Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
651/09.8TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
ENERGIA ELÉCTRICA
DANO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.509, 566 CC, 661 Nº2 CPC
Sumário: 1.-A EDP tem responsabilidade objectiva ( art.509 CC ) não só pelos danos causados na condução ou entrega de energia eléctrica, mas também pelos danos resultantes da própria instalação destinada àquelas condução ou entrega, excepto, neste último caso, se provar, cumulativamente, que ao tempo do acidente a dita instalação estava de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

2. Provado o dano mas não havendo elementos para fixar a respectiva quantificação duas possibilidades se abrem: ou se relega a quantificação de tal prejuízo para liquidação de sentença, nos termos do art. 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou se atribui um valor de acordo com um juízo de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC.

3. Deve seguir-se a 1ª via se o tribunal, face às circunstâncias concretas do caso, admitir a possibilidade de se vir a conseguir a determinação do valor concreto do prejuízo.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. B (…), Lda., intentou a presente acção declarativa, sob a forma sumária, contra EDP, Distribuição - Energia SA, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 7.876,58 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente um veículo da autora; o acidente ocorreu porque, obstruindo a via por onde circulava o seu veículo se encontrava uma coluna de iluminação pública da ré; a ré deveria ter mantido o bom estado de conservação do dito equipamento de condução de energia eléctrica e não o fez, pois que a coluna não se encontrava devidamente implantada no chão, e só por isso a coluna tombou, obstruiu a estrada e o acidente aconteceu; sofreu o veículo do autor vários danos, tendo a autora ficado privada do seu uso vários meses, danos estes que devem ser ressarcidos.

Contestou a ré, dizendo que a aludida coluna foi implantada de acordo com um projecto aprovado e em obediência às regras da arte, cumprindo as exigências regulamentares na matéria, sendo a sua conservação verificada regularmente através de vistorias e rondas levadas a cabo para o efeito; que a coluna em questão não era de betão, mas de madeira, pelo que conclui não ser uma coluna da EDP; que apenas pelas 7:37h do dia do acidente soube que havia um apoio partido, fora da faixa de rodagem, mas desconhece se de alguma forma está relacionado com o acidente; mais impugnou a matéria respeitante aos danos.

Veio ainda a autora responder à contestação, esclarecendo que a coluna era efectivamente de betão, concluindo como na petição inicial.

*

A final foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a pretensão da autora.

*

2. A Ré interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

II – Factos Provados

1. A Autora é uma sociedade que tem por objecto a exploração de minimercado, frutaria e talho (alínea A) da matéria de facto assente).

2. A ré EDP Distribuição - Energia S.A., é concessionária de distribuição de energia eléctrica em média e baixa tensão, na quase totalidade do território nacional (cf. artº 5º e 31º e ss do DL nº 29/ 2006, de 15/02 e artº 38º e 42º do D. L. nº 172/2006, de 23 de Agosto) (alínea B) da matéria de facto assente).

3. A EDP Distribuição, ora contestante, assegura nos termos da legislação em vigor, o serviço público de distribuição de energia no concelho da Mealhada (alínea C) da matéria de facto assente).

4. No exercício da sua actividade de transporte e distribuição de energia, a ré tem necessidade de manter e instalar postes, linhas aéreas e cabos de baixa e de média tensão (alínea D) da matéria de facto assente).

5. A rede eléctrica que abastece o concelho da Mealhada, beneficia de licenças de estabelecimento e de exploração (alínea E) da matéria de facto assente).

6. Na verdade, a rede eléctrica foi implantada de acordo com projecto aprovado pela Fiscalização Oficial e em obediência às boas regras de arte, razão porque se encontra licenciada (alínea F) da matéria de facto assente).

7. No dia 29/03/2008, a R. enviou uma carta a (…), representante legal da A., com o seguinte conteúdo: “Data: 29-3- 2008 Assunto: Reclamação por danos em viatura PN 1292330 – 200156618591 Ex.mo Sr. (…), Reportamo-nos à comunicação de V. Ex.a em referência, que nos mereceu a melhor atenção. Pelas 07h37m do dia 3 de Janeiro de 2008, um agente da GNR comunicou-nos que uma coluna da nossa rede de Iluminação Pública se encontrava caída junto à berma da Estrada que liga as localidades de Cardal e de Antes. A equipa técnica que fizemos deslocar ao local verificou que a existência de vestígios de embate de viatura na base desta coluna e que a posição em que a coluna se encontrava tinha a mesma direcção dos cabos da rede. Em face do exposto, e atendendo a que não tivemos conhecimento prévio de que algum elemento desta nossa rede de Iluminação Pública se encontrava em condições deficientes de exploração, somos levados a concluir que na origem da queda de desta coluna esteve a acção de uma entidade externa à nossa Empresa. Assim, e tendo em atenção o que a legislação que sobre esta matéria determina, não pode esta Empresa assumir a responsabilidade pelos prejuízos que V. Ex.a nos apresenta.

Mantendo-nos permanentemente disponíveis para prestar quaisquer esclarecimentos complementares que entenda solicitar-nos apresentamos os nossos melhores cumprimentos. Com consideração,” (alínea G) da matéria de facto assente).

8. Após a ocorrência do acidente, no local apenas existia um apoio de betão da rede eléctrica implantado fora da faixa de rodagem partido e destroços da viatura (alínea H) da matéria de facto assente).

9. No dia 03 de Janeiro de 2008, pelas 06.00 h da manhã, o veículo com a matrícula ...LD, propriedade da A, circulava na EC Cardal – Mealhada, na área desta comarca, conduzido pelo sócio gerente da ré (resposta ao ponto 1º da Base Instrutória).

10. Seguia no sentido Cardal/Antes, na faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha (resposta ao ponto 2º da Base Instrutória).

11. Era ainda de noite e chovia intensamente (resposta ao ponto 3º da Base Instrutória).

12. No local, e atento o sentido de marcha do veículo, desenha-se uma curva acentuada à direita (resposta ao ponto 5º da Base Instrutória).

13. Quando o condutor do 42 – 46 – LD acabou de fazer a curva, apercebeu-se da existência de um objecto, que não conseguiu de imediato identificar, a atravessar toda a faixa de rodagem (resposta ao ponto 6º da Base Instrutória).

14. Travou, tentando evitar o embate no objecto (resposta ao ponto 7º da Base Instrutória).

15. Mas não o conseguiu, porque a estrada estava molhada e escorregadia (resposta ao ponto 8º da Base Instrutória).

16. E o objecto estava demasiado próximo (resposta ao ponto 9º da Base Instrutória).

17. E, ainda, pelo facto de a referida coluna ocupar ambas as faixas de rodagem (resposta ao ponto 10º da Base Instrutória).

18. O objecto era uma coluna de iluminação pública, que se encontrava presa longitudinalmente na via de trânsito (resposta ao ponto 11º da Base Instrutória).

19. A cerca de 1,5 m de altura, ao nível do pára-brisas do veículo (resposta ao ponto 12º da Base Instrutória).

20. A coluna de iluminação pública estava presa pelos cabos de electricidade (resposta ao ponto 13º da Base Instrutória).

21. E suspensa, ocupando toda a largura da faixa de rodagem (resposta ao ponto 14º da Base Instrutória).

22. Com o embate a coluna partiu e caiu no chão (resposta ao ponto 15º da Base Instrutória).

23. A coluna de iluminação tombou, ficando pendurada pelos cabos de electricidade (resposta ao ponto 16º da Base Instrutória).

24. Longitudinalmente, ocupando toda a largura da estrada (resposta ao ponto 17º da Base Instrutória).

25. O veículo com a matrícula ...LD sofreu danos no pára-brisas, guarda lamas, porta da frente esquerda, antena e espelho retrovisor (resposta ao ponto 20º da Base Instrutória).

26. E necessitou de substituição de peças e trabalhos de bate-chapas e pintura (resposta ao ponto 21º da Base Instrutória).

27. A reparação custou 2.876,58 € (resposta ao ponto 22º da Base Instrutória).

28. Valor esse que foi pago pela ré (resposta ao ponto 23º da Base Instrutória).

29. A autora não dispunha de meios económicos para mandar reparar o veículo de imediato, pelo que se viu obrigada a manter o veículo inactivo desde o dia do acidente até ao dia 15 de Setembro de 2009 (resposta ao ponto 24º da Base Instrutória).

30. Viu-se pois privada do uso do veículo pelo período de 20 meses, o que lhe causou grandes prejuízos (resposta ao ponto 25º da Base Instrutória).

31. E usava o veículo em questão para o transporte diário de produtos para o seu estabelecimento, principalmente de produtos frescos que adquiria no mercado e transportava para o seu estabelecimento (resposta ao ponto 26º da Base Instrutória).

32. O que se viu impossibilitada de fazer durante todo o tempo que esteve impedida do uso do veículo (resposta ao ponto 27º da Base Instrutória).

33. E não tendo tanta variedade de produtos frescos (hortaliça, fruta e legumes), no seu estabelecimento, como era hábito, viu reduzidas as suas vendas e a sua clientela (resposta ao ponto 28º da Base Instrutória).

34. Principalmente no que se refere a produtos frescos, cujo decréscimo de vendas foi acentuado (resposta ao ponto 29º da Base Instrutória).

35. O objecto que embateu no veículo do A era uma coluna de iluminação pública, em betão (resposta ao ponto 32º da Base Instrutória).

36. O poste em causa era um poste da EDP (resposta ao ponto 33º da Base Instrutória).

37. Posteriormente, a coluna foi substituída (resposta ao ponto 34º da Base Instrutória).

38. A rede eléctrica de baixa tensão estabelecida ao longo da referida EC do Cardal encontra-se estendida em apoios de betão (resposta ao ponto 35º da Base Instrutória).

39. De acordo com as vistorias da Direcção Geral da Energia e das brigadas ao serviço da ré, ao longo do tempo, foi atestado o seu bom estado de conservação (resposta ao ponto 36º da Base Instrutória).

40. Sendo ainda realizadas rondas e acções de manutenção de 6 em 6 meses (resposta ao ponto 37º da Base Instrutória).

41. A última ronda efectuada à respectiva rede eléctrica ocorreu em Outubro de 2007 (resposta ao ponto 38º da Base Instrutória).

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade as questões a decidir são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade da ré.

- Fixação da indemnização de 5.000 €, por recurso à equidade.

2.

(…)

3. No que se refere à responsabilidade civil da apelante, e uma vez que nesse campo não houve qualquer alteração da matéria de facto, pouco há a acrescentar ao que no essencial foi correctamente escrito na sentença recorrida, importando pois relembrar o que aí foi dito, nomeadamente que:

“(…)

Outras vezes, o legislador afasta-se da regra geral de que toda a responsabilidade civil é baseada nos acima aludidos pressupostos e prescinde de um deles, designadamente, do ilícito ou da culpa e determina casos excepcionais de responsabilidade por factos ilícitos, no primeiro caso, e a chamada responsabilidade objectiva, isto é, sem culpa, no segundo caso, situação esta em que a culpa do agente não é presumida, mas verdadeiramente dispensada – situação última esta que, como veremos, se aplica ao caso dos autos.

No caso concreto, está em causa uma especial actividade da ré: a distribuição de energia eléctrica (pontos 2., 3., 4., da fundamentação de facto).

Como peculiar que é, esta actividade merece tratamento legal próprio: artigo 509º do Código Civil.

A distribuição de energia eléctrica é uma actividade perigosa. E porque assim é, a lei impõe a quem beneficia dessa mesma actividade, que sustente – objectivamente – os correspondentes riscos.

É um caso de responsabilidade objectiva, sito é, sem culpa, pois que para responsabilizar o agente, o legislador dispensa esse requisito normal e geral da responsabilidade civil.

A particular potencialidade danosa desta actividade é de tal ordem que o legislador a individualizou de forma expressa no artigo 509º do Código Civil.

Citando Antunes Varela, Das obrigações em Geral, V.I, Almedina, 3ª edição, pág.586, as empresas que exploram a produção, o transporte, a distribuição de energia eléctrica como auferem o principal proveito da sua utilização é justo que suportem os respectivos riscos.

Contudo, a responsabilidade não nasce em toda e qualquer circunstância imaginável. Acrescenta à regra da responsabilidade objectiva o nº 2 do art.509º do Código Civil, que não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considerando-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

Trata-se na verdade de assumir o risco social da actividade, afastando-o em casos excepcionais.

Quanto ao agora vertido quadro jurídico, num caso em que a demandada era, nem mais nem menos, que a aqui ré, pode ler-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2007, disponível em www.dgsi.pt, onde a temática vem tratada, como é hábito, de forma exímia, aprofundando-se especialmente o conceito de causa de força maior.

A quem cabe a prova de que ocorreu causa de força maior? Naturalmente à demandada, pois a prova desse facto impede a acção do direito da autora – artigo 342º, nº 2 do Código Civil.

Ora, a autora provou o que lhe cabia: o facto (pontos 9., 10., 13. a 24. e 35. e 36.); a ilicitude (por referência ao direito subjectivo no qual se reflectiu o dano, isto é, a propriedade – pontos 25. a 34.) e os danos (os mesmos pontos), bem como é possível afirmar que aqueles foram causa adequada destes (todos os elencados pontos em especial pontos 14. a 17.).

Já a ré não provando qualquer facto de onde se possa retirar que ocorreu qualquer causa de força maior, é objectivamente responsável pela indemnização dos danos sofridos pela autora, razão pela qual deve ir condenada nos danos apurados” – fim de transcrição.

Ou seja, atendendo a que a apelante responde, nos termos do citado art. 509º, nº 1, do CC, não só pelos danos causados pela condução ou entrega da energia eléctrica como, também, pelos danos resultantes da própria instalação destinada a esse transporte e distribuição de electricidade, perante a factualidade apurada é evidente a responsabilidade da ora recorrente. Só assim não seria se a mesma tivesse logrado provar que o referido poste de electricidade estava em perfeito estado de conservação (nº 1, in fine, de tal preceito), ou a ocorrência de um caso de força maior (nº 2, do mesmo normativo), prova que, contudo, não logrou.

Improcede, assim, esta parte do recurso.      

4. Na mesma sentença deixou-se dito que:

“Peticionou a autora a este título:

- a reparação do veículo, no valor de 2.876,58 euros;

- 5.000 euros enquanto valor estimado por perda de clientela em virtude da privação de uso do veículo por 20 meses.

Vejamos.

Quanto a esta matéria e com relevo para a decisão dos autos resultou provado o que consta nos pontos 25. a 28., quanto ao dano real e à reparação do veículo.

Ora, nesta parte, dúvidas não há.

(…)

Deve pois a ré ir condenada no pagamento à autora do exacto valor de 2.876,58 euros.

Já nos pontos 29. a 34., quanto ao dano por perda de clientela em virtude da privação de uso do veículo por 20 meses.

Ora, o valor deste dano não resultou provado.

Mas, por recurso à equidade, tendo por base todos aqueles factos provados, temos por certo haver elementos para fixar indemnização a este título – vd. a este propósito os clássicos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.06.74, BMJ, 238º- 204 e Acórdão Relação Coimbra, de 01.07.80: BMJ, 301º-469.

Deste modo, considerando o extenso período de privação do veículo (20 meses – vd. ponto 30.), o importante uso que lhe era destinado (ponto 31.), o indesejável resultado dessa circunstância na actividade da autora (pontos 1., 32., 33., 34.) estamos em crer que a indemnização solicitada, no valor de 5.000 euros, é justa e equitativa, pelo que vai no seu pagamento a ré condenada, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3 do Código Civil” – fim de transcrição.

Quanto ao valor da reparação do veículo a arbitrar à A. não há qualquer dúvida sobre o acerto do decidido.

Já quanto ao valor de 5.000 €, arbitrado a título de perda de clientela em virtude da privação de uso do veículo por 20 meses, não se pode acompanhar a decisão recorrida.

Desde logo, porque tal matéria foi objecto de quesitos próprios, o 30º, onde se perguntava se o decréscimo de vendas da A. tinha sido de 5.000 €, e o 31º, onde se perguntava se tal valor era estimado pelo apuramento de contas no final do ano, e ambos os quesitos receberam resposta de não provado. Mas depois, curiosamente, com recurso à equidade acabou por se atribuir tal valor.

Ora, tendo-se provado o dano mas não havendo elementos para fixar a respectiva quantificação duas possibilidades se abrem, ou se relega a quantificação de tal prejuízo para liquidação de sentença, nos termos do art. 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou se atribui um valor de acordo com um juízo de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC. Na sentença recorrida optou-se por esta última.

À primeira vista parece existir colisão de normas entre esta disposição e a do citado nº 2, do art. 661º. Mas, tal colisão é apenas aparente. Importa, para tanto, delimitar o campo de aplicação de cada um dos referidos preceitos legais.

Neste particular aspecto, não podemos deixar de chamar à colação o que a este respeito se escreveu no Ac. do STJ, de 27.06.2000, BMJ, 498, pág. 222, “Em princípio, na acção declarativa, quando se provar o dano mas não o seu valor, a fixação da indemnização deve ser relegada para execução de sentença (art. 661º, nº 2, do Código de Processo Civil), o que tem lugar mesmo se tiver sido formulado pedido líquido, sendo assim admissível que se faça prova, na execução, de facto não provado na acção, apesar de isso se traduzir na concessão de nova oportunidade de prova do mesmo facto.

(…)

o princípio do artigo 661º, nº 2, aplica-se apenas à acção declarativa mas a qualquer acção desta natureza; o artigo 566º, n º3, refere-se só á fixação da indemnização (não abrangendo o próprio dano) e aplica-se tanto na acção declarativa como na execução; a opção por uma ou outra das soluções depende do juízo que se formar, em face das circunstâncias concretas de cada caso, sobre a possibilidade de determinação do «valor exacto dos danos»; se esse juízo for afirmativo, será de aplicar o artigo 661º, nº 2, e de contrário, deve aplicar-se o artigo 566º, nº 3”.

Resulta do cotejo destes normativos que é de deixar para liquidação de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, mas exista a probabilidade de futura determinação do seu valor. Quando o tribunal verificando a existência de um dano, não dispuser de dados que possibilitem a sua quantificação, mas face às circunstâncias concretas do caso admita a possibilidade de se vir a conseguir a determinação do seu valor, deve o tribunal relegar para liquidação de sentença (a operar ao abrigo do art. 378º, nº 2, do CPC) a fixação do seu montante.

Trata-se de situação em que, estando provada a verificação do dano, apenas não existem elementos de facto para operar a sua quantificação, quer por estes factos ainda não serem conhecidos ou estarem em evolução no momento em que é instaurada a acção ou no da decisão, quer por na acção declarativa não se ter logrado fazer a prova do quantitativo desses mesmos danos, consentindo a lei, perante esta última situação, que seja colmatada essa deficiência probatória, abrindo nova possibilidade de a parte melhor alegar e oferecer novas provas em sede de liquidação de sentença.

E o recurso, em primeira linha, ao mecanismo previsto no citado art. 661º, nº 2, do CPC, não exclui a possibilidade de aplicação posterior do disposto no citado art. 566º, nº 3 do CC, não consubstanciando tal aplicação qualquer ofensa de caso julgado. Assim, se em sede de liquidação, se vier a constatar a impossibilidade de fixação do valor exacto dos danos a indemnizar, por falta de prova do seu quantitativo, tal impossibilidade não pode significar a eliminação do direito à indemnização, cabendo, então, ao tribunal fixar tal indemnização com recurso à equidade, nos termos do citado art. 566º, nº 3 do CC.

Com efeito, a não ser assim, estar-se-ia a retirar ao lesado o direito à indemnização que lhe havia sido reconhecido e atribuído através de decisão judicial, transitada em julgado (no sentido exposto vide A. Reis, CPC Anotado, Vol. 1, pág. 615 e Vol. 5, pág. 71, L. Freitas, ob. cit., nota 3. ao art. 661º, pág. 682/684, e os arestos aí referidos, e ainda o excelente Ac. do STJ, de 4.11.2004, Proc.04B2877, mais os de 11.1.2005, Proc.04A4007e de 20.9.2005, Proc.05A1980, e ainda da Rel. Coimbra, de 3.10.2006, Proc.497/2000, todos em www.dgsi.pt, e da Rel. Porto de 17.5.2004, CJ, T. 3, pág. 180).   

No caso dos autos, cremos ser possível apurar a rentabilidade liquida que a A. perdeu por diminuição de venda dos seus produtos frescos, com recurso, desde logo, a prova documental sobre tal aspecto, de maneira a apurar o prejuízo que a A. sofreu no aludido período de 20 meses. Prova documental que inexistiu de todo. Neste aspecto, concorda-se absolutamente com a apelante quando questiona onde estão os mapas contabilísticos e a facturação detalhada da A., por se tratar duma empresa, para determinar com rigor os eventuais prejuízos resultantes da perda da clientela. E onde estão as declarações de IRC, relativas aos exercícios dos anos anteriores, por exemplo 2005, 2006 e 2007, para apuramento do lucro efectivo. E onde estão as declarações periódicas de IVA, onde constam os montantes de facturação, mapas de existências e balancete mensal, para se apurar o volume de negócios. E onde estão as facturas comprovativas dos encargos adicionais advindos da aquisição de combustíveis, manutenção, portagens, estacionamentos, etc., efectuados com o carro emprestado para a aquisição de produtos para o estabelecimento.

Ou seja, em conclusão, é possível o recurso à prova documental para apuramento do aludido prejuízo, ou adicionalmente o recurso a prova pericial, sem excluir eventual prova testemunhal mais particularizada sobre tal assunto.

Assim, remeter-se-á para liquidação o apuramento de tal dano (art. 661º, nº 2, do CPC), dentro dos limites peticionados.

5. Sumariando (art. 712º, nº 7, do CPC):
i) No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado no art. 655º, nº 1, do CPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

ii) Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas;
iii) Por outro lado, de acordo com a jurisprudência regular e contínua dos nossos tribunais, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados;

iv) A EDP tem responsabilidade objectiva não só pelos danos causados na condução ou entrega de energia eléctrica mas também pelos danos resultantes da própria instalação destinada àquelas condução ou entrega, excepto, neste último caso, se provar, cumulativamente, que ao tempo do acidente a dita instalação estava de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação;

v) Provado o dano mas não havendo elementos para fixar a respectiva quantificação duas possibilidades se abrem, ou se relega a quantificação de tal prejuízo para liquidação de sentença, nos termos do art. 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou se atribui um valor de acordo com um juízo de equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, do CC;

vi) Deve seguir-se a 1ª via se o tribunal, face às circunstâncias concretas do caso, admitir a possibilidade de se vir a conseguir a determinação do valor concreto do prejuízo.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se, parcialmente, procedente o recurso, assim se revogando, parcialmente, a decisão recorrida, e em consequência se condena a ré EDP a pagar à A., a título de danos patrimoniais, a quantia que se liquidar em sentença, reportada aos lucros cessantes de 20 meses, como especificado em 4., na parte III deste Acórdão, no demais se mantendo a decisão recorrida.

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Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se as mesmas provisoriamente quanto à parte ilíquida na proporção de 1/2 para a A. e para a R.

 Moreira do Carmo ( Relator )

Carlos Marinho

Alberto Ruço