Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1071/08.7TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
PRESUNÇÃO
RESOLUÇÃO
TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
ENTIDADE PATRONAL
Data do Acordão: 03/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2ª JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 441º, NºS 1 E 2, ALS. B) E F), 442º, 443º E 445º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003; 12º DO CÓDIGO DO TRABALHO NA VERSÃO DA LEI Nº 9/2006, DE 20/03; 1154º DO C. CIV..
Sumário: I – É qualificável como juslaboral a relação jurídica em que a actividade contratada sempre (durante mais de 14 anos) teve como local de trabalho a sede da Ré; o Autor recebia orientações e incumbências dos gerentes desta; desenvolvia a sua actividade de 2ª a 6ª feira, durante 28 a 43 horas por semana; a R. pagava ao A. montantes diversos relacionados com as horas de trabalho, de forma periódica e regular; o A. realizava períodos de férias durante algumas semanas por ano.

II – A presunção de laboralidade a que alude o artº 12º do Código do Trabalho (versão da Lei nº 9/2006, de 20/03) não é aplicável às relações jurídicas estabelecidas antes da entrada em vigor desse Código do Trabalho.

III – Tendo o trabalhador resolvido o contrato de trabalho com invocação de justa causa, o(s) vício (s) que pode corrigir, no caso de impugnação da resolução do contrato com base em ilicitude do procedimento previsto no nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho de 2003 só pode(m) sê-lo na acção intentada pelo empregador e até ao termo do prazo que o trabalhador tenha para contestar.

IV – Nos vícios eventualmente sanáveis não cabe a inobservância do prazo de caducidade de 30 dias a que alude o artº 442º, nº 1, do C. do Trabalho.

V – Em caso de resolução ilícita do contrato de trabalho por parte do trabalhador, o empregador tem direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, nunca inferior ao valor correspondente à denúncia do contrato com falta de cumprimento do prazo de aviso prévio.

Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                  I –

1.

A...., ...., residente na ...., propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum laboral, contra «B....», com sede na ...., alegando, em síntese, que:

- A ré contratou verbalmente o autor para trabalhar sob as suas ordens, orientações e direcção, como desenhador, medidor e orçamentista da construção civil, exercendo essas funções na sede da empregadora;

- No entanto, a ré remunerava o autor deficitariamente, isto é, pagava-lhe uma remuneração mensal de cerca de 900,00 €, onze meses por ano, a que acrescia um montante de 675,00 €, respeitante a 3 semanas de férias;

- Além disso, a ré nunca fez descontos para a Segurança Social nem pagou ao autor os legais subsídios de férias e de Natal;

- Finalmente, porque, desde 2006, um dos gerentes da ré lhe vinha infligindo reiterados actos de intimidação e humilhações despropositados, desestabilizando emocional e psicologicamente o autor, este rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, em 9/11/2007;

- Ficou a ré a dever ao autor a remuneração de 6 dias úteis referentes ao mês da cessação (249,12 €) e os proporcionais das férias de 2007 (825,00 €), além da indemnização pela cessação, no montante de 12.500,00 €.

Rematou o autor o seu articulado inicial, pedindo a condenação da ré a reconhecer a cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, com justa causa, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº2 e do nº 1 do artigo 441º do Código do Trabalho; a pagar ao autor a quantia de 12.500,00 euros, a título de indemnização pela justa causa no despedimento, nos termos do artigo 443º do Código do Trabalho; a pagar ao autor a quantia de 1.074,12 euros, a título de retribuições legais devidas; a pagar ao autor juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, das remunerações legais em dívida, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria nº 251/03, de 8/4.

2.

Não tendo sido obtida conciliação na audiência de partes, veio a ré contestar e reconvir, alegando, em resumo, que o autor nunca foi empregado da ré, antes realizou trabalhos da sua especialidade para esta, como profissional independente, sendo pago como tal pelas tarefas que realizava, mediante a contabilização feita através de um mapa do qual constavam as horas efectivamente despendidas e de acordo com um valor/hora previamente estabelecido.

Tal é, aliás, claramente revelado pela irregularidade das datas das cópias dos cheques e dos recibos verdes juntos pelo próprio autor, bem como pela diversidade dos montantes que titularam.

O uso das instalações da sede da ré para a realização dos serviços em causa deveu-se às maiores facilidades logísticas encontradas pelo autor relativamente a realizálos em sua própria casa.

Mas ainda que existisse uma relação laboral entre autor e ré, a alegada resolução de tal contrato nunca foi comunicada por escrito, nem o pode já ser, atendendo ao prazo de caducidade previsto no artigo 442º do Código do Trabalho de 2003, pelo que sempre a invocação de justa causa teria que ser julgada insubsistente e ilícita.

 Daí que, à cautela e em reconvenção, a contestante peticione uma indemnização de, pelo menos, 1.800,00 €, sem prejuízo de outros danos se virem a apurar, nos termos dos artigos 446º e 448º do Código do Trabalho.

Finalizou a ré a sua contestação/reconvenção, requerendo a procedência das excepções invocadas ou, caso assim se não entenda, a improcedência da acção, por não provada, com as legais consequências; a procedência do pedido reconvencional e, em consequência, a condenação do autor a indemnizar a ré pelos danos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, ou, caso se entenda haver uma relação laboral, a condenação do autor a pagar à ré uma quantia de 1.800,00 euros, acrescida da indemnização que se vier a liquidar em sede de execução se sentença, pela rescisão sem o devido pré-aviso.

3.

 O autor não só respondeu às excepções e reconvenção deduzidas pela ré, como alegou ter, entretanto, corrigido os vícios apontados à declaração de resolução, invocando a faculdade prevista no artigo 445º do Código do Trabalho, como ainda requereu a ampliação do pedido para um montante global de 36.744,47 € (adicionando-lhe um montante de 23.170,35 € respeitante aos direitos a subsídios de férias e de Natal, que nunca lhe foram pagos).

Terminou este seu articulado requerendo que sejam julgadas improcedentes, por não provadas, as excepções invocadas na contestação da ré; seja julgado completamente improcedente o pedido reconvencional, por não provado; seja o requerimento de ampliação do pedido deferido, por ser válida e possível tal ampliação, nos termos do artigo 273º, nº2, do Código de Processo Civil, sendo o pedido inicial ampliado nos termos em que se requer.

4.

Foi decidido admitir a requerida ampliação do pedido – fls. 112.

A reconvenção deduzida pela ré foi considerada processualmente admissível.

No despacho saneador, foi relegado para final o conhecimento das excepções peremptórias invocadas, porque dependentes da decisão da questão primordial, consistente em saber se existiu ou não entre as partes um contrato de trabalho ou antes um mero contrato de prestação de serviços, “stricto sensu”.

5.

Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção e a reconvenção totalmente improcedentes, com absolvição da R. e do A., respectivamente.

6.

Mas o A., irresignado, veio apelar.

Alegando, concluiu assim:

[…………………………….]

Pede finalmente que o recurso seja julgado procedente nos termos explanados.

7.

Contra-alegou a recorrida.

[……………………………]

Subidos os Autos a esta Instância e recebido o recurso, colheram-se os vistos legais devidos, com o Exm.º P.G.A. a emitir seu douto Parecer no sentido da existência de um contrato de trabalho subordinado, resolvido todavia pelo trabalhador/A. sem justa causa, entendimento a que o recorrente ainda respondeu.

Cumpre decidir.

                                         ___

                                         II –

                          FUNDAMENTAÇÃO  

A – DOS FACTOS.

Vem seleccionada a seguinte factualidade:

[……………………………………………….]

B – O DIREITO

Na pressuposta existência, entre ambos, de um vínculo juslaboral, o A. demandou a R. pedindo a sua condenação a reconhecer que a cessação do contrato, por iniciativa do primeiro, foi com justa causa, nos termos dos invocados arts. 441.º, n.º1 e n.º2, alíneas b) e f), e 443.º, do Código do Trabalho, com o consequente pagamento das importâncias discriminadas, a título de indemnização, retribuições devidas e juros de mora, vencidos e vincendos.

Mais adiante requereu nos Autos a ampliação do pedido relativamente às retribuições legais que alegou serem-lhe devidas, conforme fls. 93v.º-95, valor que acertou em € 24.244,47.

 Essa pretensão, como já se disse, foi deferida.

Na sentença ora ‘sub judicio’ concluiu-se, no essencial, pela indemonstração da pretextada existência de um contrato de trabalho e, por via disso, entendeu-se prejudicada a resolução de todas as demais questões cujo conhecimento …só faria realmente sentido se se considerasse existir um contrato de trabalho entre as partes.

As razões do inconformismo do apelante, sintetizadas no acervo conclusivo a que nos reportamos – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – propõem-nos as questões seguintes, que passamos a dilucidar e resolver.

- A qualificação jurídica do vínculo outorgado entre as partes.

Antes de prosseguir, importa deixar uma breve nota.

Contrariamente ao percepcionado pela recorrida, (…que se refere a uma putativa impugnação da decisão da matéria de facto, por banda do apelante), não vemos que tal decisão venha, de qualquer modo, posta em causa…e, menos, em sentido próprio.

A alusão feita, na motivação, aos depoimentos das testemunhas (v.g. items 25 a 29), tem apenas o propósito crítico de, por reporte aos excertos invocados pelo Exm.º Julgador e constantes da fundamentação da respectiva decisão, sublinhar que, contra o decidido, deles resultam claros indícios da existência de subordinação jurídica e, por conseguinte, da existência de um contrato de trabalho.

Isso é expressamente assumido na parte final do item 28) das alegações, onde o recorrente, a fechar a referência aos identificados depoimentos, (…e referindo-se concretamente ao que foi dito pela testemunha C....), consignou que…no que se denota que, contrariamente à regra dos vínculos efémeros que a R. teve com alguns colaboradores com profissões e funções muito distintas das do A., este mantinha com a R. um vínculo laboral consolidado e duradouro, que apenas terminou porque a R. tornou insuportável para o A. a manutenção da relação laboral.

…E resulta reforçado nos pontos 31 a 35 da mesma peça, onde, na sequência da apreciação crítica da valoração feita à prova produzida, se faz um apelo à consideração dos excertos relevados como suporte da convicção que conduziu à decisão da matéria de facto.

A pretensa impugnação é, pois, questão que não integra o ‘thema decidendum’, como aliás resulta evidente da síntese conclusiva elaborada pelo impetrante, no remate das suas alegações.

Isto posto:

A questão primordial é, sim, a da qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, que dilucidaremos de seguida, cingindo-nos para isso ao quadro de facto que vem estabelecido e que, como tal, se tem por fixado.

Partindo da presunção e ‘índices de laboralidade’ previstos no art. 12.º do Código do Trabalho (na versão conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março), a decisão em crise acaba por admitir que, se tal normativo fosse aplicável ao caso, apenas se verificaria a característica prevista na sua alínea a), …o que levaria ao não funcionamento da presunção.

Assim, não funcionando a mesma, teria o A. de provar factos com suficiência bastante que permitissem a subsunção à noção legal de contrato de trabalho.

Como não provou…

Com o devido respeito, não ratificamos tal juízo e conclusão.

Vamos sucintamente dizer porquê.

A relação contratual em causa iniciou-se, como vem factualizado, em 1993.

Os serviços contratados pela R. ao A. foram-no na sua qualidade de desenhador, medidor e orçamentista da construção civil.

O contrato foi celebrado verbalmente, tendo o A. ficado condicionado ao chamado regime de ‘recibos verdes’, como se de um profissional liberal se tratasse, relacionamento profissional que perdurou até Novembro de 2007 – pontos 1 a 3 do alinhamento de facto.

Partindo deste básico enunciado de facto, vejamos então.

O contrato de trabalho (na noção constante do art. 1.º da LCT, literalmente coincidente com o teor da previsão do art. 1152.º do C.C., direito aqui aplicável ‘ex vi’ do art. 8.º/1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, cujos contornos se mostram suficientemente delineados na decisão revidenda, a que nos reportamos), é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

É antigo e recorrente o embaraço quando, como no caso, os contornos deste tipo contratual se aproximam realmente, …ou se tentam subtilmente confundir… com os do muito próximo contrato de prestação de serviço.

Nas (frequentes) situações de dificuldade prática de identificação e diferenciação entre os dois institutos, (…apesar da clara diversidade do seu escopo: neste o que se contrata é um certo resultado do trabalho, 'ut' art. 1154.º do C.C., enquanto no primeiro o que propriamente se contrata é a disponibilidade do exercício da actividade), há que buscar o ‘quid’ diferenciador: sem entrar em grandes considerações de cariz dogmático, o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho da figura próxima do contrato de prestação de serviço, é, consabidamente, mais do que a subordinação económica, a subordinação jurídica, (ora chamada de ‘heterodeterminação’), consubstanciada no poder do empregador de conformar o trabalho, de dar ordens, instruções e orientações, (…real, efectiva ou potencialmente), de forma mais ou menos directa, considerada a maior ou menor tecnicidade/autonomia técnica e/ou científica da actividade, na possibilidade de determinação dos vários momentos da prestação, dos mais complexos até à simples indicação do local e momento da sua realização.

Importa relembrar, por outro lado, que, se não é de todo irrelevante o ‘nomen juris’ que, à partida, as partes possam ter dado ao contrato sujeito, a verdade é que nunca será tal eventual circunstância que, sem mais, determina a sua qualificação e a disciplina legal correspondente.

Estas breves notas de enquadramento constituem o reflexo do entendimento doutrinal e jurisprudencial mais qualificado e geralmente seguido.

(Cfr., v.g., entre tantos outros e mais recentes, o Ac. do S.T.J. de 16.5.2000, in BMJ 497/251).

Assim:

O A. tinha como local do exercício da sua actividade a sede da R.

Recebia desta orientações e incumbências, maxime através dos seus gerentes.

Desenvolvia a sua actividade de desenhador/medidor/orçamentista de 2.ª a 6.ª-feira, durante 28 a 43 horas por semana.

O A. realizava períodos de férias, durante algumas semanas por ano.

Sendo embora escassa, a factualidade retida aponta, em nosso juízo, no sentido de uma clara aproximação do vínculo estabelecido entre as partes à típica relação juslaboral.

Com efeito, a relação contratual, que perdurou por cerca de 14 anos, pressupunha a prestação da actividade qualificada do A., no âmbito do desenho, medição e elaboração de orçamentos relacionados com a construção civil, actividade essa desenvolvida na sede da R., sob orientações e incumbências dos gerentes desta.

O A. trabalhava na sede da R., de 2.ª a 6.ª feira, cumprindo tendencialmente um horário de trabalho, embora mais ou menos flexível, mas sempre com uma carga horária mínima.

Era pago periódica e regularmente, se bem por valores e em datas do mês nem sempre coincidentes, numa insuspeitada (…) situação de dependência económica relativamente à R., não se tendo demonstrado que exercesse outra qualquer actividade remunerada para além da desenvolvida.

(Face ao montante pedido em reconvenção pela R., a título de incumprimento do pré-aviso, embora reportando-se ao valor da remuneração mensal alegado pelo A., não repugna aceitar como retribuição média mensal a adiantada de € 900…).

A R. concedia-lhe (‘o A. realizava’…) períodos de férias, (…alegadamente remuneradas), durante algumas semanas por ano.

Ora, todos estes items são incompatíveis com a relação civil contratual a que alude o art. 1154.º do C.C., a da prestação de um certo resultado do trabalho, de que são exemplos típicos o mandato, o depósito e a empreitada.

Valorando, por isso, diferentemente, a matéria de facto que nos é presente, somos a concluir, nos sobreditos termos, que o vínculo contratual estabelecido entre as partes corresponde à tipificada relação jurídica de trabalho, reclamada pelo A.

Aqui chegados, importa enfrentar as questões cujo conhecimento se considerou prejudicado pela solução que se elegeu.

- Da eficácia da invocada resolução com justa causa.

Não obstante não se ter tomado posição sobre a temática em epígrafe, ainda assim adiantou-se na decisão em crise que …nunca poderia dar-se como eficaz a alegada resolução com justa causa pelas duas básicas razões processuais indicadas pela Ré: nunca foi comunicada, por escrito, até à propositura da acção tal resolução, nem o poderia já ser, atendendo ao prazo de caducidade previsto no art. 442.º do Código do Trabalho de 2003.

O exercício da faculdade prevista no art. 445.º já após o termo do prazo da contestação nunca poderia ter qualquer efeito útil, desde logo pela sua manifesta extemporaneidade intra-processual, decorrente do disposto neste mesmo artigo, mas também porque é duvidoso que possa ser suprida a inobservância de um prazo que implica caducidade do exercício de um direito.

 

O recorrente, assume que tal direito foi exercido apenas verbalmente, (sublinhado agora), no prazo previsto no art. 442.º do C.T./2003, existindo por isso inobservância da forma escrita.

Esse vício, em seu entendimento, poderia ser sanado por aplicação da norma vertida no art. 445.º da mesmo Código, em cujos termos ‘no caso de ter sido impugnada a resolução do contrato com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º1 do art. 442.º, o trabalhador pode corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez’.

Não tem razão, com o devido respeito.

É acertado o sentido para que apontavam as considerações expendidas a propósito na decisão aprecianda.

Na verdade, o teor do art. 445.º (do Código do Trabalho/2003) não pode, por um lado, ser dissociado da previsão constante do art. 444.º, ou seja, a possibilidade de correcção/sanação do vício (já veremos qual…) tem como limite o termo do prazo para contestar…

mas para o A. contestar, no pressuposto de se tratar da acção proposta pelo empregador, nos termos do n.º1 do art. 444.º!

É disso que se trata…

E não, como foi praticado e se pretexta, o termo do prazo para o R. empregador contestar, como no caso, a acção intentada pelo trabalhador.

(Foi aí, neste contexto, que a R. suscitou/excepcionou a questão da inobservância da comunicação, por forma escrita, e do desrespeito do prazo de trinta dias subsequente ao conhecimento dos factos que fundamentam a resolução do contrato, prazo que se invocou, e bem, ser de caducidade…e que começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido – arts. 298.º/2 e 329.º do C.C.).

Assim sendo, como cremos firmemente que é, apenas no cenário previsto (o de a acção ser intentada pelo empregador, visando a declaração da ilicitude da resolução do contrato), é que o trabalhador poderia corrigir o vício até ao termo do seu prazo para contestar

Mas qual vício?

tínhamos alcançado a resposta quando vimos a reflexão lavrada, no ponto IV. da anotação ao art. 445.º do Código do Trabalho/2003, por Joana Vasconcelos (in Código do Trabalho Anotado, 5.ª Edição, 2007, Pedro Romano Martinez & Outros, pg. 770).

Como aí bem se percepcionou, a possibilidade da (mal exercitada, no caso) sanação, consentida pela falada previsão normativa, só se verificará no caso de (o trabalhador) se ver confrontado com a reacção do empregador que venha impugnar a resolução efectuada com base na preterição de algum dos requisitos previstos no n.º1 do art. 442.º – correcção a que pode proceder no prazo para apresentar a sua contestação.  

Todavia, a solução pressupõe que se trate de um vício sanável, como o seria – admite-se, com alguma reserva – a não redução a escrito da comunicação (…) ou a insuficiência/deficiência de indicação dos factos que estruturam a justa causa invocada…

…mas já não a inobservância do prazo de caducidade previsto na Lei, cujo decurso é incontornável, 'ut' citado art. 329.º e art. 331.º/1, ambos do C.C.

A relação, ora reconhecidamente juslaboral, terminou em Novembro de 2007, quando o A. deixou de comparecer para trabalhar na sede da R.

posteriormente a 18 de Fevereiro de 2008 é que o A. procedeu ao envio de diversas cartas à R., na tentativa de fazer valer uma pretensão indemnizatória e o pagamento de alegados direitos decorrentes de um aí invocado contrato de trabalho – items 12 e 13 do alinhamento dos factos provados.

Mesmo que fosse reconhecida a esta circunstância a função da comunicação a que alude o n.º 1 do falado art. 442.º, há muito tinha transcorrido já o prazo de caducidade nele referido, procedendo necessariamente a excepção oportunamente deduzida.

Ainda que assim não fosse – como cremos seguramente que é – sempre nos confrontaríamos com a duvidosa relevância ou idoneidade bastante dos fundamentos invocados como constitutivos da justa causa de resolução.

- Dos créditos retributivos do A.

O A., no pressuposto de que a sua remuneração mensal média era de (…aproximadamente) € 900x11 meses, pediu, na P.I., a condenação da R. no pagamento da quantia de € 1.074,12, relativa às retribuições devidas que discriminou – cfr. pontos  8.º a 11.º e 17.º do petitório.

Depois, no articulado eventual da resposta às excepções e reconvenção deduzidas na contestação, requereu a ampliação do pedido, pela forma discriminada no item 26, que passou, na parte relativa aos seus direitos indisponíveis, isto é, às retribuições legais que lhe são devidas, (sic), daquele valor inicial para o montante de €24.244,47.

A R., reagindo à requerida ampliação, veio alegar, concretamente no ponto 2./fls. 106-A, que…’No que tange à ampliação do pedido, desde já se impugnam expressamente os factos constantes dos arts. 24.º a 29.º do requerimento, por não corresponderem à verdade, já que, tal como resulta expressamente da contestação (e que se torna aqui desnecessário repetir), o A. foi contratado em regime de prestação de serviços e não no regime de contrato de trabalho individual, pelo que não tem qualquer direito às quantias peticionadas’.

A requerida ampliação do pedido foi admitida nestes termos (fls. 112):

‘Veio o A. pedir a ampliação do pedido inicial…alegando que se trata de um desenvolvimento de um dos pedidos primitivos.

A R. não contestou a admissibilidade da ampliação, apenas impugnando a factualidade que a suporta.

Assim, considerando o disposto nos arts. 272.º e 273.º do C.P.C., decido admitir a requerida ampliação’.

Aqui chegados, importa ponderar e tentar ultrapassar a dificuldade operatória relativa à liquidação do pedido em epígrafe, dificuldade que decorre patentemente da escassez do quadro de facto.

Ainda assim – e visando ser pragmático, sem contudo negligenciar os princípios técnicos basilares – podemos convir, com segurança bastante, que o A. alegou ser-lhe devida a remuneração média mensal de cerca de € 900,00, (x 11 meses), valor de que se serviu como base de cálculo das prestações que reivindica.

A R. não impugnou propriamente tal valor, usando-o mesmo como medida do seu pedido reconvencional, a que já aludiremos – cfr. pontos 7 a 11 da P.I., 57 da contestação, 25.º e 26.º do requerimento de ampliação do pedido e resposta oferecida, a fls. 106-A, em que a razão por que se ´repudiam’ os factos correspondentes acaba por se resumir à contraposição da tese propugnada pela R., nos termos da qual …’o A. foi contratado em regime de prestação de serviços e não no regime do contrato individual de trabalho, pelo que não tem qualquer direito às quantias peticionadas’.

É lícito concluir-se, pois, que, para a R., os montantes reclamados só não são/seriam devidos porque a relação jurídica em causa não corresponde/ria a um contrato de trabalho…

Correspondendo, todavia, como se decide, a uma relação juslaboral, aqueles reclamados valores, enquanto relativos aos identificados direitos, têm-se como não impugnados/’admitidos’.

Sendo fora de dúvida que o direito a férias e subsídios de férias e de Natal integram contrapartida retributiva do trabalhador, que não lhe foi paga, confere-se ao A. o crédito reclamado a tal título, a que se deduzirá o valor de € 1.800,00 relativo ao pedido reconvencional formulado pela R., respeitante à falta de aviso prévio, nos termos previstos, como pretextado, no art. 446.º/448.º do Código do Trabalho.

- Do pedido reconvencional deduzido pela R.

A R. deduziu reconvenção contra o A. com base em danos/prejuízo que o abandono e falta de conclusão de alguns projectos por banda do reconvindo lhe teriam provocado, danos que, porque ainda incertos, pretenderia liquidar em execução de sentença.

Não provou a sua existência, e/ou a sua imputação à actuação causal do A., por qualquer modo, sendo que apenas a falta de elementos para fixar o seu objecto e quantidade justificaria a condenação diferida para posterior liquidação.

Apenas poderá, por isso, subsistir o pedido que formula subsidiariamente para a hipótese de se configurar a relação como um contrato de trabalho com resolução/’denúncia’ sem justa causa.

Procede, pois, nos sobreditos termos, esta sua pretensão.

Tudo tratado, vamos terminar.

                                         ___

Sumariando (n.º7 do art. 713.º do C.P.C.):

- É qualificável como juslaboral  a relação jurídica em que a actividade contratada sempre teve como local de trabalho a sede da R.; o autor recebia orientações e  incumbências dos gerentes desta; desenvolvia a sua actividade de 2.ª a 6.ª feira, durante 28 a 43 horas por semana; a R. pagava ao autor montantes diversos relacionados com as horas de trabalho; o autor realizava períodos de férias durante algumas semanas por ano.

- A presunção de laboralidade a que alude o art. 12.º do Código do Trabalho não é aplicável às relações jurídicas estabelecidas antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.

- Tendo o trabalhador resolvido o contrato com invocação de justa causa, o/s vício/s que pode corrigir, no caso de impugnação da resolução do contrato com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º1 do art. 442.º do Código do Trabalho de 2003, só pode/m sê-lo na acção intentada pelo empregador e até ao termo do prazo que o trabalhador tenha para contestar.

- Nos vícios eventualmente sanáveis não cabe a inobservância do prazo de caducidade de 30 dias a que alude o art. 442.º/1 do Código do Trabalho.

- Em caso de resolução ilícita, o empregador tem direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, nunca inferior ao valor correspondente à denúncia do contrato com falta de cumprimento do prazo de aviso prévio.

                                         ___

                                         III –

                                DECISÃO

Em conformidade com o exposto, delibera-se:

1 - Conceder parcial provimento à Apelação e, revogando a sentença, condena-se a R., na sequência da qualificação do vínculo jurídico em causa como sendo um típico contrato de trabalho, no pagamento ao A. da quantia de € 24.244,47;

2 – Julgar procedente o pedido reconvencional, condenando o A., em consequência, no pagamento à R. da reclamada importância de € 1.800,00, pelo que,

3 - Operada a compensação, vai a R. condenada a pagar ao A. o montante final de € 22.444,47, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo embolso.

Custas nas duas Instâncias, em função do decaimento.