Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9792/15.1T8CBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
ENCERRAMENTO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17-G , 40, 42 CIRE
Sumário: 1. No caso de o juiz não homologar o plano de recuperação aprovado no âmbito do PER, deve o processo seguir, com as devidas adaptações, a tramitação igual à prevista para um PER em que não se obteve acordo (prevista no art. 17-Gº, nºs 2 a 4, do CIRE.

2. Assim, caso o devedor esteja em situação de insolvência, deverá o PER ser encerrado, o que acarretará a insolvência do devedor, a ser declarada pelo juiz, depois de emissão de parecer e requerimento pelo administrador judicial provisório.

3. Na fase prévia à emissão do parecer do administrador judicial provisório, em que se procede à audição dos credores, é irrelevante que a maioria qualificada dos credores que votaram favoravelmente o plano de recuperação se pronuncie pela não insolvência, não sendo essa pronúncia vinculativa para tal administrador nem para o tribunal, pois o que importa nesta fase é que o mesmo administrador e o tribunal concluam pela situação de insolvência de tal devedor.

4. Declarada a insolvência, o devedor pode opor-se à mesma, para salvaguarda do princípio do contraditório, por meio de embargos ou de recurso.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. P (…), solteiro, residente em Coimbra, intentou processo especial de revitalização, tendente à sua recuperação económica.

Alegou, no essencial, que devido à actividade empresarial que desenvolvia assumiu pessoalmente diversos créditos bem como garantias pessoais, obrigações que tem presentemente dificuldade em cumprir pontualmente, desaguando numa situação de pré-insolvência por falta de liquidez real para cumprir as suas prestações atempadamente. Considerando que a reestruturação do seu passivo permitiria ultrapassar as dificuldades económicas que atravessa, requereu a aprovação de plano de revitalização.

Nomeado administrador judicial, e decorrido o prazo de negociações, foi lograda a aprovação de plano especial de revitalização que, contudo, não foi homologado.

O administrador judicial provisório emitiu parecer no sentido de estar o devedor em situação de insolvência e requereu, consequentemente, a respectiva declaração de insolvência, nos termos do art. 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

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Foi, depois, proferido despacho que declarou a insolvência de P (…).

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2. Pedro Mateus interpôs recurso, tendo concluído como segue:

1. O presente recurso vem interposto da sentença que, erradamente, decretou a insolvência do devedor, decretada na sequência da não homologação de um plano de recuperação aprovado pela esmagadora maioria dos credores no Processo Especial de Revitalização que correu termos sob nº 3644/14.2T8CBR.

2. Desde a entrada da lei 16/2012, de 20 de Abril, que o CIRE está apostado na recuperação do devedor e só subsidiariamente na liquidação do seu património e não, como refere a sentença em crise, no contrário.

3. Tal alteração legislativa veio impor uma gradação quanto às formas de alguém se tornar insolvente: ou por via da apresentação a um plano especial de revitalização sem que tenha havido aprovação por parte dos credores, ou por via da própria apresentação do devedor à insolvência, ou a requerimento de um credor.

4. A presente sentença não decorre de nenhuma das situações acima mencionadas, porquanto o plano de recuperação apresentado, pese embora não ter sido homologado foi largamente aprovado pelos credores.

5. Nos casos de aprovação do plano, mas que não venha a ser homologado, existe um vazio legal, mas pelo qual não é de se aplicar o artigo 17º-G, nº4 do CIRE (imposto pela própria epígrafe da norma), devendo-se, em alternativa, proceder ao encerramento do processo especial de revitalização e à extinção de todos os seus efeitos.

6. De outro modo, o parecer emitido pelo Sr. AJP quanto à situação de insolvência do devedor (no presente caso inadmissível) redundará, quando muito, na vontade da maioria dos credores que votaram favoravelmente o plano.

7. Pese embora tal facto, o dito parecer a) não foi fundamentado b) foi contraditório ao ponto de ser inepto, c) contém factos falsos e d) é manifestamente conclusivo, o que viciou a decisão ora recorrida.

8. Nomeadamente, ao contrário do aí alegado, a maioria dos credores (pelo menos um dos credores, com 58% dos votos) pronunciou-se pela situação de não insolvência do devedor e não pela situação de insolvência.

9. Além do mais, ainda que por via de um lapso, houve pelo menos um credor (a sociedade “(…)” com 25,81% de votos emitidos), que não foi notificado para se pronunciar sobre a situação de insolvência do devedor, o que determinaria seguramente outro parecer e bem assim impunha outra decisão que não a ora recorrida.

10. Competia ao Mmo Juiz essa fiscalização da actividade do administrador judicial provisório, fazendo-se munir dos elementos necessários à boa decisão da causa, o que não fez.

11. A tramitação processual e interpretação imposta pelo Mmo Juiz ao pedir tal parecer, desaguou numa ilógica sentença de insolvência, erradamente autuada como apresentação à insolvência, sem que o devedor se tenha apresentado, sem que tenha sido dada oportunidade de se opor após uma regular citação, e bem assim sem que lhe tenha sido processualmente tempestivo um requerimento para a exoneração do passivo restante.

12. Num caso de não-homologação de um plano aprovado por larga maioria dos credores, como é o caso, a interpretação do Mmo Juiz a quo é de tal forma redundante que se repetirão, desta feita numa assembleia de credores, a votação e termos em que decorreu o PER.

13. Por outro lado, a sentença não deu como provados outros tantos elementos constantes do requerimento inicial do devedor no PER (nomeadamente os artigos 10, 11º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º e 32º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47 e 48º) e do resultado da votação no sentido da sua revitalização, o que implicaria decisão diversa.

14. A decisão recorrida violou assim, designadamente, e de uma assentada, os artigos 1º, 17º-G, 18º a 20º, 25º, 29º, 30º, 58º, 73º e 236º do CIRE, bem como os artigos 3º, 152º, 154º, nº1 e 2 186º e 411º do CPC e 20º da CRP.

Termos em que, deve o presente recurso ser aceite, e por via do mesmo, ser a decisão da 1ª instância revogada e substituída por outra que (na ausência de decisão de homologação do plano, ora em recurso) determine o encerramento do processo de recuperação, com a extinção de todos os seus efeitos e os da presente insolvência; ou, quando assim não se entenda, que, revogando a sentença em apreço, se determine a notificação dos credores em falta para se virem pronunciar (previamente ao parecer do Sr AJP) sobre a situação de eventual insolvência do devedor, só assim se fazendo a acostumada e desejada JUSTIÇA!

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

1. P (…) nasceu no dia 17 de novembro de 1970, na freguesia de Ameal, concelho de Coimbra.

2. É sócio-gerente da sociedade J (…)Unipessoal, Lda. desde Setembro de 2014, auferindo uma remuneração ilíquida de 505 €.

3. É músico de profissão, leciona aulas de viola a todas as idades, auferindo rendimentos que poderão rondar os € 250,00 mensais.

4. Fruto da expansão do sector hoteleiro, tendo sido desde 2007 sócio-gerente da sociedade G (…), Lda., atendendo às necessidades de mercado nos serviços de entrega de comida ao domicílio, através de protocolos com restaurantes, sendo apenas responsáveis pela sua distribuição e marketing.

5. Desde 2002 que se dedicava ao mesmo ramo de atividade, ao comércio e distribuição alimentar de produtos congelados e refrigerados, na sua qualidade de sócio-gerente de P (…), Lda., empresa distribuidora de várias marcas de produtos alimentares.

6. Por conta das empresas referidas e da sua atividade, expandiu o seu negócio em Portimão e Figueira da Foz, e para tal, investiu na compra de motas, viaturas e equipamentos necessários.

7. A fim de ver aprovados os financiamentos, assumiu pessoalmente diversos créditos e garantias pessoais, nomeadamente como avalista em contratos de crédito junto das instituições financeiras e ainda ao nível do crédito habitação.

8. Devido às dificuldades de tesouraria das empresas onde assumia a qualidade de gerente remunerado, bem como a dissolução dos cargos que detinha, passou a ter dificuldades em pagar atempadamente as prestações dos referidos empréstimos.

9. Foi alvo do acionamento dos avais pela banca por conta dos incumprimentos das obrigações assumidas pelas sociedades.

10. E, impossibilitado de realizar as prestações por conta dos bons avais pessoais que subscreveu originou a penhora da casa morada de família, seus veículos, motas, créditos que possuía.

11. O requerente tentou renegociar as condições contratuais com a banca acordando em planos prestacionais para cumprimento das dívidas.

12. O que, no entanto, não permitiu ultrapassar todas as dificuldades de tesouraria vividas, entrando em incumprimento nalgumas das obrigações pendentes.

13. Fruto desta realidade, o requerente vem acumulando um défice mensal recorrente, não conseguindo suprir obrigações e recuperar as moras nos meses seguintes, sobretudo no que concerne à dinâmica e penalizações do crédito bancário que mantem em divida.

14. A sociedade J (…) Unipessoal, Lda. dedica-se à atividade de comércio a retalho por grosso de veículos automóveis, sua importação e exportação e comércio a retalho e por grosso de peças e acessórios para automóveis, respetiva importação e exportação.

15. No âmbito do processo de revitalização foram reconhecidos créditos vencidos no valor de € 1.590.969,72.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Encerramento do processo especial de revitalização, com a extinção de todos os seus efeitos designadamente da decretada insolvência.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“De acordo com o art. 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.

O art. 3.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa estabelece que «é considerada em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas».

A insolvência corresponde, de acordo com critério consagrado neste normativo, à impossibilidade de cumprcisão recorrida escreveu-se queimento pontual das obrigações, por ausência de liquidez, e não à insuficiência patrimonial, traduzida numa situação líquida negativa. Assim, uma situação líquida positiva não afasta a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações (Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, pág. 79).

De acordo com o disposto no art. 17.º-G, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo concluído o processo negocial no âmbito de processo especial de revitalização sem a aprovação de plano de recuperação, compete ao administrador judicial provisório emitir parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor.

Nesse caso, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 28.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, o qual por seu turno preceitua que «a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respetivo suprimento».

No caso, o requerente requereu a aprovação de plano de revitalização, que, apesar de aprovado, não foi homologado, tendo o administrador judicial provisório, após ouvir o devedor e os credores, emitido parecer no sentido de estes se encontrarem em situação de insolvência, cuja declaração requereu.

Assim, estando reconhecida a situação de insolvência da devedora, que avulta ainda do volume do seu passivo vencido, quando confrontado com os seus rendimentos disponíveis, e inexistindo vícios que cumpra sanar nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, deve ser declarada de imediato a respetiva insolvência”.

Concorda-se com o decidido. Expliquemos porquê.

No processo de insolvência regula-se com detalhe as causas, modos e efeitos do encerramento do processo (cfr. arts. 230º a 234º do CIRE). Isso não acontece no PER, o que não é impedimento a que se perscrute a melhor e mais plena interpretação legal.

Desde logo, há que abrir uma distinção preliminar, que advém da diferença entre o encerramento do processo negocial e o encerramento do próprio PER.

Naquela previsão, regulada no art. 17º-Gº, nº 1, do CIRE, dá-se o encerramento do processo negocial quando o devedor ou a maioria qualificada dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo (encerramento antecipado), ou caso seja ultrapassado o prazo máximo previsto na lei (encerramento por caducidade). Se nestas duas hipóteses o devedor ainda não se encontrar em situação de insolvência dá-se o subsequente encerramento do próprio PER (nº 2 do mesmo preceito). Ao contrário, se o devedor se encontrar em situação de insolvência o administrador judicial provisório comunicará tal situação ao tribunal, com emissão do correspondente parecer, e em caso afirmativo deve requerer a insolvência, situação essa que implicará, também, o encerramento do próprio PER e acarretará a insolvência do devedor, a ser declarada pelo juiz no prazo de 3 dias úteis, contados da recepção da aludida comunicação, sendo o PER apenso ao processo de insolvência (nºs 3 e 4 do referido preceito).  

Ninguém duvida que deve acrescentar-se uma terceira causa, que apelidamos de natural ou lógica, de encerramento do processo negocial, embora a lei não a mencione expressamente, que é a circunstância de ter sido obtido acordo. Subsequentemente podem ocorrer duas hipóteses. Ou o juiz homologa ou não. Se homologar o próprio PER encerra com o trânsito em julgado dessa decisão homologatória. Se o juiz não homologa é que nasce a dúvida.

Defender, como faz o recorrente, que o PER deve simplesmente cessar seria igualar o caso à situação da homologação do plano, bem como ignorar a circunstância latente de saber se o devedor está ou não em situação de insolvência, realidade que mereceu a atenção da lei e com a se preocupou e depois regulou. Interpretação que não se afigura aceitável    

Entendemos, neste caso, que o PER deve seguir os mesmos trâmites de um PER em que não se obteve acordo, com as devidas adaptações. Isto é, o processo deve seguir com os trâmites antes referidos, devendo o administrador judicial provisório emitir parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e em caso afirmativo deve requerer a insolvência (vide neste sentido Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, pág. 76). E razões legais paralelas conduzem-nos claramente a esse entendimento. Na verdade, o PER pode iniciar-se com a apresentação de acordo extrajudicial de recuperação (art. 17-Iº). Ora, a lei dispõe, no nº 5 deste normativo, que caso o juiz não homologue o acordo se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos aludidos nºs 2 a 4 do referido art. 17-Gº. E por isso se seguem os trâmites já mencionados. Se assim é, numa situação de não homologação de acordo extrajudicial não vemos razão suficiente e pertinente para diferenciando não seguir o mesmo caminho numa situação de não homologação de acordo judicial.

É,assim, de todo compreensível o regime legal, desde que se verifique que o devedor está numa situação de insolvência actual. Frustrado o PER e verificada tal situação de insolvência deve seguir-se esse caminho substantivo e procedimental, e não ficar numa situação de imobilismo, à espera que o devedor se apresente à insolvência ou algum credor a requeira, tanto mais que no regime da insolvência ainda será possível implementar providências recuperatórias do devedor se tal for possível e adequado.

O recorrente ergue, ainda outras 4 objecções a esta conclusão.

- que o parecer do AJP não está fundamentado e é conclusivo, contendo factos falsos.

A lei dispõe que o AJP emite parecer mediante a informação que disponha (nº 4 do referido art. 17-Gº). O AJP dispunha de toda a informação, uma vez que ele acompanhou todo o PER que desaguou num plano de reestruturação dos créditos do devedor, planeamento do seu pagamento aos credores e manutenção e recuperação da actividade desenvolvida. A única vicissitude foi o facto de o plano de revitalização não ter sido homologado judicialmente. Assim, a afirmação do recorrente em sentido diferente é perfeitamente descabida. Portanto, quando o AJP afirma no seu parecer que a situação económico-financeira do devedor à data não é melhor do que era à data da sua apresentação a PER, atento o facto de as condições financeiras do devedor não terem melhorado, não está a ser infundamentado nem conclusivo.

Nesse parecer o AJP afirma que notificados todos os credores, a maioria manifestou que o devedor se encontra em situação de insolvência. Alega o recorrente que o AJP declara falsamente uma maioria, pois um dos credores, representando cerca de 58% dos votos pronunciou-se pela não insolvência e outro, representando cerca de 25% não foi ouvido. O recorrente terá percebido mal o parecer do AJP, pois este não afirma que tal maioria é a legalmente qualificada, mas sim que notificou a maioria numérica de credores (como decorre do próprio doc. nº 2 junto com as alegações), que no caso eram 11 (tendo o AJP notificado 9, pois os autos não mostram ter sido notificado o credor Fazenda Nacional, e tudo indica, em relação ao credor referido que representa cerca de 25% dos votos que a notificação não se terá processado por falta de uma letra no endereço de email). Não se descortina, pois, qualquer falsidade.        

- que a maioria qualificada dos credores pronunciou-se pela não insolvência ou não foi ouvido para se pronunciar.

De facto o credor representando 58% dos votos emitiu pronúncia pela não insolvência, credor esse que tinha votado favoravelmente o plano de revitalização. E tudo indica que o credor que representa cerca de 25% dos votos, que, também, tinha votado favoravelmente o plano de revitalização, não foi notificado para se pronunciar por erro no processamento dessa notificação, por falta de uma letra no endereço de email. Mas tais circunstâncias não têm o relevo que o recorrente lhes quer emprestar. Na verdade, a audição dos credores nesta fase (citado nº 4 do art. 17-Gº), já nada de vinculativo tem, irrelevando a percentagem de votos de cada um, todos estando em pé de igualdade, independentemente da sua percentagem de votos, na sua pronúncia e na respectiva aferição pelo AJP da mesma. Certo é que, ponderando a pronúncia dos credores, a última palavra cabe única e exclusivamente ao AJP, pois é este que emite o parecer para o juiz. Deste modo, a referida objecção do recorrente não colhe.   

- que o devedor não teve oportunidade de se opor à declarada insolvência, após uma regular citação.

Não é exacta tal argumentação, pois declarada a insolvência não fica o devedor impedido de deduzir os correspondentes embargos ou interpor recurso, por força da aplicação analógica dos arts. 40º, nº 1, a) e 42º, nº 1, do CIRE, como é perfeitamente compreensível para garantir a obrigação do contraditório (vide neste sentido Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 77, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, 2014, págs. 42/43, e Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, 2014, págs. 165/166).

- que o resultado da votação no PER no sentido da revitalização do devedor e a consideração de outros factos alegados no requerimento inicial do PER conduziria a decisão diversa.

O resultado da votação no PER no sentido da revitalização do devedor é irrelevante neste momento, atenta a não homologação judicial da aprovação do plano de recuperação e ultrapassada que está tal fase procedimental. Como, aliás, já atrás se referiu.

O APJ emitiu parecer no sentido de o devedor estar em situação de insolvência. Apesar disso, o recorrente refere que a consideração de outros factos alegados no requerimento inicial do PER conduziria a decisão diversa. Todavia, o recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos do art. 640º do NCPC. Ora, uma patente realidade salta à vista. Face ao magro pecúlio auferido pelo devedor (factos 2. e 3.), à impossibilidade de cumprir as suas obrigações (factos 12. e 13.) e ao seu enorme passivo (facto 15.), é manifesto, tal como analisado e concluído na decisão recorrida, que o apelante está em situação de insolvência                     

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) No caso de o juiz não homologar o plano de recuperação aprovado no âmbito do PER, deve o processo seguir, com as devidas adaptações, a tramitação igual à prevista para um PER em que não se obteve acordo (prevista no art. 17-Gº, nºs 2 a 4, do CIRE;

ii) Assim, caso o devedor esteja em situação de insolvência, deverá o PER ser encerrado, o que acarretará a insolvência do devedor, a ser declarada pelo juiz, depois de emissão de parecer e requerimento pelo administrador judicial provisório;

iii) Na fase prévia à emissão do parecer do administrador judicial provisório, em que se procede à audição dos credores, é irrelevante que a maioria qualificada dos credores que votaram favoravelmente o plano de recuperação se pronuncie pela não insolvência, não sendo essa pronúncia vinculativa para tal administrador nem para o tribunal, pois o que importa nesta fase é que o mesmo administrador e o tribunal concluam pela situação de insolvência de tal devedor;

iv) Declarada a insolvência, o devedor pode opor-se à mesma, para salvaguarda do princípio do contraditório, por meio de embargos ou de recurso.

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela massa insolvente.

   Coimbra, 23.2.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

Maria João Areias