Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
520/08.9GAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
ELEMENTOS DO TIPO
DEVER DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE CONVICÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 143º,153º, Nº1, 155º, Nº1, AL. A) DO CP, 124º,125º, 127º, º,410º, Nº2, AL. C), 412ºE ,428º DO CPP
Sumário: 1. O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração nos artigos 205º da CRP e 374°/2 do Código de Processo Penal.
2. O vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º,nº2, la.c) do CPC nada tem a ver com eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida.
3. Para o preenchimento do tipo objectivo descrito na norma incriminadora, exige-se que a ameaça contra alguém contenha em si uma aptidão mobilizadora adequada a provocar medo ou inquietação: a) que corresponda a um mal, seja de natureza pessoal, seja de natureza patrimonial; b) que o mal objecto da ameaça seja futuro, não podendo ser um mal actual ou iminente, porque neste caso estar-se-á perante uma tentativa de execução do respectivo mal; c) que a sua ocorrência dependa da vontade do agente.
4 Verificados os restantes requisitos, comete o crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º do CP o agente que dirigindo-se ao ofendido profere a expressão seguinte: eu vou para a prisão, mas tiro-te a vida a ti e à tua família” e que ia dar cabo dele e dos da raça dele”
Decisão Texto Integral: pág. 24
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra o arguido:
R, nascido a 21 de … de 1951, filho de E e de J natural de… concelho de Leiria e residente …. concelho de Leiria;
Sendo decidido:
- Condenar o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143 nº 1, ocorrido a 2-12-2008, na pena de 100 (cem) dias de multa;
- Condenar o arguido, pela prática de um crime de ameaça p. e p. pelo art. 153 nº 1 e art. 155 nº 1 a) do C. P., ocorrido a 2-12-2008, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
- Condenar o arguido, pela prática dos crimes assinalados em 3.1. e 3.2. na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 15 (quinze) Euros;
- Condenar R a entregar a A a quantia de 3 000 (três mil) Euros, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento devidos desde 22-10-2009;
***
Inconformado interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1. Pela douta sentença proferida nos autos à margem identificados, o Meritíssimo Juiz a quo julgou procedente, por provada, a acusação deduzida contra o arguido, imputando-lhe a prática, como autor material de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143, nº 1, do Código Penal e um crime de ameaça p. e p. nos art. 153 e 155 n21 al. a) também do Código Penal,
2. Em consequência dos factos considerados como provados, e considerando a acusação totalmente procedente, o Meritíssimo Juiz a quo decidiu condenar o arguido, como autor material dos crimes de que vinha acusado, condenando-o na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de €15,00, num montante global de €2250,00, e ainda condenou o arguido no pagamento do pedido cível apresentado pelo assistente, no montante de €3000,00.
3. Fundamenta o meritíssimo Juiz A Quo que baseou toda a sua decisão no depoimento do assistente, "a qual de forma distanciada e lógica, relatou o ocorrido (...)" continuando a afirmar que "o seu depoimento revela coerência e ausência de qualquer contradição". Somos a contrariar este entendimento do Meritíssimo Juiz. Desde logo, nunca um assistente num processo crime poderá ser considerado como "distanciado", uma vez que, é parte no processo, e não presta Juramento, conforme estipula o art. 145 nº 4 do CPP, pelo que é parte interessada no mesmo e nunca alguém distanciado dos factos.
4. Ainda mais quando, o assistente afirma claramente que está de mal com o arguido, e sendo seu ex-trabalhador, na empresa do arguido, saiu de lá a mal, pois foi despedido pelo arguido.
5. Por outro lado, afirma ainda o Meritíssimo Juiz a quo, na sua fundamentação de facto, que, o depoimento do assistente é confirmado pelas testemunhas que se seguiram, o que também não podemos concordar. Desde logo, porque todas as testemunhas trazidas ao processo pelo assistente foram ex-trabalhadores do arguido e todos foram por este despedidos, tendo saído a mal da empresa. Por outro lado são amigos do assistente, e colegas de trabalho.
6. E muitos factos ficaram por esclarecer. Senão vejamos: É afirmado pelo assistente que, quem estava consigo no momento da alegada agressão era o Sr. H, também testemunha aqui nos autos, ouvida em audiência. Essa testemunha esteve a cerca de 3, 4 metros do local onde ocorreu a alegada agressão, isto já nas palavras do próprio. No entanto, e depois de relatarem que foi o arguido que agrediu o assistente com um taco de basebol, vindo do nada, sem qualquer discussão previa, ao contrario do que é dado como provado pelo meritíssimo Juiz, é também dito pelo assistente, e confirmado pela testemunha H que, ninguém se meteu no meio dos dois para os separar, apenas interveio a Testemunha R que veio "em auxilio do sr. R", isto nas palavras do assistente, e que foi pela testemunha H agarrada para não se meter no meio dos dois. (depoimento da 1º testemunha, folhas 3 da acta da audiência de discussão e julgamento de dia 22 de janeiro de 2010, e gravação digital efectuada na aplicação habilus)
7. Ora, como é que é possível acreditar que, o assistente estava a ser, alegadamente, violentamente agredido com um taco de basebol pelo arguido, e a testemunha H, a cerca de 3 metros de distância, não intervém para ajudar o seu amigo e colega de trabalho? Mais, não permite que outro intervenha e chega mesmo a agarra-lo para que este não se meta e não vá em auxilio do Sr. R.
8. Quando é dito pelo assistente e pela testemunha que alguém vem em auxílio de outro, só poderá ser porque essa pessoa que precisa de auxílio está a ser agredida! A nós gera a dúvida, e confirma o depoimento do arguido.
9. Mais, a testemunha JJ que segundo o meritíssimo juiz também teve um depoimento isento e sem contradições, vem afirmar que foi verdade que o R veio em defesa do patrão, isto quando o sr. A ficou com o taco na mão, e afirma ainda que "nós éramos três e ninguém o deixou. Ele quis se aproximar mas um colega nosso não deixou!" (depoimento da 3ª testemunha, folhas 4 da acta da audiência de discussão e julgamento de dia 22 de janeiro de 2010, e gravação digital efectuada na aplicação habilus)
10. Por várias vezes foi pelas testemunhas e pelo próprio assistente afirmado que a testemunha R tentou vir em auxílio do ora arguido e foi impedido pela testemunha H. Ora, isto no nosso entendimento apenas poderá quer dizer uma coisa, é que se o ora recorrente precisava de auxílio era porque estava a ser agredido. Se nenhum dos colegas do assistente se meteu no meio da alegada briga, era porque este não necessitava de defesa. E não cremos que, como afirma o Meritíssimo Juiz, que não é por não existir "bons samaritanos" que ninguém interveio, pois faz parte do instinto humano que quando alguém que nos é próximo, ou pelo menos, nosso conhecido e amigo, se encontra em perigo, nós vamos em seu auxilio.
11. Outra contradição notória entre os depoimentos do assistente e das testemunhas H e JJ centra-se no facto de, tanto o assistente como a testemunha H. afirmam claramente que o assistente conseguiu retirar o taco de beisebol ao Sr. R e que foi po-Io no seu carro "entre os bancos da frente". (depoimento da 1º e 2º testemunha, folhas 3 e 4 da acta da audiência de discussão e julgamento de dia 22 de janeiro de 2010, e gravação digital efectuada na aplicação habilus)
12. Acontece que, a testemunha JJ, que afirma se encontrar dentro do carro, e que não saiu de lá de dentro, afirma ainda que não sabe o que aconteceu a esse taco, que ficou lá na empresa e que o mesmo nunca esteve no carro onde se encontrava. (depoimento da 1º testemunha, folhas 3 da acta da audiência de discussão e julgamento de dia 22 de janeiro de 2010, e gravação digital efectuada na aplicação habilus)
13. Ora, por todas estas imprecisões, incongruências e verdadeiras contradições entre os depoimentos das testemunhas apresentadas pela acusação e do assistente, não aceitamos que na sua douta sentença venha o Meritíssimo Juiz afirmar que foram depoimentos distanciados, lógicos e principalmente que foram depoimentos isentos e sem contradições. Ainda que caiba ao Juiz da causa o princípio da livre apreciação da prova, é notório que no caso em apreço a prova foi claramente mal apreciada, ou tendencialmente apreciada a favor do assistente.
14. Por outro lado, não entende como considera o Meritíssimo Juiz a quo que ficou provado o crime de ameaças, e isto porque foi claramente afirmado pelo próprio assistente que, voltou à empresa no dia a seguir ao factos dizendo mesmo que "Voltei, voltei, não tinha nada a temer, não me sentia com medo para lá voltar". (depoimento da 12 testemunha, folhas 3 da acta da audiência de discussão e julgamento de dia 22 de janeiro de 2010, e gravação digital efectuada na aplicação habilus)
15. Alguém que teme pela sua vida, não volta ao sitio onde foi agredido, ainda mais sozinho. Mas como pelo próprio foi dito, não tinha medo nenhum para lá voltar!!
16. Esta afirmação é suficiente para que não se possa acreditar que a suposta expressão dita pelo arguido foi adequada a provocar medo ou inquietação tal como se encontra previsto no tipo legal de crime.
17. Não se preenchendo o Tipo legal do crime de ameaças, previsto no art. 153 do Código penal, não se pode falar que foi praticado o mesmo crime.
18. Pelo que, existe um erro notório na apreciação da prova, pois foram considerados como provados factos que no nosso entendimento estão claramente em contradição com a prova produzida. Por outro lado, foram desconsiderados factos que tão só são suficientes para absolver o arguido. Pelo que deverá ser a sentença recorrida alterada quanto à matéria de facto, nos termos do art. 410 nº2 do CPP.
19. Quanto à testemunha apresentada pelo arguido, R o seu depoimento não foi sequer considerado pelo Meritíssimo Juiz a quo, pois considerou que o mesmo foi um depoimento com contradições, sendo que a fundamentação para tal convicção apenas se fundou no facto de a testemunha quando questionada sobre a primeira imagem que viu referiu que ambos estavam no chão. Ora, em nosso entendimento, tal fundamentação é parca, e injusta, pois a testemunha referiu muito mais que isso, e nem sequer foi considerado.
20. Tal testemunha confirmou o depoimento do arguido e foi por todas as restantes testemunhas confirmado que o mesmo se encontrava presente no dia e na hora referida na acusação, pelo que era conhecedor dos factos aqui em discussão.
21. A testemunha, no nosso entendimento foi isenta, e só entrou em "atrapalhação" quando foi, claramente, baralhada pelo Ministério Publico, aquando da sua inquirição. Certo é que a testemunha era de nacionalidade Brasileira e que não compreendeu algumas das questões que lhe foram feitas pela forma como foram efectuadas. Ora, quando tal acontece, é certo que as testemunhas poderão se sentir intimidadas a responder, que foi claramente o que aconteceu com a testemunha em causa.
22. Pelo exposto, deverá a sentença ora recorrida ser alterada quanto à matéria de facto dada como provada, pois existe um erro notório na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, relativamente aos dois crimes de que vem o arguido acusado, bem como a própria sentença é claramente parca em fundamentação da matéria de facto considerada como provada, nos termos do art. 410, nº 2 al) b e c do CPP.
23. No que respeita à medida da pena aplicada, Meritíssimo Juiz a quo decidiu condenar o arguido, como autor material dos crimes de que vinha acusado, condenando-o na pena única de 150 dias de multa à taxa dia ria de €15,00, num montante global de €2250,00.
24. Justificou, O Meritíssimo Juiz, na sua douta sentença ora em crise, o valor da taxa diária aplicada, no facto do arguido ser empresário, possuindo à sua ordem cerca de 50 camiões e 64 trabalhadores, e ainda no facto de viver em casa própria e de despender mensalmente cerca de €250,00 por força do seu estado de saúde. Acontece que, foi pelo arguido dito que recebe como salário o valor de €600,00 por mês, e ainda que paga um valor da prestação da casa, facto esse que nem sequer foi considerado como provado pelo meritíssimo Juiz.
25. Ora, foi muito para além da prova realizada quando determina que, apenas pelo facto de ser empresário, deverá receber muito mais do que afirmou em Tribunal. Mas que provas tem o Meritíssimo Juiz que fundamentem esta sua convicção? Apenas se baseia nas elementares regras de experiencia comum.
26. Acontece que, se foi posta em causa, e sejamos sinceros, de forma abrupta e agressiva, as declarações do arguido quanto à sua condição sócio económica, apenas havia uma coisa a fazer, juntar provas que justifiquem o poder económico do arguido para alem do que foi por este declarado.
27. As regras de experiencia comum, nos dias que correm, ditam que a maior parte das empresas se encontra à beira da insolvência, e ditam ainda que grande parte das empresas Portuguesas se vêem aflitas até para pagar os ordenados aos seus funcionários, pois são detentores de muitos créditos "mal parados".
28. Apenas o facto de o arguido ser empresário ter cerca de 50 camiões, não significa que ganhe um salário para além dos €600,00, pois, como foi também referido pelo arguido, cerca de 40 dos camiões se encontram em situação de leasing, outro facto desconsiderado por completo pelo Meritíssimo Juiz a quo.
29. Ora, tendo o Meritíssimo Juiz fundado a sua convicção, para a determinação da pena, em factos que apenas são presunções, não poderá deixar de se considerar que a mesma sentença sofre de uma nulidade.
30. Poderia o meritíssimo juiz ter pedido, para comprovar a sua presunção, documentos financeiros da empresa, e ainda comprovativos do IRS do arguido, o que não fez. Apenas se limitou a presumir que, sendo empresário vive bem!!!
31. Pelo que, deverá ser considerada a sentença ferida de nulidade nos termos do art. 379º nº1 al) c do CPP.
32. Pelo que antecede, foram violados na Douta Sentença recorrida os seguintes preceitos: art, 410 nº 2 do CPP e art, 379 nº1 al) c também do CPP, pelo que a mesma deverá ser revogada, ou alterada em conformidade, absolvendo o arguido dos crime de que vem acusado, ou, caso assim não se entenda, sem conceder, deverá o arguido ser absolvido pelo crime de ameaças, por o tipo legal de crime não se encontrar preenchido, e no que respeita ao crime de ofensa à integridade física, ver a sua pena atenuada, pelo menos no que respeita ao valor do quantitativo diário fixado.
Requer, seja dado provimento ao recurso.
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº que conclui:
1- Efectuado o julgamento foi proferida sentença que condenou o arguido Rui Simão de Jesus, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143, nº 1, do C.P, na pena de 100 dias de multa, e um crime de ameaça p. e p. pelos art. 153, nº 1 e art.155, nº 1, al. a), ambos do C. P., na pena de 60 dias de multa, sendo na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 15 Euros.
2- Não se conformando o arguido vem interpor recurso da sentença, invocando erro notório na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, relativamente aos dois crimes, e discordância quanto ao valor da taxa diária aplicada.
3- A alteração da decisão da matéria de facto tomada pelo tribunal recorrido com este fundamento tem o seu âmbito delimitado desde logo pelo texto do art. 410 do CPP. Mais especificamente no que respeita ao vício do erro notório na apreciação da prova este não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente. Só existe quando, do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Ora, da leitura da sentença recorrida, em nosso entender, resulta a inexistência do alegado vício.
4- Porém, mais se adianta que, em nossa opinião, o M mo Juiz apreciou correctamente a prova produzida, retirando as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, fazendo apelo ao principio consagrado no artigo 127 do CPP e aos princípios da imediação e da oralidade.
5- De facto, em nosso entender, tendo em atenção as declarações do assistente, o qual, como refere o M mo Juiz "a quo", de forma distanciada, lógica, coerente e com ausência de contradições, relatou o ocorrido, e o depoimento das testemunhas, maxime JJ, que estando a 10 metros do ocorrido, relatou a agressão e as expressões, de forma espontânea, e H, que encontrando-se a cerca de 5 metros do ocorrido, também de forma espontânea, foi claro em dizer que o arguido muniu-se de um taco e desferiu várias pancadas no assistente, e assinalou as expressões ditas por aquele, sempre teria que se concluir nos moldes expressos na sentença ora recorrida.
Atendeu-se também ao relatório pericial de fls. 10, o qual corroborou as declarações e os depoimentos acima assinalados, nomeadamente quanto à localização das agressões.
6- Tais depoimentos foram isentos e despidos de contradições, nomeadamente as apontadas pelo recorrente, mostrando-se credíveis. São estes coerentes, claros e lógicos, mormente no que concerne ao aludido taco e ao posicionamento dos intervenientes. Neste segmento, adianta-se ainda que a extracção de excertos não demonstra de uma forma clara os referidos depoimentos, permitindo fazer leituras que não coincidem com as efectuadas quando analisados no seu contexto global.
7- Por sua vez, o arguido prestou declarações, negando os factos, e a testemunha R, ainda hoje funcionário do arguido, prestou depoimento com nítidas contradições. Ora, a referida testemunha, de nacionalidade brasileira, entendia perfeitamente o português, o que se extrai desde logo das suas respostas prontas e coerentes em relação à pergunta formulada, apenas pecando por avançar com versões diferentes em relação a diversos pormenores que compunham a envolvência dos factos e por alterar o circunstancialismo consoante a identidade de quem o questionava.
8- E por fim salientamos que, em nossa opinião, não se poderá afirmar que os factos dados como provados, por si só, ou face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se podiam ter dado como verificados ou são contraditados por prova testemunhal ou documental que fazem prova plena, devendo-se pois ter decidido por uma conclusão contrária à recorrida. Posto isto, concluímos não ter sido violado qualquer preceito legal e designadamente inexistir erro notório na apreciação da prova.
9- Ora, da análise do depoimento do A., assistente, colhe-se, a nosso ver, factos ou actos concretos levados a cabo pelo mesmo, donde se possa atestar e inferir o seu medo. Anota, e bem, o M mo Juiz que «O arguido ao proferir as expressões assinaladas causou intranquilidade e temor no espírito de Adriano Pedro, convicto que ficou da possibilidade de o arguido poder vir a concretizar o que disse».
10- E atenta a prova produzida sobre a personalidade do arguido e a envolvência da situação, cremos ser de concluir que este é pessoa agressiva no que concerne à pessoa do assistente, sendo capaz de levar avante as ditas ameaças, encontrando-se num local mais recatado e isolado. Aliás, expressões como as alegadas são comuns em situações de desaguisados, nomeadamente de cariz profissional/laboral, havendo quem as profira com o intuito de as vir a concretizar, sendo, pois, em princípio, adequadas a provocar medo, sendo certo que no vertente caso a indicada expressão, no contexto em que foi proferida, no meio de uma discussão, à qual estão subjacentes questões de natureza patrimonial que se arrastam no tempo, considera-se adequada a produzir tal efeito na pessoa do assistente.
E assim sendo, entendemos que se encontram presentes todos os elementos objectivos e subjectivos do crime em referência.
11- A este propósito o nº 2 do art. 47 do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, fixa, para as respectivas taxas diárias, os limites de €5,00 e €500,00, procurando assim adaptar a pena de multa às condições pessoais do arguido, devendo pois considerar-se dentro dos limites mínimo e máximo, as condições económicas, pessoais e mesmo familiares deste. Como salienta o M mo Juiz «o arguido é empresário, possuindo à sua ordem cerca de 50 camiões e 64 trabalhadores, vive em casa própria, despende mensalmente 250 Euros por força do seu estado de saúde».
12- Em face da matéria fáctica dada como assente, não vemos quaisquer razões para que a pena do arguido não tivesse sido graduada nos moldes referidos, sendo que, a nosso ver, a tanto obriga o critério de determinação da pena em função da culpa do agente e da prevenção de futuros crimes - artigo 71 do C. Penal - e tendo ainda em atenção o preceituado nos artigos 40 e 70 deste diploma, salientando-se o art. 71 do C. Penal no que respeita à escolha da taxa diária.
12 (repetida)- Termos em que se entende dever negar-se provimento ao recurso mantendo-se inalterada a decisão recorrida, a qual não violou quaisquer preceitos legais, nomeadamente os artigos enunciados pelo recorrente.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
1.1. FACTOS PROVADOS
Da culpabilidade
a) No dia 2 de Dezembro de 2008, pelas 12.15h., A. deslocou-se às instalações da empresa R… Lda., situadas …. Leiria, a fim de falar com o arguido de modo a receber o ordenado relativo a Novembro de 2008.
b) Após desentendimento verbal, o arguido desferiu com um taco de “baseball” diversas pancadas no corpo de A, tendo-o atingido por duas vezes na perna direita e uma vez na mão direita e nas costas.
c) Em consequência, o arguido causou dores e traumatismos dorsais, da mão direita e joelho direito, com ferida linear da face anterior do joelho com 2,2 cms. de comprimento, lesões que lhe determinaram directamente 8 dias de doença sem período de tempo de incapacidade para o trabalho.
d) Posto o que o arguido disse a A “eu vou para a prisão, mas tiro-te a vida a ti e à tua família” e que ia dar cabo dele e aos da raça dele.
e) O arguido ao proferir as expressões assinaladas causou intranquilidade e temor no espírito de A, convicto que ficou da possibilidade de o arguido poder vir a concretizar o que disse.
f) O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito de molestar fisicamente A e o de criar no seu espírito temor, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
Da determinação da sanção
g) O arguido foi condenado por crime de ameaça ocorrido a 20-3-1998 na pena de 140 dias de multa por sentença transitada a 5-6-2002, foi condenado por crime de falsificação de notação técnica ocorrido a 18-5-2006 na pena de 250 dias de multa por sentença transitada a 10-11-2008 e foi condenado por crime de ofensa à integridade física ocorrido a 31-8-2006 na pena de 70 dias de multa por sentença transitada a 25-2-2009.
h) O arguido é empresário, possuindo à sua ordem cerca de 50 camiões, e 64 trabalhadores, vive em casa própria, despende mensalmente 250 Euros por força do seu estado de saúde.
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1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
a) Inexiste.
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1.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal baseou a sua convicção na factualidade descrita no que diz respeito à culpabilidade do arguido nas declarações do assistente, a qual de forma distanciada e lógica, relatou o ocorrido, apesar de ter assinalado as más relações com o arguido. De facto, assinalou as expressões usadas bem como o modo como se desenrolou a agressão a si, assinalando que foi com o taco assinalado. O seu depoimento revela coerência e ausência de qualquer contradição. Se houvesse dúvidas quanto à isenção do assistente, as mesmas dissipar-se-iam com os depoimentos de H o qual de forma espontânea, convencendo-me, foi claro em dizer que o arguido muniu-se de um taco, desferiu várias pancadas, assinalou as expressões ditas pelo arguido, e que se encontrava a cerca de 5 m do ocorrido. De igual modo, J J, estando a 10 m do ocorrido, relatou a agressão e as expressões, de forma espontânea, convencendo-me. Por fim, atentei ao relatório pericial de fls. 10. Assinale-se por último que as declarações do assistente e das testemunhas assinaladas têm apoio outrossim no relatório pericial, nomeadamente quanto à localização das agressões. O arguido prestou declarações, negando os factos, e assinalou que não tinha taco algum, que foi o assistente que lhe chamou de “caloteiro”, que foi o assistente a dar-lhe empurrão tendo caído. Questionado sobre o motivo das lesões assinaladas no relatório médico, não soube explicar, por outro lado, as suas declarações não tiveram qualquer credibilidade nem apoio na prova credível assinalada. A testemunha R prestou depoimento com contradições. Na verdade, assinalou que “viu tudo” contudo questionado sobre a primeira imagem que viu assinalou que ambos estavam no chão, ora só por esta declaração fácil é de entender que a testemunha não viu os factos relevantes para a presente decisão.
Os elementos subjectivos (vontade e conhecimento) advieram das regras de experiência comum, concretizadas nos concretos comportamentos do arguido (o dizer, o desferir com taco de “baseball” são acções significativas de vontade), o qual demonstra intencionalidade e ciência.
Quanto à questão da determinação da sanção, teve ainda o Tribunal em consideração o certificado de registo criminal de folhas 107 a 111 e emitido a 22-10-2009, bem como as declarações do arguido, as quais prestadas de forma espontânea e isenta, me convenceram, sendo certo que inicialmente começou por referir que auferia por mês 600 Euros, o que à luz das mais elementares regras de experiência comum não é credível atento o volume de instrumentos com gere a firma de que dono.
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Conhecendo:
A recorrente insurge-se contra a matéria de facto apurada, alegando que a prova foi mal apreciada ou tendencialmente apreciada a favor do assistente.
Que se verifica, por conseguinte, o vício do erro notório na apreciação da prova.
Que não se verificam os elementos do tipo do crime de ameaças.
Que para a determinação da pena o tribunal se baseou em presunções.
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Matéria de facto:
Embora o recurso da matéria de facto não cumpra todos os requisitos expostos no art. 412 do CPP, é de simples percepção o teor da impugnação, daí a desnecessidade de qualquer aperfeiçoamento.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
Não há que reexaminar toda a prova produzida, mas apenas aquela que (concretizando-a) o recorrente tem como deficientemente apreciada.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
Desde já se diz, e conforme se constata das declarações e depoimentos prestados, que não assiste razão ao recorrente.
É certo e conforme refere o recorrente, da conjugação do seu depoimento e do da testemunha R, deveria resultar serem outros os factos provados. No entanto, olvida a recorrente que também há que ter em conta e ponderar, as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas de acusação.
E não basta o recorrente alegar que o juiz fundamentou toda a decisão no depoimento do assistente e que todas as testemunhas que confirmam o depoimento do assistente foram ex trabalhadores do arguido e todos foram por ele despedidos, ou que a prova foi mal apreciada ou tendencialmente apreciada a favor do assistente. Há que concretizar as contradições e incongruências de cada depoimento, para que de forma justificada se compreenda o motivo alegado pelo recorrente de se julgarem inverosímeis os depoimentos da acusação.
Para o julgador, que presidiu ao julgamento e perante quem os depoimentos foram prestados (oralidade e imediação), os da acusação foram os que o convenceram.
Na motivação e referindo-se aos depoimentos é referido que foram prestados, o do assistente “revela coerência e ausência de qualquer contradição”, e o da testemunha H prestado de “forma espontânea, convencendo-me, foi claro em dizer que o arguido muniu-se de um taco, desferiu várias pancadas, assinalou as expressões ditas pelo arguido”, a testemunha JJ “relatou a agressão e as expressões, de forma espontânea, convencendo-me” a que acresce o relatório pericial localizando as “agressões”. Por outro lado, “as declarações do arguido não tiveram qualquer credibilidade nem apoio na prova assinalada” e a testemunha R “prestou depoimento com contradições”, sendo que não pode colher, a argumentação expandida no recurso de que a testemunha é de nacionalidade brasileira e não entendeu bem as perguntas, como salienta o Mº Pº na resposta a testemunha “entendia perfeitamente o português, o que se extrai desde logo das suas respostas prontas e coerentes em relação à pergunta formulada, apenas pecando por avançar com versões diferentes em relação a diversos pormenores que compunham a envolvência dos factos”.
Face ao exposto, e conforme as regras da experiência, o julgador só poderia convencer-se nos termos em que se convenceu, valorando a prova que teve como coerente e isenta.
A prova é valorada tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
E, não se trata de apreciação arbitrária, antes tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (assistente e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
Como se salienta no Ac. da rel. de Lx. de 12-12-2006, in col. jurisp. tomo V, pág. 136, “o local ideal para apreciar criticamente as provas é a audiência de discussão e julgamento, em que os julgadores dispõem de melhores condições para as apreciar. A conclusão que se impõe é que, perante o texto da decisão recorrida, nada ressalta que indique apreciação notoriamente errada”.
A que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções (o diz expressamente no recurso ao referir que a testemunha R “no nosso entendimento foi isenta”), o que não é viável pois que o acto de decisão pertence ao tribunal que aprecia as provas (todas e não apenas uma versão) segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
O alegado pela recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Vícios do art. 410 nº 2 do CPP:
Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, são de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.
No caso em apreço, não descortinamos onde, na decisão recorrida, se possam descortinar o vício invocado do erro notório na apreciação da prova.
Erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
O que o recorrente entende é que há erro na apreciação da matéria de facto em ordem a aplicar o direito.
A situação apontada não consubstancia o vício do art. 410 nº 2 do CPP, mas antes erro de julgamento da matéria de direito, na perspectiva do recorrente. Situação já analisada.
Assim, não se verifica o vício do erro.
Assim que se considere fixada a matéria de facto, inclusive quanto aos factos que consubstanciam o crime de ameaça.
É certo que o assistente se deslocou no dia seguinte à empresa do arguido para receber o ordenado que entendia ser-lhe devido, como ele refere no depoimento, “tinha que lá ir para fazer contas”, mas também dá a entender no seu depoimento que não era o arguido quem interferia no apuramento das contas, mas sim a esposa deste e que muitas vezes, em situações de despedimentos, era a testemunha R que efectuava os pagamentos, assim tinha acontecido com colegas seus.
E, o facto de ir no dia seguinte não significa que não fosse temeroso, receoso e com constrangimento e até mais atento a algo estranho que pudesse ocorrer. O assistente refere no depoimento a preocupação que teve, “ficou preocupado ele e a família” pelo que aquela ida à empresa do arguido para receber salário atrasado não o foi em âmbito de plena liberdade.
Havendo mal anunciado, há que se apurar até que ponto esse mal anunciado coage o ofendido a ter comportamento diferente daquele que livremente tomaria, e apurou-se, tal como consta da alínea e) dos factos provados.
Como refere o Mº Pº na resposta, “na redacção do actual preceito que prevê e pune o crime de ameaça, art. 153 do CP revisto, foi introduzida a expressão «de forma adequada a provocar-lhe» e daí pareça entender-se que se exige para o preenchimento do tipo de crime que a acção reúna certas características, susceptíveis de afectar, lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que em concreto chegue a provocar o medo ou a inquietação – é assim entendido por Figueiredo Dias e por Maia Gonçalves”.
Como refere o ACRL de 12-03-2009, Proc. 628/02.4PCCSC.L 3ª Secção:
“ A acção ou acto de ameaçar traduz-se numa prefiguração ou anúncio de assumpção e execução de um facto contrário à capacidade de determinação e de decisão de alguém e susceptível de afectar, no futuro, bens pessoais, como a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de elevado valor.
Para o preenchimento do tipo objectivo descrito na norma incriminadora, exige-se que a ameaça contra alguém contenha em si uma aptidão mobilizadora adequada a provocar medo ou inquietação: a) que corresponda a um mal, seja de natureza pessoal, seja de natureza patrimonial; b) que o mal objecto da ameaça seja futuro, não podendo ser um mal actual ou iminente, porque neste caso estar-se-á perante uma tentativa de execução do respectivo mal; c) que a sua ocorrência dependa da vontade do agente.
Não se exige, no entanto, que a ameaça provoque medo ou inquietação. Antes necessário se torna que seja adequada a provocar um estado de temor ou medo capaz de constranger, de forma reputada relevante, a paz individual ou a liberdade de determinação da pessoa visada. O futuro mal anunciado pelo sujeito activo há revelar-se apto para, numa avaliação objectiva, se configurar como condicionador da liberdade de determinação da pessoa alvo da ameaça e subjectivamente idóneo a inculcar no visado um estado de medo e inquietação constrangedora da sua normal e fluente forma de agir”.
E a expressão constante da al. d) dos factos provados, “eu vou para a prisão, mas tiro-te a vida a ti e à tua família” e que ia dar cabo dele e dos da raça dele é capaz de provocar um estado de temor e de constrangimento condicionador da liberdade de determinação do ofendido e condicionante na sua forma de agir.
Assim, que também neste segmento se tem como fixada a matéria de facto e a mesma consubstancia a pratica pelo arguido do crime de ameaça.
Determinação da pena:
Embora não o diga expressamente, entende-se do teor do recurso que o recorrente questiona a taxa diária da pena de multa, que entende baseada em meras presunções.
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena.
Critérios esses com os quais concordamos inteiramente, mostrando-se a pena em concreto aplicada ajustada aos factos e á culpa do arguido.
Devendo dar-se prevalência à pena não detentiva quando esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, art. 70 do CP, foi isso que se determinou na sentença.
Na aplicação da medida da pena de multa deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que a integridade física e a liberdade da pessoa humana são tutelados pela lei penal.
Assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar (já antes foi sancionado com pena por comportamentos idênticos).
A pena só faz sentido, enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Taxa diária:
Todos os elementos necessários à determinação da taxa diária foram levados em conta -art. 47 nº 2 do CP.
O arguido não convenceu o Tribunal recorrido de auferir 600,00€ por mês.
E, convenhamos que não serão estes os rendimentos mensais de um empresário com uma frota de 50 camiões (tendo camiões de 175 mil euros) sendo 40 a pagar em sistema de leasing no que despende 70.000,00€ e 64 trabalhadores.
A que junta despesas da doença, diabetes no que despende 250,00€ mês e 200,00€ de prestação da casa, sem que referisse despesas de água, electricidade e gás, nomeadamente.
Nem contabilizasse a quantia despendida na casa da filha que diz que paga.
Assim que não se pode comparar os rendimentos de um trabalhador por conta de outrem com um empresário destas dimensões, acreditando-se que efectivamente seja o ordenado de 600,00€ o efectivamente declarado.
Nos termos do art. 47 nº 2 do CP deve atender-se à situação económica e financeira do condenado e não ao salário declarado.
E a situação económica e financeira do arguido está espelhada na alínea h) dos factos provados e perante ela, tendo em conta que a taxa diária pode oscilar entre 5,00€ e 500,00€, não se mostra exagerada a taxa de 15,00€ por dia.
Como já decidiu o S.T.J. (Ac. de 2-10-97, C. J., Tomo 3, 183) o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.
Tal montante (pena de multa) não pode, efectivamente, deixar de constituir um castigo, sob pena de deixar de cumprir a sua finalidade de verdadeira pena.
Não se pode levar terceiros a pensar (prevenção geral) que "o crime compensa".
Não se pode transformar a pena de multa numa absolvição encapotada.
Há que fazer sentir ao arguido o desvalor social da sua actuação.
Estes são factos demonstrativos de que o arguido tem capacidade para pagar, sem sacrifício exagerado ou insuportável, a quantia diária de 15,00€.
Pelo que temos que a taxa diária da multa fixada na sentença é de considerar ajustada.
E o arguido, face ao montante global da multa, no caso de sentir necessidade, pode requerer o pagamento em prestações.
Há que ter em conta que a lei prevê medidas para a hipótese de o condenado não poder pagar a multa, pena em que foi condenado, de uma só vez.
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Pelo exposto, entendemos ter ficado demonstrada a sem razão do recorrente, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso do arguido R e, em consequência, mantém-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.

Coimbra,
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