Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/04.6GBGVA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 03/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 49º, 2 CP
Sumário: O disposto no artigo 49º/ nº2 do CP não é aplicável à situação de pena de multa substitutiva da pena de prisão, pelo que nesta fase processual, não é admissível o pagamento da multa em que foi condenado o arguido.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
1. No processo comum colectivo n.º 129/04.6GBGVA do Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, o arguido H..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, por acórdão transitado em julgado e datado de 22/1/2008,
· na pena de oito meses de prisão, que se substituiu por 240 dias de multa, à taxa diária de € 5 (multa de € 1200), pela prática de dois crimes de passagem de moeda falsa p. e p. pelo artigo 265º/1, alínea a) do CP;
· na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5 (multa de €600), pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação p. e p. pelo artigo 266º/1, alínea a) do CP.

2. Por despacho de fls 656 a 657, o arguido foi autorizado a pagar tais penas de multa em prestações mensais, não tendo pago qualquer prestação, razão pela qual foram declaradas vencidas todas as prestações e foi ordenado a sua notificação para efectuar, em 10 dias, o pagamento da totalidade das penas de multa (despacho de 26/1/2009).
O arguido não pagou as multas nesse prazo nem depois, não tendo apresentado qualquer justificação para esse não pagamento.

3. Por despacho de 18/2/2009, transitado em julgado, considerando-se não ser viável o cumprimento coercivo da pena de multa, foi ordenado o cumprimento pelo arguido da pena única de oito meses de prisão e da pena subsidiária de 80 dias de prisão, esclarecendo-se no despacho que, relativamente a estes 80 dias de prisão, deveria o arguido ser advertido expressamente para os termos do artigo 49º/2 do CP.
Em consequência, foram emitidos os competentes mandados de detenção do arguido.

4. Surge, então, o arguido, a fls 723 (fls 50 destes autos em separado), requerer a emissão de guias para pagamento de ambas as multas, invocando não ter tido conhecimento cabal e efectivo das penas a que foi condenado.
Sobre este requerimento incidiu o despacho alvo deste recurso (datado de 12/10/2009) e que a seguir se transcreve:
«Fls 723:
1. Não tendo procedido ao pagamento das penas de multa em que foi condenado nos autos, foi proferido despacho, transitado em julgado, que determinou o cumprimento da pena única de oito meses de prisão relativa aos dois crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º1, alínea a), do Código Penal e da prisão subsidiária relativa ao crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pelo artigo 266º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ou seja, 80 (oitenta) dias de prisão, relativamente aos 120 (cento e vinte) dias da pena de multa em que foi condenado nestes autos.
A fls. 723 o arguido apresentou requerimento em que pedia o pagamento da totalidade da pena de multa, alegando, além do mais, não ter tomado cabal e efectivo conhecimento das penas, não tendo esclarecido o teor daquele seu requerimento apesar de ter sido notificado para o efeito.
2. Em relação à pena de multa substitutiva da pena de prisão não é aplicável ao caso dos autos o mecanismo do artigo 49º, n.º 2, do Código Penal, não sendo admissível o pagamento da multa depois de ter sido determinado o cumprimento da pena de prisão de substituição (cfr., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 179).
Com efeito, a partir do momento em que o tribunal ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece pura e simplesmente, deixa aquela multa de existir.
Pelo que, carece de fundamento legal o requerido pelo arguido quanto à condenação relativa aos crimes de passagem de moeda falsa.
3. Termos em que, indefiro ao pedido de emissão de guia de pagamento em relação à condenação relativa aos dois crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Notifique e aguarde nos termos promovidos».

5. Inconformado, o arguido recorreu deste despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O arguido é de nacionalidade marroquina.
2. Mal fala português e entende o português.
3. Das penas a que foi condenado teve apenas consciência de que teria de pagar uma multa.
4. Mas nunca teve consciência das eventuais consequências do seu não pagamento nos prazos fixados para o efeito.
5. Solicitou o pagamento em prestações, convicto de que, continuando a trabalhar em Portugal, poderia assumir esse encargo.
6. Só que, por motivos alheios à sua vontade, teve de se ausentar para o estrangeiro.
7. Tendo ficado sem dinheiro para liquidar a multa nos prazos legais.
8. Teve e tem a intenção de proceder ao pagamento das penas de multa a que foi condenado, o que pode fazer de imediato com a ajuda de terceiros.
9. O cumprimento da pena de prisão, é, cada vez mais, como a ultima ratio do sistema penal.
10. A aplicação do regime previsto no art.° 49º, n.º 2 impõe-se, por
coerência do sistema jurídico.
11. O tribunal recorrido violou os art.°s 49° e 70° do CPenal e o art°. 18º, n.º 2 da CRP.
Termos em que,
Deve o presente recurso proceder, admitindo-se o pagamento da multa (substituída) e revogando-se desta forma o douto despacho recorrido».

6. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o despacho recorrido deve ser mantido na íntegra, concluindo, a final, que:
« (…) A nosso ver, salvo o sempre devido respeito por diversa opinião, não é aplicável no caso vertente a invocada possibilidade de, nos termos do disposto no art. 49°, n.° 2, do Código Penal, o arguido poder evitar a execução a todo o tempo do cumprimento da prisão, já que se trata de pena de prisão de substituição e não de prisão subsidiária.
Não sendo, pois, admissível, no presente momento, o pagamento da multa como forma de obstar à execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado na sentença e cujo cumprimento já havia sido determinado nos termos supra descritos.
(…)
Assim, no caso dos autos, não tendo o arguido efectuado oportunamente, o
pagamento voluntário da multa de substituição, não sendo possível a sua cobrança coerciva e
nada tendo ele requerido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 49°, n°3, ex vi do art. 43°, n.° 2, do Código Penal, nada mais havia a fazer do que determinar, ao abrigo do disposto no art. 44°, n.° 2, do Código Penal, o cumprimento pelo arguido da pena de oito meses de prisão em que fora aplicada na sentença.
(…)
Assim sendo, em face do supra exposto, afigura-se-nos que, ao contrário do sustentado pelo arguido, a decisão recorrida não violou qualquer dos preceitos legais invocados pelo recorrente».

7. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 86 a 88, no sentido de que o recurso não merece provimento, entendendo que «conforme alega o MP na 1ª Instância, a fls 73 a 77, que acompanhamos, não assiste razão ao Recorrente, no que concerne à revogação do despacho recorrido e à pretendida possibilidade de pagamento da multa, após a decisão de cumprimento da pena de prisão, pois não se trata de prisão subsidiária, mas de uma pena de substituição, que conduz ao cumprimento da pena de prisão aplicada (art. 43º, n.º 2 do CP)».

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir consiste em saber:
- se é aplicável o disposto no artigo 49ª/2 do CP à situação de pena de multa substitutiva da pena de prisão, o que equivale a indagar se se pode, nesta fase processual, admitir o pagamento da multa de € 1200 em que foi condenado o arguido.

2. DO DESPACHO RECORRIDO
Reitera-se aqui o teor do despacho recorrido:
«Fls 723:
1. Não tendo procedido ao pagamento das penas de multa em que foi condenado nos autos, foi proferido despacho, transitado em julgado, que determinou o cumprimento da pena única de oito meses de prisão relativa aos dois crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º1, alínea a), do Código Penal e da prisão subsidiária relativa ao crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pelo artigo 266º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ou seja, 80 (oitenta) dias de prisão, relativamente aos 120 (cento e vinte) dias da pena de multa em que foi condenado nestes autos.
A fls. 723 o arguido apresentou requerimento em que pedia o pagamento da totalidade da pena de multa, alegando, além do mais, não ter tomado cabal e efectivo conhecimento das penas, não tendo esclarecido o teor daquele seu requerimento apesar de ter sido notificado para o efeito.
2. Em relação à pena de multa substitutiva da pena de prisão não é aplicável ao caso dos autos o mecanismo do artigo 49º, n.º 2, do Código Penal, não sendo admissível o pagamento da multa depois de ter sido determinado o cumprimento da pena de prisão de substituição (cfr., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 179).
Com efeito, a partir do momento em que o tribunal ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece pura e simplesmente, deixa aquela multa de existir.
Pelo que, carece de fundamento legal o requerido pelo arguido quanto à condenação relativa aos crimes de passagem de moeda falsa.
3. Termos em que, indefiro ao pedido de emissão de guia de pagamento em relação à condenação relativa aos dois crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo artigo 265º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Notifique e aguarde nos termos promovidos».

3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

3.1. Foi o arguido condenado, por acórdão transitado em julgado, em duas espécies de penas de multa:
· 1ª MULTA - a primeira, como pena principal - € 600
· 2ª MULTA - a segunda, como pena de multa substitutiva da pena de prisão fixada em 8 meses de prisão - € 1200.
Na primeira, lançou-se mão da pena alternativa ínsita no artigo 266º/1, alínea a) do Código Penal (a moldura penal abstracta previa pena de prisão até 3 anos OU pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 47º/1 e 70º do CP).
Já na segunda, lançou-se mão da pena de multa substitutiva da pena de prisão primariamente aplicada (8 meses), assente que a moldura penal abstracta previa apenas a aplicação, em termos de pena aplicável, de uma pena de prisão de um mês a cinco anos (artigos 265º/1, alínea a) e 41º/1 do CP) – aí aplicou-se o estatuído no artigo 43º/1 do CP.

3.2. Urge ponderar e decidir se é admissível ao arguido pagar a 2ª multa (no caso, € 1200) resultante de substituição de pena de prisão inicialmente fixada, após despacho transitado em julgado que ordenou o cumprimento da pena de prisão, por não ter pago a multa, ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.º 2, do CP.
A pena de multa que substitui a pena de prisão nos termos do artigo 43º é uma pena de substituição, por contraposição à pena principal de multa, de que tratam os artigos 47º a 49º.
Estas duas sanções constituem duas modalidades da pena de multa quer sob o ponto de vista político-criminal quer sob o ponto de vista dogmático, diferença donde resultam consequências político-jurídicas não totalmente coincidentes, nomeadamente no tocante à sua medida e incumprimento (cf. Figueiredo Dias, na RLJ, ano 125, págs. 163 a 165).
No caso da multa substitutiva da prisão, esta substituição acarreta para o condenado um ónus – o do cumprimento voluntário da pena substitutiva.
No que concerne ao incumprimento, verifica-se que se a pena de substituição não for paga, o condenado terá que cumprir toda a pena de prisão em que ficou condenado, como se não tivesse havido substituição (art. 43.º nº 2 do CP), enquanto na pena principal de multa o condenado apenas cumprirá a pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços (art. 49.º n.º 1 do CP).
Na situação da pena principal de MULTA, sempre pode o arguido, a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa, nos termos do art. 49.º nº 2 do Código Penal (cfr. ainda artigo 100.º n.º 3 do CCJ).
Este é o nosso ponto de partida - uma pena de prisão substituída por multa e uma pena de multa convertida em prisão subsidiária, são penas de diferente natureza, sendo a primeira privativa de liberdade e a segunda não, acarretando tal diferença de natureza muitas diferenças no seu regime de execução.
A questão em discussão é, exactamente, esta:
Será tal normativo também aplicável no caso de pena de multa de substituição?

3.3. Nos termos do disposto do art. 43°, n.° 2, do CP, se a multa de substituição da pena curta de prisão não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença.
A segunda parte do preceito manda aplicar correspondentemente o disposto no n.° 3 do artigo 49°, o qual permite ao condenado provar que a razão do não pagamento lhe não é imputável, podendo, nesse caso, a execução da prisão subsidiária ser suspensa mediante o cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Contudo, não remete para o disposto no n.° 2 do mesmo artigo, que permite ao condenado evitar a todo o tempo, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado.
No caso do art. 49°, a pena de multa é principal e a de prisão subsidiária, e, no caso do art. 43°, a pena de prisão é principal e a de multa de substituição.
Na lógica do recorrente, ancorado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/3/2009 (o qual não seguimos em termos de tese), não se vislumbra especiais razões para distinguir as duas multas criminais, sendo certo que, se a lei permite ao condenado não pagar quando prove que a falta lhe não é imputável, não fica muito claro porque é que lhe não permitiria evitar a execução da pena de prisão principal pagando a multa de substituição.
Para o recorrente, poderíamos dizer que a redacção do art. 43°, n.° 2, 2.ª parte, aparenta estar aquém do pretendido pelo legislador, o que dá lugar à sua interpretação extensiva, ao abrigo do disposto no art. 9°, n.º1 do CC, de forma a considerar-se aplicável ao presente caso o disposto no art. 49°, n.° 2, do CP.
Tal tese pressupõe implicitamente a admissibilidade do pagamento da multa de substituição mesmo após a revogação dessa mesma pena de substituição.

3.4. Acontece que não podemos concordar com tal posição jurídica, também em nome da coerência do sistema.
De facto, por motivo não imputável ao condenado, à multa respeitante à pena substitutiva de prisão, aplica-se, única e exclusivamente, o regime do n.° 3 do art. 49°, de acordo com o disposto no n.° 2, do art. 43°, ambos do CP.
Ao aplicar, única e exclusivamente, à pena de substituição, o regime do art. 49°, n.º 3 do CP, quis, assim, o legislador assinalar a patente diferença entre a condenação em pena de multa principal e a condenação em pena de prisão substituída por multa, realçando diverso regime de incumprimento, num caso e noutro, anotando a sua diferente espécie e assim as distinguindo.
Poderemos mesmo dizer que onde o legislador distinguiu as diferentes espécies de penas, não pode o intérprete, através de interpretação extensiva, ao abrigo do disposto no art.9°, n.º1 do CC, fazer uma indesejada equiparação entre uma pena principal de multa e uma pena de prisão substituída, de forma a considerar-se aplicável o disposto no art. 49°, n.° 2 do CP.
Reiteramos que no caso de não pagamento atempado da multa de substituição, apenas se aplica o art. 49º nº 3 do Código Penal, assente que a remissão efectuada pelo art. 43.º n.º 2 do Código Penal não é feita para nenhum dos outros números do artigo remetido, nomeadamente para o n.º 2, estando nós bem cientes de que esta falta de remissão é intencional, pois o legislador, perante as acérrimas críticas ao regime primitivo, que no n.º 3 do art. 43.º mandava aplicar à multa de substituição o regime dos art. 46.º e 47.º, que correspondiam grosso modo, aos actuais artigos 47.º e 49.º, quis modificar algo, determinando expressamente que (apenas) lhe é correspondentemente aplicável o art. 47.º e o disposto no n.º 3 do art. 49.º.
Figueiredo Dias, em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, a pag.369, expende que a então regulamentação do artigo 43º/3 “conduz a resultados inadmissíveis» e «constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade político-criminal da própria multa de substituição», defendendo ainda que «é perfeitamente aceitável, v.g., que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão - valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»
Na RLJ, Ano 125º, página 163, tal Mestre, referindo-se à pena de multa de substituição, escreveu ainda o seguinte:
«A pena de multa de substituição não é pena principal. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto -, a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal mas a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no seu mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida de cumprimento da pena».
No Acórdão da Relação de Lisboa de 15/3/2007, faz-se o seguinte apanhado histórico e avançam-se mais argumentos em favor da tese da decisão recorrida, a qual merece a nossa concordância:
«Como se pode ver da acta n.º41, de 22.10.90, da Comissão de Revisão (Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, pag. 466), o texto do n.º2 do art. 44.º do Código Penal resulta do acolhimento da proposta feita pelo Prof. Figueiredo Dias, que manifestou o entendimento de que se a pena de substituição não é cumprida deve aplicar-se a pena de prisão fixada na sentença, argumentando que “só conferindo efectividade à ameaça da prisão é que verdadeiramente se está a potenciar a aplicação da pena de substituição”.
A única conclusão lógica que se impõe, perante o elemento histórico e tendo em consideração os demais elementos interpretativos das normas jurídicas (art. 9.º do C. Civil) – o elemento sistemático, o teológico, o literal, etc. – é a de que o legislador quis manifestamente excluir a aplicação do referido n.º2 do art. 49.º.
Mas outras razões há que nos fazem pender para a mesma solução da inaplicabilidade da norma em causa.
Sendo a multa, no presente caso, uma pena de substituição, o seu incumprimento culposo conduz, como acontece em outras penas de substituição, à sua “revogação”, implicando o “renascimento” da pena de prisão directamente imposta e que aquela veio a substituir. É o que resulta expressamente do n.º 2 do art. 44.º: «se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença».
A partir do momento em que o tribunal - reconhecendo o incumprimento culposo do arguido, quando este não paga no prazo de que dispunha, nem apresenta qualquer justificação, quando notificado para o efeito - ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção.
Passa, então, a existir apenas uma única pena: a de prisão - cuja execução o tribunal ordena de imediato, salvo se for de optar pela suspensão da mesma, nos termos do n.º 3 do art. 49.º -, pressupondo esta solução que o não pagamento não é imputável ao arguido».
Como tal, não demonstrando perante o Tribunal a sua vontade inequívoca de cumprir a pena substitutiva, o legislador só pode prever o cumprimento da pena principal, pena esta privativa de liberdade, anotando-se que a única possibilidade de pagamento da pena de multa, prevista no artigo 43º, é a do pagamento voluntário, não se prevendo o pagamento coercivo como forma de obtenção do cumprimento da pena de multa substitutiva.
Diga-se ainda que o despacho proferido em 18.2.2009, que consta de fls.707-709, que determinou o cumprimento por aquele da pena de 8 meses de prisão, transitou em julgado, pois dele não foi interposto recurso, tendo-se formado inequívoco e incontornável caso julgado sobre tal questão, sendo, neste aspecto, imodificável.
3.5. Esta é também a posição maioritária da nossa jurisprudência Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra, de 29.09.98, in CJ, XXIII, Tomo IV, pág. 58 e de 13/11/2007 (in www.dgsi.pt), Acórdãos da Relação do Porto, de 12.05.2004, 15.06.2005, 15.02.2006 e 28.03.2007, in www.dgsi.pt/jtrp e Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15.03.2007 e 6.10.2009, in www.dgsi.pt/jtrl., não sendo suficientemente fortes os argumentos avançados pelo Acórdão da Relação do Porto, citado amplamente no recurso do arguido.
Igualmente é esta a tese defendida por Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, página 179 - «Por outro lado, o condenado em pena de multa convertida em prisão subsidiária pode a qualquer momento evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa em falta, mas o condenado em pena principal de prisão substituída por multa (não paga) já não pode evitar a execução da prisão, uma vez que a faculdade prevista no artigo 49º/2 não é aplicável no incumprimento da pena principal de prisão».
Conclui-se, assim, que o arguido não pode evitar, depois de não paga a pena de multa substitutiva e de o Tribunal ter determinado o cumprimento da pena principal, decisão esta transitada em julgado, a execução da pena principal, pagando no todo ou parte a multa substitutiva, a tal se opondo o regime legal uma vez que não está expressamente prevista esta possibilidade.
Sabemos que só o arguido podia evitar o cumprimento da pena principal de prisão em que foi condenado, cumprindo a pena substitutiva ou, na sua impossibilidade, revelando a sua vontade de cumprimento da pena substitutiva e os motivos que levavam à sua dificuldade de pagamento.
Contudo, nada fez ele, apenas simplisticamente argumentando que «nunca tomou conhecimento cabal e efectivo das penas a que foi condenado», não tendo percebido o sentido e alcance das mesmas, uma vez que se ausentou para o estrangeiro, não tendo mais regressado a Portugal.
Ora, compulsando os autos constatamos que o arguido assistiu à leitura do acórdão, tendo sido, com toda certeza, bem aconselhado e elucidado pelo seu Digno Defensor Oficioso, aí presente na leitura do acórdão (fls 620), não constando da acta de fls 592-597 qualquer nomeação de intérprete ao arguido, de nacionalidade marroquina – como tal, ele terá entendido o que se passou no seu julgamento (no seu recurso diz-se mesmo que ele entende o português).
Se assim é, não pode compreender-se a argumentação do recorrente, escudando-se na ignorância da lei, o que, como é sabido, não o isenta da culpa de não ter eventualmente procurado ajuda jurídica junto de quem o continua a representar nestes autos.
Pediu prazo para pagar as (duas) multas em prestações, mas nunca as pagou.
A execução coerciva não se mostrou viável.
Agora é tarde demais, podendo ter antes lançado mão da faculdade do n.º 3 do artigo 49º (aplicável ex vi do artigo 43º/2 do CP).
Mas também optou por o não fazer, antes tendo requerido o pagamento das multas em que foi condenado numa fase processual inadequada quanto ao € 1200 [note-se que poderá sempre evitar o cumprimento dos € 600 – pena de prisão subsidiária – pagando tal quantia (cfr. despachos de fls 708 e 725)].
Só a si é imputável, em suma, o destino que este processo criminal lhe tem reservado.

3.6. Em conclusão:
· Tornada definitiva, pelo trânsito em julgado, uma decisão que não padece de erro, nulidade ou inexactidão material e que foi proferida no estrito cumprimento do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do C. Penal (falamos do despacho judicial de fls 707-709), ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto àquela decisão.
· Em obediência ao caso julgado, formado quanto ao cumprimento da pena de prisão efectiva, não se pode declarar como tempestivo, admissível e válido o pagamento da multa (substituída).
· À multa respeitante à pena substituída de prisão aplica-se, única e exclusivamente, o regime do n.º 3 do artigo 49.º do CP, tal como preceitua o n.º 2 do artigo 43.º do mesmo diploma legal.
· Ao aplicar, única e exclusivamente, à pena de substituição, o regime do artigo 49.º, n.º 3 do CP, quis o legislador assinalar a diferença entre a condenação em pena de multa principal e a condenação em pena de prisão substituída por multa, querendo realçar o diferente regime de incumprimento num caso e noutro.
· Onde o legislador distinguiu os diferentes regimes de incumprimento das penas, não se pode, através de uma intrépida e insensata interpretação extensiva, fazer equiparação entre o incumprimento de uma pena principal de multa e uma pena de prisão substituída, de forma a considerar-se aplicável o disposto no artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal.
· No caso dos autos, tendo sido proferido despacho com trânsito em julgado a ordenar o cumprimento da pena de prisão, não pode o arguido evitar a prisão pagando a multa de € 1200, pois não estamos perante a execução de uma prisão subsidiária mas antes, perante a execução de uma pena de prisão principal que o arguido não quis evitar, fazendo uso da substituição por multa que lhe havia sido concedida ou requerendo a suspensão de tal execução, à luz do artigo 49º/3 do CP (ex vi do artigo 43º/2 do CP);
· Nos termos do art. 43.º, n.º 2, do CP, não tendo o arguido pago a multa, e não podendo agora já deitar mão do disposto no art. 49.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, cumprirá a pena de prisão aplicada na sentença (oito meses).

III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ).
Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)