Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/12.8TBOLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
PRESSUPOSTOS
RENDIMENTO
CÁLCULO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 1º E 2º DA LEI Nº 75/98 E ART.º 3º DO DL 164/99 DE 13/05
Sumário: 1. Á luz da redacção actual dos art.ºs 1º e 2º da Lei nº 75/98, conferida pela Lei nº 66-B/2012 de 31/12 e do art.º 3º do DL 164/99 de 13/05, o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores só é chamado a responder quando o rendimento líquido do menor ou da pessoa a quem se encontre à guarda não exceda o valor de 1 Indexante de Apoios Sociais.

2. Na determinação desse rendimento relevante há que calcular o montante que per capita cabe nos proventos globais do agregado familiar em que o menor se insere, utilizando-se para tanto os diversos factores de ponderação que a cada membro competem, nas percentagens que se acham definidos pelo art.º 5º do DL 70/2010 de 16 de Junho.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de regulação das responsabilidades parentais pendentes no Tribunal Judicial de Oleiros relativamente à menor A... , após ter sido homologado por sentença de 04/04/2012 o acordo dos progenitores que incluiu alimentos àquela destinados na quantia mensal de € 75,00, a actualizar anualmente segundo os preços do INE, veio a mãe da menor suscitar o incumprimento do acordo pelo progenitor, e, consequentemente, a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, com revisão do montante da pensão a pagar esse título.

Realizadas as diligências tidas por convenientes, por decisão de 17/04/2013 foi declarado verificado o incumprimento por parte do Requerido B... , no que respeitava às prestações vencidas entre 30/04/2012 e a data da decisão, no valor global de € 900,00.

Prosseguindo os autos com a recolha de informações de diversa proveniência sobre os rendimentos do agregado familiar da menor, veio o MºPº a não promover a intervenção do FGADM por não se acharem reunidos os pressupostos aludidos no art.º 3º, nº 1, do DL 164/99 de 13 de Maio.

Todavia, por decisão proferida em 19/06/2013, viria o Sr. Juiz a determinar a fixação da prestação de alimentos devidos à menor A... no montante mensal de € 75,00, a actualizar de acordo com o índice da inflação, e que o respectivo pagamento, a efectuar à mãe da menor, fosse suportado pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos A Menores, através do IGFSS.

Irresignado, deste veredicto, interpôs recurso este FUNDO DE GARANTIA, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos cumpre decidir.

São os seguintes os factos já dados como provados sem qualquer tipo de impugnação:

1. B... e C... são, respectivamente, pai e mãe da menor A..., nascida a 02.01.2012.

2. No dia 04.04.2012 foi homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a A..., no qual ficou estabelecido que a menor ficaria à guarda e cuidados da mãe e que o pai contribuiria, a título de alimentos, com a quantia mensal de 75,00€, a entregar à mãe até ao último dia de cada mês.

3. Por decisão judicial datada de 17.04.2013, já transitada em julgado, foi declarado o incumprimento da prestação de alimentos por parte do requerido à sua filha, julgando vencida até então a quantia global de € 900,00.

4. O agregado familiar de A... é constituído por estas e pelos avós maternos da menor.

5. A mãe de A... trabalha na unidade de cuidados continuados de Orvalho, auferindo mensalmente o valor de € 485,00 mensais, acrescidos de € 80,84 de subsídios de férias e Natal.

6. No ano de 2012, os avós da menor auferiram rendimentos ilíquidos anuais correspondentes a € 10 483,57.

7. O pai de A... está desempregado, auferindo € 178,15 mensais, a título de RSI.

8. A menor beneficia ainda de uma prestação mensal de € 42,23 a título de abono de família.

     

                                                                       *

A apelação.

A questão que é objecto do vertente recurso reconduz-se a saber se, nestes autos, estão reunidos todos os pressupostos de que depende a intervenção do recorrente FGADM, como obrigado a suportar uma prestação alimentar a favor da menor, à luz dos normativos para o caso convocáveis.

Entendeu a decisão ora recorrida que é isso que ocorre com os alimentos devidos à menor A... porquanto “o rendimento ilíquido per capita do agregado familiar da menor, constituído por 4 pessoas, corresponde a € 308,48 [(€ 748.82+€ 485,00): 4] revelando-se pois inferior ao indexante dos apoios sociais (IAS) que corresponde actualmente a € 419,22”.

Diferentemente, sustenta o recorrente FGADM que a fórmula de cálculo da capitação de rendimentos resultante da lei implica que o total destes seja dividido, não pelo número dos seus componentes (4), mas antes pelo coeficiente 2,9, dada a diferente ponderação que para cada um deles vem preceituada no art.º 5º do DL nº 70/2010 de 16 de Junho. Daí emergiria um rendimento capitado do agregado de € 425,46, o qual, por exceder o valor actual do IAS (que é de € 419,22), obstaria à existência da respectiva obrigação.

A progenitora e apelada contra-alegou, batendo-se pela manutenção do decidido.

Vejamos.

Não sofre hoje qualquer objecção o princípio de que a obrigação imposta ao FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES, prevista nos art.ºs 1º, nº 1, da Lei nº 75/98 e 3º do DL 164/99 de 13/05, visa uma prestação autónoma e nova, garantindo a obrigação do progenitor já condenado a satisfazê-la, que aqui é apenas o seu requisito ou”pressuposto legitimador” (assim denominado por Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos A Menores, 2ª ed., p. 235).

Era a seguinte a redacção do art.º 3º do aludido DL nº 164/99, antes das modificações que nele viriam a ser introduzidas pelo DL 70/2010 de 16 de Junho e pela Lei nº 64/2012 de 20 de Dezembro:

“Artigo 3.º

Pressupostos e requisitos de atribuição

1 — O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189 do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e

b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

2 — Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.

3 — As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.

Porém, o art.º 16 do DL nº 70/2010 de 16 de Junho procedeu à alteração deste artigo conferindo-lhe a redacção que se segue:

«Artigo 3.º

[...]

1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 — O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

4 — (Anterior n.º 3.)»

Sucede que o art.º 17º da aludida Lei nº 64/2012 de 20/12 (que aprovou um conjunto de rectificações ao Orçamento do Estado para 2012) veio introduzir nova alteração neste mesmo artigo que desde então ficou com a seguinte redacção:

“Artigo 3.º

[...]

1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

2 — Entende -se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

3 — O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto –Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de Maio, e pelos Decretos -Leis nºs 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho.

4 — Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera -se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.

5 — As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.

Em consonância, o art.º 183 da Lei nº 66-B/2012 de 31/12 (Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013) deu a redacção que segue aos art.ºs 1º e 3º da Lei nº 75/98 de 19/11:

“Alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro

Os artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1.º

[...]

1 — Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.

2 — O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.

Artigo 2.º

[...]

1 — As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . » “

 

Assim, à luz da redacção actual das aludidas disposições, são hoje condições de vinculação do Fundo:

A condenação judicial do progenitor a uma prestação de alimentos a favor do menor;

A impossibilidade da cobrança coerciva do montante fixado nos termos e pelas formas do art.º 189 do DL 314/78 de 27/10;

O menor não dispor de rendimento líquido superior ao valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), nem beneficiar nessa medida de rendimentos de outrem à guarda de quem se encontre, quando a capitação desses rendimentos não seja superior ao valor do IAS, que deve ser calculado de acordo com o DL nº 70/2010 de 16 de Junho (nº1 al.ª b) e nºs 2 e 3 do art.º3 do DL 164/99, com a redacção da Lei nº 64-B/2012 de 20/12).

Voltemo-nos agora para os factos.

Deflui da matéria provada – e dessa forma foi tido em conta pela decisão recorrida, sem qualquer divergência ou oposição do recorrente – que o agregado familiar da menor é composto por quatro pessoas, integrando o seu representante legal (a progenitora), a menor, e os dois avós maternos desta, pelo que a soma dos respectivos rendimentos mensais, ou seja, do agregado familiar a considerar, perfaz a importância global de € 1.233,83 (€ 748,83+ € 485,00).

Porém, ao contrário do que se decidiu, a capitação a considerar não decorre da mera ou pura divisão deste rendimento pelo número de elementos que compõem o agregado.

A capitação do rendimento do agregado em que se insere a progenitora ou representante da menor acha-se através da adição das percentagens que servem para a ponderação relativa de cada elemento do agregado, nos termos do art.º 5º daquele DL nº 70/2010. Por isso, no uso dessa mesma ponderação relativa, atribuindo-se 1 ao representante, 0,7 a cada um dos avós e 0,5 à menor, somos conduzidos ao coeficiente 2,9.

É, pois, mediante a divisão por este coeficiente, e não por quatro, que se obtém o valor da capitação. Sendo esse valor de € 425,46, ele mostra-se, por conseguinte, superior a € 419,22, valor actual do Indexante aplicável (o mesmo do Orçamento do Estado para 2012). Concluindo-se, pois, que não está verificado o pressuposto da alínea b) do nº 1 do art.º 3º do mencionado DL 164/99, visto o rendimento capitado do representante da menor ultrapassar o tecto aí indicado.

Donde que a decisão recorrida não possa ser mantida.   

Pelo exposto, na procedência da apelação, e por não se encontrar presentemente preenchido o pressuposto previsto na actual redacção do art.º 3º, nº 1, al.ª b) e nº 2, do DL nº 164/99 de 13 de Maio, revogam a decisão recorrida, declarando que sobre o apelante FGADM não impende a obrigação de pagar qualquer prestação alimentar à menor A....

Sem custas.

                                  

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins