Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/08.5TBIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº7/2001 DE 11/5, DEC. LEI Nº 322/80, DE 18/10, DECRETO REGULAMENTAR Nº 1/94, DE 18/1, 2020 CC
Sumário: I - Os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo de união de facto para que possa aceder às prestações por morte do companheiro (não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens), beneficiário de qualquer regime público de segurança social, são cumulativamente:

a) O companheiro falecido, na data da sua morte, não era casado ou, sendo-o, estava separado judicialmente de pessoas e bens;

b) Era beneficiário da instituição de segurança social demandada;

c) A prova da união de facto, por mais de dois anos, entre o sobrevivo interessado e o falecido beneficiário;

d) A prova de que o sobrevivo interessado carece de alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança do falecido beneficiário, nem pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos.

II - O membro sobrevivo de união de facto com casamento anterior não dissolvido e sem que tenha sido decretada separação judicial de pessoas e bens, não obstante a ocorrência de todos os requisitos enumerados no item anterior, não tem direito a usufruir do regime geral da segurança social, com vista a obter a qualidade de titular das prestações, por morte do beneficiário falecido.

III – Os artigos 2º, al. c), 3º, als. e), f) e g), e 6º, nº 1, todos da Lei nº 7/2001, de 11/5, 8º do Dec. Lei nº 322/80, de 18/10, e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1, não são materialmente inconstitucionais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

M (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Idanha-a-Nova, a presente acção com processo ordinário contra:

- Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões, IP, pedindo se lhe reconheça o direito às prestações por morte, no âmbito do regime da segurança social em vigor, subsequente ao falecimento de J (…), beneficiário n° 107365479/00.

Alegou, para tanto, em resumo, que viveu com o falecido J (…), durante 23 anos e até à sua morte, carecendo de alimentos que não pode obter das pessoas a isso obrigadas, sendo que a herança aberta por óbito do referido companheiro é composta por bens sem expressão patrimonial, não tendo condições para produzir rendimentos para garantir uma pensão de alimentos.

Contestou o Réu, suscitando o incidente atinente ao valor da acção e, em via de excepção, alegou que, sendo a Autora casada, preenche o condicionalismo previsto na al. c) do artº 2º da Lei nº 7/2001, facto que a impede de obter o efeito jurídico que pretende; em via de impugnação, diz não saber se os factos alegados, com excepção dos que se mostram comprovados documentalmente, correspondem à verdade.

Na resposta, a Autora defendeu a improcedência da arguida excepção.

Proferiu-se o despacho saneador, onde se fixou o valor à acção e nada se disse quanto à arguida excepção, protelando-se o seu conhecimento para final; consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações, tendo, porém, sido alteradas, de comum acordo, a matéria de facto assente e a base instrutória, no início da audiência de julgamento.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria de base instrutória, sem reclamações.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, não reconheceu à Autora o direito às prestações por morte de J (…)

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora recurso para este Tribunal, o qual foi recebido como de apelação e efeito suspensivo.

Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª - “A Requerente ao intentar a presente acção pretende ver reconhecido e declarado, pela via judicial, o direito a prestações por morte do seu companheiro J (…);

2ª - Para tanto logrou, a Autora, in casu, fazer prova de todos os pressupostos de factos de que depende a atribuição à Autora do direito a receber as prestações por morte do seu companheiro;

3ª - Todavia, foi julgado improcedente o pedido da ora Recorrente, porquanto, a Autora, apesar de há mais de 25 viver separada dele, ainda estar casada com Jaime Soares, o qual é brasileiro e se encontra ausente;

4ª - Assim sendo, a questão a delucidar no presente recurso é saber se à produçao do efeito jurídico pretendido pela Autora (membro sobrevivo da União de facto) obsta o seu casamento anterior não dissolvido;

5ª - Contudo, a decisão da Meritíssima Juiz “a quo”, aqui posta em causa, não foi, com o devido respeito, na perspectiva da Recorrente, nem a mais acertada, nem a mais bem fundada, no tocante à solução jurídica da questão supra identificada;

6ª - A Meritíssima Juiz a quo fundamenta a sua solução e decisão jurídica no teor do plasmado na al. C) do artigo 2° da Lei 7/2001 de 11 de Maio;

7ª - Na verdade, parece-nos que, a sentença ora recorrida julgou improcedente o pedido da ora Recorrente, por entender que existe possibilidade de um Requerente casado poder beneficiar de duas pensões de sobrevivência, violando assim o vertido no artigo 13° da CRP;

8ª - O fundamento desta conclusão emana, parece-nos, duma errada interpretação do vertido no artigo 6° do DL 7/2001, ao pretender limitar a letra e o espírito do disposto nos artigos 2020° e 2009° al. a);

9ª - Tentando suprimir a palavra “Cônjuge”;

10ª - A Recorrente funda a sua pretensão no disposto no artigo 6° n.° 1 da referida lei, em conjugação com o estipulado no artigo 8° do DL 322/90 e no artigo 3° do Decreto Regulamentar n.° 1/94;

11ª - O n.° 2 do artigo 1º da Lei da União de Facto (7/2001) estabelece que, nenhuma norma daquele diploma prejudica a aplicaçao de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica das uniões de facto;

12ª - A lei 7/2001 é uma lei geral;

13ª - Os pressupostos e condições de reconhecimento do direito a pensão de sobrevivência em casos de união de facto, estão, imperativamente, plasmados no artigo 8° do DL 322/90 e no artigo 3° do Decreto Regulamentar n.° 1/94;

14ª - Estes diplomas consubstanciam leis especiais;

15ª - Não nos parece que, a lei 7/2001 tenha derrogado, de forma tácita ou expressa, qualquer um destes diplomas;

16ª - Sendo certo que, o artigo 7º n.º 3 do CC consagra que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se essa for a intenção inequívoca do legislador;

17ª - No caso sub Júdice e analisando os diplomas legais acima referenciados não nos parece que possamos encontrar fundamento para afirmar que a intenção do legislador ao aprovar e publicar a Lei 7/2001 foi limitar, derrogar ou revogar o âmbito de aplicaçao do DL 322/90 e do DR 1/94;

18ª - O que é perfeitamente perceptível, porquanto, o artigo 6° da Lei 7/2001 remete para o artigo 2020° do CC, sem excluir ou limitar, a aplicaçao da al. a) do n.º 1 do artigo 2009° do CC;

19ª - Consequentemente, a lei especial prevalece sobre a lei geral;

20ª - Só assim se compreende a ratio do vertido no n.° 2 do artigo 1° da mencionada Lei 7/2001;

21ª - Refira-se que, a ora Recorrente reúne e reunia as condições definidas pelo artigo 2020º do CC;

22ª - Acresce que, é inequívoco que, da ratio do artigo 2020° não resulta qualquer exigência quanto ao facto de o companheiro sobrevivo não ser casado;

23ª - Conforme já alegado e salvo o devido respeito não nos parece que a Lei 7/2001, tivesse derrogado o DL 322/90 e o DR 1/94;

24ª - Na verdade, tal interpretação não resulta minimamente da letra e do espírito da lei, violando, também, o disposto no artigo 9° n.° 2 do CC;

25ª - Acresce que, a possibilidade de cumular pensões de sobrevivência é meramente académica, face às aplicações informáticas existentes;

26ª - Sendo certo que, no caso sub Júdice o que existe é a possibilidade de a Recorrente não receber qualquer pensão de sobrevivência;

27ª - O que consubstancia, manifestamente, uma violação do plasmado no artigo 13° da CRP;

28ª - Assim sendo, a Sentença ora recorrida viola o disposto no n.º 2 do artigo 1° do DL 7/2001, viola o disposto no artigo 6° do mesmo diploma legal, viola o disposto no artigo o artigo 8° do DL 322/90, viola o disposto no artigo 3º do Decreto Regulamentar n.° 1/94 e viola o vertido nos artigos 2020º e 2009 al. a) do CC;

29ª - Consequentemente, por estarem preenchidos os requesitos estipulados no DL 322/90 e no DR 1/94 deve ser revogada a sentença ora recorrida e substituído por outra que que dê provimento ao peticionada pela Autora ora Recorrente”.

Não foi apresentada contra-alegação.


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ÂMBITO DO RECURSO


O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com as apresentadas conclusões, a questão nuclear a decidir por este Tribunal é a de saber se o facto de a Autora ser casada a impede de beneficiar das prestações por morte de J (…).

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS

Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1º - A Autora nasceu em 28 de Maio de 1958 e é filha de (…) e de (…);

2º - A Autora celebrou casamento civil com (…);

3º - J (…) faleceu no dia 12 de Agosto de 2003, na freguesia e concelho de Idanha-a-Nova, no estado de solteiro;

4º - J (…) era beneficiário da Segurança Social n° 107365479/00;

5º - Marcos dos Santos Soares, solteiro, é filho de Maria Dulce Barros dos Santos Soares e de Jaime Soares;

6º - O (…) é pai de (…), nascido a 23-04-2001;

7º - (…), solteiro, é filho de (…) e de (…);

8º - (…) faleceu no dia 8 de Junho de 1987, na freguesia de S. Sebastião, concelho de Setúbal;

9º - A Autora e o falecido J (…)foram pais de (…), nascido em 27-09-1976;

10º - Desde há mais de 25 anos que a Autora vive separada em comunhão de cama, mesa e habitação de (…);

11º - Desde há mais de 25 anos que (…) se ausentou de Portugal;

12º - Desde há mais de 25 anos que a autora não estabelece contacto com (…), desconhecendo o local onde este se encontra;

13º - A Autora encontra-se desempregada;

14º - A autora viveu durante cerca de 23 anos, com J (…) e até à morte deste;

15º - Vivendo como se fossem marido e mulher;

16º - Durante o período aludido em 13º[1], a Autora dedicou-se a J (…), partilhando a mesma cama, tomando as refeições em conjunto, contribuindo ambos para as despesas domésticas, passeando e saindo juntos;

17º - Viveram ambos sob o mesmo tecto, comungaram a mesma mesa e partilharam o mesmo leito, cooperando no trabalho em união de esforços, contribuindo para as despesas comuns, dividindo entre si, os rendimentos do seu trabalho;

18º - A Autora e J (…) auxiliavam-se mutuamente no dia a dia, amparando-se, protegendo-se um ao outro e assistindo-se mutuamente na doença;

19º - Tal ligação era conhecida por toda a gente;

20º - Nos últimos tempos, viviam apenas dos rendimentos de J (…), e não tinham individual ou em conjunto qualquer outro rendimento;

21º - A Autora e J (…) viviam em casa arrendada;

22º - Desde a morte de J (…), a Autora apenas sobrevive com a ajuda do filho (…);

23º - O qual lhe permite que viva em sua casa;

24º - A Autora não dispõe de quaisquer meios para fazer face às despesas de saúde, alimentação e vestuário;

25º - A autora não tem quaisquer rendimentos para garantir a sua autonomia e subsistência;

26º - Marcos dos Santos Soares tem um contrato de trabalho de seis meses, auferindo cerca de € 600,00 mensais;

27º - (…) é maquinista auferindo mensalmente, em média, a quantia de € 550,00;

28º - (…) é reformada e aufere anualmente a quantia de cerca de € 6.084,28;

29º - A Autora tem uma irmã, de nome (…), mãe de (…) e de (…);

30º - A irmã da Autora aufere remuneração no valor líquido mensal de € 519,03;

31º - À data da sua morte, J (…) deixou apenas bens de reduzido valor, não sendo susceptíveis de produzir rendimentos;

32º - (…) é solteiro, trabalha na indústria hoteleira e aufere mensalmente cerca de 700 euros.


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O DIREITO


A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Autora/apelante tem direito às prestações sociais por morte de J (…), com quem viveu em união de facto.

A sentença recorrida defendeu o entendimento de que não estão reunidos todos os requisitos para atribuição das reclamadas prestações sociais. A apelante defende a posição inversa. Vejamos.

O Dec. Lei n° 322/90, de 18/10, define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (vide respectivo artº 1º).

De acordo com o seu artº 8º, “o direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.° 1 do artigo 2020º do Código Civil” (nº 1); e “o processo de prova das situações a que se refere o n. ° 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar” (n° 2).

Este Decreto Regulamentar é o n° 1/94, de 18/01, que veio estabelecer que: “o presente diploma define o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei n. ° 322/90, de 18 Outubro, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto” (artº 1º); “tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges” (artº 2º); “a atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2.º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020.º do Código Civil” (artº 3º, n° 1); e “no caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações” (artº 3º, nº 2).

O art. 6º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, veio dispor que “beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º, no caso das uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis”. Aquela Lei revogou (vide respectivo artº 10º) expressamente o Dec. Lei nº 135/99, de 28/9.

De acordo com o disposto naquele art.º 3.º, al. e), as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei.

O artº 1.º, nº 1, define o objecto daquela Lei, ao dispor que a mesma regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos.

O artº 6º da mesma lei, sob a epígrafe «Regime de acesso às prestações por morte», dispõe o seguinte:

1 – Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do artigo 2020.º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis.

2 – Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição.

De acordo com aquele n.º1, só beneficia dos direitos estipulados na al. e) do citado artº 3º, única situação que aqui tem relevo, quem reunir as condições constantes do art.º 2020.º do C. Civil.

E que condições são essas?

De acordo com o n.º 1 deste último preceito, “aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009º”.

As pessoas indicadas nestas alíneas são, respectivamente, o cônjuge ou ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos, as quais estão vinculadas à prestação de alimentos, pela ordem indicada.

Aquele artº 2020º é uma total inovação da Reforma de 1977. Estendeu ele o direito a alimentos à própria união de facto (à relação de companheirismo ou simples união concubinária).

Fê-lo, porém, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela[2], “como apesar de tudo era natural, em termos bastante apertados.

A concessão do direito a alimentos ficou, realmente, dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Que o membro da união de facto falecido, à custa de cuja herança os alimentos serão pagos, não seja casado à data da sua morte ou que, sendo casado, se encontre nessa altura separado judicialmente de pessoas e bens. Quer isto dizer, por conseguinte, que a pretensão alimentícia só pode ser exercida, neste caso, em relação à herança do companheiro ou companheira, que tenha falecido no estado de solteiro, viúvo, divorciado ou de separado judicialmente de pessoas e bens (não contra a herança de pessoa casada, ainda que separada de facto);

b) Que o requerente dos alimentos tivesse vivido maritalmente, há mais de dois anos, à data da morte do hereditando, com este;

c) Que a convivência marital entre eles se tenha processado «em condições análogas às dos cônjuges»;

d) Que o requerente não tenha possibilidade de obter os alimentos de que carece, nem do seu cônjuge ou ex-cônjuge, nem dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos;

e) Que o direito seja exercido dentro dos dois anos subsequentes à data da morte do autor da sucessão;

f) Que a necessidade do alimentado se refira aos meios de subsistência estritamente necessários para viver, e não para manter o padrão de vida que o requerente e o falecido mantiveram durante a união de facto, como se depreende, aliás, logo da simples localização sistemática da norma – colocada, não nas adjacências do direito matrimonial ou à sombra do recíproco dever de assistência conjugal, mas no coração do título do Código que trata dos «alimentos», no sentido técnico-jurídico da expressão.

Quanto às razões justificativas do aperto dos requisitos exigidos para a concessão dos alimentos, neste caso especial da união de facto, é bastante esclarecedor o trecho do preâmbulo (n.º 46) da Reforma de 1977, que lhe faz directa referência:

«Não se foi além de um esboço de protecção, julgado ética e socialmente justificado, escreve o legislador meio contrito meio tenebroso, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal. Foi-se intencionalmente pouco arrojado. Havia que não estimular as uniões de facto».

Nesta linha de pensamento, a jurisprudência mais recente do nosso mais Alto Tribunal, com a qual se concorda plenamente, é no sentido de que os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo de união de facto para que possa aceder às prestações por morte do companheiro (não casado, ou separado judicialmente de pessoas e bens), beneficiário de qualquer regime público de segurança social, são cumulativamente:

a) O companheiro falecido, na data da sua morte, não era casado ou, sendo-o, estava separado judicialmente de pessoas e bens;

b) Era beneficiário da instituição de segurança social demandada;

c) A prova da união de facto, por mais de dois anos, entre o sobrevivo interessado e o falecido beneficiário;

d) A prova de que o sobrevivo interessado carece de alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança do falecido beneficiário, nem pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos (vide Acs. do S.T.J. de 23/5/2006, 22/6/2006, 6/7/2006, 21/9/2006, 9/11/2006, 5/12/2006 e 01/04/2009, para só citar alguns dos mais recentes, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos, não vem questionado que a Autora logrou fazer prova de que, à data da morte de J (…), vivia com ele em situação análoga à dos cônjuges há mais de dois anos; que o falecido não era casado, nem se encontrava separado de pessoas e bens; que o mesmo era beneficiário da Segurança Social; a Autora tem necessidade de alimentos, bem como a impossibilidade dos mesmos lhe serem prestados, quer pela herança do falecido, quer pelos seus filhos, mãe e irmã.

Porém, mostra-se também provado que a Autora é casada civilmente com (…) casamento esse que teve lugar em 8 de Março de 1976 (vide doc. de fls. 12).

Com base neste facto, o Réu deduziu, na sua contestação, a excepção supra referenciada, aduzindo que o actual estado civil da Autora a impede de obter o efeito jurídico pretendida com a presente acção. E a sentença recorrida acolheu o entendimento defendido pelo Réu, contra o que a Autora se insurge, na sua alegação recursiva. Mas, salvo o devido respeito, sem convencer.

Como se escreveu na sentença recorrida, que aqui acompanhamos:

Quanto a tal questão, com a devida vénia, seguiremos de perto o Ac. RLx. de 26-06-2008 (proc. n.° 6600/2007-6, www.dgsi.pt), cuja argumentação e conclusões nos parecem exemplarmente claras e convincentes.

A Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, no artigo 2.°/c), dispõe que é impeditivo dos efeitos jurídicos dela decorrentes o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens. A lei estabelece este impedimento de modo bilateral e genérico, não limitando o efeito inibitório do casamento anterior em função da natureza do efeito jurídico em causa, designadamente da possibilidade de conflito de pretensões decorrentes do casamento não dissolvido pelo que, salvo se tiver havido separação judicial de pessoas e bens, o casamento de qualquer dos interessados (impedimentum ligaminis) impede em absoluto que a situação de facto de convivência de duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges seja produtora de qualquer dos efeitos jurídicos que esta mesma lei prevê.

Sendo certo que um dos efeitos previstos na Lei 7/2001 é a “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”, (artigo 3.°/e) poder-se-ia entender, desde logo, que a resposta à questão enunciada decorre unicamente, e de modo directo e imediato, do artigo 2.° da mesma lei: a não produção dos efeitos que a lei reconhece à união de facto tanto se verificaria quando o membro casado fosse o elemento da união de facto contra quem ou em relação a quem se verifica o evento (causam dans) em função do qual o outro membro da união deduz a pretensão, como quando que o impedimento se verifica na pessoa do peticionante.

Todavia, como se refere no já citado aresto e como decorre da resposta á contestação, “a questão não pode dar-se por resolvida sem um exame mais detalhado de todo o regime jurídico pertinente”.

O artigo 1.°/2 Lei n.° 7/2001 dispõe que “Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum”. O legislador pretendeu consagrar uma “cláusula de não retrocesso” relativamente ao âmbito de protecção jurídica das situações de união de facto, obrigando à averiguação se, por força desta norma, sobrevive no ordenamento jurídico qualquer disposição legal que outorgue o direito às prestações em causa em situação mais favorável. “Mais precisamente, importa averiguar se esta ressalva abrange disposições do regime específico das prestações da segurança social por morte de que resulte a sua atribuição ao membro sobrevivo independentemente de se manter vigente, relativamente a ele, um casamento anterior”.

O Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, que regula a protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social, dispõe no artigo 8.°, sob a epígrafe, “Situação de facto análoga à dos cônjuges” que:

1 - O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.° 1 do artigo 2020.º do Código Civil.

2 - O processo de prova das situações a que se refere o n.° 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar”.

Desta regulamentação encarregou-se o Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, que veio definir “o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, por parte das pessoas que se encontrem em união de facto” (artigo 1.º). O artigo 2.° do diploma dispõe que “Tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”.

Esta redacção tem forte semelhança, na parte do preceito que está em análise, com o n.° 1 do artigo 2020.° do Código Civil que dispõe que “Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada e pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, têm direito...”.

Destas disposições, ao menos da sua literalidade, resulta que o efeito impediente do casamento era unilateral. Ou seja o casamento obstava à pretensão decorrente da união de facto quando o causante (aquele cujo falecimento é gerador da pretensão) é casado (e não está separado judicialmente de pessoas e bens), mas não quando o casamento anterior se verificasse do lado do membro sobrevivo, portador da pretensão.

“E não se vê razão para, na sua consideração estrita, proceder a uma interpretação destas disposições legais, atribuindo efeito impeditivo da produção dos efeitos jurídicos nelas previsto também ao casamento não dissolvido do membro sobrevivo da união de facto. Com efeito, não se vislumbra fundamento para ver nestas normas mais do que a intenção de afastar ou resolver o conflito de pretensões entre o membro sobrevivo da união de facto e o cônjuge do falecido (ou a família resultante do casamento). Se quem era casado era o membro sobrevivo, este conflito potencial não se verifica. O mais que poderá resultar de não se inibir o membro sobrevivo de uma união de facto de reclamar as prestações por morte do seu companheiro não casado é a possibilidade de acumulação entre esta protecção e aquela que venha a deduzir com base no seu casamento anterior não dissolvido. Acumulação que é futura e eventual (quando o cônjuge morrer e se o casamento ainda se mantiver).

Ora, não tem o mínimo de apoio na letra da lei procurar prevenir essa possibilidade descortinando o intérprete um pressuposto impeditivo que a lei só fazia decorrer, e com outro objectivo, do estado civil do beneficiário falecido.

Tanto mais que, de acordo com a jurisprudência dominante, no momento em que deduz a pretensão emergente da união de facto, o sobrevivo tem de provar que se encontra em situação de carência económica extrema, demonstrando a necessidade actual de alimentos e que os não pode obter nos termos das alienas a) a d) do artigo 2009.° do Código Civil, o que bem pode justificar que o Legislador, contemplando a situação de carência presente de quem viveu em situação análoga à dos cônjuges com o beneficiário falecido e não tinha quem com ele concorresse, se tenha desinteressado de eventualidades futuras.”

Assim sendo é conclusão inegável de que o regime anterior reconhecia, a quem vivia com o beneficiário falecido em situação análoga às dos cônjuges, o direito às prestações de segurança social em condições mais vantajosas do que as que viriam a resultar do regime consignado na Lei n.° 7/2001, aplicado na sua integralidade.

Tendo presente o disposto no n.° 2 do artigo 1.º desta Lei, poder-se-ia entender, como pretende a autora, que o impedimento do casamento anterior não dissolvido por ela estabelecido não se aplicaria no domínio das prestações da segurança social por morte do beneficiário.

Não obstante, continuando a citar o Ac. RLx. 26-06-2008, razões atinentes à coesão e lógica do sistema afastam esse entendimento: não faz qualquer sentido que o legislador, no mesmo diploma em que, não obstante atribuir determinados direitos aos unidos de facto, os sujeita a concretos impedimentos - excepções -, depois permita, através do estatuído no artigo 1.°/2, a manutenção de todas as situações anteriores, designadamente as decorrentes do artigo 2020.° do Código Civil e do Decreto Regulamentar n.° 1/94, que não estabeleciam essas restrições.

Parece-nos mais lógica e coerente a conclusão de que o que o legislador da Lei n.° 7/2001 quis ressalvar, através de tal norma, foi a existência de outros direitos, mas única e exclusivamente desde que fora do campo específico de previsão do diploma. O legislador quis manter outros direitos consagrados a favor dos unidos de facto, mas apenas para as situações de união de facto que, à luz do diploma em análise, sejam produtoras de efeitos jurídicos como tal.

 “Seria incongruente que subtraísse ao âmbito de protecção específica da união de facto determinadas situações (as por si tidos como “excepções”), do mesmo passo em que admitiria a produção desses efeitos jurídicos pela manutenção em vigor de disposições legais em que essas “excepções” não são contempladas ou são configuradas de modo diverso.”

“E percebe-se que tenha sido esta a opção do legislador. Este não podia querer que, por via de uma norma genérica de salvaguarda, fossem abrangidas situações que claramente quis alterar, sobretudo atento ao cada vez maior número de uniões de facto e à aceitação e generalização do divórcio. Perante esta nova realidade, o legislador só pode ter querido forçar à regularização das situações, de modo a evitar desconformidade entre situações legalmente constituídas mas sem correspondência na vida real e as situações reais mas sem correspondência no mundo jurídico.”

Decorre do preceituado no artº 2º da Lei nº 7/2001, sob a epígrafe «Excepções», que são impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei, para além do mais que aqui não tem relevo, o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens [respectiva al. c)].

Aquele artº 2º acolheu, como se afirma no Ac. do S.T.J. de 3/2/2009[3], “os impedimentos dirimentes dos artigos 1601º e 1602º, do Cód. Civil, em matéria de capacidade matrimonial, agora estendidos à união de facto de pessoas do mesmo sexo.

Mas, enquanto a alínea c), do artigo 1601º, do CC, se reporta ao “casamento anterior não dissolvido”, o artigo 2º, alínea c), da Lei nº 7/2001, que é do mesmo teor do preceito homólogo da Lei nº 135/99, de 28 de Agosto, refere o “casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens”.

Assim sendo, o anterior casamento da autora (…), ainda não dissolvido, não obstante separados de facto, há mais de vinte anos, constitui circunstância impediente do efeito jurídico decorrente da lei, ou seja, excepção peremptória do pedido formulado pela autora. Certo é que, na qualidade de membro sobrevivo da união de facto, em virtude do falecimento do seu companheiro, (…), a autora beneficia dos direitos estipulados na alínea e) [direito à protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei] do artigo 3º, porquanto reúne as condições constantes do artigo 2020º, do CC, sendo certo, igualmente, que “nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum”, atento o estipulado pelos artigos 1º, nº 2 e 8º, nº 1, a), todos da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.

Porém, do conjunto articulado das disposições legais acabadas de transcrever, o que se impõe concluir é que, pretendendo a autora, no estado civil de casada, enquanto membro sobrevivo da dissolvida união de facto que constituiu com BB, falecido no estado civil de solteiro, a obtenção de alimentos da herança deste último, nos termos do estipulado pelo artigo 2020º, nº 1, do CC, não tem de demonstrar o pressuposto do exercício do direito em que se traduz o casamento anterior não dissolvido, ao contrário do que sucede se pretender a aplicação do regime geral da segurança social, com vista a obter a qualidade de titular das prestações, por morte de beneficiário falecido.

A qualidade de membro sobrevivo, no estado civil de casado, de união de facto dissolvida, por morte do outro sujeito da relação, constitui, assim, impedimento dirimente absoluto, que obsta à aplicação do regime geral da segurança social, com vista a obter a qualidade de titular das prestações, por morte de beneficiário falecido.

Quer isto significar, por seu turno, que a mesma lei [Lei nº 7/2001, de 11 de Maio] reconhece, por um lado, à autora o estatuto de “unida de facto”, com base no disposto pelo artigo 1º, nº 1, para, em seguida, lhe negar parte substancial dos efeitos jurídicos do mesmo, por se encontrar, na relação da união de facto, no estado civil de casada, atento o preceituado pelo artigo 2º, c), do mesmo diploma legal, o que traduz o reconhecimento de uma relação jurídica familiar, ou parafamiliar, à qual, porém, não são concedidos os benefícios sociais, fiscais e previdenciários instituídos pela própria lei que a concebeu e lhe deu vida jurídica.

É, afinal, o Estado de Direito numa atitude de manifesta desconfiança quanto à sinceridade dos propósitos dos “sujeitos” da relação de união de facto, mas isto, apenas, quanto aos efeitos de direito público, que não já quanto aos efeitos de direito privado, ou seja, concebendo-a, essencialmente, como uma união de facto privada, e, nem sempre, como uma união de facto reconhecida pelo direito. E isto, apesar do princípio da protecção da união de facto decorrer do direito ao desenvolvimento da personalidade, que a todos é reconhecido pelo artigo 26º, nº 1, da Constituição da República[4]”.

Deste modo, nenhuma censura merece a douta sentença recorrida, a qual aplicou o regime legal vigente quanto às uniões de facto.

De resto, não se vê que a interpretação que a sentença recorrida fez da Lei 7/2007, de 11/5, maxime dos seus artºs 2º, al. c), 3º als. e), f) e g), e 6º, nº 1, bem como do artº 8º do Dec. Lei nº 322/80, de 18/10, e do artº 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1, ofenda, de algum modo, o princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.

Como escreveu Jorge Miranda[5], emergem do princípio da igualdade três pontos firmes: 1.º - que a igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou naturalística; 2.º - que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção de justiça; 3.º - que a igualdade não é uma “ilha”, encontra-se conexa com outros princípios, tem de ser entendida – também ela – no plano global dos valores, critérios e opções da Constituição material.

O sentido primário do princípio é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações. Mais rico e exigente vem a ser o sentido positivo:

a) Tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;

d) Tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei). 

O princípio da igualdade não consiste, como tem sido sucessivamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em proibir ao legislador que faça distinções, mas em proibir diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes.

Deste modo, ao impor ao legislador que trate igualmente aquilo que é igual e desigualmente o que é desigual, esse princípio pressupõe uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. A perspectiva a partir da qual se vai proceder à comparação de situações e, consequentemente, a justificação do tratamento desigual não podem ser arbitrárias. Tais perspectiva e justificação têm de apresentar-se como razoáveis e, nessa medida, constitucionalmente adequadas.

Não enfermam, pois, as normas aplicadas na sentença recorrida de qualquer inconstitucionalidade material[6].

Improcedem, assim, as conclusões da alegação da apelante, pelo que a douta sentença recorrida tem de se manter.


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Sumário:

1 - Os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo de união de facto para que possa aceder às prestações por morte do companheiro (não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens), beneficiário de qualquer regime público de segurança social, são cumulativamente:

a) O companheiro falecido, na data da sua morte, não era casado ou, sendo-o, estava separado judicialmente de pessoas e bens;

b) Era beneficiário da instituição de segurança social demandada;

c) A prova da união de facto, por mais de dois anos, entre o sobrevivo interessado e o falecido beneficiário;

d) A prova de que o sobrevivo interessado carece de alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança do falecido beneficiário, nem pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos;

2 - O membro sobrevivo de união de facto com casamento anterior não dissolvido e sem que tenha sido decretada separação judicial de pessoas e bens, não obstante a ocorrência de todos os requisitos enumerados no item anterior, não tem direito a usufruir do regime geral da segurança social, com vista a obter a qualidade de titular das prestações, por morte do beneficiário falecido;

3 – Os artigos 2º, al. c), 3º, als. e), f) e g), e 6º, nº 1, todos da Lei nº 7/2001, de 11/5, 8º do Dec. Lei nº 322/80, de 18/10, e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1, não são materialmente inconstitucionais.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


[1] A referência feita na sentença ao item 13º só pode dever-se a mero lapso, já que, como resulta dos itens 5º e 7º da base instrutória, o que queria dizer-se era item 14º; aliás, a referência a período aludido no item 13º ficava falha de todo o sentido, por nele não se aludir a qualquer período de tempo.
[2] Código Civil Anotado, vol. 5º, 620.
[3] Disponível em www.dgsi.pt (Proc. 08A3880).
[4] Em sentido idêntico, vide o Ac. do S.T.J. de 26/6/2007, no mesmo endereço electrónico (Proc. 07A2003).
[5] Parecer junto ao Processo nº 948/04, 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, que teve o mesmo relator dos presentes autos.
[6] A constitucionalidade material das normas dos artºs 3º, als. e), f) e g), e 6º da Lei nº 7/2007; 8º do Dec. Lei nº 322/80, de 18/10; e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1, foi já afirmada no Ac. do S.T.J. de 19/3/2009, disponível no citado endereço (Proc. 09B0202).