquérito seja por muitos considerado a alma do processo». Cfr., Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, págs. 186-7.

Por sua vez, a instrução, como decorre do art. 286.º CPP, é uma fase eventual ou facultativa do processo preliminar, tem carácter jurisdicional, porque presidida por um juiz (art. 288.º, n.º 1), ocorre a seguir ao inquérito e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

A instrução constitui uma fase judicial formada pelo conjunto de actos que o juiz entenda dever levar a cabo, e obrigatoriamente por um debate instrutório, oral e contraditório (art. 289.º, n.º 1, do CPP).

A instrução pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, conforme a natureza do acto que os afecte e que lhes confira o interesse em fazer comprovar judicialmente o acto de encerramento do inquérito: o arguido pode requerer a instrução no caso de ter sido deduzia acusação, e o assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o M.º P.º não tiver deduzido acusação. Estando em causa crimes particulares, a instrução não pode ter lugar a requerimento do assistente, uma vez que em crimes desta natureza a acusação do M.º P.º, se tiver lugar, segue a do assistente, sendo por esta substancialmente limitada (art. 285.º, n.º 3), podendo, deste modo, o assistente promover sempre o julgamento, formulando a sua acusação, a qual tem inteira autonomia da decisão que o M.º P.º tenha por bem adoptar.

A estrutura acusatória do processo penal exige, porém, que a intervenção do juiz não seja oficiosa e, além disso, que tenha de ser delimitada pelos termos da comprovação que se lhe requer sobre a decisão de acusar ou, se não tiver sido deduzida acusação, sobre a justificação e a justeza da decisão de arquivamento.

Por isso, e não obstante o juiz investigar autonomamente o caso submetido a instrução, tem de ter em conta e actuar dentro dos limites da vinculação factual fixados pelo requerimento de abertura de instrução: “tendo em conta a indicação constante do requerimento de abertura de instrução”, como refere o n.º 4 do artigo 288.º do CPP.

O requerimento de abertura da instrução constitui, pois, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.

No caso de requerimento de instrução do assistente, «o pressuposto da vinculação temática do processo só pode ser constituído pelos termos desse requerimento, que há-de definir as bases de facto e de direito da questão a submeter ao juiz. Na definição do objecto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do juiz há, assim, uma similitude funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para a abertura da instrução no caso de não ter sido deduzida acusação». Ac. do STJ de 24-09-2003, proc. 2299/03, http://www.dgsi,pt/.

Este requerimento deve assumir a estrutura de uma verdadeira acusação (art. 283.º, n.º 3, ex vi do art. 287.º, n.º 2, ambos do CPP), com todas as menções referidas nas alíneas b) e c) do primeiro dos referidos artigos.

Seguindo as palavras do Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, III, pág. 139., formalmente o assistente indica como o M.º P.º deveria ter actuado, ou seja que «não deveria arquivar, mas acusar e em que termos o deveria ter feito», invocando razões daquela dupla vertente, sendo imprescindível que do requerimento de abertura de instrução conste a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes imputados a cada um dos arguidos e das disposições legais.

Assim, o requerimento do assistente, no plano material, consubstancia uma acusação que, nos mesmos termos da acusação formal, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão acusatória.

Embora o requerimento não esteja sujeito a “formalidades especiais” (referência que entendemos dirigida às questões de pura forma, como v. g. o uso de fórmulas rituais ou a dedução dos factos por artigos) - e a própria acusação consinta uma narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena e nomeadamente, se possível, o grau de participação -, deverá, no entanto, cumprir os requisitos de conteúdo expressamente exigidos, pelo art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do CP, à dedução de uma acusação.

A lei processual penal definiu expressamente as exigências de índole material que o requerimento de abertura de instrução terá de cumprir, equiparando-o, neste plano, a uma acusação (art. 287.º, n.º 2, in fine, do CPP), em virtude das finalidades que o mesmo visa assegurar, supra expostas, impondo a lei «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ... incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» (art. 283.º, al. b) do CPP).

Afigura-se-nos que o requerimento de abertura de instrução, mesmo que não seja exemplar, possa ser aceite desde que cumpra a exigência mínima de descrição do substracto factológico essencial à definição do crime imputável ao agente - ainda que se imponha um esforço do juiz dirigido à melhor redacção ou definição de certos aspectos circunstanciais e desde que este aperfeiçoamento não afecte o núcleo fundamental de definição do tipo de ilícito e desde que não se ultrapassem os limites da vinculação temática.

Porém, é todos os títulos inaceitável que o requerimento não contenha a sobredita descrição factual.

Tal como sucede no que respeita à acusação propriamente dita e à sentença, exige a lei que a imputação factual seja feita de forma específica e descriminada, por razões ponderosas directamente conexionadas com a determinação do objecto do processo e com as garantias de defesa do arguido.

Perante a invocação da inconstitucionalidade do art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do CPP, interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas, o Tribunal Constitucional expendeu, a propósito, em caso idêntico ao versado nos presentes autos, as seguintes considerações:

«Com efeito, a exigência de rigor na delimitação do objecto do processo (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.

De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.

(...)

Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos (...) no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito» In Acórdão n.º 358/2004, proferido no processo n.º 358/2004, publicado no DR II série, n.º 150, de 28 de Junho de 2004..

Intimamente conexionados com a função de acusação, em sentido material, que o requerimento de abertura de instrução deve desempenhar e, por consequência, de delimitação do objecto do processo, com a inerente vinculação temática, estão os arts. 303.º e 309.º do CPP.

Em síntese, decorre de todo o exposto que o requerimento para abertura de instrução vincula tematicamente o juiz de instrução, delimita o objecto do processo, tendo a lei por excluída uma qualificação jurídica assente numa nova base factual substancialmente distinta da contida no requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente.


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Seguramente, a recorrente desconsiderou os requisitos que a lei impõe a um requerimento de instrução válido, o qual deve corresponder, como se deixou já vincado, a uma acusação em sentido material, de acordo com a disposição do art. 287.º, n.º 2.

No requerimento que apresentou, a assistente apenas procede a uma análise crítica dos fundamentos que determinaram o arquivamento do inquérito e à indicação das diligências de prova omitidas nessa fase processual, sugerindo a sua realização na fase da instrução. Não contém, porém, a mínima descrição factológica da conduta de um agente concreto, constitutiva de crime de falsificação de documento ou de qualquer outro.

Na realidade, na peça processual em causa não se indicam quaisquer factos consubstanciadores dos elementos constitutivos dos tipos objectivo e subjectivo daquele crime, previstos no artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, traduzido o tipo subjectivo no conhecimento dos elementos objectivos, com a intenção (dolo específico) de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para o agente ou para outra pessoa benefício ilegítimo.

São manifestamente irrelevantes, nesta fase, as objecções contrapostas pelo recorrente à rotulada deficiente base investigatória do inquérito. Concedendo que essa deficiência existe, tinha a participante ao seu dispor, como já ficou dito, mecanismos de intervenção, requerendo, no decurso do inquérito, diligências de prova e, perante o arquivamento do inquérito, as alternativas processuais referidas nos artigos 278.º e 279.º do CPP.

Deste modo, o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente não contém qualquer substrato factual que possa fundamentar a aplicação de uma pena a pessoa determinada, não sendo, por conseguinte, processualmente apto para a finalidade que legalmente lhe é destinado, tudo se passando como se não tivesse havido requerimento, o que determina a impossibilidade de abertura da fase da instrução. Cfr., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 134/135 e Ac. do STJ citado.


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5. Perante tal inaptidão, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 7/2005, de 12-05-2005, Publicado no DR, 1.ª Série-A, de 04-11-2005. fixou jurisprudência neste sentido: «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art. 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
É de seguir, sem qualquer reserva, a jurisprudência fixada sobre a matéria em debate, dando valor acrescido, conforme relatório preambular do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), à «normal autoridade e força persuasiva da decisão do Supremo Tribunal de Justiça».
Até porque não se antevêem (novos) argumentos susceptíveis de fundamentar convincentemente divergências relativas à jurisprudência já fixada.
E como regularmente vem acentuando o STJ, a propósito do texto-norma do artigo 445.º, n.º 3, do CPP, a lei indica com suficiente clareza que os Acórdãos para fixação de jurisprudência, ainda que não sejam obrigatórios para os tribunais judiciais já que o STJ não “faz lei”, têm um peso próprio que lhes é conferido pelo facto de provirem do Pleno das Secções Criminais daquele Tribunal Superior. Daí que haja uma presunção de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existente sobre o assunto.
Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, parece descabido tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostra já ultrapassada Cfr. Ac. do STJ de 05-11-2009, proc. 418/07.8PSBCL-A.S1, publicado em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre muitos, vide Ac. do mesmo Tribunal, de 20-04-05, CJ, tomo II, 181..
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Por todo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, o recurso não pode merecer provimento.

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6. A assistente, por ter decaído no recurso que interpôs, é responsável pelo pagamento de taxa de justiça [art. 515.º, n.º 1, al. b) do CPP].

De acordo com a previsão do art. 87.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça a fixar varia entre ½ UC e 15 UC.

Tendo em conta a relativa simplicidade das questões objecto do recurso, temos como adequada a taxa de justiça de 3 UC.


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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Taxa de justiça pela assistente, cujo quantitativo se fixa em 3 UC.

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(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

Coimbra, 14 de Abril de 2010
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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)