Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
235/08.8TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
SEPARAÇÃO DE FACTO
TESTEMUNHAS
SANAÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1781.º A) E 1782.º N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL (NA SUA REDACÇÃO ANTERIOR À DA LEI 61/2008, DE 31-10)
Sumário: I - Não tendo sido apresentada reclamação contra a nulidade resultante das testemunhas, inquiridas por carta rogatória, terem deposto a mais quesitos do que os indicados pela parte que requereu essa inquirição, ficou a mesma sanada. Por isso, no julgamento da matéria de facto deve ser considerado todo o depoimento dessas testemunhas.

II - Para os efeitos do disposto nos artigos 1781.º a) e 1782.º n.º 1 do Código Civil (na sua redacção anterior à da Lei 61/2008, de 31-10), é necessário que, à data da propositura da acção, tanto a separação de facto, como o propósito de não restabelecer a comunhão de vida, se verifiquem há mais de três anos consecutivos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... instaurou, na comarca da Sertã, a presente acção especial de divórcio litigioso, contra B..., pedindo que se decrete divórcio entre ambos, com base com fundamento na separação de facto por mais de 3 anos consecutivos.

Frustrada que foi a tentativa de conciliação que se realizou, a ré contestou dizendo, em síntese, que, não obstante ela e o autor terem, desde 2001, residências distintas, mantêm vida em comum, pelo que não há fundamento para que se decrete o divórcio.

O autor replicou, reafirmando, no essencial, a posição já assumida na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu:

Destarte, decide-se julgar a acção procedente e, em conformidade:

- decretar o divórcio entre A. e R., com fundamento em separação de facto por mais de três anos consecutivos.

Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1) A produção da prova e a sua apreciação estão submetidas às regras quer do ónus da prova, quer da admissibilidade dos meios de prova e quer à força probatória de cada um deles.

2) Conforme consta da decisão, diz-se expressamente que “..as testemunhas indicadas pelo A. nada sabiam, pelo que não contam para efeitos desta decisão”.

3) Contudo, tendo por base os depoimentos das testemunhas da R. C... e D... , invocando o princípio da aquisição processual, o Tribunal “ a quo” deu como provados os factos dos pontos 0.º, 0.1.º, 34.º e nos termos que refere (provados restritivamente) os factos dos pontos 2.º e 3.º da B.I.

4) E aos pontos 4.º e 5.º refere-se as testemunhas E... e F... , ouvidas pela carta rogatória requerida pela Ré e indicadas por esta somente aos pontos 8.º a 27.º.

5) Ao ponto 34.º da B.I., dado como provado, a convicção do Tribunal assenta nos diversos depoimento das testemunhas indicadas pela Ré, atento o referido pelo mesmo Tribunal sobre os depoimentos das testemunhas do A., mormente das testemunhas D... e C....

6) As testemunhas são ouvidas sobre cada um dos factos que a parte se propõe provar, artigo 633.º do CPC e depõem sobre tais factos nos termos do artigo 638.º do CPC.

7) Ao A., de acordo com as regras do ónus da prova, competia-lhe fazer a prova dos factos constantes dos pontos 0) a 7) e 28) a 35) todos da B.I.;

8) As testemunhas indicadas pelo A., na apreciação do Tribunal, nada sabiam.

9) As testemunhas da Ré não foram indicadas a tais matérias.

10) E, podendo o Tribunal ouvir testemunhas a mais factos, por força da conjugação dos artigos 265.º, 266.º e 519.º do CPC, fazendo disso menção e estando verificado o principio da imediação e do contraditório na audiência, tal não foi feito pelo Tribunal.

11) O princípio da aquisição processual dispõe em termos de serem aproveitados os depoimentos e outras provas produzidas independentemente de quem as indicou mas pressupõe que haja provas indicadas aos pontos para os quais se invoca tal princípio de aquisição processual.

12) Ora, no caso dos autos, os depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, na parte à qual não foram indicados deviam ter sido considerados como não escritos, pois exorbitam do objecto a que foram indicados;

13) E ainda para mais quando a R. não pode renunciar às suas provas, uma vez produzidas, como foi o caso;

14) E, como tal, não podem valer como meio de prova, pois, não foram indicados a tais matérias, não foram as testemunhas em causa solicitadas pelo Tribunal, por iniciativa do Tribunal, a deporem sobre os factos não indicados pela parte que as arrolou.

15) Ao serem tidos em conta depoimentos indevidamente constantes da carta rogatória a matérias não indicadas violou-se o disposto nos artigos 633.º, 638.º e 516.º do CPC e artigo 342.º do CC e, sobretudo, fez-se uma errada interpretação do princípio da aquisição processual, violando-se o artigo 515.º do CPC com a interpretação e aplicação que na sentença proferida se fez.

16) Finalmente, não havendo prova com imediação, apenas havendo, de relevo a considerar, de acordo com o Tribunal “ a quo”, a prova produzida pelo registo dos depoimentos das testemunhas indicadas pela Ré, atento a matéria a que as mesmas foram indicadas, e não havendo intervenção do Tribunal para que depusessem a outras matérias não indicadas pela Ré, resulta que o A. não produziu prova dos factos alegados e fundamento da acção.

17) A apreciação da matéria de facto enferma de erro grave por força da violação das regras de apreciação da prova e da lei, fazendo uma errónea interpretação do princípio da aquisição processual vertido no artigo 515.º do CPC;

18) Admitindo-se, por mera hipótese académica e de raciocínio, a validade dos depoimentos das testemunhas da R. aos quesitos não indicados na base instrutória, entendemos, porém, s.d.r., que não estão preenchidos os elementos objectivo e subjectivo para ser decretado o divórcio com fundamento na separação de facto;

19) Na verdade, preceituava o artigo 1781.º, al. a) do CC (na redacção introduzida pela Lei 47/98 de 10/8) que é fundamento do divórcio litigioso a separação de facto por três anos consecutivos;

20) Entende-se que há separação de facto, para este feito, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (artigo 1782.º, n.º 1 do C. Civil);

21) Ora, não foi quesitada factualidade relativa ao propósito de um ou de ambos os cônjuges de não restabelecer a vida em comum;

22) E, muito embora se possa entender que, relativamente ao elemento subjectivo, a propositura da acção com fundamento na separação de facto revela de forma tácita a intenção de não restabelecer a comunhão de vida entre os cônjuges, a questão principal é uma outra, é a de saber a partir de que data se deve considerar que não tem intenção de restabelecer essa vida em comum.

23) “É que só há separação de facto desde que se verifique, simultaneamente, essa ausência de vida em comum e a intenção de a não restabelecer, como o exige a 2ª parte do artigo 1782.º do C. Civil (veja-se que esses requisitos – elemento objectivo e subjectivo -, são cumulativos). Se os cônjuges estão separados um do outro, mas ainda não existe essa vontade de a não restabelecer, e só passados alguns meses vêm manifestar essa vontade, a verdade é que só a partir dessa altura podemos afirmar que estão separados de facto de acordo com o conceito legal, data em que passou a coexistir a ausência da comunhão de vida e a intenção de não restabelecer essa vida em comum” – Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, Quid Júris, pág. 66 e 67;

24) “É que para haver separação de facto tem de haver, simultaneamente, ausência de vida em comum e intenção de a não restabelecer. E se assim é, salvo o devido respeito, que é muito, não basta a instauração da acção de divórcio para se concluir que, nessa data, o cônjuge não mantém essa intenção durante o ano anterior ou já a vem mantendo há mais de um ano” – Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, pág. 684;

25) Ora, nada foi provado, e muito menos perguntado, quanto ao propósito dos cônjuges de não mais restabelecerem a vida conjugal.

26) E, assim sendo, ficamos sem saber se essa manifestação de vontade de não restabelecer a vida em comum acompanhou a falta de comunhão de vida por 3 anos consecutivos, ou apenas se manifestou na altura em que foi proposta a acção.

Pelo que a separação de facto não estava verificada no momento da instauração da acção;

27) Logo, direito ao divórcio não estava verificado no momento em que foi exercido e o respectivo fundamento não foi alegado e provado pelo cônjuge que formulou o respectivo pedido, em violação ao disposto no artigo 342.º do C. Civil.

28) A douta sentença recorrida violou e fez uma errada interpretação dos preceitos legais inseridos nos artigos 342.º, 1781.º e 1782.º do C. Civil e artigos 265.º, 266.º, 515.º, 519.º, 633.º e 638.º do C. P. Civil;

Termina pedindo que se revogue a decisão recorrida e ela seja substituída por outra que julgue a acção improcedente.

O autor não contra-alegou.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) a prova testemunhal produzida através de carta rogatória só é válida quanto à matéria dos quesitos 8.º a 27.º.

b) com fundamento no disposto nos artigos 1781.º a) e 1782.º n.º 1 do Código Civil, se deve decretar o divórcio.


II

1.º


Conforme resulta dos autos[2], a ré, quando ofereceu a sua prova, requereu que as testemunhas C..., D..., G... , E...e F... fossem ouvidas através de carta rogatória, visto residirem na Suíça, mencionando, mais tarde[3], que elas deviam depor à matéria dos quesitos 8.º a 27.º,

Acontece que as testemunhas acabaram por prestar depoimento a todos os quesitos.

É, assim, evidente que, não obstante não terem sido indicadas aos factos que constam nos quesitos 1.º a 7.º e 28.º a 35.º, estas testemunhas depuseram quanto a eles.

A ré entende que a apreciação da matéria de facto enferma de erro grave por força da violação das regras de apreciação da prova e da lei, fazendo uma errónea interpretação do principio da aquisição processual vertido no artigo 515.º do CPC.

Lembra a ré que as testemunhas são ouvidas sobre cada um dos factos que a parte se propõe provar, artigo 633.º do CPC e depõem sobre tais factos nos termos do artigo 638.º do CPC. Nessa medida, ao serem considerados os depoimentos indevidamente recolhidos na carta rogatória a matérias não indicadas violou-se o disposto nos artigos 633.º, 638.º e 516.º do CPC e artigo 342.º do CC e, sobretudo, fez-se uma errada interpretação do princípio da aquisição processual violando-se o artigo 515.º do CPC, com a interpretação e aplicação que na sentença proferida se fez.

Ora, em virtude do disposto nos artigos 633.º e 638.º, deve o advogado da parte indicar, no início do depoimento, salvo nos casos em que o tenha previamente feito (…), os factos sobre os quais vai interrogar a testemunha[4]. Mas, essa indicação tem que ser feita em momento anterior quando a antecipação do depoimento a tal obrigue[5].

A ré cumpriu este ónus quando, depois de oferecer as testemunhas, as indicou à matéria dos quesitos 8.º a 27.º.

Então, é pacífico que as testemunhas só deviam ter sido inquiridas a esses quesitos, o que significa que, depondo elas também ao que figura nos quesitos 1.º a 7.º e 28.º a 35.º, nesta parte, por força do princípio consagrado no n.º 1 do artigo 201.º, cometeu-se uma nulidade processual. Não sendo essa nulidade de conhecimento oficioso[6], tinha a parte interessada que, nos termos da segunda metade do artigo 202.º, contra ela reclamar, para que a mesma pudesse ser apreciada e, sendo caso disso, declarada. Percebe-se, assim, o famoso postulado de que dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Na verdade, face a uma nulidade processual o interessado tem que reclamar[7] e a reclamação é apresentada e julgada[8] no tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu[9].

A ré teve conhecimento de que as testemunhas tinham deposto a mais quesitos do que ela havia requerido em momento anterior a 5 de Maio de 2010, visto que nesta data juntou aos autos[10] a tradução dos depoimentos prestados por aquelas, o que implica, como é óbvio, o conhecimento do seu conteúdo. No entanto, nem nessa altura, nem até à interposição do presente recurso, reclamou contra qualquer nulidade relativa a tal facto. Consequentemente, tem-se por sanada essa nulidade, o que significa que os depoimentos devem ser considerados na sua totalidade, o mesmo é dizer que também são válidos na parte em que se reportam à matéria dos quesitos 1.º a 7.º e 28.º a 35.º.


2.º

No que se refere aos quesitos 0.º e 0.1.º, verifica-se que estes factos foram levados à base instrutória somente na parte final do julgamento[11], vindos dos factos assentes, pois a Meritíssima Juíza, entendeu, e bem, que, versando a acção sobre direitos indisponíveis, tais factos não podiam ser tidos como assentes por acordo das partes.

Uma vez na base instrutória, os factos contidos nesses quesitos não podiam deixar de ser julgados e, para esse julgamento, a Meritíssima Juíza, em virtude do imposto no artigo 515.º do Código de Processo Civil, tinha que ter presente toda a prova que havia sido produzida na acção. Com efeito, o princípio da aquisição processual determina que o tribunal, no julgamento da matéria de facto, deve procurar tomar em consideração e atender a todas as provas produzidas nos autos, mesmo que elas aproveitem à parte contrária[12]. Sendo assim, uma vez produzida a prova constiuenda ou admitida a prova pré-constituída, ela deverá ser considerada na decisão[13].

Portanto, bem andou a Meritíssima Juíza ao julgar a matéria dos quesitos 0.º e 0.1.º à luz da prova (testemunhal) que resulta da carta rogatória.

Aqui chegados, conclui-se que nenhuma alteração deve ser introduzida nos factos dados como provados.


3.º

Estão provados os seguintes factos:

A) A. e R. contraíram casamento católico em 4 de Agosto de 1990, sem convenção antenupcial.

B) A. e R. viveram juntos desde o casamento até Julho de 2001, altura em que passaram a ter residências separadas.

C) Desde Julho de 2001, o A. continuou a frequentar a casa da R., onde comia à mesma mesa com a R. e as filhas.

D) A e R. são convidados separadamente para participarem em cerimónias e banquetes familiares.

E) Desde 9 de Julho de 2001, A. e R. deixaram - salvo em ocasiões familiares festivas - de tomar as suas refeições juntos e em família e de receber na casa onde residiram até essa data amigos e familiares.

F) Mesmo após 9 de Julho de 2001, A. e R. passavam juntos os aniversários das filhas.

G) Pelo menos numa ocasião, depois de 9 de Julho de 2001, A. e R. deslocaram-se juntos a Portugal para aqui gozarem férias em conjunto com as filhas.

H) O A. manteve, até data concretamente não apurada, após 9 de Julho de 2001, o endereço da casa onde a R. continuou na morar com as filhas comuns, para receber pelo menos alguma correspondência a si dirigida.

I) Quando vinham a Portugal, A. e R., pelo menos por vezes, passavam algum tempo na presença um do outro.

J) A e R. estiveram em simultâneo num casamento, em Portugal, depois de 9 de Julho de 2001.


4.º

O autor funda o seu pedido de divórcio no disposto nos artigos 1781.º a) e 1782.º n.º 1 do Código Civil[14], pois, segundo alega, está separado de facto da ré desde Julho de 2001, altura em que passaram a residir em casas diferentes, e, desde então, nunca qualquer deles tentou restabelecer a vida em comum, nem o A. disso tem intenção, visto já ter refeito a sua vida[15].

Esse artigo 1781.º a) dispõe que é fundamento do divórcio litigioso a separação de facto por três anos consecutivos, acrescentando o n.º 1 do artigo 1782.º que entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.

Como bem observa a Meritíssima Juíza, resulta, assim, desde logo, de tais normativos, que são dois os requisitos exigidos para que o divórcio possa ser decretado com base em tal causa: um elemento objectivo, traduzido na efectiva separação dos cônjuges (deixando de existir entre eles qualquer tipo de comunhão de vida), e um elemento subjectivo, de natureza interior ou psicológica, traduzido na real intenção de ambos os cônjuges, ou de pelo menos de um deles, não restabelecerem a comunhão de vida matrimonial.

Porém, nos factos provados nada figura relativamente a este elemento subjectivo. Perante esta ausência, a Meritíssima Juíza entendeu que a propositura da acção por parte do autor é uma manifestação inequívoca do seu propósito de não retomar a comunhão de vida com a ré[16]. E, considerou ainda que não entendemos que esteja pressuposto na redacção do art. 1782º, do C. Civil, que a ruptura da comunhão de vida pelo período legalmente requerido tenha que ter na sua base o propósito de algum dos cônjuges de não reatar a união. Cremos, diferentemente, suficiente que esse propósito exista aquando da propositura da acção de divórcio, sendo que, neste pressuposto, também entendemos que – não se demonstrando a negativa ou o contrário, tal intenção, pelo menos da parte do A., existe ao ser proposta a acção[17].

Aqui, com o devido respeito, discorda-se da Meritíssima Juíza.

A expressão para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, que figura no n.º1 do citado artigo 1782.º, significa que aquando da separação de facto por três anos consecutivos já tem que se verificar o propósito de um ou de ambos os cônjuges não restabelecer a comunhão de vida. Na verdade, a separação de facto dos cônjuges, integrada pelos referidos dois elementos, deve durar, em princípio, há três anos consecutivos[18].

Então, conclui-se que os factos provados são insuficientes para se poder ter por preenchidos os requisitos destas normas, o mesmo é dizer que a acção, neste contexto, não pode ser julgada procedente.

No entanto, como resulta do que se deixou dito, o autor alegou que não tem, desde Julho de 2001, a intenção de restabelecer a vida em comum com a ré.

Esse facto, não tendo sido levado à base instrutória, não foi julgado, apesar de ser relevante para a decisão da pretensão apresentada pelo autor.

O n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil dispõe que pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância … quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto.

Ora, como já se viu, há um facto alegado que é essencial para a boa decisão da causa e que (ainda) não foi submetido a julgamento, o que nos conduz à conclusão de que é indispensável a ampliação da matéria de facto.

Portanto, deverá ser formulado um quesito que leve à base instrutória aquele essa matéria e repetir-se o julgamento. Mas essa repetição não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão[19].


III

Com fundamento no atrás exposto anula-se parcialmente o julgamento, anulando-se a sentença recorrida, e ordena-se:

a) a ampliação da matéria de facto, com a inclusão na base instrutória do seguinte quesito:

Desde o momento referido no quesito 0.1 que o autor não tem a intenção de restabelecer a vida em comum com a ré?

b) a repetição do julgamento para apreciação da matéria de facto contida no quesito que antecede, podendo, no entanto, o tribunal a quo ampliar o julgamento de modo a apreciar outros quesitos, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.

As custas serão suportadas pelo vencido a final.


António Beça Pereira (Relator)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Cfr. folha 55.
[3] Cfr. folhas 72.
[4] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág.610.
[5] Lebre de Freitas, obra citada, pág. 570.
[6] Importa referir que a nulidade em causa não é nenhuma das mencionadas na primeira metade do artigo 202.º, motivo por que não é de conhecimento oficioso.
[7] Há algumas excepções como é, por exemplo, a prevista na parte final do n.º 4 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
[8] Também aqui há excepções, nomeadamente no caso das nulidades mencionadas no n.º 2 do artigo 204.º do Código de Processo Civil.
[9] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 1945, pág. 513. Isso também resulta do artigo 205.º.
[10] Cfr. folhas 154 a 176.
[11] Cfr. folha 195.
[12] Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, pág. 207 e 208. Neste sentido, veja-se também Castro Mendes, Direito Processual Civil, Apontamentos das Lições, 1980, III Vol., pág. 209.
[13] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição, pág. 431 e 432.
[14] Ao presente caso aplica-se a redacção destas normas anterior à da Lei 61/2008, de 31 de Outubro.
[15] Cfr. artigos 15.º e 16.º da petição inicial.
[16] Não oferece dúvida alguma que a propositura de uma acção de divórcio revela uma manifesta intenção de cessar a vida em comum com o cônjuge. Mas, a questão que se coloca é, também, a de saber se esse propósito não tem que perdurar por três anos.
[17] A Meritíssima Juíza foi, provavelmente, levada pela circunstância de, como afirmou, lhe chocar não decretar o divórcio, quando, se a acção houvesse sido proposta ao abrigo da nova lei do divórcio, por violação do dever de coabitação, tal seria uma realidade (cfr. o art. 1781º a), do C.Civil).
[18] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 639.
[19] Cfr. parte final do n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.