Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1439/08.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ACÇÃO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
TRABALHADOR
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 490º, Nº 3 DO CPC; 366º, 367º, Nº 1 E 441º, NºS 1 E 2, AL. B) DO CÓDIGO DE TRABALHO.
Sumário: I – Os princípios que enformam a selecção da matéria de facto na fase de condensação são extensíveis à selecção que se efectua quando, no momento de decidir a matéria de facto, há necessidade de o juiz se deter sobre a mesma.

II – Apenas os factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, devem ser objecto de resposta nesta fase.

III – A acção disciplinar deve exercer-se em obediência à boa fé e com os limites decorrentes do abuso de direito, estando o poder respectivo sujeito à regra da proporcionalidade entre a culpa e a sanção, bem como aos princípios “ne bis in idem”, igualdade, tipicidade e taxatividade das sanções.

IV – Fundamenta a resolução do contrato de trabalho por justa causa o comportamento do empregador que se traduza na extensão dos efeitos de processo disciplinar anterior à relação laboral, designadamente não atribuindo ao trabalhador, com base na decisão aí tomada, funções que lhe competiam e optando, também por força de tal decisão, por lhe não renovar o contrato.

V – Tal comportamento enforma sanções disciplinares subsequentes, não tipificadas, e traduz sucessivas punições, pelo que viola a garantia legal da tipicidade das sanções disciplinares e da proibição de aplicação de mais de uma sanção pela mesma infracção.

Decisão Texto Integral:    Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A..., residente na ..., interpôs recurso da sentença.

   Pede a respectiva revogação.

   Formula as seguintes conclusões:

[…]

   MUNICÍPIO DE B..., sedeado na ..., B..., não contra-alegou.  
   O MINISTÉRIO PÚBLICO junto desta Relação emitiu parecer segundo o qual deve ser ponderado se não se tornou inexigível a manutenção da relação laboral entre apelante e apelado após esta ter, unilateralmente, e já depois de findo o procedimento disciplinar movido ao A., retirado as funções de direcção da UGT que aquele exercia até lhe ser instaurado o mesmo procedimento.
   O Apelante e o Apelado responderam ao parecer.

*

   Façamos uma breve resenha dos autos para cabal compreensão:

   A..., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra MUNICÍPIO DE B..., alegando, em síntese:

- foi o autor contratado, pelo prazo de um ano, pelo réu para exercer funções técnicas no seu Departamento de Desporto, Juventude e Lazer, tendo passado a exercer as funções da unidade de gestão técnica dos complexos desportivos municipais;

- tendo tal contrato sido renovado por duas vezes, foi, entretanto, aberto procedimento disciplinar contra o autor (no início do qual o demandante foi

colocado na DVM/DAQV dos serviços municipais) tendo-lhe sido aplicada a sanção de suspensão com perda de retribuição por 20 dias, que o autor cumpriu;

- no entanto, cumprida a sanção, o réu confirmou a colocação do autor na DVM/DAQV, não o recolocando no departamento e serviço onde tinha anteriormente executado funções;

- entende o autor estar perante a aplicação de uma nova sanção disciplinar e

perante uma violação dos seus direitos e garantias profissionais, garantia essa consagrada no artigo 122º alínea f) do Código do Trabalho;

- resolveu, por isso, o autor o contrato de trabalho com justa causa, comunicando-o à ré, que deve ser condenada em indemnização a seu favor, nos termos do artigo 443º do Código do Trabalho;

- o réu deve ainda ao autor, a título de outros créditos laborais, a quantia total de 5062,13 €.

   Finalizando o autor o seu articulado inicial, pediu a condenação do réu a:

a) reconhecer que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa;

b) pagar ao autor a indemnização prevista no artigo 443º do Código do Trabalho, na importância de 5.104,23 euros;

c) proceder ao pagamento dos créditos laborais reclamados, na importância de 5.062,13 euros;

d) ser o réu condenado ao pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos sobre os créditos salariais e que actualmente perfazem 85,79 euros;

e) ser o réu condenado ao pagamento de juros à taxa legal de 5%, sobre o pagamento determinado pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 829º-A, nº4, do Código Civil, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.

   Não tendo sido obtida conciliação na audiência de partes, veio o réu contestar e reconvir, dizendo, em resumo:

- o autor não tem qualquer razão para resolver o contrato com justa causa, pelo que deverá ser condenado a pagar ao réu indemnização pela resolução ilícita;

- não foi aplicada ao autor qualquer sanção adicional, tendo apenas existido

uma transferência do autor entre sectores técnicos, salvaguardando a sua categoria de técnico superior;

- o réu já pagou ao autor parte dos seus créditos salariais ditos em dívida;

- deve ser realizada a compensação entre o crédito peticionado na reconvenção e os créditos reclamados pelo autor que se mostrem devidos.

   Terminou o réu a sua contestação/reconvenção, requerendo:

• a improcedência do pedido do autor, com excepção do que se refere aos créditos reclamados por este e reconhecidos pelo réu, referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2008;

• a procedência do pedido reconvencional, condenando-se o autor a reconhecer que deve ao réu a quantia global de 1797,14 €, acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento, operando-se, a final, a respectiva compensação de créditos.

  O autor respondeu à reconvenção, propugnando a respectiva improcedência.

   Admitida a reconvenção e ordenado o prosseguimento da acção, realizou-se a audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:

a) absolveu o réu dos pedidos de reconhecimento de que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa e de indemnização com tal fundamento;

b) condenou o réu a reconhecer dever ao autor, a título dos créditos laborais reclamados, a importância de 4591,08 €;

c) condenou o réu no reconhecimento dos juros de mora vencidos sobre os

créditos salariais em causa;

d) condenou o autor a reconhecer dever ao réu uma indemnização de 1474,56 €, por resolução ilícita do contrato;

e) condenou o autor no reconhecimento dos juros de mora vencidos sobre

o crédito indemnizatório em causa;

f) fez a compensação dos créditos recíprocos, condenando o réu a pagar ao autor o montante de 3116,52 €, acrescido dos juros moratórios diferenciais vencidos e dos que se vierem a vencer, desde esta data até integral pagamento;

g) condenou o réu ao pagamento de juros à taxa legal de 5%, sobre o montante determinado em f), desde a data do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento;

h) absolveu ambas as partes de tudo o demais contra elas peticionado.


***

   Das conclusões supra exaradas extraem-se as seguintes questões a decidir:

   1ª – O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto?

   2ª – A matéria constante dos pontos 33 a 57 deve eliminar-se?

   3ª – Existe justa causa de resolução do contrato de trabalho fundada em:

a) a decisão de transferência definitiva do A. para a DVM conter em si uma sanção disciplinar?

b) o A. ter sido ilicitamente colocado em distintas funções?

c) O A. ter sido sujeito a distinto tratamento?

   4ª – Os créditos decorrentes da justa causa de resolução merecem acolhimento?


***

   Iniciemos, então, a discussão pela primeira das enunciadas questões: o erro de julgamento da matéria de facto.

[…]

   Comecemos pelo Artº 15º, relativamente ao qual o A. pretende que se aplique a cominação decorrente do nº 3 do Artº 490º do CPC e que o R., na sua contestação, declarou desconhecer, sem obrigação de conhecer.

   O Artº 490º/3 do CPC dispõe que se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.

   Que o facto não é pessoal do R., não há dúvida. Que o R. dele deva ter conhecimento, não há certeza.

   O A. não alega ou remete para qualquer certificado de incapacidade cuja entrega tenha efectuado ao R., pelo que, efectivamente, não se pode concluir que a impugnação que este efectuou equivalha a confissão.

   Assim, a resposta de não provado, sem dependência de outra prova, não se altera.

   No que concerne ao Artº 17º, começamos por dizer que a resposta dada pelo Tribunal recorrido não contém qualquer facto, pelo que deve considerar-se não escrita. E, quanto à pretendida prova de quanto se alegou, não se vendo que a matéria releve para a decisão, por efeito de aplicação do princípio segundo o qual o Tribunal apenas selecciona e responde a matéria de facto relevante segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, também aqui se não responde.

[…]


***

   A segunda questão que enunciámos prende-se com a supressão de matéria de facto.

   Pretende o Recrte. que se elimine a matéria que integra os pontos 33 a 57, alegando que a mesma traduz factos sem relevo no desfecho desta acção e que os factos que motivaram a resolução do contrato são posteriores ao processo disciplinar.

   A matéria em causa traduz os factos que, alegados pela R., originaram o processo disciplinar de que o A. foi alvo e no âmbito do qual sofreu uma sanção.

   Importa aqui deixar explícito que, no caso sub-júdice, não houve lugar a prévia selecção da matéria de facto, com elaboração de base instrutória.

   Contudo, os princípios que enformam a selecção da matéria de facto na fase de condensação são extensíveis à selecção que se efectua quando, no momento de decidir a matéria de facto, há necessidade de o juiz se deter sobre os factos.

   E, assim, é óbvio que o juiz apenas deve responder aos factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito.

   A presente acção tem na sua génese a resolução do contrato, assente em factos ocorridos após o processo disciplinar e a aplicação da sanção respectiva. Muito concretamente assenta na circunstância de o A. ter sido alvo de tratamento desigual no que concerne ao procedimento com vista à renovação ou não do contrato de trabalho, na de o mesmo ter sido colocado definitivamente em funções para as quais não havia sido contratado, o que também, na óptica do A., traduzirá nova sanção disciplinar.

   É, assim, evidente, que a matéria que esteve na génese do procedimento disciplinar não assume qualquer relevância no desfecho da presente acção, visto nenhum daqueles factos estar directa ou indirectamente relacionado com os fundamentos da mesma.

   Daí que a matéria em causa deva eliminar-se.

   Consequência desta decisão, e para evitar a ininteligibilidade do facto subsequente – o 58 – é a reestruturação da redacção deste que, sem alteração do sentido do mesmo, se modifica para “Na sequência do processo disciplinar movido ao A., e por se ter considerado provado tudo o que se invocava – foi aplicada àquele, pela Câmara Municipal de B..., uma sanção de suspensão do trabalho por 20 dias”.


*

[…]


***

   A matéria de facto cuja prova se obteve é a seguinte:

[…]


***

   É. agora, chegado o momento de nos determos sobre a justa causa de resolução do contrato.

   Alega o Recrte. que a decisão de o transferir é tomada em virtude da decisão do processo disciplinar, o que não foi considerado pela sentença, que cumpre dilucidar se a transferência viola as garantias legais e convencionais por constituir uma sanção ou um castigo decorrente daquele que já foi aplicado no processo disciplinar, que a mudança de funções é ilícita, que foi alvo de tratamento diferenciado por parte da Recrdª ao ponto de esta alegar que o processo disciplinar determinou que o contrato não fosse renovado e que a decisão disciplinar não poderia determinar a não renovação do contrato, não só porque não consta do elenco de sanções disciplinares, como a sanção que lhe fora comunicada foi a de suspensão. Daí que entenda que foi alvo de conduta persecutória por parte da Recrdª.

   O Recrte. assentou a sua decisão de desvinculação na violação de garantias legais e convencionais que lhe assistem, fundamentando-a com a invocação do despacho de Fevereiro de 2008 em que o Vereador o coloca, até ao fim do contrato, a exercer funções na DVM (Divisão de Viaturas e Máquinas), invocando que tal colocação configura uma sanção adicional à que já lhe havia sido aplicada, e, bem assim, com a circunstância de não lhe ter sido aberto o habitual procedimento com vista à análise da eventual renovação do contrato, o que, do seu ponto de vista, também configura acréscimo á sanção já aplicada. Termina invocando que a sucessão de penas acrescidas é exemplificativa de um clima persecutório que sentiu no exercício das suas funções.

   São estes os termos da carta de resolução junta a fls. 51.

   Considerando que vigora, no âmbito da jurisdição laboral, o princípio da vinculação temática, segundo o qual apenas são atendíveis na acção que aprecia a ilicitude da resolução, os factos constantes da comunicação do trabalhador (Artº 444º/3 do CT) é apenas sob este ponto de vista que podemos aferir da justa causa na resolução.

   Fica, assim, afastada, a possibilidade que transparece na acção e nas alegações de recurso de ajuizar da questão á luz de eventual discriminação no que concerne à não implementação do procedimento para renovação do contrato.

   Esta questão analisar-se-á, pois, em sintonia com que foi invocado pelo ora Recrte. apenas á luz da violação de alguma garantia legal ou convencional.

   Pelas mesmas razões, também a colocação definitiva na DVM foi encarada como nova sanção e apenas isso motivou a resolução contratual. Não foi invocado que tal colocação era ilícita, porque não compreendida no objecto do contrato. Donde, a justa causa apenas se analisará à luz da circunstância invocada, ou seja, se a decisão configura uma sanção adicional.

   Vejamos, então.

   Ocorrendo justa causa o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato (Artº 441º/1 do CT), sendo que a violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador constitui justa causa de resolução (nº 2-b).

   Conforme decorre dos autos o apelante foi alvo de um processo disciplinar e sancionado pela prática dos factos que lhe eram imputados.

   O poder disciplinar traduz, na prática, a figura da subordinação jurídica, que, como é sabido, caracteriza o contrato de trabalho. Está na titularidade do empregador e tem na sua origem uma infracção disciplinar.

   Não obstante, no âmbito do exercício de tal poder, se fundirem as capacidades de acusar e de julgar, tutelando os interesses que são próprios de quem julga, o mesmo obedece a regras.

   Desde logo, deve exercer-se em obediência à boa fé e com os limites decorrentes do abuso de direito. E, num estado de direito democrático o exercício de um tal poder está sempre vinculado ao respeito e efectividade das garantias de defesa do trabalhador. Daí a necessidade de um procedimento.

   Como poder punitivo que é, está sujeito à regra da proporcionalidade entre a culpa e a sanção, bem como aos princípios “ne bis in idem” (Artº 367º/1 do CT), igualdade (por força do Artº 13º da CRP), e tipicidade e taxatividade das sanções (Artº 366º).

   Serve isto para dizer que o poder disciplinar se esgota no âmbito do procedimento que lhe deu origem.

   Ora, o A. tinha a seu cargo a gestão técnica dos vários complexos desportivos municipais, sendo o director da unidade de gestão técnica. Foi, aquando do processo disciplinar que lhe foi instaurado, colocado na divisão de máquinas e viaturas, deixando de exercer funções relacionadas com a direcção da unidade técnica. Após o processo disciplinar apresentou-se no seu anterior posto para retomar as suas funções, tendo vindo a ser confrontado com uma decisão de manutenção da situação funcional que antecedeu este.

   Por outro lado, em todas as situações de contratados a prazo, o R., cerca de três meses antes do final do contrato, realiza um procedimento com vista à análise da eventual renovação, procedimento esse que não realizou no caso do A., o que motivou deste um pedido de esclarecimento.

   Compulsados os factos, constatamos que, com base na decisão disciplinar proferida no âmbito do procedimento aberto em Março de 2008, por factos de Fevereiro do mesmo ano, foi determinado que o A. continuasse a exercer funções até ao términus do seu contrato, na DVM/DAQV e, também com base na mesma decisão, decidiu-se manter a relação laboral somente até ao seu termo, em 6 de Outubro, prescindindo-se do procedimento em uso no seio do R. com vista a aquilatar da necessidade de manutenção ou não da relação laboral.

   São sintomáticos os factos exarados sob os números 18, 20, 22, 26 e 27 dos quais se destacam as seguintes passagens:

   Cumprida a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, o autor apresentou-se no seu anterior posto para retomar as suas funções. O trabalhador foi surpreendido com um despacho proferido pelo Exmº Sr. Vereador C..., no qual determinava que «decidido o procedimento aberto e, tendo em consideração o teor da decisão, determino que, o Eng.º A... continue a exercer funções até ao términus do seu contrato, na DVM/DAQV. No seguimento desta decisão, o trabalhador apercebeu-se de que não tinha tido qualquer informação relativamente ao procedimento de eventual renovação do contrato a termo certo que o ligava à Câmara Municipal, pelo que solicitou que lhe fosse transmitido o motivo pelo qual não havia sido iniciado o supra referido procedimento. Em resposta ao requerimento do autor, veio a ré, por intermédio da Divisão de Formação e Gestão de Recursos Humanos, realizar os seguintes esclarecimentos: «Em reunião de Câmara de 30/6/2008, foi “aprovada por maioria a sanção proposta…” Acontece porém que no relatório da Senhora Instrutora, (proposta em anexo) da proposta apresentada consta... Assim sendo, perante a proposta da Sr.ª Instrutora a decisão tomada, pareceu-nos clara a decisão de manter a relação laboral somente até ao seu termo de 6 de Outubro».

   É, assim, evidente, que o processo disciplinar que deveria ter culminado na aplicação da sanção, e bastar-se com ela, viu os seus efeitos alargados à subsequente vivência do A. no seio do empregador, limitando a relação laboral existente e impondo constrangimentos vários.

   Ou seja, é tendo em conta o teor da decisão disciplinar que se impede o A. de assumir as suas funções de direcção e se conclui pela não renovação do contrato.

  Donde, efectivamente, o A. foi adicional e deslealmente sancionado, com o que se violou o disposto nos Artº 366º e 367º do CT, que contém garantias legais de exercício do poder disciplinar.

   Tal violação revela-se culposa.

   Como se sabe, não resultando, embora, da lei uma noção de justa causa, pode dizer-se que a falta culposa de cumprimento dos deveres inerentes à relação laboral, por parte do empregador, o faz incorrer em responsabilidade contratual. “E, sendo grave a actuação do empregador, confere-se ao trabalhador o direito de resolver o contrato” (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª Ed., Almedina, 1113).

   Esta característica de gravidade do incumprimento é, aliás, acentuada pelos diversos autores.

   Na verdade, esta via de desvinculação “respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível” ao trabalhador “que permaneça ligado á empresa” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 604).

   É importante que realcemos este aspecto, porquanto nem toda a violação de obrigações contratuais gera direito á resolução.

   Só o comportamento ilícito e culposo, que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência do vínculo, fundamenta causa justificada para resolver o contrato.

   Trata-se, afinal, no caso da justa causa subjectiva, de situações também apelidadas de despedimento indirecto, ou seja, “casos em que a ruptura contratual, conquanto seja desencadeada pelo trabalhador, tem como verdadeiro e último responsável, o empregador, o qual viola culposamente os direitos e garantias daquele, impelindo-o a demitir-se” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 442).

   Ora, os factos expostos, apreciados no contexto da concreta relação laboral – de um lado um quadro superior, do outro uma entidade pública a quem são exigíveis especiais cuidados no cumprimento da legalidade democrática –, assumem gravidade suficiente para, em face do conceito de justa causa, concluirmos pela respectiva verificação.

   Na verdade, é patente, em face de tais factos, que o comportamento do empregador, que motivou a resolução contratual pelo A., é persecutório. Ou seja, devido aos factos de Fevereiro de 2008, pelos quais o A. foi sancionado sem que tivesse reclamado, o R., em Agosto e Setembro de 2008 repercute os efeitos da decisão não só na atribuição de funções que não eram as próprias do cargo do A., desta vez com carácter definitivo, como também, na não renovação do contrato passando por cima do habitual procedimento que sempre realizava para o efeito.

   Procede, deste modo, a questão que nos ocupa.


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   A última questão – os créditos resultantes da justa causa de resolução – está directamente relacionada com a antecedente e não pode deixar de proceder.

   O A. reclamava indemnização no valor de 5.104,23€.

   O Artº 443º/1 do CT dispõe que a resolução do contrato com fundamento em justa causa confere ao trabalhador direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

   Conforme já dissemos, nem em sede de acção, nem de reconvenção vem alegado o salário auferido pelo Recrte..

   Contudo, do que supra decidimos, veio a constar na matéria fáctica o respectivo valor, o que nos permite aferir com base em que elementos é peticionada a indemnização – 3 meses de retribuição base.

   Considerando que esse é o valor mínimo (Artº 443º/2 do CT), procede o pedido.


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   O Recrte. conclui ainda que deverão ser reconhecidos todos os créditos laborais reclamados na petição inicial.

   Por força da reconvenção deduzida, o A. foi condenado a reconhecer dever ao R. a quantia de 1.474,56€, que veio a ser compensada, tendo este sido apenas condenado no pagamento do diferencial relativamente ao pedido.

   Por força do que ora se decidiu, esta decisão cai necessariamente.

   Assim, a condenação do R., relativa aos demais créditos laborais, sobre o que não incidiu recurso da sua parte, cifra-se em 4.591,08€.


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***

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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência e alterando a sentença:

a) reconhecer que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa;

b) condenar o R. a pagar ao A. a quantia de 5.104,23€;

c) condenar o R. a pagar ao A. a quantia de 4.591,08€ e juros de mora vencidos e vincendos e

d) manter o mais que foi decidido.

   Custas pelo R..

   Notifique.


MANUELA BENTO FIALHO (RELATORA)

LUÍS AZEVEDO MENDES

JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA