Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/09.3GBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
DESOBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º E 69º/1 ALÍNEA A) DO CP, 152º 153º Nº 8,156º DO CE E 4º DA LEI N.º 18/2007)
Sumário: 1.O condutor de veículo, desde que esteja em condições de o fazer, e podendo embora incorrer na prática de um crime de desobediência, pode recusar-se a submeter-se ao exame de detecção de álcool ou de substâncias psicotrópicas, assuma este a forma de colheita por ar expirado ou por exame ao sangue.
2 A lei não impõe ou exige que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para efeitos acima referidos.
Decisão Texto Integral: 21

No processo Comum Singular nº 113/09.3GBCV.C1 do Tribunal Judicial da Covilhã o arguido P. foi condenado pela prática de «um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. pelo artigo 292º n.º 1 do Código Penal na pena de sessenta dias de multa à razão de 8 euros o que perfaz o montante de 480€. Foi ainda condenado na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses (artigo 69º n.º 1 a) do CP) e ainda condenado a pagar as custas do processo fixando-se em 1 UC a taxa de justiça acrescido de 1% sobre a mesma a favor do Fundo de Apoio às Vítimas de Crimes Violentos e nos encargos.

Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação.
Nas suas alegações o arguido conclui a sua motivação nos seguintes termos:
«I. Nos presentes autos, ficou provado, que nunca foi solicitado ao arguido qualquer autorização, por qualquer forma, para o sujeitar à recolha de sangue que serviu de base ao exame de alcoolemia no sangue constante dos autos.
II. Tal falta de informação ou de obtenção de consentimento do arguido, entendemos é motivo suficiente para considerar inadmissível tal recolha de sangue, aliás como já foi e muito bem decidido no Acórdão da Relação do Porto, de 9.12.2009 ( — Proc.1421/08.6PTPRT.P1, o qual segue aliás, o entendimento, de decisão do Tribunal Constitucional (n.Q 275/2009, de 27-05, DR, 2 Serie, n. 129, de 07/07/2009.
III. Na verdade, não se poderá nunca concordar com a exclusão de aplicação de tal doutrina e jurisprudência ao presente caso, como veio fazer, o Meritíssimo Juiz a quo, quando os pressupostos de declaração de nulidade da prova são exactamente os mesmos quer num quer noutro caso.
IV. Nesta parte, também nunca se poderá aceitar ou consentir (expressa ou tacitamente) que em matéria de validação ou legalidade dos meios de obtenção e recolha de prova em processo penal se aplique, sem mais, a figura do consentimento presumido, prevista no artigo 382 do Código Penal.
V. Na verdade, e aliás como já é jurisprudência assente, “O consentimento presumido assume sempre carácter subsidiário, no sentido de que só é legítima a sua invocação quando não for possível obter a manifestação expressa da vontade ou houver perigo sério na demora” conforme Acordão da Relação de Coimbra, de 28-04-2009(in http://www.dgsi. pt/ jtrc. nsf/0/e96337e8b7f6cc8f802575ba004875e8?O pen Docume jj proc. n. 92/08.4GDCTB-A.C1).
VI. No caso do autos, não se verificou qualquer dessas duas situações excepcionais, dado que nem sequer foi questionado ou informado o arguido de que lhe iria ser recolhido sangue para qualquer efeito de recolha de prova.
VII. Aliás, a aplicação de tal figura de consentimento presumido, nos termos propostos e apresentados na decisão recorrida, seria uma verdadeira revogação, tácita, de todos os princípios e limites constitucionais à intromissão na vida privada, plasmados no nosso Código de Processo Penal.
VIII. Refira-se, por último, que, no presente caso, e atentas as normas e o diploma legal que estabelece a recolha e obtenção dos meios de prova em matéria de exames de álcool — artigos 152 e seguintes do Código da Estrada -, a recolha de sangue nem sequer é, efectivamente, obrigatória ou essencial no apuramento do estado de alcoolemia de qualquer condutor, dado que, em ultima análise se prevê que o estado de embriaguez seja aferido por exame médico!
IX. Assim, jamais se poderá concordar ou aceitar que, neste ou em qualquer outro caso, se obtenha e recolha sangue como meio de obtenção de prova para efeitos penais, sem o consentimento expresso do arguido ou ordem legal e judicialmente legítima.
X. Nestes termos, e nos demais legalmente admissíveis, que certamente
V. E.xas se dignarão suprir, terá de se concluir, que nesta matéria de validade de recolha e obtenção de sangue como meio de prova sem consentimento expresso do Arguido, será sempre considerada como prova inadmissível, por ser proibida por lei.
XI. Concluindo-se assim que a colheita de sangue para fins de obtenção de prova, ao abrigo dos actuais artigos 152 n. 3, 1S3Q, n. 8 e 156 n. 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro — sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A/2001, de 28 de Setembro — sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.
XII. E consequentemente, a concreta recolha de sangue ao arguido ora recorrente que serviu de base para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
XIII Pelo que deve revogada a decisão proferida nesta matéria, na douta sentença recorrida, e declarar-se a nulidade da referida prova.
XIV. Sem a admissão e validação da recolha de sangue não se poderiam dar como provados factos, que serviram de base e fundamentação á condenação do arguido.
XV.Na verdade e atenta a nulidade supra invocada, que aqui se reproduz, jamais se poderia dar como provado que o arguido apresentava uma taxa álcool no sangue de 1,20g/I
XVI. Aliás, também não se poderá como provado que no momento que o arguido embateu numa outra viatura, apresentava a taxa de álcool no sangue supra identificada, dado que consta dos autos e da prova produzida que no local do acidente não foi realizado qualquer exame ao arguido, para aferir de tal taxa.
XVII. Nem existe nos autos qualquer elementos que identifique o momento em que foi realizada a recolha de sangue, ilegal, ao arguido, apenas se sabendo que foi em momento posterior ao referido embate.
XVIII. Do mesmo modo, jamais se poderia dar como provado o ponto 4 dos factos provados em face do único elemento de prova existente - as declarações do arguido, já anteriormente identificadas!
XIX. Do mesmo modo e pelo que já foi supra referido — designadamente o estado de saúde do arguido após o acidente que sofreu, não se poderá aceitar que se tenha considerado como não provado, os pontos a) a c) dos factos não provados.
XX. Pelo que, forçosamente, terá a sentença recorrida ser revogada e rectificada em tais aspectos.
XXI. Existindo inequivocamente uma contradição insanável na fundamentação da decisão e que resulta, expressamente, do texto da mesma.
XXII. Tal é vício, gerador de nulidade da decisão, é previsto no artigo 41O n 2, alínea b) do Cód. Processo Penal e é fundamento para o presente recurso.
XXIII. Por outro lado, e atenta, a manifesta inadmissibilidade da única prova e dos argumentos legais e factos usados para sustentar tal fundamentação não admitida por lei, verifica-se que, toda a fundamentação legal e factual para a imputação do crime de condução em estado de embriaguez, inexiste!
XXIV. Pelo que, obviamente, carece de sentido e fundamento tudo o que foi invocado para sustentar e justificar a condenação do arguido, e como tal estará forçosamente prejudicada toda a inerente fundamentação.
XXV. Resulta que, em audiência de discussão e julgamento, todos os elementos de prova testemunhal contradizem, quer as conclusões e decisão preferida em sede da apreciação da validade do meio de prova — recolha de sangue — que apurou a taxa de álcool que levou à condenação do arguido, como todas as outras premissas e conclusões em que assentou o Meritíssimo Juiz a quo para sustentar a condenação do Arguido.
XXVI. Da prova produzida em sede de audiência e julgamento nada, mas absolutamente nada, foi provado — como aliás consta da própria motivação constante da decisão - que pudesse levar às conclusões que supra sublinhadas.
XXVII. Na verdade, não vislumbramos que a, sempre respeitável, livre convicção do tribunal se possa alicerçar em fundamentos e provas inexistentes e contraditórias, à revelia dos mais elementares princípios de Direito Penal!
XXVIII. Na verdade, todos os depoimentos e provas admissíveis recolhidos em sede de julgamento ilibam o ora Recorrente da acusação que sobre ele foi lançada pelo Ministério Público.
XXIX. Inclusivamente o depoimento do Senhor Agente F, cujo depoimento identificado supra, garante e afirma que nem sequer falou com o arguido, no hospital, antes ou depois da recolha de sangue.
XXX. Porém tais factos, designadamente no que respeita ao consentimento do arguido em tal recolha, foram validados e dados como provados e o Recorrente condenado...
XXXI. Pelo que se forçosamente se terá de reapreciar a matéria de facto objecto dos depoimentos identificados..

O Ministério Público e o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação emitiram pareceres no sentido da improcedência do recurso.
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FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente importa decidir da eventual nulidade da prova obtida e, a partir daí, verificar a existência de contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a prova, por incorrecta valoração desta.

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Porque está em causa a apreciação da fundamentação dos factos dados como provados na sentença importa identificar a questão prévia decidida e a fundamentação (os factos provados e não provados bem como motivação):

«1.4. Questão previa

1.4.1. Da nulidade da recolha de sangue ao arguido

1.4.1.1. O arguido vem invocar uma questão prévia que importa, antes de mais, conhecer.

A questão é a seguinte: a concreta recolha de sangue ao arguido que serviu de base para apurar o seu grau de alcoolemia constitui prova nula?

O arguido sustenta que a recolha ao seu sangue realizada nesses autos é ilegal, inválida ou nula.

Para o efeito sustenta que não deu autorização para essa recolha de sangue e fundamenta a sua posição no acórdão da Relação do Porto, de 9.12.2009 (www.dgsi.pt — Proc. 1421/08 .6PTPRT.P 1), o qual segue o entendimento de uma decisão do Tribunal Constitucional (n.° 275/2009, de 27 de Maio, DR, 2 S., N.° 129, de 7.07.2009).

Assim, cumpre apreciar e decidir.

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1.4.1.2. Apreciando.

Em direito processual penal, são admissíveis as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125° do CPP).

Os métodos proibidos de prova estão prescritos no art. 126° do CPP.

O exame de pesquisa de álcool através de colheita sanguínea encontra expressa fundamentação legal na norma prescrita nos arts. 152°, 1530, n.° 8 e 156° do Código da Estrada.

Portanto, o legislador fez a ponderação dos valores constitucionais aqui em confronto e optou pela consagração legal deste regime de pesquisa de álcool.

Ora, aparentemente nada existe a opor à recolha de sangue para efeitos de detenção do grau de alcoolernia, mas também de substâncias psicotrópicas.

Sucede que efectivamente um recente acórdão da Relação do Porto (supra citado) veio defender que:

“Para o suprimento do direito de o condutor / sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.° 1 do art. 165° da CRP.

Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais arts. 152°, n.° 3, 153°, n.° 8 e 156°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro — sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A12001, de 28 de Setembro — sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica”.

Portanto, a inconstitucionalidade a que se refere o acórdão supra referido advém do facto das normas supra referidas, sendo inovadoras, ao não possibilitarem ao condutor a recusa, provêm de órgão sem competência constitucional para produzirem tal normatividade.

Ora, apesar disso, a recolha de sangue para efeitos de pesquisa do álcool continua a ser um meio de prova legal, na medida em que, com a o julgamento de inconstitucionalidade de urna norma não ficamos com vazio jurídico mas antes são repristinadas as normas por elas revogadas (art. 282°, n.° 1 da CRP).

Ora, o art. 156° do Código da Estrada, na redacção anterior à dada pelo DL. 275-A12001, que correspondia ao art. 162°, já previa essa recolha de sangue como um acto legal de prova.

A diferença relevante para efeitos constitucionais (ou de inconstitucionalidade) decorre do facto da citada alteração legislativa deixar de prever a possibilidade do condutor recusar a colheita de amostra de sangue para a realização de exame para apurar a taxa de álcool.

Ora, foi exactamente essa a razão de ser do julgamento de inconstitucionalidade orgânica realizado pelo Tribunal da Relação do Porto.

Aliás, esse acórdão debruçasse mesmo sobre as situações em que a recolha do sangue ocorre a condutores intervenientes em acidente, em que nem sequer é possível / admissível existir a recusa à colheita de amostra de sangue.

Sucede que, in casu, da prova produzida resultou claro que, embora se tenha verificado que o arguido estava impossibilitado de proceder ao exame de pesquisa do álcool no ar expirado, o mesmo apresentava-se consciente.

A testemunha F, agente da PSP, que presenciou a recolha do sangue, disse em julgamento que, segundo lhe pareceu, o arguido estava meio consciente. Deixou claro ainda que o arguido o viu, pois levou o “kit” para a realização da recolha do sangue, ao qual presenciou uniformizado.

Portanto, o arguido sabia — viu e assistiu — que estavam ali os agentes de autoridade policial para procederem à recolha de sangue para efeitos do exame de pesquise do álcool.

Se não fosse assim, que sentido tinha estarem os agente policiais junto a si num hospital?

O arguido não pode desconhecer — é uma regra estradal básica — de que quem intervém num acidente de viação é sujeito a exame para pesquise de álcool.

Aliás, se dúvidas tivéssemos acerca da compreensão desses factos pelo arguido, as suas declarações durante a audiência de julgamento são, a este respeito, muito claras.

Na verdade, quando lhe foi perguntado se alguém lhe pediu autorização para a realização da recolha do sangue, o mesmo (o arguido) respondeu peremptoriamente que não, tendo deixado claro que recorda-se da GNR no hospital.

Portanto, o arguido sabia perfeitamente que a recolha de sangue a que assistiu era para a realização do teste de pesquisa do álcool e que ninguém lhe pediu expressa autorização para essa recolha.

Apesar disso, o arguido não demonstrou qualquer oposição, antes pelo contrário, em julgamento, a única coisa que garantiu é que ninguém lhe pediu autorização para o efeito.

Contudo, o arguido, atento o supra exposto, estava em perfeitas condições para se recusar a realizar tal exame, o que só não o fez porque não quis, isto apesar de saber que estava a ser realizada uma recolha de sangue para determinar a taxa de alcooleinia do mesmo.

Portanto, ao não se ter oposto a essa recolha de sangue, o arguido conformou-se com a mesma, permitiu-a e, como tal, só podemos concluir que o mesmo consentiu na realização da mesma.

Tenhamos presente que a recolha do sangue não foi feita para qualquer outro fim, nomeadamente para qualquer diagnóstico médico.

Ao lado do arguido estavam agentes policiais, com um “kit” próprio” (vide o depoimento da testemunha agente da GNR), enquanto um elemento do hospital procedia a essa recolha de sangue.

O arguido tinha perante si toda a informação para poder concluir que estava a ser realizada uma recolha de sangue apenas e exclusivamente para fins de detecção do teor de álcool no sangue.

Em suma: o arguido, com o seu comportamento, consentiu tacitamente na recolha de sangue.

O consentimento tácito nos termos referidos traduz-se num consentimento presumido, o qual tem expressão no nosso direito penal no art. 38° do CP e é uma figura perfeitamente admissível no âmbito dos meios de obtenção de prova.

Em suma: a situação dos presentes autos não se insere na doutrina do acórdão supra referido.

A recolha de sangue realizada nestes autos é um meio de obtenção de prova perfeitamente válido, razão pela qual importa indeferir o requerido.

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1.4.1.3. Pelo exposto, julgo improcedente a arguida nulidade (ou invalidade) do meio de obtenção de prova: recolha de sangue ao arguido e, consequentemente, do exame pericial que determinou o teor da taxa de álcool no sangue do arguido.

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Inexistem nulidades, excepções, ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.

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2. Fundamentação

2.1. Fundamentação de Facto

2.1.1. Efectuado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 11 de Abril de 2009, cerca das 23:00 horas, o arguido conduzia na EM 507, no Bairro da Alâmpada, na Boidobra, Covilhã o motociclo com a matricula ….-BR, tendo aí embatido numa viatura que ali se encontrava a circular.

2. O arguido, no momento supra referido, apresentava urna taxa de álcool no sangue de 1,20 g/l.

3. O arguido, antes de iniciar a condução, ingeriu bebidas alcoólicas.

4. Apesar de saber que, pelas bebidas que ingeriu, apresentava uma taxa de álcool no sangue superior ao permitido na lei, estando limitado nas suas condições físicas e psíquicas para o efeito, o arguido decidiu, conduzir o seu veículo referido em 1.

5. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e punida pela lei penal como crime.

6. O arguido nasceu a 23 -04-1972 e é divorciado.

7. O arguido é cortador de carne, auferindo mensalmente 750,00 €.

8. Vive em casa própria, pagando de empréstimo bancário o montante de 250,00 € mensais

9. O arguido tem três filhos menores, com 10, 3 e 2 anos.

10. Paga uma pensão de alimentos de 75,00 € a cada um dos filhos.

11. O arguido tem o 40 ano de escolaridade.

12. O arguido não tem antecedentes criminais

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2.1.2. Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente que:

a) O arguido não tem consciência do que sucedeu no dia referido na acusação;

b) Desconhece as circunstâncias em que ocorreram os factos de que está acusado.

c) Desconhece as circunstâncias em que foi submetido ao controlo de alcoolemia.

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2.1.3. Fundamentação.

A convicção do tribunal baseou-se na ponderação à luz das regras da experiência do conjunto da prova produzida, nomeadamente, teve-se em consideração o seguinte:

O arguido admitiu que circulou no dia referido na acusação, bem como nesse dia havia bebido bebidas alcoólicas antes de iniciar essa condução.

A testemunha R, que conduzia o veículo ligeiro contra o qual o arguido embateu, deixou claro que o arguido conduzia um motociclo, que embateu contra si, no dia e local referido da acusação.

No mesmo sentido, depôs a testemunha J, amigo do arguido, que seguia de automóvel atrás do arguido e que recordou que o viu no chão após o embate, falou com ele no local.

A testemunha F, agente da GNR, descreveu as circunstância em que foi realizada a recolha de sangue ao arguido. Referiu que o mesmo estava meio consciente, levamos o “kit” para a recolha do sangue para a realização do teste do alcoól, o que o arguido se apercebeu, tendo sido um elemento do hospital a proceder a essa recolha na sua presença (estava uniformizado).

O arguido, por sua vez, deixou claro que ninguém lhe pediu autorização expressa para a recolha do sangue, contudo, deixou claro que se recordava da GNR no hospital para lhe tirar o sangue.

Portanto, o arguido soube claramente que lhe foi retirado sangue única e exclusivamente para a realização do teste de pesquisa de álcool, com o que se conformou.

A taxa de álcool que o arguido era portador quando do embate resultou do exame pericial de fis. 12.

As entidades próprias certificaram - a fis. 88 e a fis. 95 - a regularidade da recolha realizada, bem como o resultado obtido.

Portanto, a clareza e uniformidade dos elementos de prova supra referidos, justificaram a matéria de facto dada como provada.

Não se provou a demais matéria, por ausência de prova suficientemente consistente, nomeadamente o alegado pelo arguido na sua contestação.

A situação pessoal, profissional e familiar do arguido resultou das suas declarações.

Em relação aos antecedentes criminais, teve-se em consideração a certidão constante de fis. 54 dos autos.»*

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A questão essencial em apreciação no presente recurso prende-se com a validade do exame de detecção de álcool efectuado ao recorrente, irradiando, a partir da decisão que se profira sobre a questão, a solução para restantes problemas suscitados.

Importa por isso, antes de mais, que se efectue uma breve análise do regime legal vigente sobre a questão do exame de detecção de ácool.

O procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas está actualmente estabelecido no Código da Estrada aprovado pelo Decreto Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro e pelo Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, estabelecido na Lei nº 18/2007 de 17 de Maio.

Daqueles diplomas decorre que a fiscalização é obrigatório para, i) os condutores, ii) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito, iii) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.

A obrigatoriedade para os cidadãos referidos se submeterem às provas estabelecidas na lei para a detecção de álcool implica que a recusa a tal sujeição seja punida com o crime de desobediência.

O regime geral da fiscalização assenta na obrigatoriedade do sujeito passivo se sujeitar, por regra, a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, a que pode seguir-se um procedimento diferenciado relativo à contraprova.

Sublinhe-se que o método regra da determinação quantitativa da taxa de álcool é o teste no ar expirado, sendo que a análise de sangue só é efectuada não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

A obrigatoriedade geral pressupõe, assim, algumas especificidades no âmbito do procedimento da colheita de sangue, em função das circunstâncias em que o sujeito passivo se encontrar, nomeadamente existirem condições de saúde, clinicamente demonstradas, em que o exame não possa ser realizado ou quando após três tentativas sucessivas, o examinado não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo (cf. artigos 153º nº 8 do CE e 4º da Lei n.º 18/2007).

Daí que a lei estabelece que «se não for possível a realização de prova de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou se esta não for possível por razões médicas, em estabelecimento oficial de saúde» - (cf. artigos 153º nº 8 do CE).

Insere-se nestas situações o caso especifico dos exames efectuados a condutores ou peões que intervenham em acidentes de viação cujo estado de saúde não permita que sejam submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado (cf. 156º n.º 2 do CE).

Nestas situações, ou seja quando não for possível a realização de exame por ar expirado, através de um procedimento próprio, «o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool» (cf. 156º nº 2 do CE e 4º e 5º da Lei nº 18/2007).

As necessidades de prevenção que estão na origem deste regime são tão fortes que impõem, inclusivé uma cominação criminal ao médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder ás diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool, ou de substâncias psicotrópicas - é punido por crime de desobediência (cf. artigo 152º n.º 5 do CE).

Todo este regime está estabelecido no Código da Estrada e na Lei nº 18/2007 e é, por isso, conhecido pelos cidadãos, quer sejam condutores, quer sejam peões (que no caso, sejam intervenientes em acidentes de viação), quer sejam pessoas que se proponham iniciar a condução.

Importa sublinhar que o regime legal dá ao cidadão objecto de fiscalização a total liberdade de não querer efectuar o exame de pesquisa de álcool. Ainda aqui a liberdade individual, «de ir livre e conscientemente para o Inferno», na expressão de Figueiredo Dias, é absolutamente garantida.

Essa liberdade individual tem, no entanto, os seus custos. Ou seja, a recusa a submeter-se a exame implica a punição por crime de desobediência – artigo 152º nº 3 do CE.

É isso que exigem as razões de prevenção que estão na origem da fixação do regime da proibição de condução sob influência de álcool.

Recorde-se que sobre a relevância do exame de colheita de álcool o Tribunal Constitucional e a sua eventual colisão com outros direitos, já se pronunciou, no sentido de que «o exame para pesquisa de álcool (...), destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob influência de álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as de outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal» (Ac. nº 319/95).

O que importa reter do que se vem dizendo é que o cidadão, desde que esteja em condições de o fazer, pode recusar-se sempre a submeter-se ao exame de detecção, assuma este a forma de colheita por ar expirado ou por exame ao sangue. Não há testes coercivos, nesta como noutras matérias.

Recusa que o cidadão terá que fazer perante a autoridade policial ou perante o médico, consoante as circunstâncias.

É evidente que o limite à recusa está na impossibilidade de ser prestada por virtude de razões de saúde (por exemplo, estado de inconsciência decorrente de um acidente de viação ou mesmo, decorrente de estado de inconsciência decorrente da própria quantidade de álcool que ingeriu).

Ora nesses casos, como se viu, a lei expressamente impõe que seja realizado através da colheita de sangue em estabelecimento oficial de saúde.

Não tendo sido manifestada qualquer recusa (podendo ou não ter sido, consoante os casos) então o que há a fazer é apenas e só efectuar a pesquisa.

É evidente que poderá a entidade fiscalizadora ou o médico que está perante o cidadão a quem tem que efectuar a colheita, deparar-se com circunstâncias que lhe permitam percepcionar que a vontade do cidadão era recusar-se a tal exame (veja-se o caso da existência de uma declaração escrita ou mesmo a existência de prova testemunhal absolutamente credível e actualizada que indique a vontade do cidadão a recusar-se a fazer, naquele momento, o exame).

Nessas situações – e só nessas – então deve suscitar-se a questão do consentimento do cidadão, nomeadamente o que fazer perante essa dúvida, sabido que não pode a ordem jurídica suportar a realização de «exames forçados» ou contra a vontade do titular do direito em causa.

Efectuado este excurso pelo regime normativo vigente, vejamos os factos em causa:

Após um acidente de viação em que interveio, o arguido, foi transportado ao Hospital e aí, na presença de um agente da GNR, - que o arguido admitiu ter constatado - foi efectuada a recolha do sangue, por um elemento do hospital, acto de que o arguido se apercebeu. O arguido, por sua vez, deixou claro que ninguém lhe pediu autorização expressa para a recolha do sangue (veja-se o que sobre estes factos é dito na sentença).

O arguido suscita a questão de não ter sido pedido o seu consentimento ou autorização para se sujeitar ao exame.

O arguido em momento algum expressou qualquer vontade de recusa à realização do exame, nem existia previamente qualquer circunstância que permitisse concluir ser essa a sua vontade – recusar-se a submeter-se ao exame, com as consequências legais que isso implica.

O arguido não podia desconhecer o regime legal da proibição de condução sob o efeito de álcool nem o regime normativo (acima descrito) que leva à recolha de sangue, quando não é possível proceder à recolha pelo método de aspiração.

Em momento algum a lei impõe ou exige que se formule um pedido expresso de consentimento de quem tem que sujeitar-se ao exame de recolha de sangue para efeitos referidos. Até porque, como se viu, o exame de sangue é a via excepcional para a recolha de prova admitida na lei para tal efeito, apenas admissível em casos expressamente tipificados, nomeadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível (veja-se o artigo 153º nº 8 e 156 nº 2).

A exclusão liminar da admissibilidade de exames coercivos está, assim, assegurada pela simples oposição – recusa – do titular do interessado em sujeitar-se ao exame.

Não se foi, nesta matéria, para a exigência de um consentimento expresso para a recolha de exames.

Apenas uma palavra quanto à questão do consentimento e da sua relevância no regime penal, estabelecido nos artigos 38º e 39º do CP.

No caso do consentimento presumido, estabelece o artigo 39º n.º 2 do CP que «há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permite razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado».

É doutrina pacífica que «o consentimento presumido assume sempre carácter subsidiário, no sentido de que só é legítima a sua invocação quando não for possível obter a manifestação expressa da vontade ou houver perigo sério na demora (cfr. a este propósito Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 490).

Se não existem motivos para pôr em dúvida séria a vontade real da pessoa que está em causa no sentido de não ser admissível a prática do acto médico então o acto é válido, por presumivelmente consentido.

Ora no caso dos autos, como se referiu, em momento algum se suscitou essa questão da vontade real do arguido em recusar ou não permitir o acto médico que possibilitou a concretização do exame.

Daí que não seja sequer de suscitar-se a questão do consentimento.

Em síntese, a recolha de sangue efectuada ao arguido não sofre de qualquer patologia processual sendo válida e nessa medida a prova produzida decorrente desse exame que demonstra que o arguido apresentava uma TAS de 1.2 g/l de álcool no sangue é uma prova válida.

*

Quanto às questões da nulidade da sentença por violação dos artigos 410º n.º 2 alínea b), importa referir que a argumentação do arguido sustenta-se na não valoração da prova decorrente da ilegalidade da sua obtenção, já apreciada.

Assim todos os argumentos que invoca não têm qualquer justificação, na medida em que se entendeu como válida a prova referente à TAS de 1,2 g/l que tinha no momento em que conduzia e foi interveniente no acidente de viação.

A sentença está absolutamente fundamentada (e bem fundamentada) e não se verificam quaisquer contradições insanáveis na fundamentação ou entre esta e a prova nem qualquer incorrecta valoração da prova



III. Dispositivo.

Nesta conformidade acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão da primeira instância nos seus precisos termos.
Fixa-se a taxa de justiça, pelo recorrente, em 4 UCs.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 14 de Julho de 2010

Mouraz Lopes


Félix de Almeida